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1 Relatório sobre a obra Ancient Law revisitado 150 Anos Depois de Orlando Villas Bôas Filho. Introdução O artigo de Villas Bôas Filho teve como objetivo realçar a relevância e o mérito da obra de Henry James Sumner Maine na formação e composição da antropologia e da sociologia jurídica. Para o autor do artigo, a tese central de Maine em Ancient Law, tem a finalidade de ressaltar e delinear uma nova forma de abordagem da relação entre o direito e a sociedade. A fim de então acentuar sua opinião sobre as temáticas da obra, é usado também daquelas pautadas por Norbert Rouland e Niklas Luhmann e demais autores. Apresentação de teses Para Rouland, a obra de Maine apresenta duas teses centrais, sendo essas a teoria dos estágios do desenvolvimento jurídico e a também a tentativa de estabelecer a anterioridade da descendência patrilinear e a sociedade patriarcal. A análise de Villas Bôas, especificamente, tratará com maior ênfase na teoria dos estágios de desenvolvimento tratando sobre a ideia de evolução do direito. A primeira tese ressaltada seria a noção de que as sociedades de todos os tipos tendem a se desenvolver, a respeito da parte jurídica, passando por fases que se repetem em todas as circunstâncias. Ainda sobre essas fases, para Maine elas se dividiam em três: a primeira, pode ser chamada de pré-jurídica, isso pois os reis proferiram julgamentos sobre disputas concretas a partir da mediação e inspiração de ordem divina; a segunda fase, se resultou a partir das repetições e padronizações dos julgamentos, seguindo de costumes das oligarquias e da realeza da época; Por fim, a terceira fase pode ser associada a um movimento democrático a fim de quebrar os monopólios oligárquicos da jurisdição, seria a fase dos códigos como as Doze Tábuas de Roma (Kelly, p.430-431, 2010). Ao expor, a teoria dos três estágios do desenvolvimento jurídico Villas Bôas Filho aponta que Maine procurava ressaltar que, num primeiro estágio, teria sido atribuída uma fonte divina ao direito; num segundo estágio, teria ocorrido uma identificação do direito pelo costume; por fim, o terceiro estágio de Maine entende o direito como a lei escrita e proposta por uma autoridade. 2 Status ao Contrato Segundo o jurista inglês, Maine, em todo âmbito do processo evolutivo jurídico na sociedade, o direito passou do status ao contrato, sendo esse o objeto principal de toda obra. Os conceitos de status e de contrato não são “expressões de instituto jurídicos exclusivamente lógicos”, isto pois, tais expressões se aproximam de princípios básicos da construção da ordem jurídica e da distribuição dos direitos e deveres bases de uma estrutura e corpo social (Luhmann, p.14, 2008). Logo, nas “sociedades primitivas”, para Maine, os direitos e as obrigações dos indivíduos seriam fixados de forma rígida de acordo com seu status, enquanto posteriormente, como decorrência do crescimento da mobilidade social dos diversos grupos, os direitos e deveres passariam a ser determinados pelo princípio do contrato (Luhmann, p.14, 2008). No direito das “sociedades primitivas”, os indivíduos seriam pertencentes a um grupo de modo que não seria possível afirmar a existência de indivíduos isolados, como a unidade básica da vida social, previamente à Constituição do grupo ao qual eles integram. A fim de ajustar-se a um sistema de pequenas corporações independentes, o direito primitivo surgiu para que as transações jurídicas passassem a ser entabuladas a partir da relação entre tais corporações e não mediante os intercursos entre os indivíduos (Maine, p.121, 1861). O escritor mexicano Penã, observa por fim que a obra de Maine também buscava consignar uma preocupação sobre às relações entre o indivíduo e grupo e às condições por intermedidos das quais os indivíduos passavam a se tornar sujeitos de direito (Penã, p.56, 2002). Oposição à Hobbes e Locke Sir Maine, em sua obra original, se opõe à teoria de Thomas Hobbes e de John Locke; para o autor a hipótese do homem ser um ser racional, livre e individual no seu estado de natureza não é verossímil e seria criada a partir de especulação, ou seja, são premissas inverificáveis e desprovidas de embasamento histórico (Maine, p. 110, 1861). Por fim, ainda se opondo aos contratualistas, o homem não poderia ser racional e individual, uma vez que ele já se encontrava inserido em família, de modo que o homem seria sociável ante do poder civil graças ao poder paternal que advém da família. Ainda sobre o aspecto do individualismo, Crawford Macpherson escreveu sobre a teoria política do individualismo possessivo, da qual Maine também busca discordar já que para o 3 autor o homem não é o proprietário de sua liberdade e de demais atributos morais (Tuck, p. 3, 1995). Segundo Maine, o homem poderia ser realmente descrito como selvagem já que ele não teria regras, limitações ou capacidade para qualquer acordo racional; na sociedade patriarcal, a qual Maine entende como a sociedade da época, o indivíduo era, era integrado à família e submetido ao poder paternal. Status Para Maine, o processo de organização de uma sociedade se inicia com o status, que surge a partir do laço de parentesco e se conclui no contrato a partir de uma racionalidade da evolução social. Ao parecer do autor, a participação no direito se daria a partir dos termos de status do qual conferiria capacidade jurídica; por fim para o mesmo a capacidade não é generalizada e sim atribuída. A Antropologia Jurídica e a Sociologia do Direito Ambas as abordagens surgem no século XIX e se direcionam às sociedades ditas “exóticas” e às sociedades ocidentais modernas (Rouland, p. 12-14, 1988), entretanto, essa restrição não é mais realidade, de modo que hoje a antropologia e a sociologia estão em uma crescente além do denominado povo primitivo. Devido as grandiosas obras de Maine, muitos autores como John Kelly, o consideram um dos fundadores da antropologia jurídica e da escola antropológica, que segundo Kelly seria uma escola da qual a convicção romântica no “espírito do povo”, isso é o Volksgeist, seria ausente. Kelly, ainda sublinha o caráter evolucionista que está presente na obra Ancient Law e acredita que ela pode ter gerado uma grande influência nos demais autores e pesquisadores da antropologia jurídica. Norbert Rouland, acredita que o esquema formulado por Maine foi inovador à época justamente por discordar e contrapor as teorias contratualistas de Hobbes e Locke (Rouland, p. 265, 1988). Logo no início da obra, Maine critica as teorias apresentadas pelos jusnaturalistas e os contratualistas, para o a autor ainda que elas “gozassem de preferência em relação às pesquisas acerca da história primitiva da sociedade e do direito, às mesmas eram carentes de verificação” (Maine, p.3, 1986). O Impacto de Maine na Sociologia do Direito Para Luhmann, a formação da sociologia do Direito, que surge na metade do século XIX, se afasta da análise entre o direito e a sociedade que era o comum até então; além de 4 também, aceitar a tese de que o vínculo entre ambos era indissolúvel. Em virtude deste vínculo, haveria certas normas jurídicas que seriam válidas igualmente a toda sociedade, a partir disso, a sociologia do Direito começa a entender o mesmo como um princípio indispensável que surge a partir das relações humanas. Ainda, o possível distanciamento em relação à "visão interna” do direito e sua fundamentação moral viria para caracterizar os esforços do que Luhmann chama de “abordagens clássicas da sociologia do direito" (Luhmann, p. 12, 1999); essas abordagens eram então compreendidas como sociológicas graças a avaliação moral a partir de perspectivas que não se condiziam. Alguma das premissas comuns entre as abordagens clássicas da sociologia do direito seriam: o direito, como estrutura normativa, é diferenciado da sociedade, tal qual a vidae a ação; o direito e a sociedades passam a ser definidos como duas variáveis dependentes entre si; em tais condições são estabelecidas hipóteses empiricamente verificáveis a partir das variações nas correlações entre sociedade e direito (Luhmann, p. 15-17, 1993). Por fim Luhmann acredita que as premissas teóricas de Maine apresentam uma contribuição à formação da sociologia de maneira geral, já que ela mostra uma evolução do direito em termos de passagem do status ao contrato, essa temática veio ainda a inspirar os ideais de Émile Durkheim enquanto ele escreve sobre à sociologia do direito (Tarot, p. 30-33, 2003). Renato Treves em sua obra Sociologia Del Diritto, aponta três concepções diferentes da sociologia do direito tal qual ocorre na obra de Maine, esses são: a concepção que a liga à sociologia geral; a concepção que a liga à teoria geral do direito; e pôr fim a concepção que a liga às sociologias particulares que se ocupam essencialmente de pesquisas empíricas. Desse modo, a obra de Maine seria uma expressão da primeira concepção da sociologia do direito, ou seja, aquela que mantém um vínculo com a sociologia do direito (Treves, p. 1-8, 2004). Maine e o Evolucionismo No que tange o meio intelectual do século XIX, o pensador Robert Deliège, evidencia que naquele período pairava uma preocupação a respeito da classificação dos povos e das instituições sociais, ainda junto a isso, havia uma tentativa de especificar as origens de tais instituições. A evolução aparecia, portanto, apenas em termos de um desenvolvimento progressivo em meio ao qual as formas mais “avançadas” de instituição eram consideradas superiores às formas “primitivas” (Deliège,1995). 5 O século XIX para muitos estudiosos poderia ser denominado como o século do ápice do evolucionismo, visto que neste as teorias biológicas de Lamarck e Darwin estavam em debate, além disso diversos autores adotarem o enfoque análogo em suas pesquisas tais qual Maine e os demais evolucionistas Morgan e Bachofen. (Copans, p. 36, 2010). Ao se referir a perspectiva evolucionista ao analisar as ideias fundamentais da mesma, Esteban Krotz ressalta que a mesma pode ser classificada com dois aspectos: a ideia de que todos os povos, até os “primitivos” e “selvagens”, seriam portadores de cultura e de potencial para desenvolvimento, o que os permitiria inferir e subsumir a uma ordem; e também a ideia de que toda ordem estaria submetida a um processo de desenvolvimento que se aplicaria a ordens normativas tal qual o direito (Krotz, p. 18-19, 2002). De modo geral, a ideia do evolucionismo, é marcada por um enfoque diacrônico, isto é, relativa a um conjunto de fatos sob o tempo, visto que o mesmo procura captar a mudança social na temporalidade histórica, a descrevendo a partir de leis gerais que supostamente regem o processo evolutivo (Rouland, p. 59, 1988). Norbert Rouland (1998) ainda aponta que o evolucionismo do século XIX apresenta outras características importantes como a ideia de que as sociedades humanas formariam um conjunto coerente e unitário subsumindo as leis gerais; ou a suposição de que todos os grupos humanos passaram por estágios idênticos e sucessivos no desenvolvimento de suas organizações econômicas, sociais e jurídicas; como também ocorreria uma concepção linear do tempo, decorrente da pressuposição de que o movimento evolutivo seria progressivo e submetido de fases idênticas; e ainda de que haveria a ausência de pesquisa de campo. Comparando o pensamento de Maine com o francês Émile Durkheim, a apresentação evolucionista do jurista apresentava o distanciamento entre as sociedades tradicionais e as modernas, onde as tradicionais eram caracterizadas por uma integração entre o indivíduo e grupos que discutiam entre as dimensões políticas, religiosas e jurídicas; já as modernas eram caracterizadas por sua grande diferenciação social (Rouland, p.56, 1988). Segundo Rouland, a evolução iniciada por Maine conduz a outras formas, um exemplo disso é no plano político que a evolução veio a conduzir as formas de dominação aos Estados centralizados; já no plano jurídico, a evolução do direito se processa em termos de uma separação progressiva em relação à moral e à religião, de forma que o direito transferiu sua gênese do costume do grupo social para a lei posta pelo Estado (Rouland, p. 58, 1988). As “Afinidades Eletivas” entre o Evolucionismo e o Imperialismo 6 As afinidades eletivas, se baseando na ideia utilizada por Weber ao descrever a relação entre a ética protestante e o espírito do capitalismo, existiram na antropologia do século XIX, sendo influenciada pelo evolucionismo e pela expansão imperialista. De modo geral, a administração colonial apoiou o desenvolvimento de instituições acadêmicas especializadas na produção de saber sobre os nativos, como museus e expedições, e antropólogos faziam o papel de prestar validação das políticas coloniais, ainda que eles fossem na sua maior parte críticos sobre essas atividades. É fato que o desenvolvimento da antropologia dependeu da dominação colonial, já que ela garantiu aos autores uma observação e análise para pesquisas. A obra de Maine, é considerada como um dos pilares da antropologia evolucionista por ser inserida no bojo da dominação colonial, já que ela tem estudos direcionados aos povos primitivos baseados em um pressuposto etnocentrismo de que as sociedades ocidentais eram superiores às demais (Villas Bôas, p. 552, 2012). Considerações Finais O artigo de Orlando Villas Bôas Filho teve como objetivo discorrer sobre a obra “Ancient Law'' de Henry Maine, visto que ele se trata de um clássico na antropologia e sociologia jurídica. Entretanto, ainda que a obra tenha demasiada importância no meio, Villas Boas não deixou de evidenciar os pressupostos evolucionistas, etnocentristas que mantiveram a relação de “afinidade eletiva” com o imperialismo e o colonialismo, de modo que ele se põe contrário sobre tais expostos. Ao fim do artigo, o autor ressalta que a ideia de identificar os aspectos importantes da obra de Maine surgiu sobretudo pelo fato de que ainda, que ele tenha uma importância histórica relevante, ele não ao é conhecido no Brasil mesmo que tendo 150 anos de publicação, de modo que as raras alusões feitas por escritores brasileiros se resumem a referências pontuais, sem uma discussão ou análise profunda. Para o autor, a falta de Maine no repertório dos autores brasileiros é inaceitável, pois ele apresenta um caráter pioneiro na análise histórica-comparativa do direito (Villas Bôas, p. 554, 2012), além disso ele discorre em sua obra sobre análises teóricas do direito, tal qual as doutrinas do direito natural, a questão equidade, uma crítica às ideias de Austin e Bentham sobre o direito e uma abordagem histórica sobre o contrato por exemplo. Ademais, Maine ainda 7 insiste em abordar outros autores como os contratualistas e iluministas que discutiam os temas na segunda metade do século XIX. Em suma, a obra se resume em uma análise detalhada sobre a obra de Maine tomando a devida preocupação de se posicionar contra alguns temas, como o etnocentrismo, e trazer opiniões de diversos autores contemporâneos. modernos e antigos para colaborar e sustentar a visão de Maine e de Villas Bôas enquanto analista do texto. Referências COPANS, Jean. Introduction à l’ethnologie et à l’anthropologie. 3é éd. Paris: Armand Colin, 2010. DELIÈGE, Robert. Anthropologie sociale et culturelle. 2e. édition. Bruxelles: De Boeck Wesmael, 1995. KELLY, John Maurice. Uma breve história da teoria do direito ocidental. Tradução de Marylene Pinto Michael. São Paulo: Martins Fontes, p. 430-431, 2010. KROTZ, Esteban. Sociedades, conflictos, cultura y derecho desde uma perspectiva antropológica. In: KROTZ, Esteban. (Ed.) Antropología jurídica: perspectivas socioculturales en el estudio del derecho.Rubí (Barcelona): Anthropos Editorial; México: Universidad Autónoma Metropolitana – Iztapalapa, p. 13-49, 2002. LUHMANN, Niklas. Rechtssoziologie. 4. Aufl. Wiesbaden: VS Verlag für Sozialwissenschaften, p. 14., 2008. MAINE, Henry James Sumner. Ancient Law, its Connection with the Early History of Society, and its Relation to Modern Ideas, p. 121, 1861. PEÑA, Guillermo de la. Costumbre, ley y procesos judiciales en la antropología clásica: apuntes introductorios,p 56, 2002. TAROT, Camille. Sociologie et anthropologie de Marcel Mauss. Paris: La Découverte, 2003. TREVES, Renato. Sociologia do direito: origens, pesquisas e problemas. Tradução de Marcelo Branchini. Barueri,SP: Manole, 2004. TUCK, Richard. Natural Rights Theories: their origin and development. Cambridge: Cambridge University Press, 1995. VILLAS BÔAS FILHO, Orlando. ANCIENT LAW – UM CLÁSSICO REVISITADO 150 ANOS DEPOIS. R. Fac. Dir. Univ. São Paulo, [s. l.], v. 106/107, p. 527 - 562, jan/dez. 2011/2012.
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