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I. Introdução
DOMÍNIO PÚBLICO
A expressão domínio público não tem um sentido preciso e induvidoso, como se extrai da lição dos autores que escreveram sobre o tema. Ao contrário, ela é empregada em sentidos variados, ora sendo dado o enfoque voltado para o Estado, ora sendo considerada a própria coletividade como usuária de alguns bens. Com efeito, é comum, de um lado, a referência ao domínio público no sentido dos bens que pertencem ao domínio do Estado ou que estejam sob sua administração e regulamentação. Nesse caso, o adjetivo público fica entrelaçado à noção de Estado, a quem é conferido um poder de dominação geral.1 Mas, de outro lado, pode o domínio público ser visto como um conjunto de bens destinados à coletividade, hipótese em que o mesmo adjetivo se estaria referindo ao público, de forma direta ou indireta. Nesse ângulo, incluir-se-iam não somente os bens próprios do patrimônio do Estado, como aqueles que servissem para a utilização do público em geral, mesmo quando fossem diversos dos bens que normalmente são objeto de propriedade (como as praças públicas, por exemplo) ou quando se caracterizassem pela inapropriabilidade natural (como o ar, por exemplo). Logicamente, este último sentido traduz maior amplitude que o primeiro. Parece-nos, pois, que, a despeito das dúvidas que o instituto suscita, melhor é considerá-lo em sentido amplo. Em consequência, podemos conceituar domínio público, na esteira de CRETELLA JÚNIOR, como “o conjunto de bens móveis e imóveis destinados ao uso direto do Poder Público ou à utilização direta ou indireta da coletividade, regulamentados pela Administração e submetidos a regime de direito público”.2
DOMÍNIO EMINENTE
Quando se pretende fazer referência ao poder político que permite ao Estado, de forma geral, submeter à sua vontade todos os bens situados em seu território, emprega-se a expressão domínio eminente. Domínio eminente não tem qualquer relação com o domínio de caráter patrimonial. O sentido da expressão alcança o poder geral do Estado sobre tudo quanto esteja em suas linhas territoriais, sendo esse poder decorrente de sua própria soberania. Não quer dizer que o Estado seja proprietário de todos os bens. Claro que não o é. Significa apenas a disponibilidade potencial de que é detentor em razão de seu poder soberano.3 Com esse sentido, o domínio eminente abrange as três categorias de bens, os quais, em tese, se sujeitam ao poder estatal:
os bens públicos; os bens privados; e os bens não sujeitos ao regime normal da propriedade, como, por exemplo, o espaço aéreo as águas.4
Desse aspecto político, que é inerente ao sentido de domínio eminente, defluem todas as formas de investida que o Estado emprega em relação à propriedade privada. Com efeito, pode o Estado transferir a propriedade privada, por meio da desapropriação, quando há utilidade pública ou interesse social; estabelecer limitações administrativas gerais à propriedade; criar regime especial de domínio em relação a algumas espécies de bens, como os situados no subsolo, nas águas, nas florestas etc. Em outras palavras, ainda que não sendo proprietário de todos os bens, o Estado pode instituir regimes jurídicos específicos que afetam fundamente o domínio.5 A noção de domínio eminente, como visto, não pode se confundir com a de domínio patrimonial, porque esta importa a inclusão daqueles bens que o Estado possui na qualidade de proprietário, tal como se fora uma pessoa privada.
II. Conceito
A matéria pertinente aos bens jurídicos em geral é tratada no Código Civil, que dedica um capítulo aos bens públicos e particulares. A regra básica está no art. 98, que dispõe: “São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.” A redação oferecida pelo Código vigente atualizou e aperfeiçoou a que constava do art. 65 do Código anterior, que só se referia, como titulares de tais bens, à União, aos Estados e aos Municípios. A despeito da relação anacrônica, compatível com a antiguidade do Código (1916), especialistas e órgãos judiciais já tinham o pensamento de que titulares dos bens públicos seriam todas as pessoas de direito público, incluindo-se nelas, portanto, o Distrito Federal, as autarquias e as fundações autárquicas de direito público.6
Com base no vigente dispositivo do novo Código, podemos, então, conceituar bens públicos como todos aqueles que, de qualquer natureza e a qualquer título, pertençam às pessoas jurídicas de direito público, sejam elas federativas, como a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, sejam da Administração descentralizada, como as autarquias, nestas incluindo-se as fundações de direito público e as associações públicas. Os elementos do conceito que já anteriormente apresentávamos foram sufragados pelo art. 98 do Código Civil, como é fácil concluir. Referimo-nos a bens de qualquer natureza, porque na categoria se inserem os bens corpóreos e incorpóreos, móveis, imóveis, semoventes, créditos, direitos e ações.7 Por outro lado, a menção à propriedade a qualquer título funda-se na especial circunstância de que no conceito tanto se incluem os bens do domínio do Estado na qualidade de proprietário em sentido estrito, quanto aqueles outros que, de utilização pública, se sujeitam ao poder de disciplinamento e regulamentação pelo Poder Público. É costume encontrar, em alguns textos, a expressão bens alodiais como relacionada aos bens públicos. A expressão foi cunhada na Idade Média e significava os bens que constituíam a propriedade definitiva – que, por isso mesmo, não estava sujeita a prazo nem a outras condições, além de beneficiar-se de isenções senhoriais feudais. Verifica-se, pois, ser impróprio o emprego da expressão na atualidade, a menos que para indicar bens públicos livres (alodialidade), o que, na prática, terá pouco reflexo quanto aos efeitos jurídicos.8 O elenco das pessoas jurídicas de direito público está no art. 41, do Código Civil. São elas: (a) a União Federal; (b) os Estados-membros e o Distrito Federal; (c) os Municípios; (d) os Territórios; (e) as autarquias (inclusive as fundações de direito público e as associações públicas);9 (f) outras pessoas de caráter público criadas por lei. Por conseguinte, deverão qualificar-se como bens públicos todos os que pertencerem a tais pessoas. A propósito da titularidade dos bens públicos, há uma particularidade a destacar: os titulares são as pessoas jurídicas públicas, e não os órgãos que as compõem. Na prática, tem ocorrido o registro de propriedade atribuído a Tribunal de Justiça, Assembleia Legislativa, Ministério Público. A indicação revela apenas que o bem foi adquirido com o orçamento daquele órgão específico, estando, por isso, afetado a suas finalidades institucionais. A propriedade, todavia, é do ente estatal, no caso, o Estado-membro, e não do órgão, que não tem personalidade jurídica e representa mera repartição interna da pessoa jurídica, por mais relevantes que sejam as suas funções. O efeito jurídico exclusivo de semelhante afetação é o de que, somente por exceção, deve o bem ser desvinculado dos fins institucionais do órgão, eis que, afinal, este o adquiriu com recursos próprios.
III. Bens das Pessoas Administrativas Privadas
Segundo clássica lição de HELY LOPES MEIRELLES, os bens das entidades paraestatais também se consideram bens públicos. Eis as palavras do renomado publicista: “Quanto aos bens
das entidades paraestatais (empresas públicas, sociedades de economia mista, serviços autônomos etc.), entendemos que são, também, bens públicos com destinação especial e administração particular das instituições a que foram transferidos para consecução dos fins estatutários”.10 Baseia-se o autor no fato de que tais bens são públicos em sua origem e em seus fins, e que apenas a sua administração é que é confiada à entidade paraestatal. Ressalva adiante, porém, que os referidos bens são sujeitos à oneração e sujeitam-se à penhora por dívidas da entidade, podendo, ainda, ser alienadosna forma como o dispuserem seus estatutos.11 O ensinamento do grande autor, entretanto, se nos afigura contraditório. Se incide sobre tais bens a normatividade básica atribuída aos bens privados, fica difícil caracterizá-los como bens públicos pela só circunstância de provirem de pessoas de direito público e de terem a finalidade de atender aos fins institucionais da entidade. Com todo o respeito que merece o grande autor, permitimo-nos discordar de seu entendimento. Parece-nos, ao contrário, que os bens das pessoas administrativas privadas, como é o caso das empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas de direito privado, devem ser caracterizados como bens privados, mesmo que em certos casos a extinção dessas entidades possa acarretar o retorno dos bens ao patrimônio da pessoa de direito público de onde se haviam originado.12 O fator que deve preponderar na referida classificação é o de que as entidades têm personalidade jurídica de direito privado e, embora vinculadas à Administração Direta, atuam normalmente com a maleabilidade própria das pessoas privadas. Aliás, não custa lembrar que a Lei no 6.404/1976, que dispõe sobre as sociedades anônimas, previa expressamente, no art. 242, que os bens de sociedades de economia mista sujeitavam-se normalmente ao processo de execução e penhora de seus bens, o que indica claramente que não se poderia mesmo tratar de bens públicos, haja vista que uma das características destes é exatamente a impenhorabilidade. Apesar de o dispositivo ter sido revogado pela Lei no 10.303, de 31.10.2001, o preceito nele contido subsiste normalmente, já que inexiste qualquer comando constitucional que autorize a extensão da qualidade de bens públicos aos referidos bens, como já tivemos a oportunidade de salientar. O vigente Código Civil resolveu definitivamente a questão. Com efeito, dispõe claramente o art. 98 do novo diploma, conforme destacado supra, que bens públicos são apenas os que pertencem a pessoas jurídicas de direito público interno e que todos os demais são particulares, “seja qual for a pessoa a que pertencerem”. Consequentemente, não há mais dúvida de que os bens de sociedades de economia mista e de empresas públicas, como entidades administrativas de direito privado que são, devem qualificar-se como bens privados. Exatamente esse, diga-se de passagem, foi o entendimento do STF, a nosso ver irreparável, em mandados de segurança impetrados pelo Banco do Brasil contra decisões do Tribunal de Contas da União, que determinaram fosse instaurado procedimento de tomada de contas especial visando à apuração de danos a seus próprios cofres. Entendeu o Tribunal que os bens e direitos das sociedades de economia mista não são bens públicos, mas bens privados inconfundíveis com os bens do Estado, não incidindo, desse modo, o art. 71, II, da CF, que fixa a competência do TCU para julgar as contas dos responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos.13 Não obstante, a Corte, em outro julgado, decidiu diametralmente em contrário, considerando aplicável o art. 71, II, da CF, e, consequentemente, legítima a tomada de contas pretendida pelo TCU. Fundou-se a decisão na circunstância de que o prejuízo causado a uma sociedade de economia mista afetaria a parte do capital pertencente ao Poder Público (capital majoritário com direito a voto) e, com isso, causaria lesão ao erário. Além disso, foi invocado o argumento segundo o qual se afigura híbrido o regime jurídico incidente sobre tais entidades.14 Em nosso entender, é preciso distinguir. Os valores e bens oriundos da gestão da empresa pública ou da sociedade de economia mista devem caracterizar-se, em princípio, como privados, já que, como temos visto, são elas pessoas jurídicas de direito privado (art. 98, Código Civil). Somente os bens e valores oriundos diretamente da pessoa controladora, normalmente a entidade federativa, e ainda não administrados pelo ente paraestatal, é que se qualificam (si et in quantum) como públicos. Dessa maneira, o controle do Tribunal de Contas executado com base no art. 71, II, da CF (que se refere a “dinheiros, bens e valores públicos”), somente tem incidência nestes últimos, ficando os primeiros fora do âmbito de controle. Por conseguinte, o regime jurídico dos bens das pessoas privadas da Administração será, em princípio, o aplicável às demais pessoas privadas. Pode ocorrer que, excepcionalmente, a lei instituidora da pessoa administrativa disponha de modo diverso, criando alguma regra especial de direito público. Essa norma, é claro, será derrogatória da de direito privado, mas os bens continuarão a ser considerados como privados. Como sucede, em regra, com as pessoas privadas, a alienação e a oneração de seus bens devem atender ao que dispõem os respectivos regulamentos. Excepcionalmente, a Lei no 11.284, de 2.3.2006, considerou florestas públicas, e, pois, bens públicos (cuja gestão regula), aquelas localizadas nos entes públicos e nas entidades da administração indireta, sem fazer distinção entre as de direito público e de direito privado (art. 3o, I). A ratio legis no caso é a ampliação protetiva dos ecossistemas e da biodiversidade, sendo de maior relevância sua caracterização em virtude de estar situada em área do domínio de qualquer pessoa administrativa, do que pela natureza em si da entidade. Mas cuida-se – insistimos – de exceção ao sistema geral adotado para a espécie.
IV. Classificação
QUANTO À TITULARIDADE
Os bens públicos, quanto à natureza da pessoa titular, classificam-se em federais, estaduais,distritais e municipais, conforme pertençam, respectivamente, à União Federal, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.
Bens Federais
A vigente Constituição enumera os bens da União e dos Estados, mas a enumeração não é taxativa. A enumeração tem mais o aspecto de partilha básica de alguns bens de caráter especial, que, por isso, devem merecer enfoque também especial. Os bens da União estão relacionados no art. 20, e a Carta levou em conta alguns critérios ligados à esfera federal, como a segurança nacional, a proteção à economia do país, o interesse público nacional e a extensão do bem. Em relação à segurança nacional, são bens federais as terras devolutas necessárias à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares (inciso II); os lagos e rios limítrofes com outros países (inciso III); o mar territorial (inciso VI); e os terrenos de marinha e seus acrescidos (inciso VII). O art. 20, IV , da Carta, confere à União o domínio sobre as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países, bem como as praias marítimas. Com relação às ilhas oceânicas e costeiras, o dispositivo também as considera bens da União. Anteriormente, a norma ressalvava as ilhas que estivessem no domínio dos Estados, Municípios ou de terceiros, referidas no art. 26, II, da CF. O dispositivo, porém, sofreu alteração pela EC no 46, de 8.5.2005, ampliando a ressalva e consignando serem bens da União “as ilhas oceânicas e costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal”.15 Para proteger a economia do país, foram elencados os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva (inciso V); os potenciais de energia hidráulica (inciso VIII); e os recursos minerais, inclusive os do subsolo (inciso IX). O critério de interesse público nacional implicou a inserção das vias federais de comunicação (inciso II); as terras devolutas necessárias à preservação ambiental (inciso II); as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos (inciso X); e as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios (inciso XI). Por fim, considerando a sua extensão, são bens federais os lagos e rios que banhem mais de um Estado (inciso III). Deve ser consignado que, em relação aos bens que atualmente pertencem à União e aos que vierem a pertencer (art. 20, I), tanto quanto no que concerne aos recursos minerais, inclusive os do subsolo (art. 20,IX), o STF consagrou o entendimento de que neles não estão incluídas as terras de aldeamentos extintos, mesmo se os indígenas as tiverem ocupado em passado remoto.16 Em relação aos bens imóveis da União, é preciso não esquecer o Decreto-lei no 9.760, de 5.9.1946, que é o diploma básico a regulamentar os vários aspectos relacionados aos bens federais. Vale a pena acrescentar que litígios que envolvam bens públicos federais, sejam de natureza penal, sejam de caráter civil, e que encerrem a necessidade de sua preservação, devem ser deslindados na justiça federal, mesmo na hipótese em que terceiro tenha a responsabilidade direta pela gestão dos bens.17
Bens Estaduais e Distritais
No art. 26, a Constituição enumera os bens dos Estados:
as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, com a ressalva daquelas que se originem de obras da União; as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio; as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União; as terras devolutas não compreendidas entre as da União.
Repita-se que a relação não é taxativa. Ao Estado pertencem outros bens, como, por exemplo, os prédios estaduais, a dívida ativa, os valores depositados judicialmente para a Fazenda Estadual e outros.18 Em relação ao Distrito Federal, parece-nos que o rol fixado constitucionalmente a ele também se aplica. Embora a Constituição, no art. 16, se tenha referido apenas aos Estados, e no art. 32, que trata do Distrito Federal, não tenha feito alusão à matéria dos bens públicos, o certo é que não estabeleceu qualquer vedação a que houvesse identidade de tratamento no assunto. Ao contrário, emana do sistema constitucional a aproximação do Distrito Federal com os Estados-membros. Assim, não vemos razão para não lhe estender as regras relativas aos Estados.
Bens Municipais
Os Municípios não foram contemplados com a partilha constitucional de bens públicos. Todavia, é claro que há vários desses bens que lhes pertencem. Como regra, as ruas, praças, jardins públicos, os logradouros públicos pertencem ao Município. Integram-se entre seus bens, da mesma forma, os edifícios públicos e os vários imóveis que compõem seu patrimônio. E, por fim, os dinheiros públicos municipais, os títulos de crédito e a dívida ativa também são bens municipais.19
QUANTO À DESTINAÇÃO
a) b) c)
2.1.
2.2.
Considerando a destinação, vale dizer, o objetivo a que se destinam, os bens públicos classificam-se em:
bens de uso comum do povo; bens de uso especial; e bens dominicais.
Essa classificação não é nova. Ao tratar dos bens públicos e particulares, o Código Civil procedeu à distinção entre essas três categorias de bens, procurando explicá-la no art. 99 do Código Civil. Vejamos os dados mais significativos dessa classificação.
Bens de Uso Comum do Povo
Como deflui da própria expressão, os bens de uso comum do povo são aqueles que se destinam à utilização geral pelos indivíduos, podendo ser federais, estaduais ou municipais. Nessa categoria de bens não está presente o sentido técnico de propriedade, tal como é conhecido esse instituto no Direito. Aqui o que prevalece é a destinação pública no sentido de sua utilização efetiva pelos membros da coletividade. Por outro lado, o fato de servirem a esse fim não retira ao Poder Público o direito de regulamentar o uso, restringindo-o ou até mesmo o impedindo, conforme o caso, desde que se proponha à tutela do interesse público. São bens de uso comum do povo os mares, as praias, os rios, as estradas, as ruas, as praças e os logradouros públicos (art. 99, I, do Código Civil).
Bens de Uso Especial
Bens de uso especial são aqueles que visam à execução dos serviços administrativos e dos serviços públicos em geral. A denominação não é muito precisa, mas indica que tais bens constituem o aparelhamento material da Administração para atingir os seus fins. Da mesma forma que os de uso comum do povo, podem ser federais, estaduais e municipais. Quanto ao uso em si, pode dizer-se que primordialmente cabe ao Poder Público. Os indivíduos podem utilizá-los na medida em que algumas vezes precisam estar presentes nas repartições estatais, mas essa utilização deverá observar as condições previamente estabelecidas pela pessoa pública interessada, não somente quanto à autorização, ao horário, preço e regulamento.20 Aspecto que não é comumente analisado pelos estudiosos é o relativo à natureza dos bens de uso especial. O antigo Código Civil, no art. 66, II, mencionava “os bens de uso especial, tais como os edifícios ou terrenos aplicados a serviço ou estabelecimento federal, estadual ou municipal”. Os exemplos dados pelo dispositivo, a título de mero esclarecimento, podiam gerar dúvidas quanto à
2.3.
natureza dos bens que formam essa categoria, vale dizer, se deveriam ser apenas imóveis, ou se poderiam ser móveis ou imóveis. Alguns autores não faziam qualquer referência à hipótese. Mas a verdade é que, a despeito da exemplificação contida no dispositivo, devia-se ter em mira a utilização dos bens para a consecução das atividades administrativas em geral, razão por que poderia tratar-se de bens móveis ou imóveis.21 O novo Código Civil manteve o perfil jurídico atribuído a tais bens pelo Código de 1916. Ajustou, no entanto, o seu texto, inserindo o termo administração para qualificar o nível da entidade federativa – federal, estadual, municipal e territorial, este não mencionado anteriormente. De outro lado, incluiu na categoria dos bens de uso especial os pertencentes a autarquias, quando, logicamente, estejam a serviço de atividade inerente à função que lhes foi cometida. De acordo com o novo diploma, são bens públicos “os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviços ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias” (art. 99, II).22 São bens de uso especial os edifícios públicos, como as escolas e universidades, os hospitais, os prédios do Executivo, Legislativo e Judiciário, os quartéis e os demais onde se situem repartições públicas; os cemitérios públicos; os aeroportos; os museus; os mercados públicos; as terras reservadas aos indígenas etc. Estão, ainda, nessa categoria, os veículos oficiais, os navios militares e todos os demais bens móveis necessários às atividades gerais da Administração, nesta incluindo-se a administração autárquica, como passou a constar do Código Civil em vigor. Registre-se, ainda, que não perdem a característica de bens de uso especial aqueles que, objetivando a prestação de serviços públicos, estejam sendo utilizados por particulares, sobretudo sob regime de delegação.23
Bens Dominicais
De acordo com o antigo Código Civil, os bens dominicais eram “os que constituem o patrimônio da União, dos Estados ou dos Municípios, como objeto de direito pessoal ou real de cada uma dessas entidades” (art. 66, III). O novo Código Civil alargou um pouco o conceito, substituindo a alusão à União, Estados e Municípios pela expressão pessoas jurídicas de direito público (art. 99, III), à evidência mais abrangente e compatível com a própria ideia de bens públicos traduzida no art. 98. A noção é residual, porque nessa categoria se situam todos os bens que não se caracterizem como de uso comum do povo ou de uso especial.24 Se o bem, portanto, serve ao uso público em geral, ou se se presta à consecução das atividades administrativas, não será enquadrado como dominical. Desse modo, são bens dominicais as terras sem destinação pública específica (entre elas, as terras devolutas, adiante estudadas), os prédios públicos desativados, os bens móveis inservíveis e a
3.
dívida ativa. Esses é que constituem objeto de direito real ou pessoal das pessoas jurídicas de direito público. Costuma indagar-se sobre a diferença entre bens dominicais e bens dominiais. Alguns autores empregam esta última expressão para designar aqueles bens.25 Outros aludem aos bens dominicais, aduzindo que são também denominados de “dominiais”.26 CRETELLA JUNIOR, porém, distingue as noções, reservando a expressão bensdominiais como gênero indicativo dos bens do domínio do Estado e bens dominicais como sendo os bens que constituem o patrimônio dos entes públicos, objeto de direito real ou pessoal.27 De fato, o adjetivo dominicus, em latim, tinha o sentido de “do senhor; o que pertence ao senhor”.28 Ora, a noção ampla de domínio tanto envolve os bens dominicais como os de uso especial. Por isso, a expressão bens dominicais, de acordo com sua origem, nem alcança todos os bens públicos, nem somente os tidos como dominicais. Apesar da imprecisão do termo, pode considerar-se que a noção de bens dominicais implica caráter residual, isto é, são todos os que não estejam incluídos nas demais categorias de bens públicos. Trata-se, por conseguinte, de noção ex vi legis. Já a expressão bens dominiais, como distingue CRETELLA JUNIOR, deve indicar, de forma genérica, os bens que formam o domínio público em sentido amplo, sem levar em conta sua categoria, natureza ou destinação. O novo Código Civil apresentou inovação no que concerne aos bens dominicais. Dispõe o art. 99, parágrafo único, que, não dispondo a lei em contrário, “consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado”. A norma é de difícil compreensão. O que significaria dar estrutura de direito privado a uma pessoa de direito público? A ideia da norma é, no mínimo, estranha. Há duas hipóteses que teriam pertinência no caso: ou a pessoa de direito público se transforma em pessoa de direito privado, logicamente adotando a estrutura própria desse tipo de entidade; ou continua sendo de direito público, apenas adaptando em sua estrutura alguns aspectos (e não podem ser todos!) próprios de pessoas de direito privado. Ao que parece, somente essa segunda hipótese se conformaria ao texto legal, mas fica difícil entender a razão do legislador. Se a intenção foi a de tornar mais flexível a disponibilização dos bens dessas entidades, qualificando-os como dominicais, seria mais razoável que a lei responsável pela introdução da nova estrutura de direito privado já atribuísse aos bens a referida qualificação, e isso porque o novo diploma já estabelece que os bens dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei (art. 101). Desse modo, não nos parece ter sido feliz o legislador nessa inovação.
QUANTO À DISPONIBILIDADE
Essa classificação tem por fim distinguir os bens públicos no que diz respeito à sua disponibilidade em relação às pessoas de direito público a que pertencem. Sob esse prisma, podemos classificá-los em:
a) b) c)
3.1.
3.2.
3.3.
bens indisponíveis; bens patrimoniais indisponíveis; e bens patrimoniais disponíveis.
Bens Indisponíveis
Como o informa a expressão, bens indisponíveis são aqueles que não ostentam caráter tipicamente patrimonial e que, por isso mesmo, as pessoas a que pertencem não podem deles dispor. Não poder dispor, no caso, significa que não podem ser alienados ou onerados nem desvirtuados das finalidades a que estão voltados. Significa, ainda, que o Poder Público tem o dever de conservá-los, melhorá-los e mantê-los ajustados a seus fins, sempre em benefício da coletividade. São bens indisponíveis os bens de uso comum do povo, porquanto se revestem de característica não patrimonial. Incluem-se, então, os mares, os rios, as estradas, as praças e logradouros públicos, o espaço aéreo etc., alguns deles, é óbvio, enquanto mantiverem essa destinação.
Bens Patrimoniais Indisponíveis
Essa classificação leva em consideração dois aspectos: o primeiro é o relativo à natureza patrimonial do bem público e o segundo é a sua característica de indisponibilidade.29 Tais bens possuem caráter patrimonial, porque, mesmo sendo indisponíveis, admitem em tese uma correlação de valor, sendo, por isso, suscetíveis de avaliação pecuniária. São indisponíveis, entretanto, porque utilizados efetivamente pelo Estado para alcançar os seus fins. Ainda que terceiros possam usá-los, tais bens são indisponíveis enquanto servirem aos fins estatais. Enquadram-se nessa categoria os bens de uso especial, sejam móveis ou imóveis, porque, como visto, são eles sempre os instrumentos de ação da Administração Pública. Enquanto o forem, serão bens patrimoniais indisponíveis.30
Bens Patrimoniais Disponíveis
Diversamente da categoria anterior, os bens patrimoniais disponíveis, embora também tenham caráter patrimonial como os da categoria anterior, podem ser alienados, obviamente nas condições que a lei estabelecer. Não é, portanto, a possibilidade de livre alienação, que é coisa diversa; é, isto sim, a disponibilidade dentro das condições legalmente fixadas. Os bens patrimoniais disponíveis são os bens dominicais em geral, porque nem se destinam ao público em geral, nem são utilizados para o desempenho normal das atividades administrativas.
V. Afetação e Desafetação
O tema da afetação e da desafetação diz respeito aos fins para os quais está sendo utilizado o bem público. Se um bem está sendo utilizado para determinado fim público, seja diretamente do Estado, seja pelo uso dos indivíduos em geral, diz-se que está afetado a determinado fim público. Por exemplo: uma praça, como bem de uso comum do povo, se estiver tendo sua natural utilização, será considerada um bem afetado ao fim público. O mesmo se dá com um ambulatório público: se no prédio estiver sendo atendida a população com o serviço de assistência médica e ambulatorial, estará ele também afetado a um fim público. Ao contrário, o bem se diz desafetado quando não está sendo usado para qualquer fim público. Por exemplo: uma área pertencente ao Município na qual não haja qualquer serviço administrativo é um bem desafetado de fim público. Uma viatura policial alocada ao depósito público como inservível igualmente se caracteriza como bem desafetado, já que não utilizado para a atividade administrativa normal. Afetação e desafetação são os fatos administrativos dinâmicos que indicam a alteração das finalidades do bem público. Se o bem está afetado e passa a desafetado do fim público, ocorre a desafetação; se, ao revés, um bem desativado passar a ter alguma utilização pública, poderá dizer-se que ocorreu a afetação. Dessa maneira, pode conceituar-se a afetação como sendo o fato administrativo pelo qual se atribui ao bem público uma destinação pública especial de interesse direto ou indireto da Administração. E a desafetação é o inverso: é o fato administrativo pelo qual um bem público é desativado, deixando de servir à finalidade pública anterior.31 Em tal situação, como já se afirmou corretamente, a desafetação traz implícita a faculdade de alienação do bem.32 A afetação e a desafetação servem para demonstrar que os bens públicos não se perenizam, em regra, com a natureza que adquiriram em decorrência de sua destinação. Um prédio onde haja uma Secretaria de Estado em funcionamento pode ser desativado para que o órgão seja instalado em local diverso. Esse prédio, como é lógico, sairá de sua categoria de bem de uso especial e ingressará na de bem dominical. A desativação do prédio implica sua desafetação. Se, posteriormente, no mesmo prédio for instalada uma creche organizada pelo Estado, haverá afetação, e o bem, que estava na categoria dos dominicais, retornará a sua condição de bem de uso especial. Outro exemplo é o da desestatização (privatização), que também pode render ensejo à desafetação.33 Até mesmo os bens de uso comum do povo podem sofrer alteração em sua finalidade, como é o caso, por exemplo, de uma praça pública que desaparece, em razão de projeto urbanístico, para dar lugar a uma rua e a um terreno público sem utilização. Nesse caso, o bem que era de uso comum do povo converteu-se, parte, em outro bem de uso comum do povo (a nova rua), e parte, em bem dominical (o terreno sem utilização). Poder-se-á dizer, na hipótese, que houve desafetação parcial, pois que parte do bem que tinha finalidade pública passou a não mais dispor desse fim (o terreno).34
1.
Por fim, deve destacar-se que a afetação e a desafetação constituem fatos administrativos,ou seja, acontecimentos ocorridos na atividade administrativa independentemente da forma com que se apresentem. Embora alguns autores entendam a necessidade de haver ato administrativo para consumar-se a afetação ou a desafetação, não é essa realmente a melhor doutrina em nosso entender. O fato administrativo tanto pode ocorrer mediante a prática de ato administrativo formal, como através de fato jurídico de diversa natureza.35 Significa que, até mesmo tacitamente, é possível que determinada conduta administrativa produza a afetação ou a desafetação, bastando, para tanto, verificar-se no caso o real intento da Administração.36 Suponha-se, para exemplificar, que um terreno sem utilização venha a ser aproveitado como área de plantio para órgão público de pesquisa: o bem, que era dominical, passará a ser de uso especial, havendo, portanto, afetação. Essa transformação de finalidade certamente será processada através de ato administrativo. Suponha-se, contrariamente, que um incêndio destrua inteiramente determinado prédio escolar: o bem que era de uso especial se transformou em bem dominical. Do momento em que esse imóvel não mais possa servir à finalidade pública inicial, podemos dizer que terá havido desafetação, e sua causa não terá sido um ato, mas sim um fato jurídico – o incêndio.37 Por tudo isso é que entendemos ser irrelevante a forma pela qual se processa a alteração da finalidade do bem quanto a seu fim público ou não. Relevante, isto sim, é a ocorrência em si da alteração da finalidade, significando que na afetação o bem passa a ter uma destinação pública que não tinha, e que na desafetação se dá o fenômeno contrário, ou seja, o bem, que tinha a destinação pública, passa a não mais tê-la, temporária ou definitivamente. Na verdade, é forçoso reconhecer que até o legislador peca pela falta de técnica. A Lei nº 13.465/2017, que cuida da regularização fundiária urbana e rural, estabelece, no art. 71, que, para a implementação desse programa, estariam “dispensadas” a desafetação e outras exigências nas alienações de bens públicos. A impropriedade é flagrante. O legislador pretendeu apenas dizer que estaria dispensada a prática de ato administrativo formal. Mas o só fato de o Estado providenciar a alienação de alguns bens imóveis, como é o caso, já consuma a desafetação, seja ou não praticado ato formal. O que importa é que o Estado abdica do domínio de seus bens em favor de particulares.
VI. Regime Jurídico
ALIENABILIDADE CONDICIONADA
É comum ouvir-se que os bens públicos têm como característica a inalienabilidade. Na verdade, porém, a afirmação não resulta de análise precisa sobre o tema. Se é certo que, em algumas situações especiais, os bens públicos não podem ser alienados, não é menos certo que, na maioria das vezes, podem ser alteradas tais situações de modo a tornar
possível a alienação. O Código Civil de 1916 dispunha que os bens somente perderiam a inalienabilidade, que lhes era peculiar, nos casos e forma que a lei estabelecesse (art. 67). A despeito da redação um pouco confusa do texto legal, entendia-se que o aspecto peculiar de inalienabilidade só atingiria os bens de uso comum do povo e os de uso especial, estes enquanto estivessem servindo aos respectivos fins.38 Os bens dominicais, por via de consequência, seriam passíveis de alienação na forma da lei. Entretanto, os bens de uso especial e alguns de uso comum do povo,39 ao serem objeto de desafetação, passam à categoria dos bens dominicais, como já observamos, o que também poderá ensejar a sua alienação. Desse modo, já sob a égide do Código anterior, seria impróprio falar-se em inalienabilidade; a melhor interpretação era a de que os bens teriam como característica a alienabilidade condicionada, vale dizer, a alienação deveria ser efetivada em conformidade com o que a lei dispusesse.40 O novo Código Civil disciplinou a matéria com maior precisão e exatamente nos termos que deduzimos acima. No art. 100, dispõe o novo diploma: “Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar”. O art. 101, a seu turno, consigna: “Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei”. Emana de tais preceitos que a regra é a alienabilidade na forma em que a lei dispuser a respeito, atribuindo-se a inalienabilidade somente nos casos do art. 100, e assim mesmo enquanto perdurar a situação específica que envolve os bens. Anote-se, à guisa de complementação, que alienação é um fato jurídico. Indica a transferência da propriedade de determinado bem móvel ou imóvel de uma pessoa para outra. Portanto, quando se faz referência à alienação de bem público, a ideia que se deseja transmitir é a de que a pessoa de direito público transfere para terceiros bem móvel ou imóvel de sua propriedade. Diverso do fato jurídico em si são os instrumentos idôneos à sua consumação. Há diversos instrumentos de alienação de bens, normalmente de caráter contratual. Assim, podem os bens públicos ser alienados por força de contratos de compra e venda, de doação, de permuta e de dação em pagamento, como, aliás, também se passa com os bens privados. Pode ocorrer, mas a título de exceção, que a própria Constituição atribua a determinado tipo de bem o caráter de indisponibilidade. É o caso, por exemplo, do art. 225, § 5o, da Carta vigente, segundo o qual “são indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais”. Trata-se, porém, de hipótese específica, de nível constitucional, em que o Constituinte pretendeu preservar a destinação de certos bens, tornando-os insuscetíveis de disponibilidade por força de lei ordinária. Em compensação, nada impede que, em função da mesma Constituição, a indisponibilidade seja transformada em disponibilidade condicionada, o que revela que tal situação de inalienabilidade tem caráter relativo, a despeito da previsão constitucional. Enfim, vale a pena concluir formulando a seguinte indagação: como se pode caracterizar os bens
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públicos com a marca da inalienabilidade, se a própria Lei no 8.666/1993 (o Estatuto de Contratos e Licitações) destina capítulo no qual regula, entre os arts. 17 a 19, exatamente as alienações de bens públicos móveis e imóveis? Só por aí se vê que não há inalienabilidade, mas sim alienabilidade sujeita às condições alinhadas na referida disciplina normativa.
IMPENHORABILIDADE
A penhora é ato de natureza constritiva que, no processo, recai sobre bens do devedor para propiciar a satisfação do credor no caso do não cumprimento da obrigação. O bem sob penhora pode ser alienado a terceiros para que o produto da alienação satisfaça o interesse do credor. Os bens públicos, porém, não se sujeitam ao regime da penhora, e por esse motivo são caracterizados como impenhoráveis. A impenhorabilidade tem lastro constitucional. Dispõe o art. 100 da Constituição Federal que os créditos de terceiros contra a Fazenda Pública, em virtude de sentença judicial, são pagos através do sistema de precatórios, em que o Judiciário recomenda ao Executivo que introduza o crédito, em ordem cronológica, na relação de credores para ulterior pagamento. Atualmente, no entanto, como já vimos, o § 3o do art. 100 da CF, introduzido pela EC no 20/1998 (reforma da Previdência Social), admite que créditos de pequeno valor, a ser este definido em lei, possam ser exigíveis fora do sistema de precatórios. De qualquer modo, o novo dispositivo em nada interfere no que toca à garantia da impenhorabilidade dos bens públicos. A lei processual civil regulamenta a matéria nos arts. 730 e 731, do CPC/1973 (arts. 534 e 535, § 3o, I, e 910, novo CPC), confirmando a especificidade das regras sobre a execução contra a Fazenda Pública. Relembre-se, por oportuno, que a impenhorabilidade tem o escopo de salvaguardar os bens públicos desse processo de alienação, comum aos bens privados. Com efeito, admitir-se a penhora de bens públicos seria o mesmo que admitir sua alienabilidadenos moldes do que ocorre com os bens particulares em geral. A característica, por conseguinte, tem intuito eminentemente protetivo. É bem verdade que há alguma doutrina que advoga a penhorabilidade de bens públicos dominicais, quando estiverem sendo utilizados em caráter privado.41 Semelhante posição, contudo, além de minoritária, não encontra ressonância no ordenamento jurídico vigente; ao contrário, esbarra no princípio da garantia dos bens públicos, independentemente da categoria a que pertençam. O fato de serem objeto de uso por particulares, por se caracterizarem como bens dominicais, não elide a sua garantia, já que esse tipo de uso se insere na gestão normal dos bens públicos levada a efeito pelos entes titulares.
IMPRESCRITIBILIDADE
A imprescritibilidade significa que os bens públicos são insuscetíveis de aquisição por
usucapião, e isso independentemente da categoria a que pertençam.42 Houve, é bem verdade, inúmeros questionamentos a respeito dessa característica especial dos bens públicos. Contudo, o Direito brasileiro sempre dispensou aos bens públicos essa proteção, evitando que, por meio do usucapião, pudessem ser alienados como o são os bens privados, quando o possuidor mantém a posse dos bens por determinado período.43 Atualmente, a Constituição estabelece regra específica a respeito, dispondo, no art. 183, § 3o, que os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião, norma, aliás, repetida no art. 191, relativa a imóveis públicos rurais. Desse modo, mesmo que o interessado tenha a posse de bem público pelo tempo necessário à aquisição do bem por usucapião, tal como estabelecido no direito privado, não nascerá para ele o direito de propriedade, porque a posse não terá idoneidade de converter-se em domínio pela impossibilidade jurídica do usucapião. A ocupação ilegítima em área do domínio público, ainda que por longo período, permite que o Estado formule a respectiva pretensão reintegratória, sendo incabível a alegação de omissão administrativa.44 Por outro lado, não são indenizáveis acessões e benfeitorias realizadas sem prévia notificação ao Poder Público (art. 90, Decr.-lei no 9.760/1946, que dispõe sobre imóveis da União). Há entendimentos no sentido de que os bens dominicais seriam usucapíveis e que o art. 188 da CF, por ter-se referido conjuntamente a terras públicas e terras devolutas, teria criado outra categoria de bens públicos, admitindo o usucapião dessas últimas.45 Ousamos discordar, data venia, de semelhante pensamento. No primeiro caso, os bens dominicais se enquadram como bens públicos, estando, portanto, protegidos contra a prescrição aquisitiva. No segundo, houve, de fato, impropriedade no texto constitucional, mas a interpretação sistemática não conduz à criação de nova categoria de bens públicos. As terras devolutas, como se verá adiante, se inserem nos bens públicos, de modo que a elas também terá que ser estendida a garantia constitucional.46 O novo Código Civil espancou qualquer dúvida que ainda pudesse haver quanto à imprescritibilidade dos bens públicos, seja qual for a sua natureza. Nele se dispõe expressamente que “os bens públicos não estão sujeitos a usucapião” (art. 102). Como a lei não distinguiu, não caberá ao intérprete distinguir, de modo que o usucapião não poderá atingir nem os bens imóveis nem os bens móveis. É verdade que há entendimento no sentido de que é vedado o usucapião apenas sobre bens materialmente públicos, assim considerados aqueles em que esteja sendo exercida atividade estatal, e isso porque somente estes estariam cumprindo função social.47 Reafirmando tal distorção, já se decidiu, equivocadamente em nosso entender, que a imprescritibilidade alcança bens da Caixa Econômica, no caso de ser financiado pelo Sistema Financeiro de Habitação, ainda que se trate de pessoa de direito privado.48 Trata-se de desvio de perspectiva não autorizado nem pela Constituição nem pela lei civil e do qual dissentimos, com a devida vênia. O argumento da função social nos parece infundado, e isso porque se proprietário e financiador se mostram inertes quanto a
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propriedade, é porque não há nenhuma função social, nem justificativa para prejudicar o direito do terceiro possuidor. A Lei no 11.977, de 7.7.2009, que dispõe sobre o “Programa Minha Casa, Minha Vida”, prevê a conversão da legitimação da posse em registro de propriedade, “tendo em vista sua aquisição por usucapião, na forma do art. 183 da Constituição Federal” (art. 60). Infelizmente, o legislador só fez aumentar a confusão sobre a matéria. Na verdade, nem há usucapião, nem o autoriza o art. 183 da CF. A aquisição da propriedade, ao contrário, decorre da própria autorização contida na lei.49
NÃO ONERABILIDADE
Onerar um bem significa deixá-lo como garantia para o credor no caso de inadimplemento da obrigação. Exemplos de direitos reais sobre a coisa alheia são o penhor, a hipoteca e a anticrese, mencionados no art. 1.419 do vigente Código Civil. No direito público, não podem bens públicos ser gravados com esse tipo de direitos reais em favor de terceiros. E por mais de uma razão. Primeiramente, é a própria Constituição que contemplou o regime de precatórios para o pagamento dos créditos de terceiros contra a Fazenda, excluindo, desse modo, o sistema da penhora processual. Ora, se aqueles direitos reais se caracterizam pela possibilidade de execução direta e penhora, como conciliar essa garantia com o princípio da impenhorabilidade dos bens públicos? Como bem registra HELY LOPES MEIRELLES, se uma garantia real deixa de satisfazer os seus fins, não seria, de modo algum, garantia real.50 Outra razão decorre da própria lei civil. Segundo esta, só aquele que pode alienar poderá hipotecar, dar em anticrese ou empenhar.51 Ora, os bens de uso comum e os de uso especial são inalienáveis enquanto destinados a seus fins. Em relação aos dominicais, é certo que o administrador público, como vimos, não pode livremente alienar; ao contrário, a alienação só é possível nos casos e na forma que a lei prescrever. Fica, portanto, inviável a onerabilidade dos bens públicos. Inviável e incompatível com as garantias que defluem dos direitos reais sobre a coisa alheia.52 Temos, pois, que o credor do Poder Público não pode ajustar garantia real sobre bens públicos. Se, por desvio jurídico, as partes assim ajustarem, a estipulação é nula e não pode ensejar os efeitos normalmente extraídos desse tipo de garantia. O credor terá que se sujeitar ao regime previsto no mandamento do art. 100 da Carta em vigor, isto é, o regime de precatórios.
VII. Aquisição
INTRODUÇÃO
Para que o Estado atinja seus fins, é preciso utilizar-se das mais variadas espécies de bens.
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Alguns deles já estão integrados em seu acervo, mas outros precisam ser adquiridos de terceiros pelas mais diversas razões de ordem administrativa. São inúmeros os mecanismos através dos quais a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias e fundações de direito público conseguem que bens de terceiros ingressem em seu acervo. Há causas contratuais, decorrentes de negócios jurídicos regulados pelo direito privado. Há causas naturais, como fenômenos da natureza. Há, ainda, causas jurídicas, como aquelas a que a lei dá esse efeito especial translativo. Esses bens geralmente são privados, mas quando adquiridos pelas pessoas públicas convertem-se em bens públicos. Por esse motivo, quando falamos em aquisição de bens públicos indicamos o sentido daqueles bens que, adquiridos pelo Poder Público, passam a qualificar-se como bens públicos. Enfim, para estudo mais didático do tema, vale a pena comentarmos essas formas de aquisição de bens públicos, o que faremos adiante, após a classificação dessas formas.
CLASSIFICAÇÃO
A aquisição divide-se em dois grupos: a aquisição originária e a aquisição derivada. Na aquisição originária não há a transmissão da propriedade por qualquer manifestação de vontade. A aquisição é direta. O adquirente independe da figura do transmitente.53 Nesse tipo de aquisição, não há ensejo para discussão sobre víciosde vontade ou vícios de legalidade quanto à transmissão do bem. Exemplo de aquisição originária é o da acessão por aluvião, em que a margem ribeirinha se vai ampliando por extensão provocada pelas águas. A pesca e a caça também propiciam a aquisição originária dos animais. Já na aquisição derivada há uma cadeia de transmissibilidade do bem, ou seja, alguém transmite um bem ao adquirente mediante certas condições por eles estabelecidas. Esse tipo de aquisição rende ensejo à discussão sobre vícios da vontade e sobre o próprio negócio jurídico de transferência do bem.54 Exemplo de aquisição derivada é a que resulta de contrato de compra e venda, com a transcrição do título do Registro de Imóveis. Os efeitos dessas formas de aquisição aplicam-se também à aquisição de bens pelas pessoas de direito público. Quando a forma de aquisição é regulada pelo direito privado, essas regras incidem na relação jurídica de que faz parte a pessoa de direito público. Portanto, em cada caso é preciso verificar se a forma aquisitiva é própria do direito privado ou se apresenta disciplina específica de direito público.
FORMAS DE AQUISIÇÃO
Contratos
Entre as várias formas pelas quais o Poder Público adquire bens, destaca-se a dos contratos. Como qualquer particular, o Estado pode celebrar contratos visando a adquirir bens, já que as entidades em que se subdivide são dotadas de personalidade jurídica, com aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações. Desse modo, as entidades públicas podem, na qualidade de adquirentes, firmar contratos de compra e venda, de doação, de permuta e de dação em pagamento. Na verdade, é absolutamente jurídico que entidade beneficente privada faça doação de bens ao Estado ou ao Município. Também não surpreende que um contribuinte de tributos estaduais, não tendo como solver seu débito, celebre com o Estado ajuste de dação em pagamento. E assim por diante. Em todos esses casos as entidades públicas figuram como adquirentes de bens de terceiros. Alguns pontos, porém, devem ser considerados nesse tema. Primeiramente, todos esses contratos são de natureza privada, sendo, por conseguinte, regulados pelo direito privado. Os princípios que sobre eles incidem não recebem o influxo de cláusulas de privilégio ou exorbitantes do direito comum, como ocorre nos contratos administrativos. Ao contrário, Estado adquirente e terceiro alienante se encontram no mesmo plano jurídico, de modo que o Poder Público nesse caso atua muito mais em função de seu ius gestionis do que de seu ius imperii. Ressalve-se, contudo, que a compra de bens móveis necessários aos fins administrativos se caracteriza como contrato administrativo, incidindo, por conseguinte, todas as prerrogativas atribuídas por lei ao Poder Público (art. 37, XXI, da CF e Lei no 8.666/1993). A aquisição de bens públicos através de contrato não atribui ao administrador público a mesma liberdade que possuem os particulares em geral para manifestar a vontade aquisitiva, e nem poderia ser de outra maneira. Como a Administração Pública só se legitima se estiver em conformidade com a lei, é natural que esta prescreva algumas condições especiais para que os agentes do Estado possam representá-lo em contratos para a aquisição de bens.55 Quando adquiridos os bens por contrato, pode variar a categoria na qual serão inseridos. Se o Município, por exemplo, adquire um conjunto de salas e instala um centro de treinamento para seus fiscais, serão as salas enquadradas como bens de uso especial. Caso adquira uma área para futuramente construir prédio público, esse bem vai caracterizar-se como bem dominical enquanto não realizada a construção e implantado o serviço. O fato certo é que, ingressando no acervo das pessoas de direito público, tais bens terão a qualificação de bens públicos. Por fim, não é dispensável sublinhar que no Direito brasileiro a aquisição de bem imóvel objeto de contrato sujeita-se a registro, no cartório do Registro de Imóveis, do título translativo da propriedade por ato inter vivos (art. 1.245, Código Civil). Tratando-se de bens móveis, a aquisição se consuma através da tradição (art. 1.267, Código Civil). Os contratos, portanto, não transferem por si mesmos a propriedade, mas ensejam a transferência desde que observados os requisitos ora mencionados. Essas regras aplicam-se à aquisição de bens pelo Estado.
3.2.
3.3.
3.4.
Usucapião
Outra forma de aquisição de bens públicos é através de usucapião. O Código Civil admite expressamente o usucapião como forma de aquisição de bens (art. 1.238, Código Civil) e estabelece algumas condições necessárias à consumação aquisitiva, como a posse do bem por determinado período, a boa-fé em alguns casos e a sentença declaratória da propriedade.56 Poder-se-ia indagar se a União, um Estado ou Município, ou ainda uma autarquia podem adquirir bens por usucapião. A resposta é positiva. A lei civil, ao estabelecer os requisitos para a aquisição da propriedade por usucapião, não descartou o Estado como possível titular do direito. Segue-se, pois, que, observados os requisitos legais exigidos para os possuidores particulares de modo geral, podem as pessoas de direito público adquirir bens por usucapião.57 Esses bens, uma vez consumado o processo aquisitivo, tornar-se-ão bens públicos. Cabe aduzir, por oportuno, que o CPC em vigor (art. 1.071), introduzindo o art. 216-A na Lei no 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos), passou a admitir o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião (usucapião administrativo), a ser processado diretamente no cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, devendo apresentar, para tanto, os documentos necessários relacionados no dispositivo. A lei impõe a observância de procedimento próprio para tal pedido. Caso este seja rejeitado, pode o interessado ajuizar a ação de usucapião (art. 216-A, § 9o) e, caso haja impugnação por algum interessado, o oficial de registro enviará os autos respectivos ao juízo competente da mesma comarca (§ 10). Fica, assim, resguardada a via judicial, em consonância com a garantia constitucional.
Desapropriação
O Código Civil trata da desapropriação como forma de perda da propriedade imóvel (art. 1.275, V, Código Civil). Entretanto, como a desapropriação é em regra promovida pelas pessoas de direito público, a perda da propriedade pelo proprietário privado retrata, por outro ângulo, a aquisição pelo expropriante. Os bens desapropriados transformam-se em bens públicos tão logo ingressem no patrimônio do expropriante. Mesmo que venham a ser repassados a terceiros, como no caso da reforma agrária, os bens desapropriados permanecem como bens públicos enquanto não se dá a transferência. Para não repetir o que já estudamos, remetemos o leitor ao capítulo próprio, onde o assunto foi desenvolvido.58
Acessão
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A acessão é outra das formas de aquisição de bens imóveis, como previsto no art. 1.248 do Código Civil. Significa que passa a pertencer ao proprietário tudo o que aderir à propriedade, revelando um acréscimo a esse direito. A acessão pode efetivar-se: (a) pela formação de ilhas; (b) por aluvião; (c) por avulsão; (d) pelo abandono de álveo; (e) pela construção de obras ou plantações.59 No caso da formação de ilhas, é preciso verificar em que águas ocorre. Se a ilha é formada em águas territoriais ou nos rios que pertencem à União, conforme já vimos (rios que banhem mais de um Estado, por exemplo), será ela bem federal. Ao contrário, se a formação se der em águas estaduais, a forma aquisitiva beneficiará o Estado.60 Aluvião é o fenômeno pelo qual as águas vão vagarosamente aumentando as margens dos rios, ampliando a extensão da propriedade ribeirinha. Avulsão é o desprendimento repentino de determinada área de terra que passa a ficar anexa a outra propriedade. Se a pessoa de direito público tiver propriedade ribeirinha e nesta suceda um desses fenômenos, haverá aquisição de bens públicos. Quando as águas do rio deixam de percorrer seu leito, diz-se que tal situação corresponde à de álveo abandonado: o rio, tendosecado, se transforma em solo comum. O abandono do álveo é forma de aquisição da propriedade imóvel e a área que resultar dessa situação é dividida entre os proprietários ribeirinhos.61 Tal como ocorre com a aluvião e com a avulsão, o abandono de álveo pode significar a aquisição de bens por pessoas de direito público no caso de serem proprietárias de terrenos ribeirinhos. Esses bens, vindo a integrar seu patrimônio, passam a caracterizar-se como bens públicos. No que se refere às construções e plantações, vigora a regra do art. 1.253, do Código Civil, segundo o qual se presumem feitas pelo proprietário e à sua custa, até que se prove o contrário. Se a pessoa pública constrói ou planta em terrenos de sua propriedade, adquirirá a propriedade, por acessão, também das construções e plantações.
Aquisição Causa Mortis
Os bens públicos podem originar-se de aquisição causa mortis, tal como ocorre, aliás, com os bens privados. No sistema adotado pelo Código Civil revogado (art. 1.603, V), os Municípios, o Distrito Federal e a União figuravam na relação dos sucessores hereditários legítimos.62 O Código vigente, no entanto, não mais inclui aquelas pessoas federativas no elenco da vocação hereditária, como se pode observar na relação do art. 1.829. Não obstante, consigna que, não sobrevivendo cônjuge, companheiro ou algum outro parente sucessível, ou, ainda, tendo havido renúncia por parte dos herdeiros, a herança se devolve ao Município ou ao Distrito Federal, se localizada em seus respectivos territórios, ou à União, caso esteja situada em território federal (art.
3.6.
3.7.
1.844). Sob o aspecto jurídico, o atual sistema é mais técnico, mas, em última instância, serão praticamente os mesmos os efeitos. Significa que, consumados os suportes fáticos previstos na lei, as citadas pessoas federativas terão direito subjetivo à herança e, por conseguinte, aos bens que a integram. Tais bens, nesse caso, passam a qualificar-se como bens públicos. No caso de herança jacente, dispõe a lei civil, empregando a mesma fórmula acima, que, decorridos cinco anos da abertura da sucessão, passarão os bens arrecadados ao domínio do Município ou do Distrito Federal, se localizados em seus territórios, ou se incorporarão ao domínio da União, quando situados em território federal (art. 1.822, Código Civil). Averbe-se, a título de esclarecimento, que tais regras resultam da sucessão hereditária normal. Por tal motivo é que os Estados, embora excluídos desse tipo de sucessão, podem ser contemplados na sucessão testamentária, podendo, em consequência, receber bens por via de testamento, como ocorre com as pessoas jurídicas em geral.63 Ao momento em que os bens oriundos do testamento passam a integrar o acervo da pessoa federativa beneficiária, também terão a natureza de bens públicos.
Arrematação
Arrematação é o meio de aquisição de bens através da alienação de bem penhorado, em processo de execução, em praça ou leilão judicial. Nada impede que as pessoas de direito público participem do praceamento do bem e sejam vitoriosas no oferecimento do lance. Se tal ocorrer, será expedida, em seu favor, carta de arrematação, que servirá como instrumento para o registro do bem no Registro de Imóveis; sendo bens móveis, a aquisição se fará pela tradição (art. 881, CPC). Os bens adquiridos por esse sistema se classificam também como bens públicos.
Adjudicação
Adjudicação é o meio pelo qual o credor obtém o direito de adquirir os bens penhorados e praceados, oferecendo preço não inferior ao fixado na avaliação (arts. 876 a 878, CPC). Esse critério, hoje enunciado no art. 876, do Código de Processo Civil, substituiu o anterior, pelo qual o preço não poderia ser inferior ao fixado no edital. As pessoas de direito público podem situar-se na posição de credoras. Desse modo, e desde que ocorridos os pressupostos da lei processual, podem elas requerer lhes sejam adjudicados os bens e, assim, adquirir-lhes a propriedade. Tais bens, como é evidente, se qualificarão como bens públicos.
3.8.
3.9.
Resgate na Enfiteuse
Enfiteuse era o direito real sobre a coisa alheia, pelo qual o uso e o gozo do bem (domínio útil) pertenciam ao enfiteuta, e ao proprietário (ou senhorio direto) cabia apenas a nua propriedade (propriedade abstrata). O antigo Código Civil disciplinava o instituto, mas o Código vigente não mais incluiu a enfiteuse entre os direitos reais (art. 1.225). Não obstante, manteve as já existentes, que continuam reguladas pelo Código anterior (art. 2.038). Desse modo, o presente tópico há de cingir-se às enfiteuses constituídas antes do Código ora em vigor. Dentre as regras que disciplinavam a enfiteuse, uma referia-se ao resgate, situação jurídica que permitia ao enfiteuta, após o prazo de dez anos, consolidar a propriedade, pagando ao senhorio direto determinado valor previsto em lei.64 A situação mais comum era que, sendo público o imóvel, fosse senhorio direto o Poder Público e enfiteuta o particular. Nada, porém, impedia posição inversa. Se enfiteuta for pessoa de direito público e efetuado o resgate por meio do devido pagamento ao proprietário-senhorio direto, a propriedade se consolidará em favor daquela e, por via de consequência, o bem, que era privado, passará a ostentar a natureza de bem público.65
Aquisição Ex Vi Legis
Além de todos esses casos que mencionamos como formas de aquisição de bens, há outros peculiares e específicos do direito público, previstos em normas constitucionais ou legais, que comentaremos de forma objetiva. A esse tipo de incorporação de bens denominamos de aquisição “ex vi legis” pela particularidade de não estar enquadrada nos regimes usuais de aquisição de bens. Uma dessas modalidades é a que ressai dos loteamentos. A lei que regula o parcelamento do solo urbano66 estabelece que algumas áreas dos loteamentos serão reservadas ao Poder Público. Dessa maneira, passam a integrar o domínio público, desde o registro do loteamento no cartório próprio, as ruas, as praças, os espaços livres e, se for o caso, as áreas destinadas à construção de prédios públicos. A aquisição desses bens – normalmente enquadrados como bens de uso comum do povo, em virtude de sua destinação – dispensa qualquer instrumento especial, ingressando automaticamente na categoria dos bens públicos.67 Outra forma é a do perdimento de bens, previsto em algumas regras jurídicas especiais. Para começar, o Código Penal estabelece que, entre os efeitos da condenação, está a perda, em favor da União, dos instrumentos do crime, se consistirem em coisas cuja fabricação, alienação, uso, porte ou detenção se tipifiquem como fato ilícito, bem como do produto do crime ou de qualquer outro bem que resulte de proveito obtido pelo agente com a prática do fato criminoso (art. 91, I e II). Esses bens passam a enquadrar-se como federais, porquanto somente a União é contemplada na lei penal. Outra lei que prevê o perdimento de bens é a Lei no 8.429, de 2.6.1992, que dispõe sobre as sanções
1.
aplicáveis nos casos de improbidade administrativa e enriquecimento ilícito.68 Ocorrendo tais hipóteses, a sentença que julgar procedente o pedido determinará o pagamento ou decretará a perda dos bens dos responsáveis e sua incorporação à pessoa jurídica prejudicada.69 Nessa forma de aquisição, os bens poderão ser federais, estaduais, distritais ou municipais, conforme a pessoa que tenha sido lesada pela improbidade. A reversão nas concessões de serviços públicos também importa a aquisição de bens pelas pessoas públicas. Já vimos que, em algumas concessões, os bens do concessionário empregados para a execução do serviço podem passar ao patrimônio do concedente ao término do contrato. A Lei no 8.987, de 13.2.1995, que regula as concessões, prevê expressamente a reversão.70 Esses bens, que estavam sob o domínio privado do concessionário, passam, com a reversão, a se qualificar como bens públicos, normalmente na categoria de bens de uso especial, se continuarem servindo à prestação do serviço. Trata-se, pois, de outra forma de aquisição de bens públicos.71 O Código Civil prevê a figurado abandono de bens móveis ou imóveis, como modalidade de perda da propriedade (art. 1.275, III). No abandono (ou derrelição), o proprietário exclui o bem de sua propriedade sem manifestação expressa da vontade; simplesmente se desinteressa dele. É preciso, porém, que tenha a intenção de abandoná-lo, já que o simples não uso não implica a perda da propriedade.72 No caso de cessar a posse e o proprietário deixar de pagar os ônus fiscais sobre o bem, presume-se que o abandonou; cuida-se, aliás, de presunção absoluta (iuris et de iure), não cedendo à prova em contrário (art. 1.276, § 2o). Diz a lei civil que o imóvel abandonado, não se encontrando na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, após três anos, à propriedade do Município ou do Distrito Federal, se se tratar de imóvel urbano (art. 1.276) ou à da União Federal, se o imóvel for situado em zona rural (art. 1.276, § 1o). Resulta daí que a perda da propriedade acarretará, caso presentes os pressupostos legais, a consequente aquisição pela pessoa federativa, com o que os bens passarão a qualificar-se como bens públicos. Todas essas formas apresentam particularidades de direito público, mas de qualquer modo representam hipóteses pelas quais são adquiridos bens públicos.73
VIII. Gestão dos Bens Públicos
SENTIDO
Já se consagrou entre os autores a noção de que a gestão (ou administração) dos bens públicos importa a ideia de sua utilização e conservação. Assim como está definida essa noção, não menos definida está a que indica que na atividade gestora dos bens públicos não se inclui o poder de alienação, oneração e aquisição desses bens.74 Em nosso entender, nada há a reparar em relação a tais princípios. Na verdade, o poder de
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administração, como subordinado à lei, apenas confere ao administrador o poder (e ao mesmo tempo o dever) de zelar pelo patrimônio público, através de ações que tenham por objetivo a conservação dos bens, ou que visem a impedir sua deterioração ou perda, ou, ainda, que os protejam contra investida de terceiros, mesmo que necessário se torne adotar conduta coercitiva autoexecutória ou recorrer ao Judiciário para a defesa do interesse público. A gestão dos bens públicos, como retrata típica atividade administrativa, é regulada normalmente por preceitos legais genéricos e por normas regulamentares mais específicas. A alienação, a oneração e a aquisição reclamam, como regra, autorização legal de caráter mais específico, porque na hipótese não há mera administração, mas alteração na esfera do domínio das pessoas de direito público. Um ponto, porém, precisa ser lembrado. Toda a atividade de gestão dos bens públicos é basicamente regulada pelo direito público, e só quando não há norma expressa é que se devem buscar os fundamentos supletivos no direito privado.75 Em princípio, a gestão dos bens públicos é executada pelo ente que detém sua titularidade. Mas é lícita a transferência de gestão a outra entidade pública, conforme as condições estabelecidas em lei editada pelo titular. A Lei nº 13.240, de 30.12.2015, por exemplo, autorizou a União a transferir aos Municípios litorâneos a gestão das praias marítimas urbanas, incluindo-se as áreas situadas em bens de uso comum com exploração econômica (art. 14). A transferência, no caso, é formalizada por termo de adesão, no qual o Município, de um lado, se compromete a observar as normas da SPU – Secretaria do Patrimônio da União e, de outro, adquire o direito sobre as receitas auferidas com autorizações de uso, típicas da atividade de gestão. Entretanto, a União pode retomar a gestão por culpa do Município cessionário ou por motivo superveniente de interesse público, o que denota a natureza discricionária do ato (art. 14, § 2º). Alguns bens, contudo, são excluídos da transferência, como as áreas utilizadas por órgãos federais, as destinadas à exploração de serviços públicos dessa esfera, os corpos d’água e as áreas essenciais à defesa nacional ou situadas em unidades de conservação demarcadas pela União.
USO DOS BENS PÚBLICOS
Os bens públicos podem ser usados pela pessoa jurídica de direito público a que pertencem, independentemente de serem de uso comum, de uso especial ou dominicais. Essa é a regra geral. Se os bens pertencem a tais pessoas, nada mais normal que elas mesmas os utilizem. Não obstante, é possível que sejam também utilizados por particulares, ora com maior liberdade, ora com a observância dos preceitos legais pertinentes. O que é importante no caso é a demonstração de que a utilização dos bens públicos por particulares deve atender ao interesse público, aferido pela Administração. Daí porque inferimos que esse tipo de utilização pode sofrer, ou não, regulamentação mais minuciosa.
3.
a) b)
3.1.
MARIA SYLVIA DI PIETRO anota, com razão, que no uso de bens públicos por particulares é necessário verificar atentamente o fim a que se destinam, porque de nenhum modo podem ser desvirtuados de seus objetivos básicos para satisfazer interesses exclusivamente privados.76 Mesmo assim, é preciso distinguir. Há hipóteses em que o uso é normal porque inteira e diretamente compatível com os fins do bem público. É o caso, por exemplo, do uso de praças e ruas pelos particulares em geral. Em outras, no entanto, o uso é anormal, porque o objetivo da utilização só indiretamente se compatibiliza com os fins naturais do bem. Serve como exemplo as já conhecidas ruas de lazer: o uso normal da rua objetiva o trânsito geral dos veículos, mas em determinado dia visou à utilização anormal, ou seja, à diversão de pessoas.77 Destaque-se ainda que algumas formas de utilização independem de consentimento do Poder Público, porque o uso é natural. Vejam-se os bens de uso comum do povo. Quando se tratar de uso anormal, ou de hipóteses especiais de uso normal, necessária se tornará a autorização estatal para que o uso seja considerado legítimo. No caso dos boxes de um mercado municipal ou na ocupação de uma área pública por veículos particulares, é imprescindível que os interessados obtenham o consentimento da repartição pública competente. Nem sempre o uso relacionado a bens públicos recebe o influxo de normas de direito público. Para exemplificar, se uma pessoa jurídica de direito público é titular de alguma unidade em condomínio, as decisões deste obedecem às normas edilícias de direito privado, fundadas basicamente na Lei nº 4.591/1964. Assim, pode o condomínio ceder o uso de área comum a terceiros para exploração de estacionamento sem que se imponha observar a Lei nº 8.666/1993, que obriga à licitação. A titularidade do Poder Público, desse modo, não tem prevalência sobre a titularidade das frações ideais dos demais condôminos.78
FORMAS DE USO
Quando se estuda a utilização de bens públicos, é de grande importância analisar os critérios permissivos, levando em conta a generalidade do uso ou a sua privatividade. Sob esse aspecto, pode dizer-se que há duas formas de uso dos bens públicos:
o uso comum; e o uso especial.
Essas duas formas têm delineamentos e fundamentos diversos, o que provoca, como não podia deixar de ser, efeitos também diferenciados. Vale a pena examiná-las em separado.
Uso Comum
a) b) c) d)
3.2.
Uso comum é a utilização de um bem público pelos membros da coletividade sem que haja discriminação entre os usuários, nem consentimento estatal específico para esse fim. A medida certa para o uso comum está nos bens de uso comum do povo. Pela sua própria natureza, esses bens são destinados à utilização coletiva, no exercício dos direitos e liberdades individuais em relação aos quais só é vedada a conduta quando a lei expressamente comina essa qualificação. De fato, as praias, as ruas, os mares, os rios, todos esses bens de uso comum do povo são exemplos que prestigiam a hipótese de uso comum.79 Mas não são apenas os bens de uso comum do povo que possibilitam o uso comum. Os bens de uso especial também o admitem quando a utilização é processada em conformidade com os fins normais a que se destinam. Por exemplo: as repartições públicas, o edifício da Justiça, os prédios deautarquias e fundações governamentais sujeitam-se, como regra, ao uso comum, porque as pessoas podem ingressar livremente nesses locais, sem necessidade de qualquer autorização especial. Embora essa forma de uso seja comum e geral, não se pode negar ao Poder Público a competência para regulamentá-lo em algumas situações com o fito de adequar a utilização ao interesse público. Essa regulamentação, porém, ainda que tenha caráter de certo modo restritivo, há de se traduzir em normas gerais e impessoais a fim de manter incólume a indiscriminação entre os indivíduos. O uso comum, entretanto, deve ser gratuito, de modo a não causar qualquer ônus aos que utilizem o bem. Essa exigência de gratuidade é decorrência da própria generalidade do uso; se fosse oneroso, haveria discriminação entre os que poderiam e os que não poderiam sofrer o ônus. Podemos, pois, alinhar as seguintes características do uso comum dos bens públicos:
a generalidade da utilização do bem; a indiscriminação dos administrados no que toca ao uso do bem; a compatibilização do uso com os fins normais a que se destina; e a inexistência de qualquer gravame para permitir a utilização.
Uso Especial
Uso especial é a forma de utilização de bens públicos em que o indivíduo se sujeita a regras específicas e consentimento estatal, ou se submete à incidência da obrigação de pagar pelo uso. Há alguma variação de sentido quanto à expressão. Alguns entendem que se trata do uso remunerado do bem.80 Outros sustentam que o uso especial abrange os dois casos: o uso específico pelo particular e o uso mediante remuneração, o que nos parece mais lógico.81 O sentido de uso especial é rigorosamente o inverso do significado do uso comum. Enquanto este é indiscriminado e gratuito, aquele não apresenta essas características. Pela conceituação, verificamos que uma das formas de uso especial de bens públicos é a do uso
a)
b) c) d)
3.3.
remunerado, aquela em que o administrado sofre algum tipo de ônus, sendo o mais comum o pagamento de certa importância para possibilitar o uso. Esse tipo de uso tem previsão até mesmo no Código Civil, em cujo art. 103 se lê: “O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem.” Embora o texto se refira a uso comum, deve interpretar-se o adjetivo comum como significando que as pessoas em geral têm acesso ao bem. Por isso, quando esse uso comum for retribuído, o acesso é limitado ao pagamento da retribuição, e, se assim é, passamos a ter forma de uso especial. Tanto os bens de uso comum como os de uso especial podem estar sujeitos a uso especial remunerado. O pagamento de pedágio em estradas rodoviárias e em pontes e viadutos é um exemplo de uso especial de bem de uso comum do povo. Um museu de artes pertencente ao Governo, cujo ingresso seja remunerado, é exemplo de bem de uso especial sujeito a uso especial.82 Mas o uso especial também se caracteriza quando o bem público é objeto de uso privativo por algum administrado. Como, porém, essas formas de uso especial privativo apresentam alguma singularidade, serão elas examinadas em tópico próprio adiante. Alinhemos, então, os aspectos que marcam o uso especial dos bens públicos:
a exclusividade do uso aos que pagam a remuneração ou aos que recebem consentimento estatal para o uso; a onerosidade, nos casos de uso especial remunerado; a privatividade, nos casos de uso especial privativo; e a inexistência de compatibilidade estrita, em certos casos, entre o uso e o fim a que se desti o bem.
O uso privativo de bem público depende de ato administrativo de consentimento por parte da pessoa pública titular. Fora daí, o uso é irregular. Por tal motivo, quando um imóvel público é irregularmente ocupado, não há que se falar em direito de retenção por eventuais benfeitorias e acessões realizadas pelo ocupante, mesmo que se tenha agido de boa-fé. Descabe, assim, qualquer direito à indenização.83
Uso Compartilhado
Ainda a respeito do uso especial de bens públicos, têm sido suscitadas, vez ou outra, questões a respeito do denominado uso compartilhado – inclusive no que respeita à remuneração pelo usuário –, assim considerado aquele em que pessoas públicas ou privadas, prestadoras de serviços públicos, precisam utilizar-se de espaços integrantes de áreas da propriedade de pessoas diversas. É o caso, por exemplo, do uso de certas áreas para instalação de serviços de energia, de comunicações e de
1o)
2o)
3o)
4o)
gás canalizado por meio de dutos normalmente implantados no subsolo. Quando se trata de serviços envolvendo pessoas públicas, o problema se resolve através de convênios. Mas quando o prestador do serviço é pessoa de direito privado, mesmo que incluída na administração pública descentralizada, são mais complexas as questões e as soluções. Como regra, porém, podem-se vislumbrar quatro hipóteses nesse caso:
uso de área integrante do domínio público: o uso depende de autorização do ente público so cujo domínio se encontra o bem e, como regra, não há ensejo para remuneração pelo uso; uso de área non aedificandi pertencente a particular: como há, na hipótese, mera limitação administrativa, pode o prestador usá-la livremente e, como o uso não afeta o direito do proprietário, não tem este direito à remuneração nem indenização, salvo, neste último caso, se o uso houver comprovadamente causado prejuízo para o proprietário; é o que ocorre em faixas reservadas de estradas e vias públicas, por exemplo; uso de área privada, além da faixa non aedificandi: aqui o uso é regulado pelo direito privado e depende de autorização do proprietário, devendo a empresa prestadora do serviço negociar eventual remuneração ou firmar com ele pacto de cessão gratuita de uso; uso de área pública sujeita à operação por pessoa privada em virtude de contrato de concessão ou permissão: o uso deve resultar de ajuste pluripessoal, envolvendo o concedente, o concessionário e o prestador do serviço, e, conquanto não haja regulação expressa para tais situações, é possível fixar-se remuneração pelo uso do solo ou do subsolo.84
A despeito de tais regras, e em razão do surgimento de algumas controvérsias a respeito do uso de bens públicos, é imperioso reconhecer que muitas soluções nesse tema devem resultar de atuação equilibrada e dotada de razoabilidade por parte dos entes públicos. Para tanto, convém realçar algumas premissas. Uma delas é a de que tais pessoas podem cobrar pelo uso de seus bens, como está expresso no art. 103 do Código Civil, mas não podem agir como empresas privadas que buscam lucro na locação de seus bens. Há mais. Se o uso se destina à prestação de serviços públicos, a regra deve ser a gratuidade do uso, pois que afinal tais serviços visam a atender ao interesse público. Havendo cobrança, que não pode ser exorbitante, deve ela resultar de entendimento entre a pessoa pública e o concessionário, caracterizando-se o pagamento como preço, dado o seu caráter negocial.85 Se não houver entendimento ou a cobrança for desproporcional, o serviço não pode deixar de ser prestado, cabendo nessa hipótese à pessoa titular do serviço (que é o concedente, e não o concessionário, que é mero executor) promover, por acordo ou pela via judicial, a servidão administrativa sobre a área necessária à execução do serviço. O valor a ser pago nessa hipótese há de configurar-se como indenização.86 Não abonamos, todavia, a orientação abrangente segundo a qual seria sempre inviável
3.4.
a cobrança de preço pelo uso de bens públicos, sobretudo quando prevista expressamente em lei.87 Parece-nos necessário examinar cada caso à luz do princípio da razoabilidade.88 Quanto ao direito de cobrar o preço pela utilização do bem, tem-se inclinado moderna doutrina, a nosso ver com razão, no sentido de que a titularidade cabe não somente às pessoas públicas a que estiver afeto o bem, como também ao concessionário, se houver autorização do concedente, e isso porque, como delegatário, tem ele direito subjetivo ao uso, formalizado pelo contrato de concessão. É o caso

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