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A literatura negra no âmbito escolar: o estudo e análise de livros didáticos e paradidáticos e seus impactos na formação psicológica e identitária da criança negra. Daniele Barros Costa1 Nathália Pétala Batista Fernandes2 Palavras-Chave: Identidade, étnico-racial, literatura negra, educação, afrodescendente. Resumo:. O presente artigo tem como finalidade apresentar os objetivos de um projeto de trabalho elaborado através de pesquisas bibliográficas com a mesma temática, com maior foco na utilização do referencial teórico oriundo da psicologia do desenvolvimento e da literatura, a fim de promover o diálogo sobre a formação psicológica e de identidade da criança negra durante seu processo escolar, trazendo de forma sucinta a análise dos livros que auxiliam o ensino no âmbito escolar com a finalidade de observar quais os impactos das obras didáticas e paradidáticas durante esse processo. Visto que, a literatura quando trabalhada, não apresenta o negro como sua principal referência ou até mesmo nem o apresenta, percebeu-se a necessidade de analisar e entender quais os impactos desse apagamento literário na vida e no desenvolvimento da criança negra. Levando em consideração as vivências dos autores deste trabalho e todo material teórico de importância no meio acadêmico, o trabalho se propõe a levantar alguns pontos dos quais o enfoque é o uso da literatura para a formação cultural, pessoal e psicológica do negro durante seu crescimento. 1 Graduanda de Bacharelado em Psicologia – Universidade Anhanguera de São Paulo – Unidade Osasco 2 Graduanda de Licenciatura em Educação Física – Instituto Federal de Roraima Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as – ABPN Consócio Nacional de Núcleos de Estudos Afro-brasileiros – CONEABs Universidade Federal de Uberlândia – (UFU) INTRODUÇÃO [...] pra gente é mais difícil mas agente vai conseguir só não da pra parar no tempo temos que continuar que prosseguir. Se assuma negro! Se vista negro Pense negro Aja negro. E o mais importante de tudo... Se ame negro. Andrio Candido3 A Literatura negra no Brasil tem uma forte marca, tanto em relação aos autores, que por muitas vezes não ganham o devido reconhecimento, o que acarreta em uma “literatura marginal”, quanto na falta de divulgação das obras, que dificilmente chegam ao grande publico. A literatura é de grande influência na vida acadêmica e pessoal do indivíduo afrodescendente e afeta diretamente na sua formação, sendo assim, se faz necessária uma análise de como ela pode beneficiar todo o processo que envolve o crescimento de uma criança negra. E é com base nessa visão, que esse projeto de trabalho foi escrito, pensando no desenvolvimento da personalidade e formação identitária da criança negra, atrelada ao estudo de sua essência e ancestralidade dentro da literatura dos livros didáticos e paradidáticos. A escolha da literatura negra como base de pesquisa desse projeto surgiu compartilhando, assim como Gama (2017), do pensamento de que é a literatura que começa a nos confortar, nos construir como um povo lindo que somos, forte, belo e que domina várias ciências; que não chegou aqui escravizado de cabeça baixa e muitas das coisas que nós comemos, usamos e falamos hoje é desse povo e hoje nós temos o livro como “parça”, pois é ele o nosso parceiro, tendo como autor uma pessoa que se parece comigo em sua escrita, que fala de forma parecida com a que eu falo4. A reflexão a respeito do tema foi realizada através de estudos bibliográficos de temática semelhante, tendo uma visão voltada com maior rigor para: compreender o desenvolvimento da criança negra durante sua formação escolar, identificar quais os elementos que se relacionam a esse processo dentro do ambiente escolar, analisar sucintamente os materiais didáticos e paradidáticos utilizados no processo de estudo das escolas, identificar quais os impactos que a personalidade e a identidade da criança negra sofrem durante sua vida escolar. Obviamente, não poderia deixar de citar nesse trabalho a importância das implicações da lei 10.639/03 para o nosso sistema educacional e consequentemente 3 Poesia “Negação e o Direito de Imagem” de Andrio Candido, escritor e educador negro. Disponível no site www.recantodasletras.com.br através do código de busca T2618074. 4 Em 30 de outubro de 2017, o canal MOVA do Youtube publicou três episódios de uma série intitulada “Letras Petras”, com a participação do músico, compositor e criador da Banda Nhocuné Soul, Renato Gama, com o objetivo de divulgar o conteúdo produzido na temática do Festival do Livro e da Literatura de São Miguel, ocorrido no ano em questão, que traria como tema principal um projeto de mesma nomeclatura: “Letras Pretas: poéticas de corpo e liberdade”. Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as – ABPN Consócio Nacional de Núcleos de Estudos Afro-brasileiros – CONEABs Universidade Federal de Uberlândia – (UFU) para o desenvolvimento e reconhecimento das crianças negras e não negras sobre a cultura afro. Sob todo esse olhar de importância para o negro e sua infância é que se encaixa o trabalho do profissional de psicologia, colocando em prática uma visão norteadora da realização de projetos que auxiliam desde a formação de profissionais da educação até às ações do contexto social onde a criança negra se insere, trazendo paralelamente a isso, a certeza de que a construção da identidade dessa criança se dilui também entre seus familiares, pais, amigos e todos aqueles inseridos no seu meio. É o psicólogo, em suas diferentes linhas de estudo, que irá auxiliar, com ações afirmativas e com uma dinâmica e equipe multiprofissional, os diferentes processos que acompanham e amparam o crescimento do negro na infância. Mediante esta reflexão, espera-se que haja a construção de um trabalho onde a psicologia e a literatura possam contribuir de forma conjunta a um mesmo propósito, atendendo as demandas sociais ligadas ao racismo e injúria racial, se posicionando frente às discriminações e desigualdades, em busca de uma atuação crítica e assertiva diante do cenário que está inserido. Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as – ABPN Consócio Nacional de Núcleos de Estudos Afro-brasileiros – CONEABs Universidade Federal de Uberlândia – (UFU) A LITERATURA NEGRA E SUA INFLUÊNCIA NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA AFRODESCENDENTE Ainda que o reconhecimento racial tenha crescido visivelmente nos últimos anos, as senzalas não existem mais, mas as correntes sociais ainda prendem esse povo, aprisionando ideais, histórias e pessoas. A esperança de uma mudança ainda se faz presente, tendo as crianças como maior agente transformador de uma situação que perdura por gerações. Pensando em um país com menos desigualdade racial, a pesquisa e a aplicação de novos métodos se fazem necessárias, pois a educação básica não coloca em prática discussões que abordem o reconhecimento da história e da força das identidades afrodescendentes. O Brasil recorre a uma história de “descobrimento” que foi majoritariamente ditada pela superioridade “brancocentrada”, ou seja, trata os movimentos de revolução como sendo de uma população em sua grande parte branca e que corrompe um país originalmente povoado por índios e negros. Esse fato é sabido pela maioria e não se faz necessário uma pesquisa aprofundada pra que se chegue nesse consenso. Mas qual a importância desse recorte sobre a história do nosso país para a realização deste trabalho? A devolutiva desta questão é simples: é preciso se reconhecer pra se desenvolver; é preciso conhecer suas origens pra que ocorra a real formação de quem você é. Na concepção sócio-histórico-cultural, a aprendizagem, e todo o processo de desenvolvimento humano, ocorrem ao longo do poderde domínio sobre si e sobre sua forma de pensar, se comportar e se relacionar com o outro. Quando tratamos de falar de um indivíduo em formação, seu mundo particular e subjetivo é desenvolvido no que ele de fato apresenta, no que ele é, pelo que ele reproduz com o outro e para o outro, ou seja, são as relações sociais do sujeito que formam seu jeito de raciocinar, ser, agir e de conviver. A identidade não se limita na explicação de um conceito, tendo em vista que se trata de um processo, sendo construído em etapas. De acordo com Erickson (1999, apud Severino, 2010), a formação da identidade se inicia quando os pais definem o nome, projetam o sexo, pré-definem o futuro da criança. E é também nesse momento que o reconhecimento de suas origens começa a fazer parte de como a criança se compreende enquanto sujeito, como ela se vê e quer ser vista. É a partir deste momento que iniciamos uma jornada em torno das questões raciais e todo impacto que esses aspectos podem causar durante o crescimento de um sujeito. Questões raciais perpassam de geração em geração e um dos meios de maior influência da identidade dessa criança sob este processo é a escola. É importante pensar que como parte do meio em que a criança passa grande parte do tempo, o ambiente escolar deve ser o espelho que se reflete suas escolhas, seus pensamentos e suas vontades. Tratar assuntos como racismo, cultura afro e até mesmo a história do negro no Brasil [muito além da escravidão], é extremamente importante pra que esse processo de espelho seja válido e reflexivo a todos. A escola traz o livro como principal aliado e a literatura é a fonte primária de como a história do nosso povo deve ser contada. Ao trabalhar literatura nos livros didáticos, utilizam-se apenas fragmentos de textos literários que por muitas vezes são utilizados somente para a análise sintática, esquecendo-se do valor cultural que os textos podem levar ao aluno. Com o intuito de incorporar valores a serem seguidos na Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as – ABPN Consócio Nacional de Núcleos de Estudos Afro-brasileiros – CONEABs Universidade Federal de Uberlândia – (UFU) sociedade, a escola é a instituição que apoia a transformação do sujeito e a formação do indivíduo para o mundo. Gonçalves (2000, apud Severino, 2010), aponta que a educação vai além dos meios teóricos, perpassa também as questões sociais e morais que acabam sendo transferidas dos educadores aos educandos. Quando se trata da literatura negra no Brasil, é possível enxergar uma forte marca, tanto em relação aos autores, que por muitas vezes não ganham o devido reconhecimento de seu trabalho, quanto na falta de divulgação das obras, que dificilmente chegam ao grande público. A literatura é de grande poder na vida acadêmica e pessoal do indivíduo e afeta diretamente na sua formação, sendo assim, se faz necessária uma análise do por que ainda há essas lacunas em relação a essa temática e em como isso pode influenciar no processo desenvolvimento de uma criança. Foi a partir desse pensamento que surge a Lei 10.639/03, que por sua vez altera a lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, estabelecendo as diretrizes e bases da educação no Brasil, incluindo obrigatoriamente no currículo oficial da Rede de Ensino a temática "História e Cultura Afro-Brasileira”. Mesmo que obrigatoriamente a constituição do Brasil firmou a lei de diretrizes e bases para posicionar o ensino num olhar com maior diversidade, grande parte das vezes, a literatura nos mostra um personagem negro inferiorizado, escravizado ou objetificado. Grande parte dos nossos grandes romances retratam negros como escravos, com profissões ligadas a serviços gerais de limpeza ou segurança, o que leva o leitor a acreditar na normatização desses estereótipos da sociedade negra. Já os personagens brancos são retratados em posições e cargos superiores e em sua grande maioria, são colocados como em papéis que todos almejariam ter ou ser. Essa limitação traz a imagem de um ideal que nem sempre condiz com a realidade do sujeito leitor ou observador. Como se dá o processo de identificação de uma criança negra que não se reconhece nem mesmo no seu super-herói preferido ou nos livros de história utilizados nas escolas? A literatura brasileira, na sua fase de romantismo, cria heróis negros indígenas, porém com traços brancos e europeus, tanto na personalidade e costumes, quando nas características físicas. No processo de aprendizagem, ter essa imagem se repetindo diversas e diversas vezes, pode gerar grande desconforto e não reconhecimento de seu eu em indivíduos afrodescendentes. CONSIDERAÇÕES FINAIS No decorrer do desenvolvimento desse projeto de trabalho foi possível notar que ainda há uma grande lacuna no que diz respeito à psicologia sobre o estudo da identidade negra e da construção da personalidade do sujeito afrodescendente. Esse Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as – ABPN Consócio Nacional de Núcleos de Estudos Afro-brasileiros – CONEABs Universidade Federal de Uberlândia – (UFU) foi com toda certeza um dos pontos mais latentes da elaboração do trabalho como um todo, já que o foco principal está relacionado à formação da psique humana. Em conjunto a esse pensamento final, abre-se uma discussão em volta dos profissionais da psicologia que ainda não se engajam com tanta veemência nas lutas pelas minorias. Essa luta é a mesma capaz de preparar psicólogos para agir frente as demandas correlacionadas ao racismo e que por muitas vezes, no passado, não foram notadas como fontes causadoras de psicopatologias graves como a depressão e fobia social. Ainda que não tenha sido ponto central deste projeto, é possível levantar também um debate por trás da má formação profissional e acadêmica dos educandos em campo escolar, que pode acarretar em uma serie de desarranjos estruturais. Um deles é a perpetuação de estereótipos e costumes racistas, que se propagam por todas as vertentes da educação. O embraquecimento dos personagens negros e indígenas é a prova disso, coisa que esta clara nas obras brasileiras mais conhecidas e trabalhadas, gerando um caráter racista na nossas obras cânones. Faz-se necessário um olhar ainda mais atento nesse ambiente de construção de saberes, para que novos profissionais sejam cada vez mais capazes de se posicionar frente à importância da educação étnico racial e dos resultados provenientes dessa luta. A marginalização da literatura negra é algo presente ate na contemporaneidade em nosso povo. Tudo (e o pouco) que conhecemos traz consigo um enorme filtro de informações histórico-culturais e isso se repete na grande maioria das obras literárias. É preciso que a literatura negra ganhe seu espaço com intervenções que vão muito além do que se conhece, do que se vê em letras de rap ou nas aulas de capoeira. Essa defasagem na passagem de cultura e conhecimento pode gerar um grande déficit na formação tanto acadêmica quanto pessoal de uma criança em desenvolvimento. Essa censura nas informações, que convêm apenas para a manutenção do sistema não é suficiente para se criar mentes pensantes e atuantes no atual plano que nosso povo vive. Cada proposta que este trabalho abordou diante da ideia central do projeto, visa que seja elaborada uma pesquisa de campo, assim como ações, que coloquem em práticas efetivas tudo aquilo que buscou-se entender através das pesquisas realizadas para o mesmo. Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as – ABPN Consócio Nacional de Núcleos de Estudos Afro-brasileiros – CONEABs Universidade Federal de Uberlândia – (UFU) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FONSECA. Vinicius M.; BARROS. Surya A. P de. A história da Educação dos negros no Brasil. Ministério da Educação Universidade Federal Fluminense. EdUFF, 442p., 2016. HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. Tradução de Marcelo BrandãoCipolla. 1ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes Ltda., 283p., 2013. LOPES, Helena Theodoro. Educação e identidade. 63 ed. São Paulo: [s.n.], 38 - 40p., 1987. MÄDER, B. J. et al. 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