Buscar

RTDoc 06-09-2021 15_31 (PM)

Prévia do material em texto

BREVE PANORAMA DA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA A RESPEITO DA
BOA-FÉ OBJETIVA NO SEU DESDOBRAMENTO DA SUPRESSIO
Revista de Direito Privado | vol. 44/2010 | p. 28 - 57 | Out - Dez / 2010
Doutrinas Essenciais Obrigações e Contratos | vol. 3 | p. 587 - 614 | Jun / 2011
DTR\2010\812
Ana de Oliveira Frazão
Doutora em Direito pela PUC-SP. Professora-adjunta de Direito Civil e Comercial da UnB.
Diretora da Faculdade de Direito da UnB.
Área do Direito: Civil
Resumo: O presente artigo oferece uma análise panorâmica da jurisprudência brasileira
a respeito da boa-fé objetiva no seu desdobramento da supressio. Partindo da premissa
de que densificação da supressio depende essencialmente das circunstâncias do caso
concreto, é primordial que se verifique o sentido que os tribunais brasileiros estão lhe
atribuindo no âmbito das relações de Direito Privado. Para tal intento, o artigo traz,
inicialmente, uma explicação teórica sobre o princípio para, em seguida, explorar
acórdãos representativos da jurisprudência mais recente do STJ e dos Tribunais de
Justiça estaduais que possam esclarecer os requisitos de aplicação da supressio, sua
conexão com os demais desdobramentos da boa-fé e as hipóteses mais comuns da sua
utilização.
Palavras-chave: Boa-fé objetiva - Supressio - Requisitos e principais hipóteses de
aplicação - Jurisprudência brasileira
Abstract: The present article offers a panoramic analysis of the Brazilian case law about
good-faith and supressio. On the premise that the densification of the supressio depends
essencially on the circunstamces of real cases, it is cardinal to check the meaning the
Brazilian courts are giving to it in the fields of Private Law. For this purpose, the article
brings, initially, a theoretical explanation for the principle and, afterwards, it explores the
most representative decisions of the Superior Court of Justice and the State Courts that
can clarify the requirements for the application of the supressio, its conexion with other
consequences of good-faith and the most regular hipotheses of its use.
Keywords: Good-faith - Supressio - Requirements for the application and hipotheses of
use - Brazilian courts� decisions
Sumário:
1. Introdução - 2. Delineamentos doutrinários - 3. A jurisprudência brasileira recente
sobre a supressio - 4. Considerações finais -
1. Introdução
É pacífico que a boa-fé objetiva é hoje um dos princípios basilares das relações
contratuais, apresentando, dentre suas relevantes funções, a de limitação ao exercício
dos direitos subjetivos. 1 Sob essa perspectiva, estaca-se a importância da supressio, 2
que está relacionada à impossibilidade do exercício de direitos ou prerrogativas
contratuais em decorrência do transcurso do tempo associado à boa-fé. 3
Se a boa-fé objetiva já é assunto que desperta muitas controvérsias, 4 a supressio é um
dos seus desdobramentos mais polêmicos, pois, além da impossibilidade de uma precisa
delimitação teórica dos seus requisitos de aplicação, 5 há o receio de que uma utilização
excessivamente flexível do princípio possa gerar resultados indesejáveis do ponto de
vista da autonomia privada, da segurança jurídica e do equilíbrio contratual. 6
Não é sem razão que a supressio é vista com ressalvas pelo direito estrangeiro, 7 no
qual se encontram advertências no sentido de que tal
Breve panorama da jurisprudência brasileira a respeito da
boa-fé objetiva no seu desdobramento da supressio
Página 1
consequência da boa-fé precisa ser utilizada com cautela e parcimônia. 8
É no contexto dessas preocupações que se situa o presente artigo, cujo objetivo é fazer
uma breve análise panorâmica da jurisprudência brasileira a respeito do assunto, para o
fim de concluir se a supressio vem sendo aplicada adequadamente. Partindo da premissa
de que densificação da supressio depende essencialmente das circunstâncias do caso
concreto, 9 é primordial que se verifique o sentido que os tribunais brasileiros estão lhe
atribuindo no âmbito das relações de Direito Privado. 10
Para tal intento, buscar-se-á oferecer, inicialmente, uma explicação teórica sobre o
princípio para, em seguida, explorar acórdãos representativos da jurisprudência mais
recente do STJ e dos Tribunais de Justiça estaduais 11 que possam esclarecer os
requisitos de aplicação da supressio, sua conexão com os demais desdobramentos da
boa-fé e as hipóteses mais comuns da sua utilização.
2. Delineamentos doutrinários
Do ponto de vista doutrinário, a supressio é vista como forma de perda de direitos ou ao
menos como causa de impedimento do exercício de direitos e faculdades contratuais ou
de preclusão em razão da boa-fé, 12 estando usualmente associada ao instituto alemão
da Verwirkung13 e à inatividade injustificada ( sitting on one's rights).
A doutrina costuma vinculá-la à surrectio, que diz respeito ao surgimento de direitos ou
faculdades, na medida em que a supressio experimentada por uma das partes da relação
obrigacional pode ser vista como uma consequência da surrectio invocada em favor da
outra. 14
Característica fundamental da supressio é o decurso do tempo, visto aqui como fator de
estabilização de expectativas de comportamentos e de geração de situações legítimas de
confiança que devem ser tuteladas. 15 É a proeminência do tempo que diferencia a
supressio de outros subprincípios decorrentes da boa-fé, tais como o venire contra
factum proprium.
A esse respeito, não se pode negar que a supressio está também relacionada, assim
como o venire, à proibição de comportamentos contraditórios. Aliás, a essência deste
último é exatamente a ideia de que ninguém pode agir contrariamente ao seu
comportamento anterior, pois se exige das partes padrões mínimos de coerência entre
suas ações. 16
A principal diferença é que, no caso da supressio, o tempo é que constitui o fato próprio
a ensejar a extinção de direitos ou a impossibilidade de seu exercício. A existência de
lapso temporal significativo é, pois, fundamental para a supressio, enquanto que o
venire se concentra essencialmente na sucessão de condutas, ainda que entre elas não
haja um tempo longo ou considerado relevante. 17
De qualquer forma, eventuais distinções entre os princípios não podem ser
ultravalorizadas. Tanto é assim que muitos consideram a supressio como uma
modalidade de venire contra factum proprium, ainda que este fato próprio consista em
um comportamento omissivo destacado pelo transcurso do tempo. 18
Até por isso, a supressio não pode ser vista como uma mera consequência do tempo; é,
sobretudo, uma resposta do ordenamento jurídico para a deslealdade ou a inatividade
abusiva do credor, 19 funcionando ao mesmo tempo como forma de proteção daquele
que adquiriu a situação de confiança e, consequentemente, como verdadeiro mecanismo
de implementação de justiça do caso concreto. 20
Por essa razão, uma discussão subjacente à supressio é a de saber o grau em que
estaria vinculada à finalidade de recomposição do equilíbrio contratual entre as partes. 21
Sob essa dimensão, a sua aplicação estaria conectada a outros princípios importantes,
tais como o da proporcionalidade e o do equilíbrio entre as prestações contratuais. 22
Breve panorama da jurisprudência brasileira a respeito da
boa-fé objetiva no seu desdobramento da supressio
Página 2
Todavia, apesar de todas essas considerações, não se pode subestimar a importância do
fator tempo na matéria, o que faz com que a supressio deva ser interpretada em
conformidade com as regras da prescrição e decadência, seja para afastar a sua
aplicação quando verificadas as causas voluntárias interruptivas da prescrição, 23 seja
para realçar a vocação do instituto especialmente para os casos de longos prazos
prescricionais. 24
3. A jurisprudência brasileira recente sobre a supressio
3.1 Requisitos e pressupostos gerais
Do ponto de vista conceitual, observa-se certa oscilação na jurisprudência brasileira a
respeito da conceituação da supressio. O próprio STJ já a definiu como a supressão da
obrigação contratual ou como a mera perda de eficácia desta última. 25 As mesmasdivergências podem ser observadas na jurisprudência dos tribunais de segundo grau, 26
embora não traga maiores consequências práticas, já que, tanto num caso como no
outro, a supressio impedirá o exercício do direito ou o considerará abusivo.
O lapso temporal, como requisito fundamental para a ocorrência da supressio, é visto
com cautela pela jurisprudência, que normalmente faz referência ao tempo longo ou
considerado suficiente para que haja a limitação ao exercício do direito. Muitos dos casos
que serão apresentados em seguida dizem respeito a situações que perduraram por
períodos de tempo expressivos, superiores a 15 anos.
Apesar da grande variedade de casos e da impossibilidade de definições apriorísticas, o
exame do fator temporal está normalmente associado à criação de situação de confiança
para a parte contrária ou à falta de razoabilidade da inércia do titular do direito.
Daí o entendimento do TJRS de que "a supressio, como decorrência da boa-fé, somente
se caracteriza quando o titular do direito, em razão de inércia, abstém-se de seu
exercício, não mais podendo exercê-lo, porque gerada a crença na outra parte de que tal
direito não será exercido". 27
O TJDF, por sua vez, já afastou a supressio em hipótese na qual a inércia do credor não
se mostrou desarrazoada, 28 assim como já exigiu como pressuposto da sua aplicação a
inaceitabilidade da inércia do credor. 29 O TJRJ chegou a exigir, em certo caso, a má-fé
do titular do direito como requisito da supressio. 30
De qualquer forma, os tribunais normalmente analisam com cuidado o contexto das
partes. Exemplo disso é a aplicação da supressio em relação a ex-cônjuges. Diante dos
aspectos envolvidos, o TJRJ já considerou que apenas poderia haver supressio, nessa
situação, caso houvesse ato do credor que implicasse renúncia ao seu crédito, 31 assim
como o TJSP teve a oportunidade de considerar justificada a demora na cobrança, em
razão dos fatores familiares envolvidos. 32
Embora nem sempre os tribunais abordem, de forma explícita, a questão do equilíbrio
contratual como requisito da supressio, a pesquisa identificou vários julgados que
apresentam a referida preocupação.
O TJRJ, por exemplo, já teve a oportunidade de afirmar que a supressio consiste na
"limitação ao exercício de um direito subjetivo pelo decurso de prazo sem que o mesmo
tenha sido exercitado, tendo como requisitos, além do lapso temporal, o desequilíbrio
entre o benefício haurido pelo credor e aquele impingido ao devedor." 33
Em sentido semelhante, o TJRS entende que, para a configuração da supressio,
"exige-se (a) decurso de prazo sem exercício do direito com indícios objetivos de que o
direito não mais seria exercido e (b) desequilíbrio, pela ação do tempo, entre o benefício
do credor e o prejuízo do devedor". 34Daí ter concluído que "não caracteriza conduta
contraria à boa-fé o exercício do direito de exigir a restituição de quantia emprestada
depois de transcorridos mais de 15 anos se tal não gera desvantagem desproporcional
Breve panorama da jurisprudência brasileira a respeito da
boa-fé objetiva no seu desdobramento da supressio
Página 3
ao devedor em relação ao beneficio do credor".
Também o TJDF reconhece que "não se aplica à teoria da supressio, que impossibilita o
exercício de determinados direitos pelo decurso do tempo, quando não demonstrados
ausência de boa-fé por parte do credor e desequilíbrio entre o benefício e o prejuízo
suportados pelas partes, em razão do lapso temporal decorrido". 35
3.2 Princípios correlatos
O exame da jurisprudência também revela a conexão da supressio com a surrectio, o
abuso de direito 36 e outros desdobramentos da boa-fé objetiva, como é o caso do venire
contra factum proprium, em relação ao qual a supressio é comumente vista como
variante 37 ou corolário. 38 Aliás, nem sempre os tribunais se atentam para o fato de que
a supressio é caracterizada essencialmente pelo comportamento omissivo que se
prolonga no tempo, utilizando o princípio mesmo em casos de comportamentos
comissivos, que melhor se ajustariam ao venire.
Um exemplo desta afirmação é acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que
utilizou a supressio para afirmar, em hipótese de empréstimo descontado em folha com
valor a menor ao longo de três anos, que o credor não teria direito ao valor repactuado,
superior ao efetivamente descontado. 39 Ocorre que, tendo havido ato comissivo do
credor, que efetivamente procedeu ao desconto em valor inferior, trata-se de caso de
aplicação do venire e não propriamente da supressio.
Todavia, apesar das distinções, é inequívoco que a supressio se aproxima do venire,
havendo casos que ensejam a aplicação conjunta dos dois princípios. Um exemplo é o
acórdão do STJ que tratou de hipótese de locação de veículos na qual a locatária,
embora tenha notificado a locadora meses antes do término do contrato de que não teria
interesse em prorrogá-lo, manteve a utilização de alguns veículos após o término do
prazo inicialmente acordado. A discussão era a de saber se o preço dos veículos seria o
contratualmente fixado ou a "tarifa de balcão", evidentemente superior. 40
Diante de tais circunstâncias, o STJ considerou que haveria, pelo menos em tese, o
direito da locadora à cobrança da diferença. Entretanto, diante do comportamento desta,
que não apenas se omitiu de manifestar sua intenção nesse propósito, como continuou a
emitir faturas pelo valor originalmente contratado, foi reconhecida a geração da situação
de confiança no devedor de que o preço do primeiro contrato seria mantido.
Para isso, o STJ aplicou conjuntamente a supressio - omissão do credor de cobrar o valor
de balcão - e o venire - emissão pelo credor de faturas pelo valor originalmente
contratado - para concluir pela perda do direito do credor de cobrar o preço de balcão, 41
o que só reforça a aproximação entre os dois princípios.
3.3 Algumas das principais hipóteses de aplicação da supressio
3.3.1 Cobrança de valores pagos de forma atrasada ou distinta do convencionado sem a
oposição do credor
Um terreno fértil para a supressio são os contratos de longa duração que envolvem
pagamentos periódicos, tais como locação, seguros e planos de saúde. Paulatinamente,
os tribunais brasileiros estão construindo o entendimento de que o recebimento
reiterado e sem oposição, pelo credor, do pagamento de forma distinta do previsto faz
surgir no devedor a confiança de que está adimplindo satisfatoriamente a sua obrigação.
São muitos os julgados que confirmam a validade de pagamentos feitos de forma
distinta à convencionada, desde que sejam realizados por tempo razoável e sem ressalva
do credor. 42 Se a mora do devedor foi aceita, reiterada e tacitamente pelo credor
durante período de tempo razoável, poderá haver a supressio do direito do credor de
inscrever o nome do devedor nos cadastros negativos 43 e mesmo de cobrar juros
moratórios 44 ou cláusulas penais. 45 Tal entendimento se aplica inclusive aos contratos
Breve panorama da jurisprudência brasileira a respeito da
boa-fé objetiva no seu desdobramento da supressio
Página 4
de locação. 46
Ainda sobre locação, hipótese intessante de supressio é a relativa a alugueis pagos em
valor inferior ao convencionado. O TJRJ já entendeu que a aceitação, sem oposição do
locador, de valor de aluguel inferior ao ajustado implica a supressio do direito de exigir
as diferenças, bem como de requerer o despejo do locatário que, em face da surrectio
correspondente, passa a ter o direito de continuar pagando os alugueis no valor
tacitamente ajustado. 47
Em sentido próximo, o TJSP decidiu que não cabe o despejo por falta de pagamento sob
a alegação de que os alugueis não foram reajustados de acordo com o índice previsto se
o locador aceitou, por nove anos, o pagamento em valor inferior. 48 É interessante notar
que tal situação é considerada um exemplo clássico de supressio também no direito
estrangeiro. 49
O mesmo raciocínio pode ser aplicado a outros tipos de contrato, como é o caso de
alienação fiduciária de veículo. O TJRS apresenta julgadosegundo o qual os pagamentos
periódicos realizados durante 36 meses, ainda que a menor, implicam a quitação do
devedor e a supressio do direito da administradora de cobrar diferenças ou de não
liberar o veículo. 50
3.3.2 Interrupção do serviço ou aplicação de penalidades em hipóteses de tolerância à
inadimplência ou ao descumprimento contratual da outra parte
Pelo mesmo raciocínio já exposto no item anterior, caso os pagamentos atrasados
tenham sido recebidos de forma reiterada e sem oposição pelo credor, não pode ele se
recusar a prestar o serviço ou pretender rescindir o contrato sob o argumento da
inadimplência do devedor. 51 Tal solução impõe-se, com maior razão, em contratos
protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40), como é o caso dos
planos de saúde, o que já foi salientado pelo TJSC. 52
No que diz respeito à supressio do direito de interromper o fornecimento do serviço,
depois de grande tolerância do prestador em relação à inadimplência do devedor, há
acórdão do TJRJ que considerou que a interrupção do serviço apenas seria adequada em
relação a débito recente, cujo pagamento estivesse ao alcance do devedor, mas não
poderia ser utilizada para a cobrança de valores antigos. 53
O TJSP também tem orientação segundo a qual o prestador não pode interromper o
serviço sob alegação de descumprimento contratual da outra parte, que vinha sendo
tolerado por tempo razoável. 54
Já no que diz respeito à supressio da utilização das faculdades sancionatórias, o TJRS
tem julgado referente à situação de estudante que, embora estivesse devendo 30
mensalidades, assistiu regularmente às aulas e fez todas as provas durante o curso,
caso em que se entendeu que a escola não poderia impedir que ele realizasse o exame
final. 55 A omissão em tomar providências diante das reiteradas inadimplências acabou
por levar à supressio da penalidade maior, que seria o impedimento à conclusão do
curso.
Por fundamentos semelhantes, o TJSP considerou que a tolerância de uma das partes ao
descumprimento contratual da outra não pode ensejar a cobrança de penalidades
apenas no momento da resolução do contrato, ainda mais quando o valor somado da
multa seria exorbitante. 56 Já havia precedente do Tribunal no mesmo sentido, no qual
houve a aplicação da supressio em conjunto com o princípio da proporcionalidade. 57
Por fim, destaca-se julgado do TJGO segundo o qual o credor que admite, sem oposição,
o fracionamento do pagamento que deveria ter sido feito em parcela única não pode
posteriormente alegar o descumprimento do contrato para o fim de inscrever o nome do
devedor em cadastros de proteção ao crédito. 58
Breve panorama da jurisprudência brasileira a respeito da
boa-fé objetiva no seu desdobramento da supressio
Página 5
É interessante notar que a ideia comum que permeia todos esses julgados é a de que as
faculdades sancionatórias, inclusive no que diz respeito à interrupção do serviço,
precisam ser utilizadas em tempo razoável, sob pena de gerarem na parte contrária a
expectativa de que tais inadimplementos serão tolerados pelo credor.
3.3.3 Possibilidade de requerer a resolução do contrato por descumprimentos contratuais
tolerados ao longo do tempo
O fundamento para a aplicação da supressio em relação à faculdade de por fim ao
contrato é que esta deve ser exercida ao tempo e modo oportunos, não podendo
tornar-se uma sanção ou um meio de surpreender abusivamente a outra parte. Nesse
ponto, a boa-fé objetiva é comumente aplicada em conjunto com outros importantes
princípios, tais como o do adimplemento substancial do contrato ou da
proporcionalidade.
Um exemplo disso é acórdão do TJSC que reconhece a supressio do direito de requerer a
resolução do contrato em hipótese na qual o credor deixou de fazê-lo duas vezes,
mesmo diante da inadimplência do devedor, mas posteriormente resolveu exercer tal
prerrogativa com a intenção de repactuar o contrato de forma abusiva. 59 Nesse caso, a
intenção abusiva do credor foi determinante para o reconhecimento da supressio.
Outro acórdão do TJSC reconheceu a supressio do direito de requerer a resolução de
contrato de financiamento de imóvel perante a CEF sob o argumento do descumprimento
da obrigação da formalização da transferência. Neste caso, os primeiros compradores
venderam o imóvel para um casal que, por sua vez, transferiu para um terceiro sem a
devida formalização da transferência, embora isso fosse do conhecimento dos primeiros
compradores, que se mantiveram inertes por tempo razoável. 60 Embora a ementa
mencione o venire, o voto do relator trata expressamente da supressio do direito de
requerer a resolução do contrato, equiparando-a a uma renúncia tácita. 61
O TJSP já julgou caso em que os vendedores de determinado imóvel ajuizaram ação
pleiteando a rescisão contratual, a reintegração de posse e perdas e danos sob a
alegação de que os compradores não pagaram saldo residual com base em índices
contratualmente previstos. Diante dos fatos específicos, o tribunal reconheceu a
supressio, seja em razão da inexistência de qualquer ressalva, pelo vendedor, em
relação aos pagamentos feitos pelos compradores, seja em razão do transcurso do prazo
de 10 anos desde o pagamento da última prestação. 62
O fio condutor desses diversos julgados é a noção de que a faculdade de por fim ao
contrato deve ser exercida de forma razoável e atenta aos seus propósitos, não podendo
se transformar em meio de sancionar, de forma abusiva, o devedor em razão de
descumprimentos contratuais que foram tolerados por tempo razoável.
3.3.4 Situações de fato consolidadas entre condôminos mesmo contrariamente à
convenção do condomínio
As relações entre moradores de condomínios edilícios, por serem normalmente de longa
duração, igualmente dão margem a importantes aplicações da supressio, já que
inúmeras situações de fato acabam se consolidando no tempo de forma contrária à
convenção de condomínio.
Nesse sentido, um dos assuntos mais debatidos na jurisprudência diz respeito à
utilização de áreas comuns em condomínios edilícios. O STJ já teve a oportunidade de
afirmar que os condôminos não poderiam reivindicar o direito ao uso de determinado
corredor da área comum, tendo em vista que ele vinha sendo utilizado com
exclusividade por alguns condôminos por mais de vinte anos, 63 entendimento que foi
mantido em acórdãos posteriores, nos quais também o uso exclusivo de área comum por
determinado condômino ocorrera por grandes lapsos temporais. 64
Vale ressaltar que este entendimento encontra repercussão em outros tribunais, como é
Breve panorama da jurisprudência brasileira a respeito da
boa-fé objetiva no seu desdobramento da supressio
Página 6
o caso do TJRJ, que também já considerou que o uso exclusivo de área comum por
determinado condômino por mais de dez anos, tolerado por todos os moradores, implica
a supressio do direito de acesso à referida área pelos demais condôminos. 65 Também o
TJMG apresenta entendimento nesse sentido, reconhecendo a supressio, inclusive para o
fim de impedir a demolição de construção realizada em área comum utilizada com
exclusividade por determinado condômino por muito tempo. 66
Outra hipótese que dá margem a supressio diz respeito à destinação do condomínio de
forma contrária ao previsto na convenção respectiva. O STJ já decidiu, sobre o assunto,
que "não age no exercício regular de direito a sociedade empresária que se estabelece
em edifício cuja destinação mista é aceita, de fato, pela coletividade dos condôminos e
pelo próprio Condomínio, pretendendo justificar o excesso de ruído por si causado com a
imposição de regra constante da convenção condominial, que impõe o uso
exclusivamente comercial, mas que é letra morta desde sua origem". 67 Nesse julgado, o
voto da relatora Nancy Andrigui afirmou que "constata-se aqui a figura da supressio,
regra que se desdobra do princípio maior da boa-fé objetiva e segundo a qual o não
exercício de direito por certo prazo pode retirar-lhe a eficácia".
Também pode ocorrer a supressio no que diz respeito à cobrança dasmensalidades para
a manutenção do condomínio, mesmo considerando que se trata de obrigação propter
rem. Há acórdão do TJRJ que considerou ter havido a supressio do direito de cobrar as
referidas mensalidades de condômino que, embora tivesse vendido o imóvel há mais de
40 anos, o fez por instrumento particular, de forma que continuava figurando como
proprietário, embora o imóvel já estivesse ocupado por outrem. A peculiaridade do caso
concreto é a inércia do condomínio em cobrar do efetivo proprietário por todo esse
período, o que foi considerado determinante para a aplicação da supressio. 69 Tal
entendimento já havia sido acolhido pelo tribunal em julgamento anterior. 69
Também já entendeu o TJSP que haveria a supressio do direito de questionar decisão do
condomínio que determinou que as vagas de garagem fossem utilizadas de forma
indeterminada, tendo o condômino se mantido inerte por mais de 10 anos. 70
Ainda merece ser lembrado precedente do TJSP que entendeu haver a supressio do
direito de requerer a demolição de obra realizada em unidade autônoma do condomínio
que implicou alteração da fachada do prédio e que fora feita de boa-fé há muitos anos
sem questionamento. 71 Aqui se entendeu pela prevalência da situação de fato
consolidada, destacando o tribunal que não houve prejuízo da harmonia estética da
fachada, havendo inclusive outras unidades que seguiram a mesma alteração.
Este último caso é interessante por mostrar como a supressio é muitas vezes utilizada de
forma combinada com outros princípios, deixando claro que não é apenas o transcurso
do lapso temporal a ser considerado em hipóteses como esta, mas também a conciliação
dos demais interesses envolvidos na questão.
3.3.5 Omissão no exercício do direito de pleitear ou executar alimentos
A importância da obrigação alimentar e o seu caráter não contratual não afasta a
ocorrência da supressio desde que presentes os requisitos específicos desta última.
Nesse sentido, o TJRS tem curiosos julgados sobre o tema.
Um deles diz respeito a alimentos fixados por sentença em favor da filha e que não eram
cobrados há vinte e quatro anos. Após a morte do pai, ela ingressou com ação de
execução cobrando os atrasados e, independentemente das verbas cobertas pela
prescrição, o Tribunal entendeu ter havido a supressio do seu direito de exigir alimentos.
72
O mesmo raciocínio foi aplicado para alimentos que haviam sido fixados em acordo de
separação de casal. Não obstante as circunstâncias específicas do caso concreto, como o
fato de que a cláusula de alimentos constava do acordo de separação, mas não do
Breve panorama da jurisprudência brasileira a respeito da
boa-fé objetiva no seu desdobramento da supressio
Página 7
divórcio, o TJRS considerou que a inação da autora por mais de quinze anos teria
acarretado a supressio do seu direito de pedir alimentos. 73 Vale ressaltar que houve
votos vencidos, inclusive do relator originário, que defendia a tese de que "a tolerância
ou inércia temporal não tem o condão de anular a obrigação contraída pelo separando na
época da separação judicial".
Outra importante aplicação da supressio pelo TJRS tem sido para obstar a pretensão de
obtenção de alimentos por ex-companheira ou ex-esposa que, por longo período após a
separação, nada requereu a título de alimentos. 74
3.3.6 Outras hipóteses
Além dos temas já analisados, foram identificadas na pesquisa diversas outras hipóteses
de aplicação do princípio, dentre as quais se destacam as seguintes:
a) supressio do direito de exigir o cumprimento de cláusula de não concorrência
constante de contrato cujo cumprimento jamais foi observado; 75
b) supressio do direito de pleitear revisão de parcelas contratuais após três anos da
rescisão do contrato; 76
c) supressio de prerrogativas contratuais não exercidas por muito tempo; 77
d) supressio do direito de requerer a demolição de obra construída sem a necessária
anuência do condômino, mas por ele tolerada por tempo razoável; 78
e) supressio do direito da operadora de plano de saúde de reenquadrar os beneficiários
de forma abrupta, com aumento substancial do valor da mensalidade, depois de três
anos sem fazê-lo; 79
f) supressio do direito de obter reajustes previstos no contrato somente três anos depois
da sua celebração, não tendo sido cobrados em tempo oportuno; 80
g) supressio do direito de proprietário de imóvel de obter indenização pela ocupação
irregular deste pois, mesmo tendo sido vencedor em ação de reivindicação, omitiu-se de
requerer a imissão na posse por quase cinco anos; 81
h) supressio do direito do locatário de usar o armário da garagem após cinco anos em
que o locador continuou com o seu uso; 82
i) supressio do direito do locador de cobrar o IPTU do locatário após tempo considerável
sem a referida cobrança; 83
j) supressio do direito do proprietário de terreno de cobrar alugueis atrasados por
terreno cuja utilização foi permitida por mais de vinte anos de forma gratuita. 84
k) supressio do direito do acionista de cobrar dividendos e juros em decorrência de
descumprimento de acordo de acionistas após quase vinte anos de inércia. 85
Todos esses julgados mostram como, no caso a caso, os tribunais vêm utilizando a
supressio diante de distintas situações, mas sempre com o objetivo de tutelar posições
de confiança que surgiram na dinâmica das relações privadas.
4. Considerações finais
Longe de pretender realizar uma análise minuciosa e exaustiva da jurisprudência
brasileira a respeito da supressio, o presente artigo buscou desenhar, como está claro
em seu próprio título, um breve panorama a respeito do assunto.
A referida visão geral possibilitou a conclusão de que a supressio é hoje uma realidade,
que vem sendo aplicada com considerável largueza e frequência por vários tribunais
nacionais, especialmente o STJ e os Tribunais do Rio Grande do Sul, do Rio de Janeiro e
Breve panorama da jurisprudência brasileira a respeito da
boa-fé objetiva no seu desdobramento da supressio
Página 8
de São Paulo.
Embora ainda exista na jurisprudência certa oscilação quanto à definição de supressio -
especialmente para o fim de se saber se implicaria a extinção do direito ou apenas a
limitação ao seu exercício -, tal discussão não tem maiores consequências práticas, pois
a supressio sempre levará ao impedimento do exercício do direito ou ao reconhecimento
da sua abusividade.
Não obstante a importância do fator temporal, foi igualmente visto que os tribunais
costumam se atentar para as circunstâncias específicas das partes, a fim de avaliarem o
contexto da inércia do credor e a criação de uma situação legítima de confiança por
parte do devedor.
Também se pode observar que é reiterada a utilização da supressio de forma combinada
com outros princípios, tais como o do abuso de direito e do venire, sendo que muitas
vezes ocorre até mesmo certa confusão entre este último e a supressio, o que não traz
maiores consequências práticas, já que a aplicação de ambos leva a resultados
semelhantes.
No que diz respeito à questão do equilíbrio contratual, embora vários tribunais
expressamente condicionem a supressio à existência de desequilíbrio entre as partes,
não se pode afirmar que este pressuposto seja aceito como regra, até porque muitos
julgados não enfrentam diretamente a questão. Todavia, como a maior parte das
aplicações da supressio acaba envolvendo um juízo de proporcionalidade, pode-se
afirmar que tal análise acaba sendo feito pelos juízes, ainda que de forma implícita, ao
avaliarem as circunstâncias do caso concreto.
Por fim, o exame da jurisprudência revelou alguns temas que ensejam naturalmente a
maior utilização da supressio, tais como os contratos que envolvem pagamentos
periódicos e as relações entre os condôminos, o que não afasta a utilização do princípio
em hipóteses mais específicas.
Dessa maneira, conclui-se, pelos acórdãos analisados, que a jurisprudência brasileira
vem, dentro do possível, aplicando a supressio de forma adequada, valorizando as
circunstâncias do caso concreto e concentrando-senão apenas no lapso temporal
relevante, mas, sobretudo, na falta de justificativa para a inércia do titular do direito, à
qual se contrapõem a criação da situação de confiança e a surrectio em favor do
beneficiário.
Com essa postura, a boa-fé objetiva vem sendo valorizada na sua dimensão de limitação
do exercício dos direitos subjetivos, sem que haja tantos riscos para a autonomia
privada e para a segurança jurídica.
68. Reproduz-se trecho culminante da ementa da ApCiv 2009.001.10795 (TJRJ, rel.
Carlos Santos de Oliveira, j. 07.04.2009): "(...) Em que pese haver o condomínio
demonstrando que o nome do réu consta no Registro Geral de Imóveis como um dos
proprietários da fração ideal correspondente ao imóvel em cobrança, há notícia nos
autos de que o imóvel em questão foi vendido há mais de 40 anos atrás, por meio de
instrumento particular. Apesar de não ter o réu apresentado documento que
demonstrasse a realização do referido negócio, mostram-se verossímeis as alegações do
mesmo no sentido de nunca haver recebido qualquer cobrança por parte do condomínio,
uma vez que todos os boletos acostados à inicial se dirigem ao Sindicato dos Técnicos e
Auxiliares de Radiologia do Estado do Rio de Janeiro, a quem o demandado afirma haver
alienado o imóvel. Ademais, o oficial de justiça que esteve no imóvel no intuito de citar o
demandado, informa haver sido atendido por uma funcionária do sindicato que
esclareceu que este funciona naquele endereço desde 1964, sendo de sua propriedade o
imóvel, além de ser o demandado desconhecido no local. É inegável que o não exercício
do direito por certo lapso temporal pode gerar expectativa legítima na contraparte de
que tal direito não mais venha a ser vindicado. In casu, a inércia do condomínio em
Breve panorama da jurisprudência brasileira a respeito da
boa-fé objetiva no seu desdobramento da supressio
Página 9
promover a cobrança das cotas em face do demandado, deu indícios de que o direito não
mais seria exercido, de modo que a cobrança efetuada de forma retardada acaba por
lesar a confiança do apelante na inatividade do credor. Urge fazer prevalecer na
presente demanda o valor confiança, com base no instituto da suppressio, que consiste
exatamente na supressão do exercício de um direito por deixar o seu titular de exercê-lo
durante certo lapso temporal, quebrando a expectativa que havia surgido no outro
sujeito quanto ao seu não exercício. Trata-se de reflexo do princípio da boa-fé objetiva,
no que diz respeito a sua função limitativa do exercício de direitos subjetivos advindos
do contrato. Ao direito subjetivo do réu decorrente da tutela conferida a esta expectativa
legítima de não ser acionado por débito condominial que nunca lhe foi cobrado dá-se o
nome de surrectio, que equivale à outra face da suppressio, aquela relativa à parte cuja
confiança se pretende proteger (...)".
1. De acordo com Reinhard Zimmermann e Simon Whittaker ( Good Faith in European
Contract Law, New York: Cambridge University Press, 2008. p. 678), o princípio da
boa-fé, em seu sentido mais geral, é potencialmente relacionado com todas ou pelo
menos com a maioria das doutrinas do atual direito dos contratos. No que se refere às
principais funções do princípio, destacam os autores (op. cit., p. 24) a de limitação ao
exercício de direitos subjetivos. No direito brasileiro, é reiterada, na doutrina, a
referência a tal função dentre as três mais importantes do princípio, como se observa
pela descrição de Gustavo Tepedino e outros ( Código Civil (LGL\2002\400) interpretado
conforme a Constituição da República (LGL\1988\3), Rio de Janeiro: Renovar, 2006. vol.
2, p. 17): "A fim de contornar a excessiva amplitude do princípio, a doutrina procura dar
conteúdo mais preciso à boa-fé objetiva por meio da identificação de três funções
essenciais: i) cânon interpretativo-integrativo; ii) norma de criação de deveres jurídicos;
e iii) norma de limitação ao exercício dos direitos subjetivos." Essa tríplice função da
boa-fé objetiva é também aceita pela jurisprudência do STJ, aqui exemplificada pela
ementa do REsp 953389 (rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 15.03.2010): "O princípio da
boa-fé objetiva exerce três funções: (i) a de regra de interpretação; (ii) a de fonte de
direitos e de deveres jurídicos; e (iii) a de limite ao exercício de direitos subjetivos.
Pertencem a este terceiro grupo a teoria do adimplemento substancial das obrigações e
a teoria dos atos próprios ('tu quoque'; vedação ao comportamento contraditório;
'surrectio'; 'suppressio')".
2. A importância da supressio é salientada por Reinhard Zimmermann e Simon Whittaker
(op. cit., p. 31-32 e 676), ao afirmarem que, assim como ocorreu com alguns outros
subprincípios da boa-fé objetiva, a supressio ( Verwirkung) ganhou "vida independente",
sendo hoje considerada doutrina autônoma.
3. A perda de direitos está mais relacionada à compreensão da supressio a partir do
instituto alemão da Verwirkung. Outras definições da supressio, que serão abordadas
posteriormente, não são tão drásticas, mencionando apenas a paralisação do exercício
do direito ou a preclusão.
4. Trias e Morales Diéz-Picazo ( Los princípios del derecho europeo de contratos, Madri:
Civitas, 2002. p. 157) concluem que o princípio da boa-fé é um dos pontos que mais
desperta divergência entre os direitos europeus continentais e os direitos do common
law. Já Reinhard Zimmermann e Simon Whittaker (op. cit., p. 30) emitem o seguinte
diagnóstico: "Nothing has, so far, been said about what good faith actually means. The
reason for this is that not much can be said; and what can be said is not very helpful for
deciding concrete cases."
5. Em uma das mais clássicas obras sobre o tema, Antonio Menezes Cordeiro ( Da boa-fé
no direito civil, Coimbra: Almedina, 2001, p. 824) adverte que, por mais que a doutrina
se esforce para a enunciação dos requisitos de aplicação da supressio, "algum ou alguns
destes requisitos podem faltar, desde que os restantes assumam uma intensidade tal
Breve panorama da jurisprudência brasileira a respeito da
boa-fé objetiva no seu desdobramento da supressio
Página 10
que supram a sua ausência: integram um sistema móvel."
6. Segundo Reinhard Zimmermann e Simon Whittaker (op. cit., p. 700), a utilização da
boa-fé objetiva insere-se no contexto de encontrar um balanceamento entre a
autonomia das partes e considerações mais amplas de justiça e segurança jurídica.
7. Reinhard Zimmermann e Simon Whittaker (op. cit., p. 517-531) fazem um
interessante balanço do direito europeu sobre a questão, mostrando que, além da
Alemanha, alguns países aceitam a perda de direitos em decorrência do lapso temporal,
como é o caso da Grécia e Espanha, mas de forma mais restritiva, até mesmo em razão
do receio de que o princípio acabe por comprometer os prazos prescricionais. Na Áustria,
a questão é analisada como forma de renúncia tácita por parte do credor. A França tem
a abordagem mais restritiva, de forma que apenas evidências de renúncia por parte do
credor poderiam levar à perda de direitos, exigindo as cortes que o credor expresse seu
inequívoco desejo nesse sentido. A Itália também teria resistência à supressio, sob o
argumento de que a mera omissão do credor não levaria necessariamente à conclusão
de que ele teria desistido do seu direito.
8. Antonio Menezes Cordeiro (op. cit., 2001, p. 818-819) afirma que a jurisprudência faz
uma aplicação parcimoniosa do remédio, o que faz com que seja visto como
extraordinário ou excepcional.
9. Reinhard Zimmermann e Simon Whittaker (op. cit., p 516) insistem que o tempo
necessário para a supressio ( Verwirkung) precisa ser relativamente longo, mas que tal
requisito deve ser determinado de acordo com as circunstâncias do caso concreto,
levando em consideração se a parte beneficiada merece a referida proteção. Daí
concluírem (op. cit., p. 530) que o tempo de inação do credor é um fator importante a
ser considerado, mas não é decisivo em si mesmo.
10. Faz-se tal ressalva, pois a supressio vem sendo utilizada igualmente em outras
searas,tais como o Processo Civil e o Direito Administrativo, preocupando-se a presente
análise apenas com o Direito Privado.
11. A pesquisa jurisprudencial foi realizada em outubro de 2010, utilizando o banco de
dados do STJ e de todos os Tribunais de Justiça dos Estados.
12. Antonio Menezes Cordeiro (op. cit., p. 797) define a supressio como "a situação do
direito que, não tendo sido, em certas circunstâncias, exercido durante um determinado
lapso de tempo, não possa mais sê-lo por, de outra forma, contrariar a boa-fé." De
acordo com Emilio Betti ( Teoria geral das obrigações. Trad. Francisco José Galvão
Bruno, Campinas: Bookseller, 2006, p. 110), "a boa-fé é contemplada como forma de
evitar um abuso de direito ou como forma de prevenir uma atuação contrária aos fatos
já realizados, criando preclusões segundo uma exigência de coerência entre o
comportamento antecedente e o subsequente." Na doutrina brasileira, Judith
Martins-Costa (A ilicitude derivada do exercício contraditório de um direito: o renascer
do venire contra factum proprium, RF 376/109-129, nov.-dez. 2004) refere-se à
"paralisação do exercício do direito".
13. É o que se observa pela lição de Reinhard Zimmermann e Simon Whittaker (op. cit.,
p. 25): "Lapse of time may also lead to a loss of right even before the relevant period of
prescription has expired (Verwirkung)."
14. Antonio Menezes Cordeiro (op. cit, p. 821) mostra as evidentes conexões entre
ambos os princípios na medida em que a supressio ou possibilita o surgimento de
direitos novos ( surrectio em sentido estrito) ou a recuperação de uma liberdade antes
perdida ( surrectio em sentido amplo). Daí a lição do autor (op. cit., p. 823) de que "a
supressio desenha-se como uma consequência da formação, por surrectio ampla, de
situação incompatível com a atingida; por outro lado, apaga-se em definitivo, o tempo,
Breve panorama da jurisprudência brasileira a respeito da
boa-fé objetiva no seu desdobramento da supressio
Página 11
como requisito autônomo." Logo depois, afirma (idem), a partir da lição de Canaris, que
"na supressio, não está em jogo a extinção gratuita do direito do titular não exercente,
mas antes, o benefício concedido à contraparte." Daí porque (op. cit., p. 824), "a
supressio é, apenas, o subproduto da formação, na esfera do beneficiário, seja de um
espaço de liberdade onde antes havia adstrição, seja de um direito incompatível com o
do titular preterido", o que leva à conclusão de que "o verdadeiro fenômeno em jogo é o
da surrectio, entendida em sentido amplo."
15. Reinhard Zimmermann e Simon Whittaker (op. cit., p 516) ensinam que o tempo
necessário para a Verwirkung precisa ser relativamente longo, mas que tal requisito não
é único, devendo ser compreendido no contexto das demais circunstâncias do caso
concreto, incluindo a consideração sobre se a parte beneficiada merece a referida
proteção. Daí a conclusão dos autores (op. cit. p. 530), a partir do exame das
peculiaridades dos diferentes direitos europeus, de que a mera inatividade do credor não
leva, por si só, à perda dos direitos. Antonio Menezes Cordeiro (op. cit., p. 810-811)
chega a mencionar, dentre os requisitos da supressio, o fator relativo aos "indícios
objetivos de que não haverá mais atuações", embora reconheça que se trate de
"conteúdo pouco explicitado."
16. De acordo com Anderson Schreiber ( A proibição de comportamento contraditório.
Tutela da confiança e venire contra factum proprium, Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p.
132), os pressupostos para aplicação do venire são: (a) uma conduta inicial (o factum
proprium), (b) a legítima confiança da outra parte na conservação do sentido objetivo
desta primeira conduta; (c) um comportamento contraditório e violador da confiança e
(d) um dano ou um potencial de dano daí resultante.
17. A respeito do venire, esclarece Anderson Schreiber (op. cit., p. 150) que "a extensão
do lapso temporal que separa dos dois comportamentos é tida como irrelevante, desde
que o comportamento contraditório venha posteriormente ao comportamento inicial."
18. Reinhard Zimmermann e Simon Whittaker (op. cit., p. 516) referem-se à perda do
direito decorrente da Verwirkung como decorrente de um abuso de direito na específica
forma de venire contra factum proprium. Na doutrina brasileira, Anderson Schreiber (op.
cit., p. 188-191) reconhece a íntima conexão entre a Verwirkung e o venire,
considerando a primeira como uma subespécie da segunda, em que o factumproprium
decorre de um comportamento inicial omissivo.
19. Por essa razão, Judith Martins-Costa (op. cit., p. 109-129) refere-se à "paralisação
do exercício do direito". mostra a associação entre a supressio e o instituto alemão da
Verwirkung, "criação jurisprudencial que abrange várias hipóteses, mas cujo efeito geral
consiste na paralisação do exercício de um direito como meio sancionatório da
deslealdade e da torpeza." Markesinis, Unberath e Johnston ( The German Law of
Contract. A Comparative Treatise, Portland: Hart Publishing, 2006. p. 123) dão a
seguinte definição de Verwirkung, que bem demonstra a associação entre a perda do
direito e a negligência do credor: "A similar argument applies in a related category of
cases, where the lapse of time accompanied by the creation of an impression that the
creditor waives his right actually leads to the premature extinction of the right through
laches (Verwirkung)."
20. Para Antonio Menezes Cordeiro (op. cit., p. 815), uma das discussões importantes
sobre a supressio é precisamente a de saber se o seu foco é na conduta daquele que
perde seus direitos, com uma pretensão generalizante e normativa, ou na situação do
destinário, com uma pretensão de justiça individualizadora, sendo que a maleabilidade
dos prazos apontaria na segunda direção. Assim esclarece o autor (op. cit., p. 820):
"Elas devem informar uma situação tal que o exercício retardado do direito surja, para a
contraparte, como injustiça, seja, em sentido distributivo, por lhe infringir uma
desvantagem desconexa na panorâmica geral do espaço jurídico, seja, em sentido
comutativo, por lhe acarretar um prejuízo não proporcional ao benefício arrecadado pelo
Breve panorama da jurisprudência brasileira a respeito da
boa-fé objetiva no seu desdobramento da supressio
Página 12
exercente, tendo em conta a distribuição normal a operar pelo direito implicado. A chave
da supressio está, pois, na alteração registrada na esfera da contraparte, perante o não
exercício".
21. Antonio Menezes Cordeiro (op. cit., p. 801-802), ao explicar a origem da aplicação
jurisprudencial da supressio, como forma de "contrapeso" ao reconhecimento do direito
à correção monetária, mostra a preocupação dos juízes em sopesar os interesses das
partes, a fim de manter o equilíbrio contratual ao longo do tempo.
22. Reinhard Zimmermann e Simon Whittaker (op. cit., p. 653 e 659 e 676) mostram,
inclusive, que é muito comum, no direito europeu, que a boa-fé objetiva seja utilizada de
forma combinada com outros princípios de interpretação, assim como os relacionados a
abuso de direito, razoabilidade, culpa incontrahendo, obrigações de informação, lesão,
Verwirkung, força maior, exceptiodoli, venire, dentre outros. Seria essa multiplicidade de
abordagens que permitiria haver um grau considerável de harmonia entre os resultados
da aplicação do princípio entre os diversos países, apesar de todas as diferenças.
23. Mais uma vez, recorre-se à lição de Antonio Menezes Cordeiro (op. cit., p. 812): "A
supressio é prejudicada pela ocorrência dos factores voluntários que interrompem ou
suspendem o decurso dos prazos de prescrição ou de caducidade, uma vez que eles
destroem a figuração, por parte do interessado, de que o direito não mais seria exercido.
No que toca ao seu relacionamento com outros remédios jurídicos, a supressio é, por
fim, apontada como saída extraordinária, insusceptível de aplicação sempre que a ordem
jurídica prescreva qualquer outra solução. Tem, pois, natureza subsidiária".
24. Segundo Reinhard Zimmermann e Simon Whittaker (op. cit., p.516), a perda de
direitos em razão do lapso temporal tem significado prático principalmente nas hipóteses
de pretensões submetidas a prazos prescricionais muito longos.
25. Nesse sentido, o STJ já definiu que "a supressio, regra que se desdobra do princípio
da boa-fé objetiva, reconhece a perda da eficácia de um direito quando este longamente
não é exercido ou observado" ( REsp 1096639, rel. Min. Nancy Andrigui, DJe
12.02.2009). Porém, no julgamento do REsp 953.389, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe
15.03.2010), entendeu o Tribunal que "o instituto da supressio indica a possibilidade de
se considerar suprimida uma obrigação contratual, na hipótese em que o não exercício
do direito correspondente, pelo credor, gere no devedor a justa expectativa de que esse
não exercício se prorrogará no tempo."
26. O TJSC ( ApCiv 2009.051870-0 , j. 26.10.2010, rel. Maria do Rocio Luz Santa Ritta,)
já definiu a supressio como a limitação da validade da aplicação ulterior de um direito, o
TJRJ ( ApCiv 2009.001.17109 , j. 19.05.2009, rel. Carlos Santos de Oliveira) como a
"limitação ao exercício de um direito subjetivo pelo decurso de prazo sem que o mesmo
tenha sido exercitado" e o TJRS ( ApCiv 70001911684 , j. 04.12.2000, rel. Maria Isabel
de Azevedo Souza,) como algo que paralisa a pretensão. Já o TJPR ( AgIn 0557362-8 , j.
24.06.2009, rel. Jurandyr Souza Junior,) já a definiu como o desaparecimento do próprio
direito.
27. TJRS ( ApCiv 70028925782 , j. 29.07.2009, rel. José Aquino Flores de Camargo).
28. TJDFT ( ApCiv 2006.07.1.000538-3 , rel. Waldir Leôncio C. Lopes Júnior, DJe
17.12.2009).
29. TJDFT ( ApCiv 2006.07.1.000541-4 , rel. Humberto Adjuto Ulhoa, DJ 10.04.2007).
30. A ementa da TJRJ ( ApCiv 2008.001.33165 rel. Ronaldo Álvaro Martins, j.
16.12.2009) mostra isso: "(...) Pretensão de aplicação da teoria da supressio.
Impossibilidade por não comprovada a má-fé do recorrido. A suppressio indica situação
de não exercício de uma posição jurídica durante um certo tempo, resultando em que
Breve panorama da jurisprudência brasileira a respeito da
boa-fé objetiva no seu desdobramento da supressio
Página 13
não possa exercer tal situação por atentar contra a boa-fé. Trata-se, assim, da influência
do tempo no exercício de um direito embora diferenciado da prescrição e da decadência
em razão do plus representado pela consideração da boa-fé ou má-fé para a
configuração do instituto. Não se pode, assim, falar na aplicação da teoria da supressio
se não restou demonstrado nos autos que o comportamento da parte tenha sido
inadmissível, segundo o princípio da boa-fé".
31. Vale ressaltar a ementa da ApCiv 0006910-23.2005.8.19.0209 (TJRJ, rel. Agostinho
Teixeira de Almeida Filho, j. 22.09.2010): "Apelação Cível. Ação de cobrança de
despesas com imóveis. Casal separado judicialmente. Imóveis que permanecem em
condomínio. Ré que, na contestação, alega pequena utilização das salas. Matéria de
direito. Ofensa ao art. 517 do CPC (LGL\1973\5) não configurada. Preliminar de não
conhecimento do recurso rejeitada. Na qualidade de condômina, a ré deve arcar com a
metade das despesas das quotas condominiais e tributos. A simples inércia do credor
antes de esgotar-se o prazo prescricional, sem que haja inequívoca demonstração da
prática de qualquer ato de renúncia ao crédito, não tem o condão de caracterizar a
supressio. Clima de beligerância entre os litigantes que não se concilia com o surgimento
da expectativa razoável de perdão da dívida. Isenção que só poderia ocorrer se a
condômina houvesse renunciado à sua quota parte, conforme lhe autoriza o art. 1.316,
caput, do CC/2002 (LGL\2002\400) (...)".
32. ApCiv 994070361822 (TJSP, rel. Vito Guglielmi, j. 28.02.2008).
33. ApCiv 2009.001.17109 (TJRJ, rel. Carlos Santos de Oliveira, j. 19.05.2009).
34. ApCiv 70001911684 (TJRS, rel. Maria Isabel de Azevedo Souza, j. 04.12.2000).
35. ApCiv 0071023-56.2008.807.0001 (TJDFT, rel. Nídia Correa Lima, Dje 23.06.2010).
36. O STJ já reconheceu essa associação no REsp 1096639 (STJ, rel. Min. Nancy
Andrighi, DJe 12.02.2009), como se observa pelo voto da Relatora: "O art. 187 do
CC/2002 (LGL\2002\400), ao tratar da definição de ato ilícito, reconhece que a violação
da boa-fé objetiva pode corresponder ao exercício inadmissível ou abusivo de posições
jurídicas. Isto é, a figura do abuso de direito é associada à violação do princípio da
boa-fé objetiva e, nessa função, ao invés de criar deveres laterais, a boa-fé restringe o
exercício de direitos, para que não se configure a abusividade". O TJDF também
reconhece que a teoria do abuso de direito é o pilar da supressio (TJDFT, ApCiv
2009.08.1.008588-8, rel. Romeu Gonzaga Neiva, DJe 01.10.2009), enquanto que o
Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA, ApCiv 12812008, rel. Paulo Sérgio Velten
Pereira, j. 21.12.2009) considera a supressio como "forma de concretização do venire
contra factum proprium, como categoria de abuso de direito". Destaca-se que tal
conexão é muito marcante no direito alemão, no qual a Verwirkung é vista dentre as
manifestações do abuso de direito (Markesinis, Unberath e Johnston, op. cit., p.
123-124).
37. É o que entendeu o TJSP no julgamento do AgIn 994090454510 (rel. Enio Zuliani, j.
30.07.2009)
38. É esta a orientação adotada no Recurso 2009.09.1.023225-3 (TJDFT, rel. Arilson
Ramos de Araujo, DJe 02.09.2010).
39. Vale reproduzir o trecho principal da ementa da ApCiv 2009.001.17109 (TJRJ, rel.
Carlos Santos de Oliveira, j. 19.05.2009): "Ação declaratória cumulada com
indenizatória por danos morais. empréstimo com desconto em folha. descontos
realizados a menor, após repactuação do contrato. (...) 2 - Descontos realizados
conforme parcela originalmente contratada ao longo de quase três anos, não
comprovando a parte ré ter buscado a autora para solução da questão, induzindo a
mesma a crer no exaurimento do contrato de empréstimo. Legítima expectativa na
Breve panorama da jurisprudência brasileira a respeito da
boa-fé objetiva no seu desdobramento da supressio
Página 14
manutenção das condições inicialmente contratadas. Boa-fé objetiva. Teorias da
Supressio e da Surrectio que se aplicam ao caso. A primeira, consistente na limitação ao
exercício de um direito subjetivo pelo decurso de prazo sem que o mesmo tenha sido
exercitado, tendo como requisitos, além do lapso temporal, o desequilíbrio entre o
benefício haurido pelo credor e aquele impingido ao devedor. O segundo, consistente no
exercício continuado de uma situação jurídica mantida ao arrepio do convencionado ou
do ordenamento jurídico, criando nova fonte de direito subjetivo, estabilizada para o
futuro. Declaração de inexistência da dívida referente aos contratos entabulados (...)" .
Não se ignora que o voto do relator faz menção a inércia do credor em consignar
corretamente em folha salarial as parcelas do empréstimo. Todavia, no caso concreto,
houve o ato comissivo de consignar valor inferior.
40. REsp 953389 (STJ, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 15.03.2010).
41. A ementa salienta os seguintes aspectos principais para o deslinde da questão: "Se o
acórdão recorrido estabelece, contudo, que não houve qualquer manifestação do credor
no sentido da sua intenção de exercer tal direito e, mais do que isso, o credor
comporta-se de maneira contraditória, emitindo faturas no valor original, cria-se, para o
devedor, a expectativa da manutenção do preço contratualmente estabelecido."
42. Como exemplos, podem ser citados a ApCiv 70036846012 (TJRS, rel. Dorval Bráulio
Marques, j. 29.07.2010), a ApCiv 2009.001.65801 (TJRJ, rel. Miguel Ângelo, j.
03.11.2009), a ApCiv 2008.001.56381 (TJRJ, rel. Marco Aurelio Fores, j. 10.03.2009), a
ApCiv 994060176798 (TJSP, rel. Francisco Loureiro, registro de 07.02.2007) e a ApCiv
994000723563 (TJSP, rel. Luís Eduardo Scarabelli, registro de 21.10.2005).
43. A ementa da ApCiv 2009.001.61241 (TJRJ, rel. Azevedo Pinto, j. 02.12.2009) assim
afirma: "Conforme se observa dos documentos de fls.13, 14 e 16, tais parcelas foram
pagas com atraso e com juros, sem que o Banco fizesse qualquer objeçãoa esse
respeito. Procedendo dessa forma, o réu fez surgir o fenômeno da surrectio (que é
modalidade aquisitiva de direito subjetivo, formado em razão de comportamento
continuado) a garantir a manutenção de ajuste tacitamente convencionado, na medida
em que a situação criada ao arrepio da cláusula contratual foi aceita pela consumidora, e
gerou nela a certeza de que poderia pagar alguns dias após o vencimento o valor
avençado com os juros."
44. É o que foi decidido na ApCiv 70033659590 (TJRS, rel. Pedro Celso Dal Pra, j.
25.02.2010).
45. No julgamento do AgIn 991080588358 (TJSP, rel. Moura Ribeiro, j. 18.09.2008), o
tribunal entendeu que pequenos atrasos aceitos reiteradamente pelo credor não
configuram inadimplemento apto a fazer incidir a cláusula penal. Por esse mesmo
motivo, foi afastada a multa na ApCiv 1109661009 (TJSP, rel. Hamid Charaf Bdine
Júnior, j. 25.02.2008).
46. Destaca-se a ementa da ApCiv 2009.001.50478 (TJRJ, rel. Alexandre Câmara, j.
12.01.2010): "Direito civil. Demanda de consignação em pagamento. Contrato de
locação. Aluguel que, durante 24 meses, foi pago com atraso sem cobrança de qualquer
acréscimo em razão da mora. Boa-fé objetiva. Legítima confiança do locatário de que
poderia continuar a pagar com atraso sem qualquer tipo de multa, juros ou atualização.
Supressio e surrectio. Recusa injustificada em receber o aluguel atrasado sem os
acréscimos da mora. Direito do locatário de pagar sem tais acréscimos."
47. A ementa da ApCiv 2009.001.17714 (TJRJ, rel. Ronaldo Álvaro Martins, j.
04.09.2009) é clara no sentido de que "a situação criada ao arrepio de cláusula
contratual livremente convencionada - pela qual a locadora aceita, por certo lapso de
tempo, aluguel a preço inferior àquele expressamente ajustado cria, à luz do Direito Civil
moderno, novo direito subjetivo, a estabilizar situação de fato já consolidada, em
Breve panorama da jurisprudência brasileira a respeito da
boa-fé objetiva no seu desdobramento da supressio
Página 15
prestígio ao princípio da boa-fé contratual."
48. Destaca-se a ementa do AgIn 990100319868 (TJSP, rel. Andreatta Rizzo, j.
12.05.2010): "Locação de Imóveis. Despejo por falta de pagamento. Aplicação do índice
de reajuste de aluguéis previsto no contrato, mas não utilizado durante nove anos.
Inadmissibilidade. Princípio da supressio, fundada na boa-fé objetiva. Proibição de venire
contra factum proprium. Decisão reformada. Recurso provido. "Ainda que a avença
escrita contenha previsão de uma determinada obrigação, se as partes cumprem o
ajuste ao longo dos anos de modo diverso daquele estabelecido originariamente,
caracteriza-se o instituto da supressio, sendo vedado a um dos contratantes alterar seu
comportamento repentinamente, sob pena de restar configurado Venire contra factum
proprium".
49. É o que ensinam Reinhard Zimmermann e Simon Whittaker (op. cit., p. 515-531),
mostrando que vários países europeus tenderiam a acolher a solução em favor da perda
do direito do locador de exigir o valor inicialmente contratado, ainda que, em muitos
casos, utilizando-se de princípios correlatos à boa-fé objetiva.
50. Vale reproduzir trecho da ementa do Recurso Cível 71001586668 (TJRS, rel. Ricardo
Torres Hermann, j. 15.05.2008): "Tendo o autor pago rigorosamente as parcelas do
consórcio durante os 36 meses do grupo, não pode a administradora, ao final, negar-lhe
a liberação da alienação fiduciária que recaía sobre o veículo adquirido com a carta de
crédito. Isso porque, com os pagamentos realizados, criou-se ao autor a legítima
expectativa de estar adquirindo parceladamente o veículo e quitando sua obrigação com
o pagamento da última parcela. Ao mesmo tempo, em contrapartida, a inércia da ré fez
desaparecer seu direito de cobrar o valor pago a menor. Aplicação do princípio da boa-fé
objetiva e das teorias da surrectio e supressio".
51. A necessidade da prestação do serviço de plano de assistência nessa hipótese foi
prestigiada na ApCiv 70024338758 (TJRS, rel. Odone Sanguiné, j. 29.10.2008). Outro
acórdão interessante sobre o tema é o da ApCiv 2009.001.63963 (TJRJ, rel. Edson
Vasconcelos, j. 11.11.2009), em que o tribunal entendeu que, em se tratando de
contrato de seguro, "os pagamentos em atraso de diversas parcelas não podem ser
considerados aptos a provocar a extinção do contrato, pois a seguradora anuiu com a
conduta da autora ao receber as parcelas, típico exemplo de ocorrência do fenômeno da
surrectio que seria, no caso, a continuação de situações jurídicas contrárias ao acordado
geradoras de direitos subjetivos. E nem se considere que o não pagamento de três
parcelas seja inadimplemento motivador da extinção do contrato, mas sim mero atraso
no cumprimento da obrigação, sendo indispensável a interpelação do segurado para
caracterização da mora, não se admitindo a automática desconstituição da relação
negocial."
52. Cita-se a ementa do AgIn 2008.015499-8 (TJSC, rel. Maria do Rocio Luz Santa Ritta,
j. 22.04.2010): "(...) Deve-se, por outro lado, temperar a norma ao caso concreto,
sendo questionável a ruptura, proposta a seu termo, quando se nota que a Unimed
aceitava reiteradamente pagamentos em atraso, mesmo quando já notificado o
consumidor e esvaído o prazo para a quitação. Caracterizada, em situação tal, a figura
da supressio, traduzida na ideia de que o não exercício de um direito, quando deveria
sê-lo, limita a validade da sua aplicação ulterior, viável somente na estrita condição de
boa-fé. Noutras palavras, o comportamento criou prerrogativa que se traduz na
impossibilidade de findar a avença de maneira abrupta, revendo a perspectiva até então
vigente, diante de situação de mora parecida, sobretudo quando o motivo, ferindo a
lisura, é o fato de essa ocorrer próxima da renovação automática, situação que deixa
transparecer o real objetivo da empresa de planos de saúde, qual seja, celebrar novo
contrato a termos mais vantajosos."
53. Reproduz-se trecho da ementa do AgIn 2008.002.02815 (TJRJ, rel. Marcos Alcino
Torres, j. 23.09.2008): "A Interrupção do serviço que só faz sentido enquanto meio
Breve panorama da jurisprudência brasileira a respeito da
boa-fé objetiva no seu desdobramento da supressio
Página 16
coercivo para que o devedor proceda à quitação das taxas impagas - se e na medida em
que o débito seja recente, e seu pagamento esteja ao alcance das possibilidades do
devedor. Extremo oposto é o caso dos autos, em que a empresa distribuidora de águas,
ainda que talvez cobrando valores legítimos, deixou que o total consolidado do débito
atingisse soma inalcançável pelo devedor (acima de R$ 30.000,00), de modo que a
suspensão do serviço, no caso, não repercute em nenhum efeito prático; ao contrário,
distorce a inteligência do instituto. A conduta da agravante nestas circunstancias
transmite ao devedor a confiança de que a outra parte não mais exercerá a opção que
teria de coagir a pagamento mediante ameaça de corte face à sua inércia por longo
período sem o exercício oportuno de referida opção, no fenômeno que doutrina conhece
como supressio.
54. Destaca-se a ementa da ApCiv 992090687972 (TJSP, rel. Carlos Alberto Garbi, j.
01.09.2009): "Ação de cobrança. Prestação de serviço de segurança e vigilância em
condomínio. Cláusula contratual que permitia a exigência, pelo réu, do comprovante de
recolhimento de tributos incidentes sobre a atividade da prestadora de serviços. Durante
toda a execução do contrato o réu não exigiu tais documentos, aceitando a prestação
dos serviços e realizando os pagamentos. Não pode o réu, depois de mais de um ano de
execução regular do contrato, suspender o pagamento da contraprestação pelos serviços
prestados e dos quais se beneficiou, sob argumento de descumprimento contratual.
Aplicação dias regras do venire contra factum proprium e da supressio para solucionar a
questão. Proteção da boa-fé e confiança."
55. É o que foi decidido pelo TJRS na ApCiv 70034079376 (rel. Ney Wiedemann Neto, j.
19.08.2010).
56. O trecho principal da ementa da ApCiv 990092622447 (TJSP, rel. Adilson Araújo, j.
24.08.2010)mostra isso: "(...) 1. - A comercialização dos produtos de outras
distribuidoras, em desatendimento à cláusula de exclusividade - "bandeira" - ocorreu
com base em liminar judicial decorrente de situação fática que exigia tal providência.
Ademais, tudo ocorreu após a extinção do contrato, ressaltando-se que a rescisão
contratual de fato já ocorreu há muitos anos, haja vista a deterioração do
relacionamento entre as partes contraentes. 2 .- Reconhecida na doutrina, com reflexos
na jurisprudência, a teoria da supressio deve ser aplicada como instrumento adequado
de viabilização da boa-fé objetiva e função social do contrato em busca da efetividade
social. Caracteriza-se pela tolerância, a longo prazo, contrária ao que restou pactuado
entre as partes, é lenitivo hábil a impedir que a parte que tolera venha exigir da outra o
cumprimento e até mesmo eventuais penalidades por conta da forma adversa que
sempre foi a prática aceita. 3 .- Firmado contrato de comodato de bens, fornecimento de
combustíveis e de outros produtos, a inadimplência parcial do autoposto de serviços
automotivos, um dos motivos geradores da rescisão, não foi questionada ou exigida pela
distribuidora durante anos. Passados alguns anos, ao pedir rescisão contratual, postulou
a cobrança da multa de todo o período pretérito, embora também tivesse tido vantagens
nesse tempo, o qual gerou débito de valor exorbitante."
57. Menciona-se, como exemplo, o decidido na AgRg 992090490362 (TJSP, rel. Adilson
de Araújo, j. 01.12.2009).
58. ApCiv 200902138485 (TJGO, rel. Geraldo Gonçalves da Costa, j. 15.09.2009).
59. Cita-se trecho da ementa da ApCiv 2008.050547-0 (TJSC, rel. Maria do Rocio Luz
Santa Ritta, j. 25.05.2010): "(...) Inadimplentes os compradores em duas ocasiões
distintas, mas deixando a vendedora de aplicar a faculdade resolutiva ao tempo e modo
oportunos, há margem para aplicação do instituto da supressio, enunciativo de que um
dado direito, se não foi exercido quando havia expectativa de sê-lo, somente pode ser
invocado, a posteriori, mediante demonstrativo de inequívoca e patente boa-fé.
Reforçada tal percepção, substancialmente, quando a mora é reiteradamente
manipulada em proveito próprio pela vendedora, servindo para majorar sobremaneira o
Breve panorama da jurisprudência brasileira a respeito da
boa-fé objetiva no seu desdobramento da supressio
Página 17
proveito obtido com o contrato. (...) Não exercício dos direitos de resolver o contrato
mesmo diante de duas ocasiões de mora. Aproveitamento ainda da situação para
repactuar o contrato de forma abusiva em favor do credor."
60. O trecho principal da ementa da ApCiv 2001.003297-0 (TJSC, rel. Mazoni Ferreira, j.
26.09.2007) contém as seguintes informações: "1. Apelação cível. Ação de resolução de
contrato de compra e venda de imóvel por inadimplemento do comprador. Obrigação de
transferência do financiamento habitacional. Procedência do pedido inicial. Insurgência
do requerido. (...) 3. Imóvel financiado pela caixa econômica federal. Alienação do bem
sem a anuência do agente financeiro. Prática que configura hipótese de vencimento
antecipado da dívida. Ciência dos vendedores a esse respeito. Circunstância que afasta,
na espécie, a exigibilidade da transferência do financiamento em face dos compradores.
4. Inércia dos vendedores por considerável período de tempo sem exigir o cumprimento
da obrigação. Atitude contrária à alegação de essencialidade da cláusula. Prevalência do
princípio da boa-fé contratual. Vedação ao venire contra factum proprium.(...)"
61. Destaca-se o trecho culminante do voto: "Como consectário, tem-se ainda o instituto
da supressio, segundo o qual o direito que não tenha sido exercido pela parte por
determinado lapso de tempo não poderá mais sê-lo, se contrariar a boa-fé. Com base
nessa teoria, Ruy Rosado de Aguiar Júnior, discorrendo acerca do direito de resolução
dos contratos, ensina que o comportamento do credor que aceita o descumprimento de
determinada obrigação contratual pode configurar uma renúncia tácita ao direito de
resolução do contrato com base no descumprimento dessa mesma obrigação: (...)"
62. Destaca-se o principal trecho da ementa da ApCiv 994080261970 (TJSP, rel. Enio
Zuliani, j. 03.09.2009): "(...) Compradores que pagaram, em dia, todas as parcelas
contratuais que lhe foram cobradas, sem que as vendedoras fizessem ressalvas ou
indicassem, com transparência, a existência de saldo devedor acumulado, tampouco
promovendo a prorrogação do contrato, como facultado, e que, depois de dez anos do
recebimento da última prestação, exige o pagamento do saldo residual ou a rescisão.
Comportamento que contradiz a anterior omissão que gerou nos compradores a
confiança de que o contrato já estava quitado. Boa-fé objetiva impedindo a exigibilidade
de um direito quando o seu titular permaneceu inerte por longo tempo e criou na outra
parte a legítima expectativa de que ele não mais seria exercido ( supressio)."
63. STJ, REsp 214680, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 16.11.99.
64. A orientação foi mantida no julgamento do REsp 325870 (STJ, rel. Min. Humberto
Gomes de Barros, DJ 20.09.2004) e no REsp 356821 (STJ, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ
05.08.2002). Em ambos se tratava de utilização de área comum do condomínio de forma
exclusiva por determinado condômino por períodos longos, superiores a trinta anos. Tal
entendimento foi reiterado no recente julgamento do REsp 281290 (STJ, rel. Min. Luís
Felipe Salomão, DJe 13.10.2008), em que determinados condôminos questionavam a
convenção que atribuíra uso exclusivo e individual de partes comuns aos condôminos,
situação de fato que perdurava há mais de 15 anos.
65. ApCiv 2008.001.25507 (TJRJ, rel. Luisa Bottrel Souza, j. 06.08.2008).
66. ApCiv 1.0079.04.119916-1/001 (TJMG, rel. Marcelo Rodrigues, j. 21.03.2007).
67. REsp 1096639 (STJ, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 12.02.2009).
69. A ementa da ApCiv 2008.001.15578 (TJRJ, rel. Edson Vasconcelos, j. 16.04.2008):
"(...) A documentação acostada aos autos demonstra ter o réu adquirido a propriedade
do imóvel devedor de cota condominial em 24.03.1995, ocorrendo sucessivas alienações
por escritura pública do referido bem nos anos de 1997, 1998 e 2001, não sendo
efetuados os registros no cartório competente, capaz assim de transferir sua
propriedade. Demonstrado conhecimento pelo condomínio da realização da cessão de
Breve panorama da jurisprudência brasileira a respeito da
boa-fé objetiva no seu desdobramento da supressio
Página 18
direitos sobre o imóvel devedor de condomínio, não pode o apelante ser responsabilizado
pelo pagamento do débito em razão da ausência de requisitos formais, qual seja,
registro da escritura pública no cartório de imóveis. O exercício retardado do direito pelo
apelado, diante das circunstâncias do caso concreto, gerou para o apelante situação de
insegurança em razão do longo período em que o condomínio se manteve inerte."
70. EI 994031049155 (TJSP, rel. Francisco Loureiro, registro em 24.01.2006).
71. ApCiv 994080241501 (TJSP, rel. Francisco Loureiro, j. 21.05.2009).
72. A ementa da ApCiv 70033073628 (TJRS, rel. Rui Portanova, j. 03.12.2009) é
esclarecedora: "Os atos e negócios jurídicos devem ser efetivados e interpretados
conforme a boa-fé objetiva, e também encontram limitação nela, se a contrariarem.
Inteligência dos arts. 113, 187 e 422 do CC/2002 (LGL\2002\400). Em atenção à boa-fé
objetiva, o credor de alimentos que não recebeu nada do devedor por mais de 20 anos
permitiu com sua conduta a criação de uma legítima expectativa - no devedor e na
efetividade social - de que não haveria mais pagamento e cobrança. A inércia do credor
em exercer seu direito subjetivo de crédito por tão longo tempo, e a consequente
expectativa que esse comportamento gera no devedor, em interpretação conforme a
boa-fé objetiva, leva ao desaparecimento do direito, com base no instituto da supressio.
Precedentes doutrinários e jurisprudenciais. No caso, a exequente/embargada - por
longos 24 anos - não recebeu alimentos do seu falecido pai e sequerbuscou cobrar o
débito. Caso em que deve ser mantida a sentença que extinguiu a execução, em razão
da perda da eficácia do título de alimentos executado".
73. A ementa dos EI 70029964228 (TJRS, rel. Rui Portanova, j. 14.08.2009) assim
preceitua: "(...) A cláusula do acordo de separação do casal, que ampara a pretensão de
cobrança se liga - indelevelmente - à existência de uma empresa que faliu. Mesmo
depois da falência, veio o divórcio e a cláusula da separação não apareceu no acordo do
divórcio. E isso reforçou o esvaziamento do que antes foi contratado. Logo, nada - a não
ser uma indevida interpretação extensiva - justifica, agora, buscar-se - depois de mais
de quinze anos - a cobrança de um valor mensal, consecutivo e vitalício. Mesmo assim,
se algum resquício de obrigação pudesse, de alguma forma, sugerir algum indício de
legitimidade para tal cobrança; ainda assim, uma indeclinável aplicação do princípio da
supressio deve incidir ao caso".
74. Reproduz-se a ementa da ApCiv 70026907352 (TJRS, rel. Rui Portanova, j.
04.12.2008): "Os atos e negócios jurídicos devem ser efetivados e interpretados
conforme a boa-fé objetiva, e também encontram limitação nela, se a contrariarem.
Inteligência dos arts. 113, 187 e 422 do CC/2002 (LGL\2002\400). Em atenção à boa-fé
objetiva, o credor de alimentos que não recebeu nada do devedor por mais de oito anos
permitiu com sua conduta a criação de uma legítima expectativa no devedor e na
efetividade social de que não haveria mais pagamento e cobrança. A inércia do credor
em exercer seu direito subjetivo de crédito por tão longo tempo, e a consequente
expectativa que esse comportamento gera no devedor, em interpretação conforme a
boa-fé objetiva, leva ao desaparecimento do direito, com base no instituto da supressio".
Já a ementa da ApCiv 70024263758 (TJRS, rel. Rui Portanova, j. 25.09.2008) tem a
seguinte redação: "Em atenção a boa-fé objetiva, o credor de alimentos que não recebeu
nada do devedor por mais de 12 anos permitiu com sua conduta a criação de uma
legítima expectativa no devedor e na efetividade social de que não haveria mais
pagamento e cobrança. A inércia do credor em exercer seu direito subjetivo de crédito
por tão longo tempo, e a conseqüente expectativa que esse comportamento gera no
devedor, em interpretação conforme a boa-fé objetiva, leva ao desaparecimento do
direito, com base no instituto da supressio. Precedentes doutrinários e jurisprudenciais.
No caso, as partes se separaram 12 anos antes do ajuizamento da ação de alimentos,
admitindo a autora que era auxiliada, nesse período, por sua irmã e seu filho.
Considerando que a extinção do vínculo matrimonial pode ocorrer somente após dois
anos da separação de fato por meio do divórcio direto (art. 1.580, § 2.º, do CC/2002
Breve panorama da jurisprudência brasileira a respeito da
boa-fé objetiva no seu desdobramento da supressio
Página 19
(LGL\2002\400)), a partir de uma interpretação sistemática, é de se reconhecer que
após 12 anos de separação, do ponto de vista prático, o dever de mútua assistência não
existe mais".
75. ApCiv 70021236294 (TJRS, rel. Nara Leonor Castro Garcia, j. 28.05. 2009).
76. ApCiv 70021802020 (TJRS, rel. Marilene Bonzanini Bernardi, j. 13.11. 2008).
77. ApCiv 2009.051870-0 (TJSC, rel. Maria do Rocio Luz Santa Ritta, j. 26.10. 2010).
78. Destaca-se trecho da ementa da ApCiv 545.377-8 (TJPR, rel. Lauri Caetano da Silva,
DJ 19.05.2009): "A leitura do acordo de vontades materializado na escritura pública
anexa aos autos revela que, com efeito, existia cláusula dispondo sobre a 'necessidade
de anuência' de ambos os condôminos para que fosse promovida alteração na fachada
do prédio. Ocorre que a apelada somente veio a questionar a construção da marquise
quando foi instada pela apelante em ação demolitória. Antes disso, sua conduta fora de
passividade, revelando a plena aceitação da obra; tanto que chegou até mesmo a
instalar 'tanque de roupa e varal' sobre dita marquise. Desta forma, não se pode
permitir que as cláusulas contratuais sejam aplicadas de forma abusiva; ao revés,
deve-se prestigiar a boa-fé objetiva, a qual agora vem expressamente prevista no art.
422 do CC/2002 (LGL\2002\400). 2. Da ideia de boa-fé objetiva nasceram os institutos
da supressio e da surrectio. A supressio (ou Verwinkung, na doutrina alemã) consiste na
redução do conteúdo obrigacional pela inércia de uma das partes em exercer direitos ou
faculdades, gerando na outra legítima expectativa. A faculdade ou direito consta
efetivamente do pacto, todavia, a inércia qualificada de uma das partes gera na outra a
expectativa legítima (diante das circunstâncias) de que a faculdade ou direito não será
exercido. Esta legítima expectativa traduz-se pela surrectio".
79. ApCiv 0252259-05.2008.8.19.0001 (TJRJ, rel. Roberto de Abreu e Silva, j.
23.03.2010).
80. ApCiv 990100509047 (TJSP, Relator Carlos Alberto Garbi, julgado em 24.08.2010).
81. ApCiv 2009 08 1 008588-8 (TJDFT, rel. Romeu Gonzaga Neiva, DJe 01.10. 2009).
82. ApCiv 2006 01 1 059656-3 (TJDFT, rel. Maria Beatriz Parrilha, DJe 14.07. 2008).
83. ApCiv 48060174082 (TJES, rel. Arnaldo Santos Souza, j. 10.11.2009).
84. A ementa da ApCiv 70036067015 (TJRS, rel. Angelo Maraninchi Giannakos, j.
06.10.2010) afirma que "a inércia da parte autora impede-a de exigir a cobrança de
locativos, sem nenhuma previsão contratual, pois o tempo - mais de 20 (vinte) anos -
consolidou o direito da requerida de uso livre do terreno".
85. ApCiv 994090414276 (TJSP, rel. Vito Guglielmi, j. 07.05.2009).
Breve panorama da jurisprudência brasileira a respeito da
boa-fé objetiva no seu desdobramento da supressio
Página 20

Continue navegando