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FUNDAMENTOS DE ADMINISTRAÇÃO HOSPITALAR E SAÚDE Simone Machado Kühn de Oliveira A saúde privada no Brasil Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Descrever o mercado das operadoras de planos de saúde (1960-1980). � Identificar as razões da implementação da nº. Lei 9.656. � Classificar as principais vantagens desta regulamentação. Introdução A Constituição Federal de 1988 definiu saúde como “direito de todos e dever do Estado”. Consolidando essa definição, em 1990 foi publicada a Lei nº. 8.080 criando o Sistema Único de Saúde (SUS), com função de oferecer a assistência em saúde para todos os brasileiros, sem nenhuma distinção. Embora a criação do SUS tenha se configurado em uma grande evo- lução na assistência à saúde dos brasileiros, o sistema ainda enfrenta muitas dificuldades, principalmente na relação oferta-demanda. Muitos brasileiros preferem utilizar os serviços das operadoras de planos de saúde, que, geralmente, oferecem agilidade nos atendimentos e um maior conforto ao usuário. Neste capítulo, você vai estudar o mercado das operadoras de planos de saúde e a Lei nº. 9.656 que regula a atividade dessa modalidade de assistência à saúde. Além disso, vai identificar as principais vantagens dessa regulamentação. Mercado das operadoras de planos de saúde (1960-1980) A utilização de serviços de saúde privados é uma prática comum, em todo o mundo, há muitos anos. Nos Estados Unidos, as primeiras empresas de medicina de grupo surgiram em 1920, sendo reconhecidas mundialmente como precursoras desse mercado. No Brasil, entre nos anos de 1950 e 1960, surgiram as primeiras orga- nizações empresariais de medicina de grupo com o objetivo de atender os trabalhadores do ABC Paulista. As organizações multinacionais que ali estavam estabelecidas, frente à realidade da assistência da saúde pública brasileira na época, buscaram outras formas de ofertar atendimento médico aos seus funcionários. Nesse sentido, incentivaram médicos a estruturar instituições empresariais de medicina de grupo, com planos de saúde diversos. Nesse contexto, muitas empresas foram criadas e um grande número de trabalhadores começou a utilizar os serviços das empresas de planos de saúde (PEREIRA FILHO, 1999; BOTARO, 2014/2015). Nesse cenário, um número cada vez maior de empresas foi sendo criado, oferecendo assistência de saúde ambulatorial e hospitalar, além de exames e procedimentos. Segundo Botaro (2014/2015), esse crescimento foi incentivado, principalmente, por quatro razões: � o progressivo crescimento industrial no Brasil; � o sistema de saúde insatisfatório e deficiente existente na época; � o crescimento da procura da população por atendimento médico; � o alto custo dos serviços médicos oferecidos de forma independente, decorrente do desenvolvimento de novas tecnologias em saúde. Nesse período, o atendimento médico e a assistência previdenciária eram exercidos, na maioria das vezes, pelos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs). Levando-se em consideração que os serviços de saúde estavam vin- culados à Previdência Social, a conformação da legislação trabalhista trouxe benefícios à saúde de várias categorias de trabalhadores e suas famílias, além de incorporar recursos à Previdência Social (RONCALLI, 2003). Em 1967, os IAPs foram unificados no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Essa unificação, somada aos incentivos para a privatização dos serviços de saúde, propiciou o favorecimento do posicionamento do Estado como comprador desses serviços da iniciativa privada. A saúde privada no Brasil2 O progresso do setor industrial no Brasil favoreceu o crescimento do número de beneficiários e, em decorrência, um acréscimo da arrecadação da Previ- dência Social. Frente a já conhecida incapacidade do setor público, parte dos recursos da Previdência foram destinados à formação das primeiras unidades de um sistema de saúde centralizado nas grandes cidades e direcionado ao tratamento de sintomas das doenças . Esse sistema de saúde se configurava pela diferenciação da assistência de saúde prestada de acordo com a clientela. Nesse sentido, os melhores serviços eram oferecidos para beneficiários de maior renda, enquanto à população de baixa renda eram oferecidos serviços de baixa resolutividade. Dessa forma, o aumento do número de beneficiários exigiu que o modelo médico previdenciário, incapaz de absorver o aumento da demanda, tivesse que ser modificado. Essa condição fez com que o governo ficasse diante de um impasse: deveria investir no financiamento do sistema de saúde público ou buscar novas alternativas de financiamento? A alternativa encontrada para a resolução do dilema foi incentivar a atuação da iniciativa privada na assistência a saúde. Simultaneamente a essa modificação, a clientela dos planos de assistência saúde privada se modificou, com a classe média brasileira se utilizando dos planos de saúde privados. Em resposta a esse crescimento, novos modelos de assistência privada foram surgindo, aumentando, de forma importante, a oferta desse tipo de serviço. Nesse contexto, além de empresas de assistência médica, surgiram as cooperativas médicas, constituídas e reguladas segundo a legislação do co- operativismo. As cooperativas médicas oferecem assistência aos seus segu- rados através de contratos nas modalidades individual, familiar ou coletivo (PEREIRA FILHO, 1999; BOTARO, 2014/2015). As cooperativas são instituições formadas por indivíduos ligados pela cooperação e apoio mútuo, gerenciadas de forma participativa e democrática. Nesse sentido, os cooperativados têm objetivos afins, cujos aspectos teóricos e legais são diferentes de outras formas de sociedade (GAWLAK, 2005). Outro modelo que surgiu nesse período foi a autogestão. Esse sistema se originou nas grandes empresas que administram planos de assistência à saúde independentes para seus colaboradores por meio de contrato ou credenciamento de serviços médicos e de associação com hospitais. Surgiu, então, o modelo de seguro de saúde, completamente diferenciado do modelo dos planos de saúde. Nesse modelo, companhias seguradoras tra- balham no setor de saúde suplementar, do mesmo modo que em seus outros seguimentos (PEREIRA FILHO, 1999). 3A saúde privada no Brasil O diferencial nesse modelo é que ele se trata de um plano de subsídio, que permite que o segurado escolha o médico ou hospital através do sistema de reembolso de custos. Esse modelo evoluiu ao longo do tempo e, nos dias de hoje, além do método de reembolso, atua com médicos, hospitais e laboratórios referenciados, mantendo a livre escolha. Com um mercado promissor e uma demanda que cada vez crescia mais, o campo da assistência de saúde privada se desenvolveu de forma a montar uma ampla rede de assistência suplementar. Dessa forma, a utilização dos serviços e procedimentos médico-hospitalares ficou quase que sujeito às companhias de saúde suplementar. Nesse contexto, os serviços públicos só eram solicitados quando o serviço não era coberto pela assistência privada. Nesse período não havia legislação específica para a regulamentação das operadoras de planos de saúde, que elaboravam seus contratos definindo regras e estabelecendo direitos e deveres entre as partes. As seguradoras de planos de saúde seguiam normas da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP). Com o aumento da demanda pelos serviços de saúde e a falta de legisla- ção para controlar o setor, começaram a surgir denúncias dos clientes, que reclamavam dos contratos abusivos das operadoras de planos de saúde. Com o objetivo de regulamentar setor, foi publicada a Lei nº. 9.656, de 03 de ju- nho de 1998, buscando o equilíbrio nas relações entre clientes e operadoras, oferecendo mais garantias e direitos aos beneficiários, de modo a garantir o interesse público nessa relação (BOTARO, 2014/2015). Os Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs) se originaram das antigasCaixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs), que disponibilizavam o amparo da aposentadoria a pouquíssimos trabalhadores. As CAPs eram organizadas por empresas ou funcionários em sistema de capitalização; contudo, sofriam com a falta de contribuintes e a sucessão de fraudes (RONCALLI, 2003). No primeiro mandato de Getúlio Vargas foram anexadas ao Ministério do Trabalho, com crescimento de sua abrangência e modificações importantes no padrão de gestão, passando a ser uma autarquia. Além disso, seus beneficiados foram divididos de acordo com sua classe profissional. Assim tiveram origem os primeiros IAPs: Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários (IAPB), Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários (IAPC), etc. Os IAPs, inicialmente, tinham como escopo a reorganização do modelo previdenciário. A saúde privada no Brasil4 Por volta de 1945, começaram a disponibilizar serviços relacionados à alimentação, assistência médica e habitação. Em 1966, os IAPs que atendiam os trabalhadores da iniciativa privada foram unifi- cados, originando o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que mais tarde foi centralizado no Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) (RONCALLI, 2003). https://goo.gl/bPjpp9 Razões da implementação da Lei nº. 9.656/98 A divisão entre as ações de saúde pública e a assistência médica individual ficou evidente. As ações coletivas eram de competência do Ministério da Saúde; contudo, seu orçamento era agonizante. De acordo com Lemos, 2008, a Previdência Social financiava a assistência médica individual; entretanto, somente uma parte da população era coberta por esses serviços: os assalariados. Os serviços de assistência médica eram exercidos unicamente pela iniciativa privada e o Estado os comprava com recursos provenientes da Previdência Social. Dessa forma, a criação do setor de saúde privada no Brasil foi fortalecida, tendo seu mercado assegurado através da política de seguridade social. Nesse sentido, o Estado se tornou o principal comprador dos serviços médicos priva- dos que eram oferecidos às classes assalariadas. Ao mesmo tempo, o Estado não impunha ao setor de medicina privada a cobrança do atendimento de regras e competitividade e eficiência, comuns ao mercado de prestação de serviços. Além disso, o Estado promoveu o financiamento direto à expansão dos serviços médicos da iniciativa privada. Grande parte desse financiamento se originou do setor público, em conformidade com a política de apoio de recursos a partir do Estado, principalmente depois de 1964 (LEMOS, 2008). Algumas empresas de assistência médica privada passaram a ofertar ser- viços diferenciados. Algumas empresas realizavam contratos que garantiam, inclusive, cobertura internacional (BOTARO, 2014/2015). De acordo com Matos (2011), nos anos de 1970, a ampliação do mercado de empresas de medicina privada foi beneficiada por algumas políticas imple- mentadas pelo governo da época. Entre essas medidas se destacam: 5A saúde privada no Brasil � O incentivo dado pelo INPS através dos convênios-empresa, que per- mitiu às companhias empregadoras realizarem o desconto das contri- buições da previdência em parte das alíquotas atribuída às empresas operadoras de planos de saúde. � A redução da oferta, da qualidade dos serviços e dos honorários dos médicos da saúde previdenciária, depois da constituição do INPS. � A viabilidade de abatimento dos custos com saúde do Imposto de Renda de pessoas físicas. � Situações em que a administração pública já tinha tomado a obrigação pela assistência médica de seus servidores e escolheu optar pela tercei- rização desses serviços. Em 1974, foi criado o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), que implementou o Programa de Pronta Ação (PPA), que estabelecia normas para as atividades médico-previdenciárias. Nesse sentido, observou-se que as ações do Estado apontavam uma dualidade: a transmissão de atribuições para as empresas privadas e a universalização do modelo público, evidenciadas por algumas ações, das quais destacam-se: � Instituição do direito à assistência de emergência gratuita para todos os cidadãos, mesmo sem seguro da Previdência. � Hospitais de propriedade da Previdência, destinados a serviços médicos de alta especialização, pesquisas e aprimoramento. � Estabelecimento de convênios com organizações empresariais, com outras esferas da União ou, ainda com gestores dos Estados ou Mu- nicípios, para credenciamento de profissionais de saúde particulares ou contratação de prestação de serviços por cooperativas médicas (BRASIL, 2002). O mercado de operadoras de planos de saúde demonstrou crescimento acentuado até meados de 1980, alcançando cerca de 15 milhões de beneficiários, atendidos por, aproximadamente, 300 operadoras. O crescimento do setor se manteve não obstante a crise financeira brasileira nesse período. O aumento vertiginoso dos serviços de planos de saúde levou ao correspondente aumento dos conflitos entre consumidores e empresas prestadoras dos serviços, sina- lizando a necessidade de regulamentação específica para o setor de medicina privada. As demandas da relação clliente-operadora de saúde estavam sendo decididas com base na Lei nº. 8.078, o Código de Defesa do Consumidor. A saúde privada no Brasil6 Em meados de 1985, as mobilizações populares reivindicando um sistema de saúde público que oferecesse acesso universal aos cidadãos aumentaram. Em 1987, foi criado o Sistema Único Descentralizado de Saúde (SUDS), ofere- cendo acesso universal para segurados e não segurados da Previdência Social. A Constituição Federal de 1988 instituiu, em seu art. 196, a saúde como direito de todos e dever do Estado, a ser garantido através do acesso universal e igualitário, ressaltando o caráter da acessibilidade aos serviços públicos de saúde aos brasileiros, sem nenhum tipo de distinção (BRASIL, 1988). Contudo, a implementação do SUS no país enfrentou muitas dificuldades, acarretando mudanças nas políticas assistenciais de saúde que acarretaram como consequências: � Instalação de um sistema de saúde avançado em termos de cidadania, entretanto, ainda mal estruturado. Nesse sentido, evidenciavam-se atendimentos de má qualidade aos mais pobres e a escassez da oferta de serviços. Nesse contexto, aqueles que podiam pagar pelos serviços médicos continuavam a procurar as operadoras de planos de saúde. � A capacidade de regulação dos serviços oferecidos pelas operadoras de saúde por parte do poder público enfraqueceu, favorecendo a ação abusiva por parte das empresas (MATOS, 2011). De acordo com Lemos (2008), a ausência de legislação específica que regu- lamentasse o setor de planos de saúde levou a consequências que prejudicavam os usuários. Pode-se citar como exemplos dos prejuízos sofridos pelos clientes da assistência médica oferecida pelas operadoras de saúde: � Contratos abusivos, que beneficiavam as operadoras em detrimento dos beneficiários. � Reajustes frequentes e abusivos dos valores pagos mensalmente pelos beneficiários. � Pessoas portadoras de doenças crônicas ou terminais não tinham acesso ao tratamento que necessitavam. � Grandes filas de espera. � Demora na autorização de procedimentos, em decorrência da burocracia instaurada pelas operadoras na realização do processo de autorização. � Aumento da inadimplência dos beneficiários. 7A saúde privada no Brasil Nesse cenário, a população que não tinha condições financeiras para pagar os altos custos dos serviços médicos particulares ficava em uma desconfortá- vel situação: ou se submetia ao ainda precário e ineficiente sistema de saúde oferecido pelo Estado ou se implicava nas cláusulas contratuais abusivas dos contratos das operadoras de plano de saúde. A situação entre clientes, operadoras e o ente público se tornou mais tensa. O número de denúncias de abusos cresceu, os conflitos aumentaram. Havia a necessidade urgente de criação deuma legislação e instrumentos que per- mitissem a regulamentação e controle do setor. A implementação da Lei nº. 8080, de 19 de setembro de 1990 que regulou as ações e serviços de saúde, dando origem ao SUS e da Lei. 8.142, de 28 de dezembro de 1990, que regulamentou a gestão do sistema proporcionou uma melhor organização dos serviços públicos de saúde oferecidos no país (BRASIL, 1900a; 1990b). Contudo, a ação do Estado não foi suficiente para garantir serviços de saúde de qualidade a toda à população brasileira. Assim, grande parte da população ainda se utilizava dos serviços oferecidos pelas operadoras de planos de saúde. Nesse cenário, foi decretada a Lei nº. 9.656, de 3 de junho de 1998, regulando os planos e seguros privados de assistência à saúde (BRASIL, 1998). Conhecida como Lei dos Planos de Saúde (LPS), teve sua redação modificada por diver- sas medidas provisórias, até sua redação atual, dada pela Medida Provisória nº. 2.177-44, de 24 de agosto de 2001, em vigor na atualidade (LEMOS, 2008). Segundo Paim et al. (2011), a conformação do sistema de saúde brasileiro, na atualidade, foi dada pelos acontecimentos e políticas de saúde de diferentes períodos na história do país. Instituições públicas e privadas de diversos modelos foram criadas em consonância com o cenário social, político e econômico de cada época. A saúde privada no Brasil8 O Quadro 1 apresenta alguns acontecimentos históricos que influenciaram direta- mente o mercado das operadoras de plano de saúde no Brasil, ao longo do tempo. Período Contexto social e econômico Cenário político Sistema de saúde Colônia 1500 a 1822 � Monopólio comercial por Portugal. � Exploração de matérias- -primas. Portugal exercia controle político e cultural sobre o Brasil. � Criação das Santas Casas de Misericórdia. � Condições sanitárias precárias. Império 1822 a 1889 Princípio da industrialização. Centralização política e coronelismo. � Exaltação da polícia sanitária. Criação de organizações de controle sanitário de endemias e dos portos. � Gestão de saúde centralizada nos municípios. República Velha 1889 a 1930 Agroexportação, crise do café e insalubridade nos portos brasileiros. Estado liberal- -oligárquico, revoltas militares, problemas sociais. � Diretoria Geral de Saúde Pública e sua reestruturação sob a coordenação de Oswaldo Cruz, em 1907. � Criação das Caixas de Pensão e Aposentadoria (CAPs), preâmbulo da assistência à saúde pela previdência social. � Dualidade: saúde pública e previdência social. (Continua) 9A saúde privada no Brasil Período Contexto social e econômico Cenário político Sistema de saúde Ditadura de Getúlio Vargas Industrialização com preservação da estrutura agrária. Estado autoritário entre os anos de 1937 e 1938. � Saúde pública pelo Ministério da Educação: campanhas de saúde pública de combate da tuberculose e da febre amarela. � Previdência Social e saúde ocupacional pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio: Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs) estendem a previdência social à maioria dos trabalhadores urbanos. Instabilidade democrática 1945 a 1964 Substituição de importações, aumento da urbanização e migrações, capital internacional. Governos liberais e populistas. � Criação do Ministério da Saúde (MS). � Leis unificaram os direitos de previdência social dos trabalhadores urbanos. � Expansão da assistência hospitalar. � Surgimento de empresas de saúde. (Continuação) (Continua) A saúde privada no Brasil10 Período Contexto social e econômico Cenário político Sistema de saúde Ditadura militar 1964 a 1985 � Internacio- nalização da economia. � Milagre econômico (1968-1973). � Fortaleci- mento do capitalismo no campo e nos serviços. � Golpe militar (1964). � Eleições de 1974. � Abertura política lenta, segura e gradativa (1974 a 1979). � Liberalização, movimentos sociais. � IAPS são unificados no INPS, aumento da privatização da assistência médica e capitalização do setor da saúde (1966). � Programas de Extensão de Cobertura (PEC) para a população rural com menos de 20.000 habitantes. � Crise na Previdência Social. � Criação do INAMPS (1977), expandindo a cobertura de estados e municípios com financiamento dos serviços de saúde. � Centralização do sistema de saúde, fragmentação institucional, acarretando benefícios ao setor privado. (Continuação) (Continua) 11A saúde privada no Brasil Período Contexto social e econômico Cenário político Sistema de saúde Transição democrática 1985 a 1988 Término da recessão, reconhecimento da dívida social e planos de estabilização econômica. � Nova República (1985). � Movimento da Reforma Sanitária. � Constituição Federal (1988). � INAMPS continua a financiar estados e municípios. � Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde (SUDS), em 1987. � Contenção das políticas privatizantes. � Novas formas de participação popular. Democracia 1988 a 2002 � Crise econômica. � Estabilidade - Plano Real (1994). � Recuperação dos níveis de renda. � Permanência de desigualdades sociais. � Impeachment do presidente Fernando Collor de Mello. � Governo Itamar Franco 1993-1994. � Governo PSDB 1995-2002. � Criação do SUS e descentralização. � Extinção do INAMPS (1993). � Criação do Programa Saúde da Família (PSF), em 1994. � Tratamento de HIV/Aids gratuito pelo SUS. � Lei nº. 9.656/98 – Lei dos Planos de Saúde. � Criação da Agência Nacional de Vigilância em Saúde (ANVISA), em 1999, e da Agência Nacional de Saúde (ANS), em 2000. � Lei dos medicamentos genéricos. (Continuação) (Continua) A saúde privada no Brasil12 Período Contexto social e econômico Cenário político Sistema de saúde Democracia 1988 a 2002 � Lei institui a saúde do indígena como parte do SUS. � Lei da Reforma Psiquiátrica (2001). 2002 a 2008 � Descoberta da camada do pré-sal � Autossufi- ciência em petróleo e na produção de biocombus- tíveis. � Governo Luis Inácio Lula da Silva. � Governo Dilma Roussef. � Criação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – SAMU (2003). � Estabelecido o Pacto pela Saúde: Pacto de Defesa do SUS, Pacto de Gestão, Pacto pela Vida, em 2006. � Política Nacional de Atenção Básica (2006). Política Nacional de Promoção da Saúde (2006). � Política Nacional de Saúde Bucal (Brasil Sorridente; 2006). � Criação das UPAs 24h em municípios com mais de 100 mil hab. (2008). (Continuação) 13A saúde privada no Brasil Principais vantagens da implementação da Lei nº. 9.656/98 As discussões sobre a elaboração da Lei dos Planos de Saúde revelaram uma sequência de abusos das operadoras dos planos de saúde contra os beneficiários e incumbiram ao setor público as responsabilidades de controle e regulação da assistência médica suplementar. Nesse contexto, foi expedida, em 3 de junho de 1998, a Lei nº. 9.656 que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. O texto original da Lei nº. 9.656/98 foi alterado no dia posterior à sua publicação, através da Medida Provisória (MP) nº. 1.665/98, de 5 de junho de 1998. Cabe ressaltar que, naquela época, as medidas provisórias tinham validade de 30 dias, precisando ser examinadas pelo Congresso Nacional dentro desse prazo para não perderem a validade. Do período de sua publicação até o ano de 2001, a Lei nº. 9.656/98 foi alterada por 44 MPs, até a expedição da MP 2.177-44/2001, que foi congelada, estando vigente até os dias de hoje, mesmo sem a apreciação pelo Congresso, em decorrência da Emenda Constitucional que alterou as regras de validade das MPs (LEMOS, 2008; BOTARO, 2014/2015). Desse modo, a implementação da Lei nº. 9.656 foi marcada pela insegurança gerada pela sequência de alterações realizadaspelas MPs, dada a sua tempo- ralidade. Além disso, a interpretação dos dispositivos legais era dificultada pelas constantes alterações e falta de organização da Lei, que não era dividida em temas, capítulos e seções. Nesse contexto de incertezas quanto à regulamentação, os problemas e conflitos entre as empresas de planos de saúde e os consumidores continua- ram a aumentar. Os clientes queixavam-se da natureza dos contratos, que classificavam como abusivos, e suas cláusulas com exigências unilaterais das operadoras. Nesse sentido, as principais queixas se constituíam em: � Requisitos indevidos para a admissão do beneficiário. � Desigualdades nos prazos de carências. � Descumprimento das regras de atendimento das urgências e emergências. � Inexatidão das normas de relacionamento entre as empresas de saúde e os clientes. � Ausência de cobertura de doenças degenerativas ou crônicas. � Omissões na cobertura e supressão de procedimentos. � Deficiência na amplitude geográfica dos planos de saúde. A saúde privada no Brasil14 � Indeferimento de transição de uma operadora de planos de saúde para outra. � Incorreção nos requisitos de validade e de rescisão contratual. Esse cenário levou à criação, em 2000, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A ANS foi instituída com o objetivo de controlar e regular o funcionamento das operadoras de planos de saúde. Nesse sentido, regulou os preços dos serviços de saúde oferecidos pelas operadoras e passou a fiscalizar as relações entre operadoras e consumidores, observando o disposto na Lei nº. 9.656/98 (BRASIL, 2002). A Lei nº. 9.656 tinha como objetivos principais a correção e a diminuição das lacunas do setor e da disparidade de informações do mercado de planos de saúde, retificar as distorções em relação à distinção de riscos realizadas pelas empresas, além de conservar a competitividade do mercado de planos de saúde. Nesse sentido, a regulamentação previu ações importantes, como o controle de preços dos serviços pelo Estado, a exigência de legitimação de solvência das operadoras, a expansão das coberturas de serviços e procedimentos ofe- recidos pelos planos de saúde, a proibição do monopólio de procedimentos por uma única companhia, a necessidade de existência de reservas técnicas e ressarcimento do SUS dos serviços utilizados por clientes de operadoras de planos de saúde. Serão destacados, a seguir, alguns aspectos importantes da Lei nº. 9.656/98. Instituição do plano-referência de assistência à saúde (art. 10): essa deter- minação se refere à cobertura mínima, prevista nos contratos dos planos de saúde, oferecida aos consumidores em todo o território nacional. Essa medida foi alvo de debates, na medida em que se questionava a viabilidade de retroação da lei, de modo a alcançar os contratos realizados antes da publicação da lei (BRASIL, 1998; LEMOS, 2008). Cobertura parcial temporária de lesões e doenças preexistentes (art. 11): as operadoras de planos de saúde não podem negar atendimentos que sejam relativos às lesões ou doenças preexistentes à existência do contrato, depois de passados dois anos que esse foi assinado. Nesse sentido, a legislação determina, ainda, que o ônus da prova da preexistência da lesão ou doença cabe à empresa. 15A saúde privada no Brasil Carências para a prestação dos serviços (art. 12, inciso V): refere-se ao intervalo de tempo no qual a operadora pode recusar o atendimento a novos clientes. Esse período pode variar conforme o tipo de atendimento e as even- tualidades das ocorrências. Dessa forma, a legislação estabelece: a) prazo máximo de trezentos dias para partos a termo; b) prazo máximo de cento e oitenta dias para os demais casos; c) prazo máximo de vinte e quatro horas para a cobertura dos casos de urgência e emergência (BRASIL, 1998, documento on-line). É importante ressaltar que esses prazos poderão ser menores, ficando a critério da operadora de plano de saúde a definição de prazos abaixo do máximo previsto na legislação. Reembolso (art. 12, inciso VI): para que o reembolso seja realizado, é preciso que se trate de situação de urgência ou emergência, impossibilitando a utili- zação de recursos próprios, associados, contratados ou, ainda, referenciados. Além disso, os custos a serem reembolsados precisam ser correspondentes aos valores executados pela tabela da empresa operadora de plano de saúde. Vigência mínima e renovação automática do contrato (art. 13, parágrafo único, inciso II): o dispositivo determina a renovação automática do contrato assim que ocorrer o vencimento da vigência inicial, sendo impedida a cobrança de tarifas de renovação em contratos individuais. Além disso, o artigo estabe- lece a vigência mínima de um ano, vedadas a suspensão ou rescisão unilateral do contrato, exceto em casos de fraude ou inadimplência por período de 60 dias, em um ano. Estipula, ainda, a exigência de notificação da inadimplência ao consumidor no 50º dia (BRASIL, 1998). Proibição de discriminação por idade ou deficiência física (art. 14): de acordo com esse artigo, as operadoras não podem rejeitar clientes por motivo de idade ou deficiência física. Clareza e completude na redação do contrato (art. 16): o artigo determina que os contratos devam, obrigatoriamente, ser redigidos de forma clara e completa. Nesse sentido, estabelece normas, com o objetivo de favorecer a interpretação, evitando possíveis conflitos relacionados à falta de clareza ou de informações. A saúde privada no Brasil16 Coberturas obrigatórias: a lei determina a cobertura obrigatória em casos de planejamento familiar, situações de urgência e emergência. Nesse sentido, o atendimento ao paciente deve ser irrestrito, havendo, em caso de situação de emergência, a obrigação de declaração médica sobre o estado do paciente (BRASIL, 1998; LEMOS 2008). Evidenciou-se o caráter conciliador da nova legislação, através de normas que buscam diminuir as disparidades contratuais, coibir abusos por parte das operadoras de planos de saúde e estabelecer critérios que melhorem a quali- dade dos contratos. Além disso, a regulação buscou oferecer meios para que as operadoras possam se manter no mercado, gerando incentivos que atraiam os consumidores dos serviços. A dicotomia existente entre os serviços de saúde oferecidos pelo SUS e a saúde suplementar no Brasil gera discussões no sentido de que somente quem não pode pagar pelo plano de saúde é assistido pelo SUS, fato que não corresponde à realidade, na medida em que as ações realizadas pelos SUS vão muito além da assistência médica aos usuários. Nesse sentido, a coexistência dos dois sistemas é viável, na medida em que se complementam; contudo, ainda existem brechas sobre as relações entre os dois sistemas, principalmente no que se refere à natureza dos riscos ante a cobertura e as redes assistenciais da população, vinculadas ou não, das companhias de saúde suplementar. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), criada em 2000, com a publicação da Lei nº. 9.961/00, é um órgão regulador, vinculado ao Ministério da Saúde, responsável pelo ramo de planos de saúde no Brasil. Com sede na cidade do Rio de Janeiro, a ANS tem núcleos espalhados por todo o país. Os cidadãos podem entrar em contato com a ANS pela Central de Atendimento ao Consumidor pelo Disque-ANS 0800 701 9656, pessoalmente em qualquer núcleo da Agência ou por meio do link a seguir. https://goo.gl/KFQAna A ANS é responsável pela regulação, controle e fiscalização das operadoras de planos de saúde. Além disso, a agência tem como objetivo promover a proteção do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as empresas do setor, até mesmo nas relações entre consumidores e prestadores de serviço de saúde, colaborando com o crescimento das ações em saúde no país. Você pode conhecer mais sobre a ANS no link a seguir: https://goo.gl/1GYpD 17A saúde privada no Brasil BOTARO, N. A trajetória do Sistema de Saúde no Brasil: consideraçõessobre o cenário atual. Revista Escrita da História, ano 1, v. 1, n. 2, out./mar. 2014/2015. Disponível em: www.escritadahistoria.com/revista/index.php/reh/article/download/26/23. Acesso em: 18 mar. 2019. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui- cao.htm. Acesso em: 18 mar. 2019. BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promo- ção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Brasília, DF, 1990a. Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm. Acesso em: 18 mar. 2019. BRASIL. Ministério da Saúde. Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS} e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. Brasília, DF, 1990b. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/ legislacao/lei8142_281290.htm. Acesso em: 18 mar. 2019. BRASIL. Lei nº 9.656 de 03 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Brasília, DF, 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Leis/L9656.htm. Acesso em: 18 mar. 2019. BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Saúde Suplementar. 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