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FUNDAMENTOS DE ADMINISTRAÇÃO HOSPITALAR E SAÚDE Simone Machado Kühn de Oliveira Origem da palavra hospital Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Identificar o significado de hospital e suas derivações hospitalis e hospitium. � Apresentar a evolução dos hospitais desde as civilizações antigas. � Descrever a relação dos hospitais com as instituições religiosas e militares. Introdução Ao longo da história da humanidade, a necessidade de cuidar das pessoas doentes sempre existiu. Contudo, o hospital, como instituição especia- lizada no tratamento e cuidados de pessoas doentes, não aparece na história antiga. O exercício da medicina, por sua vez, conta com registros que reme- tem aos anos 3000 a.C, pelos assírio-babilônicos. Em 3350 a.C. já havia, no Código de Hamurabi, a regulamentação dessa profissão. Neste capítulo você vai conhecer o significado de hospital e suas deri- vações hospitalis e hospitium e estudar a evolução dos hospitais desde as civilizações antigas. Além disso, você irá conhecer a relação dos hospitais com as instituições religiosas e militares ao longo da história. Origem da palavra hospital Ao analisarmos a história da humanidade, não é comum encontrarmos refe- rências à existência de instituições especializadas no cuidado e tratamento de pessoas doentes, como vemos nos dias de hoje. Contudo, o exercício da medicina é relatado em escritos do antigo Egito e na Índia. A palavra hospital tem sua origem do latim hospitalis, que quer dizer “ser hospitaleiro”, receptivo, acolhedor. Ela é derivada da palavra hospes, que significa hóspede, visitante, de onde vem hospedale, que tem o sentido de “aquele que hospeda”. Desse modo, os vocábulos hospital e hospedale tiveram sua origem no latim primitivo e se propagaram por muitos países. No princípio da era cristã, se usava mais a terminologia relacionada com o latim e o grego (ALMEIDA, 1965). A palavra hospital, atualmente, é utilizada com o mesmo sentido de no- socomium, que significa “o lugar dos doentes” ou o “lugar dos enfermos” e nosodochium, que quer dizer “acolhimento de doentes” ou “recebimento de enfermos” (ANTUNES, 1991). Segundo Almeida (1965), na história remota, aparecem, ainda, outras terminologias que ressaltam outras concepções assistenciais. Nesse sentido, destacam-se: � Hospitium: local onde os hóspedes eram recepcionados. � Asylum: abrigo ou refúgio para os loucos. � Orphanotrophium: orfanato. � Potochotrophium e Ptochodochium: abrigo para os pobres. � Poedotrophium: abrigo para crianças. � Gerontokomium: abrigo para velhos. � Arginaria: abrigo para os incuráveis. � Xenodochium e xenotrophium: abrigo pra estrangeiros e viajantes. � Gynetrophium: hospital para mulheres. Do vocábulo hospitium, originou-se a palavra hospício, que denominava as instituições que acolhiam ou eram habitadas de forma permanente por doentes pobres, moribundos ou loucos. Nesse sentido, os estabelecimentos reservados para o cuidado temporário das pessoas doentes eram chamados de hospital, enquanto o local que abrigava pessoas que não estavam doentes era chamado de hotel. Origem da palavra hospital2 Para que se possa analisar a amplitude do significado do vocábulo “hos- pital”, é preciso fazê-lo à luz das práticas da medicina da antiguidade e dos locais onde essas atividades eram realizadas. Os primórdios da existência de locais utilizados para o tratamento de pessoas doentes aparecem no Egito. O templo de Saturno foi considerado como o princípio da escola médica, vários séculos antes de Cristo. Em 2.250 a.C., o Código de Hamurabi trouxe a regulamentação para o exercício de atividades de medicina, estabelecendo os valores da remuneração a ser paga a quem a exercesse. Além disso, O Código de Hamurabi estabelecia, ainda, os castigos para o praticante de medicina que cometesse algum erro por imperícia. Contudo, não existem registros sobre os locais onde estas atividades eram exercidas (ALMEIDA, 1965) No Egito, os estudos de anatomia foram desenvolvidos principalmente por Herophilus e Erisitrastus. Os dois estudiosos fizeram constatações como, por exemplo, as relações entre o cérebro, a medula espinhal e os nervos. A preocupação do ser humano, a princípio, era remetida ao bem-estar de seus familiares. Contudo, ao longo do tempo, para sua própria proteção e defesa, foi obrigado a se preocupar, também, com a saúde daqueles que o cercavam, pois o aumento populacional e o crescimento da circulação de pessoas evidenciaram a imposição de proteger a coletividade. Na Índia, os mais antigos documentos escritos encontrados foram textos médicos grafados em sânscrito, como o Atharva Veda e o Rig Veda, que continha hinos litúrgicos. Esses textos foram encontrados por volta de 1500 a. C. (ALMEIDA, 1965). De acordo com os registros encontrados, a medicina praticada na Índia era semelhante à que era praticada por outros povos antigos. Era baseada em encantamentos e feitiços contra os demônios que provocavam as enfermidades e milagres quando conseguiam a cura. O elemento de destaque na arte médica hindu era a cirurgia. Na realização das cirurgias, os médicos hindus da época já demonstravam preocupação com a higiene, banhando-se antes do procedimento e cortando cabelos e unhas. Percebe-se que, já nos primórdios das civilizações, despertou no ser hu- mano um interesse pelo cuidado e o tratamento das enfermidades. Contudo, a evolução de um sistema de cuidado organizado em um só local, estabelecido para essa função, só surgiu algum tempo depois. 3Origem da palavra hospital No século XVIII antes de Cristo, na Mesopotâmia, foi talhado o Código de Hamurabi. Tratava-se da primeira legislação escrita da antiguidade. Hamurabi foi o Imperador da Babilônia que escreveu o Código de Hamurabi, tam- bém conhecido como a Lei de Talião. Conforme os escritos do Código, o objetivo de Hamurabi ao criar a legislação era trazer a justiça à terra, para que os maus e o mal fossem destruídos, para evitar a opressão dos mais fracos pelos mais fortes e iluminar o mundo, propiciando o bem-estar da população (KERSTEN, 2007). O código é composto por 282 artigos entalhados em um bloco, dos quais não se tem o conhecimento completo, na medida em que foram apagados quando o bloco foi levado para Susa. O bloco original, atualmente, está exposto no Museu do Louvre, em Paris. O Código de Hamurabi estabelecia regras diferentes para cada classe social. Nesse sentido, trazia leis punitivas; regulatórias (patrimônio, família); leis que puniam lesões corporais; leis que regulavam classes especiais, como médicos, barbeiros, barqueiros e outras; leis que regulavam preços e salários; e leis que regulavam a propriedade de escravos (KERSTEN, 2007). Um dos pontos principais do código é a pena de talião (do latim tallonis que quer dizer “idêntico”), que determina pena ao infrator igual ao dano que ele causou. A pena de talião ficou conhecida pela expressão “olho por olho, dente por dente” (KERSTEN, 2007). Evolução dos hospitais desde as civilizações antigas Da necessidade de cuidar e assistir o doente, em âmbito doméstico, atividade que era realizada pelos familiares, curandeiros, sacerdotes ou médicos da época, do desenvolvimento das primeiras formas de proporcionar o alívio da dor, dar conforto, realizar o tratamento com vistas a fazer o doente se recuperar, surgiu o hospital (ORNELLAS, 1998). Percebeu-se que as pessoas doentes precisavam de um abrigo, um local onde pudessem ser assistidas, cuidadas, tratadas até que pudessem se reestabelecer. Nesse sentido, a arquitetura teve papel importante no desenvolvimento desses espaços destinados ao cuidado (ANTUNES, 1989). Nesse contexto, templos, mosteiros e conventos foram os primeiros locais a acolher os doentes, dando-lhes atenções e cuidados especiais. O culto a Asclépio, o Deus da Medicina na Grécia antiga, é um exemplo desses locais. Origem da palavra hospital4 No ImpérioRomano, em decorrência de questões militares e econômicas, foram criadas organizações que tinham a finalidade de prestar cuidados médicos. Nesse sentido, evidenciou-se, na Idade Média, a consciência de que a melhor forma de cuidar dos doentes ou pessoas que haviam sofrido algum tipo de infortúnio era acolhê-las em locais onde pudessem receber os cuidados que precisavam. As interrogações sobre o que fazer com as pessoas doentes permanece- ram ao longo da antiguidade, pois essa questão tinha muitas implicações na coletividade e na sociedade da época. Tentativas de soluções diferentes para esse questionamento foram dadas ao longo da história; contudo, tinham um ponto em comum: os pacientes deveriam permanecer deitados, em repouso, em local onde o acesso fosse restringido, ou seja, não deviam ficar expostos em local onde houvesse circulação de muitas pessoas. Nesse contexto, muitos hospitais medievais tinham o formato de labirintos em que minúsculas celas, com as dimensões de uma cama, sobrevinham umas as outras em muitos corredores, onde perambulavam religiosos que levavam conforto espiritual aos doentes. Não obstante tenham sido erguidos lugares para o cuidado de doentes no século II, em Roma, adjacentes aos templos, constituindo os primeiros locais com traços hospitalares na história, essas instituições pareciam ser destinadas ao tratamento de militares, não da população civil. Esses locais eram destinados ao tratamento de doentes, segundo os pressupostos da medicina grega, onde os próprios doentes eram considerados agentes de sua cura (ORNELLAS, 1998). De acordo com Antunes (1989), os templos e santuários eram construídos em locais retirados, como nas colinas ou na base das montanhas, que os protegiam dos fortes ventos. Localizavam-se perto de florestas e de fontes de água pura. Cada santuário possuía um altar, onde os serviços médicos eram prestados pelos sacerdotes. As práticas médicas eram carregadas de crendices e misticismo. Fora do templo, os doentes eram submetidos a uma rigorosa dieta, que era compulsória. Alguns alimentos e o vinho eram proibidos. Eram purificados com banhos e unções, antes de poderem entrar no santuário. Após vestirem-se de branco, submetiam-se a um rito que os fazia adormecer. Era colocada sobre o doente a pele de um animal sacrificado, sob o qual aguardava a visita do sacerdote que decidia conduta a ser adotada para o tratamento. Se o doente se recuperasse, o fato era considerado um milagre dos deuses, se morresse era porque havia sido considerado indigno de viver. 5Origem da palavra hospital Em 335 d.C. os templos de Esculápio foram fechados por um édito de Constantino. Dessa forma, os templos foram substituídos por hospitais cristãos (ORNELLAS, 1998). Em nome dos princípios da fé, foram fundados pelo clero, a partir do século VI, instituições de abrigo e assistência aos doentes, que se tornaram os primeiros hospitais cristãos. A tarefa de cuidar dos doentes foi reafirmada como uma das sete tarefas da caridade cristã, no Concílio de Nicéia, no ano de 325, que orientou os bispos da Igreja a construir hospitais em suas dioceses. As principais religiões ocidentais – cristianismo, judaísmo, islamismo – cultivavam a caridade, pois voltavam cuidados aos doentes e moribundos. Nesse sentido, não demorou a que uma classe inteira de necessitados e desprovidos recorresse ao amparo do refúgio hospitalar. Durante a Idade Média, os hospitais mantiveram as prerrogativas de abrigo e de assistência social. Nesse sentido, configuravam-se em albergues de pobres, doentes e moribundos, além de ser local de contenção de pessoas que eram con- sideradas nocivas a sociedade da época, como mendigos, pessoas com doenças contagiosas ou que provocavam repulsa (ALMEIDA, 1965; ANTUNES, 1989). Mesmo com a criação de hospitais laicos, essas características não foram alteradas. Caracterizados como uma combinação entre asilo e hospedaria, estabelecimentos de acolhimento e tratamento de enfermos, permaneceram sem uma definição formal. As epidemias que assolaram a Europa durante a Idade Média foram um dos fatores que favoreceram a expansão dessas instituições. Além disso, o crescimento das atividades comerciais e o crescimento da migração em direção às cidades também contribuíram para o seu crescimento e propagação. No período medieval a igreja assiste os doentes e necessitados em nome da caridade cristã, de certo modo repassando aos assistidos parte do que recebe em esmolas. Os leprosos, reconhecidos como doentes eram abrigados e segregados por trás de grandes muros de hospitais, ainda na Idade Média. Nesse modelo o hospital funcionava como uma prisão, excluindo da sociedade os leprosos e, posteriormente, os loucos. No século XVIII, o hospital configura-se em um local disciplinador, onde os pobres e moribundos são levados para morrer e recebem os cuidados finais e o último sacramento. Nesse sentido, a assistência era feita por pessoas, de ordem religiosa ou não, que faziam a caridade de cuidar em busca da salvação de suas almas. Origem da palavra hospital6 Nesse sentido, os hospícios, hospitais, leprosários, penitenciárias, institui- ções de abrigo e educação configuram-se em campo de controle e dominação individual. O hospital tem sua função modificada: ao invés de ser local de acolhimento e tratamento, passa a ter função disciplinadora. Com o surgimento do Estado Moderno, o poder público faz o recolhimento de impostos para, em nome do interesse da coletividade, assistir aos doentes. A assistência oferecida pelas autoridades públicas tinha como objetivo proteger a coletividade da nocividade dos excluídos. Nesse sentido, revestiu-se de uma acepção mais política do que social, pois estava vinculada à defesa das coletividades e, não, à preocupação com o cuidado dos doentes. Nesse sentido, as comunidades religiosas, organizações de operários e confrarias se encarregaram das ações de assistência, enquanto o Estado se consolidava na manutenção da ordem da sociedade. Contudo, o logo começou a surgir a concepção de que o Estado tem o dever de assistir a população desfavorecida (ANTUNES, 1989). A doença como incapacitante para o trabalho passa a ser reconhecida pela medicina, que passou por grandes transformações como ciência. Ser doente faz com que a pessoa seja possuidora do direito de receber cuidado. A medicina evoluiu com o advento de novas tecnologias e o desenvolvimento da medicina clínica e diagnóstica. Dessa forma, os detentores do saber de como tratar as doenças se voltam às instituições de tratamento, fortalecendo a instituição hospitalar. O hospital deixa, então, de ser asilo de desafortunados, passando a ser um local onde os doentes são observados e têm suas moléstias diagnosticadas e tratadas, com vistas à cura e à reabilitação. De sua função original, de abrigar pobres, moribundos, loucos e vadios, o hospital passa a ser o lugar onde se busca salvar vidas (ANTUNES, 1989; LISBOA, 2002). Uma nova modificação na concepção dos hospitais ocorreu com a expan- são do capitalismo. A evolução das ciências, o desenvolvimento tecnológico e o apoderamento dos meios de produção dos serviços assistenciais pela prática médica consolidaram a inserção da assistência hospitalar no mercado capitalista. 7Origem da palavra hospital Asclépio, filho do deus Apolo e de Coronis, uma princesa mortal, filha do Rei de Lapiths, foi o deus Grego da medicina. De acordo com a mitologia, Asclépio havia nascido mortal, contudo, seus atos o tornaram um Deus, que não ficava com Hades, entre os mortos, tampouco com Zeus no Olimpo, mas caminhava entre os homens, na Terra. Asclépio teria nascido de cesariana, após a morte de sua mãe, e entregue ao centauro Quíron. Este o educou, ensinando-o a caçar e o poder de curar feridas, das ervas medicinais e como preparar medicamentos. Diferente de Apolo, que se preocupava com o equilíbrio entre saúde e doença, com vistas à coletividade, e com métodos que incluíama cura espiritual, Asclépio preocupava-se com a saúde individual e com a medicina física. A partir de então ele teria se transformado em um médico habilidoso, conseguindo muitas curas, chegando mesmo a ressuscitar os mortos.. Em algum momento de sua vida, Asclépio curou uma serpente, que, em troca, teria ensinado a ele uma sabedoria secreta. As serpentes eram consideradas seres divinos, dotados de sabedoria e do dom da cura. Segundo a mitologia, Asclépio teria recebido de Atena (deusa da sabedoria) o sangue mágico de Górgona, o que conferia ao seu sangue que circulava no lado esquerdo o poder de tirar vidas, enquanto o sangue do seu lado direito ressuscitava os mortos (KOCH, 2011). Asclépio teria um poder de cura tão intenso que recuperava muitos desenganados (por isso diziam que ressuscitava os mortos). Contudo, Hades (o Deus dos mortos) não estava satisfeito, na medida em que seu reino estava ficando despovoado. Dessa forma, Hades teria exigido de Zeus uma solução para o que considerava um ultraje, pois, segundo ele, Asclépio, um mortal, pretendia se equiparar aos deuses, estendendo aos homens a imortalidade que era seu privilégio. Zeus, incomodado com o fato, fulminou Asclépio com um raio. O culto a Asclépio (como os gregos o chamavam) ou Esculápio (como era chamado pelos romanos) teve muita importância no mundo antigo. O culto teve seu início na Tessália, expandindo-se por toda a Grécia. Por volta do século 3 a.C, os romanos, influenciados pelas profecias sibilinas, iniciaram o culto à Esculápio. Asclépio (Esculápio), Deus da medicina, começou a ser representado como um ho- mem de barba longa, com o braço esquerdo apoiado no caduceu – um bastão – no qual duas serpentes ficavam enroladas, e que se tornou o símbolo da medicina moderna. Relação dos hospitais com as instituições religiosas e militares O budismo teve papel importante na expansão nos estabelecimentos hospita- lares. Vários hospitais foram construídos por Sidartha Gautama (Buda), que nomeou, ainda, um médico para cada 10 cidades (LISBOA, 2002). Origem da palavra hospital8 Os hospitais ficavam adjacentes aos mosteiros budistas, eram locais onde os doentes recebiam cuidados, dieta adequada e medicamentos preparados pelos médicos. Os enfermos eram cuidados por estudantes de medicina, em funções que lembram as dos enfermeiros. Na Índia, além de hospitais para prestar tratamento às pessoas, existiam hospitais para os animais. Os hindus tiveram como destaque o médico Chákara, especialista em anestésicos, e Susrata, cirurgiã, que fazia cesáreas e cirurgias de catarata e hérnias (ALMEIDA, 1965; LISBOA, 2002). O profeta do povo hebreu, Moisés, além dos aspectos religiosos, preocupou- -se com a higiene individual e coletiva de seu povo. A educação sanitária, cuidados com a transmissão de doenças foram destaques na época. Contudo, não existem registros de hospitais fixos em Israel. O amparo aos doentes era feito em abrigos gratuitos para viajantes pobres e em suas próprias casas, onde recebiam visitas para o cuidado. Além disso, nas hospedarias havia um local reservado aos enfermos. Na China, os cuidados com a saúde são fundamentados na busca do equi- líbrio entre o princípio negativo (Ying) e o positivo (Yang) e na veneração aos antepassados e aos cinco elementos. No século III, com a influência do budismo e do médico hindu Susruta, surgiram muitos hospitais, onde os doentes eram cuidados por sacerdotes de Buda. Além de hospitais para o tratamento de enfermos em geral, surgiram insti- tuições semelhantes com parteiras, alguns hospitais que mantinham pacientes com doenças contagiosas em regime de isolamento e locais de repouso para aqueles enfermos que já estavam se recuperando. O Japão tinha profissionais de medicina separados em categorias, em decorrência da dura estratificação da sua sociedade. Os hospitais, no Japão, utilizavam-se muito de águas termais e a prática da eutanásia foi muito esti- mulada. As guerras civis no Japão fizeram com que seu sistema de assistência hospitalar decaísse (LISBOA, 2002). Na Grécia, medicina e religião se misturavam, na medida em que o culto aos deuses era base do cuidado aos enfermos. Os sacerdotes nos templos prestavam atendimento aos que, inicialmente, procuravam os templos para orar aos deuses, suplicando pela sua cura. Roma, fundada em, aproximadamente, 373 a.C., tinha como caracterís- tica seu povo guerreiro, configurando-se em uma civilização que buscava, constantemente, poder e conquista. Dessa forma, o Estado prestava o cuidado aos cidadãos que seriam bons guerreiros. Nesse sentido, não se evidencia a preocupação com a condição humana ou social (LISBOA, 2002). 9Origem da palavra hospital Os atendimentos eram realizados nas medicatrinas e nos valetudinários. Os valetudinários militares eram grandes hospitais de campanha que atendiam soldados feridos e em recuperação das guerras. Foram, inicialmente, agregados aos exércitos, onde tinham médicos mi- litares que prestavam cuidados aos soldados feridos em batalha ou àqueles que ficavam doentes durante as guerras. Os casos de menor gravidade eram tratados a céu aberto, enquanto os mais graves eram atendidos em locais maiores e com melhor estrutura (LISBOA, 2002). Na Idade Média, o surgimento do Cristianismo aponta uma nova perspectiva humanística, modificando a sociedade e fomentando as responsabilidades individuais na busca pela eternidade. Os necessitados, como idosos, órfãos, viúvas, doentes, peregrinos e viajantes, são apoiados pelo auxílio dos cristãos. Nesse sentido, a proclamação do Decreto de Milão, em 313 d.C, pelo Imperador Constantino, e o Concílio de Nicéia, em 325 d.C, foram funda- mentais para o crescimento dos hospitais. As diaconias foram os primeiros estabelecimentos eclesiásticos, de caráter assistencial, prestando atendimento aos doentes e miseráveis, nas cidades onde os cristãos se estabeleciam (AL- MEIDA, 1965; LISBOA, 2002). Neste período, o exercício da medicina se incorporava à atividade religiosa. Os hospitais misturavam-se com os santuários, que eram erguidos próximos aos mosteiros, sob direção dos religiosos. Estes determinavam que, ao lado das moradias dos religiosos e das igrejas, fossem erguidas enfermarias ou locais de assistência aos doentes. Assim, formou-se a medicina conventual ou monástica, onde o corpo, por ser a imagem e semelhança de Deus, não devia ser aberto, o que configurava sacrilégio. Nesse sentido, a preocupação maior era com o tratamento da alma, não do corpo (ALMEIDA, 1965). As Cruzadas contribuíram de forma importante para a ascensão religiosa nas instituições de atendimento aos doentes e para o crescimento dos hospitais. A locomoção de numerosas pessoas impunha a necessidade de construção de locais que servissem de abrigo e onde essas pessoas pudessem receber tratamento. Surgiu, então, a Ordem dos Cavaleiros Templários de São João, de Santo Antônio e do Espírito Santo. O hospital de São João da Inglaterra fora criado pelos Cruzados da Ordem de São João e contava com 2.000 leitos. A Ordem do Espírito Santo foi muito ativa na Europa, chegando a erguer, em dois séculos, em torno de 900 hospitais. Origem da palavra hospital10 O aumento do número de leprosos exigiu a expansão dos hospitais, em decorrência da imposição de medidas para a defesa sanitária. Nesse sentido, as congregações religiosas foram fundamentais no tratamento dos doentes. Surge, então, o conceito de quarentena, para o isolamento e segregação dos leprosos, e um tipo bem singular de edificação hospitalar: o lazareto ou lepro- sário. Apenas na Alemanha são construídas casas com o objetivo de oferecer tratamento aos doentes de lepra e não apenas segregá-los (LISBOA, 2002). Os Beneditinos fundaram enfermarias na Inglaterra, França, Itália e Alema- nha, onde atendiam outros religiosos. Mais tarde, o atendimento foi estendido aos leigos, com a criação de hospitais adjacentes à essas enfermarias. De acordo com Lisboa (2002),o crescimento das cidades da Europa e a ampliação das riquezas da burguesia serviram de incentivo às autoridades a, inicialmente, complementar e logo após assumir as atribuições das atividades da Igreja em relação aos enfermos. Nesse sentido, diferentes fatores contri- buíram para esse cenário: � a concepção medieval de que os doentes, necessitados e indigentes são necessários para que os que pratiquem a caridade consigam a salvação da alma deixa de ser considerada verdadeira; � asilos e hospitais religiosos começam a ser considerados inadequados diante da nova concepção de saúde/doença; � entre os séculos XIII e XVI, a restrição das terras de cultivo, o alto desemprego e as condições sociais e econômicas levaram a um aumento desordenado do número de pobres e miseráveis, importunando a classe burguesa; � sem meios para se sustentar, os miseráveis simulavam ser aleijados ou enfermos para que pudessem ser admitidos nos hospitais, aumentando os custos assistenciais; � os hospitais eram mantidos pelo dízimo, cobrado nas igrejas, e pela caridade da população. O volume de recursos gerou cobiça nos administradores. Posteriormente à decadência do sistema hospitalar cristão, muitas mudanças ocorreram, fazendo com que os hospitais, sob o domínio das municipalidades, se desenvolvessem no decurso da Idade Moderna. Nesse sentido, os hospitais passaram a ter uma organização diferente daquela conferida pela caridade 11Origem da palavra hospital cristã. A administração dos hospitais era feita por representantes adminis- trativos, enquanto os religiosos permaneciam nas atividades de conforto espiritual aos enfermos. Em Portugal, é fundada a primeira Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, pelo Frei Miguel Contreiras, apoiado pela Rainha D. Leonor. A instituição oferecia abrigo e cuidado aos doentes, prisioneiros, pobres, órfãos e desvalidos. As transformações sociais e econômicas do Renascimento modificaram a condição dos hospitais nas cidades. Era fundamental que os hospitais pas- sassem a prestar atendimento a um número maior de pessoas em um tempo menor. Nesse sentido, os hospitais deixam de oferecer asilo aos necessitados, voltando-se para o tratamento dos doentes. Conforme Lisboa (2002), essa remodelação fez surgir o hospital moderno, com vistas ao tratamento de doenças, através de quatro princípios elementares: � utilização racional dos recursos disponíveis; � delimitação de seu perfil como instituição; � inserção da medicina profissional; � caracterização de suas funções terapêuticas. Os religiosos asseguravam a rotina hospitalar, prestando cuidados e assis- tência alimentar aos que ali estavam internados. A figura do médico surgia em visitas esporádicas, não mais que uma vez ao dia, para ver centenas de pacientes. O perfil do exército também se modificou. Antes, qualquer um poderia ser recrutado por dinheiro; agora, com a chegada do fuzil, havia a necessidade de treinamento, elevando os custos do alistamento. Dessa forma, era preciso impedir a morte de um soldado por motivos de doença, epidemias ou ferimentos que não o incapacitariam para o futuro. No século XIX, o progresso da medicina, as descobertas dos métodos assépticos, que diminuíram o número de infecções, e a descoberta de anes- tésicos, que viabilizavam intervenções sem dor e maior chance de sucesso, fizeram com que os hospitais tivessem sua concepção modificada. Agora, o hospital deixava de ser um lugar onde os desvalidos iam morrer, passava a ser um lugar onde os enfermos buscavam a cura (LISBOA, 2002). O modo de cuidar dos doentes foi alterado, a medicina e a enfermagem passam a ser atuantes no trabalho do tratamento dos enfermos. Em 1860, Florence Nightingale consolida o papel da enfermagem como fundamental no processo de cuidar. Origem da palavra hospital12 O progresso da tecnologia e da ciência foi fazendo com que os hospitais se desenvolvessem cada vez mais. Com melhores instalações e o progresso da medicina, as técnicas cirúrgicas foram sendo aperfeiçoadas. Começaram a surgir os médicos especializados. A Primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918, serviu como um grande campo experimental para o desenvolvimento da cirurgia. O custo das instalações cirúrgicas tornou-se vultoso. O avanço tecnológico exigia investimentos, portanto, os setores tinham que oferecer retorno financeiro. Na Segunda Guerra Mundial, 1939 a 1945, novos antibióticos foram introduzidos, reduzindo o número de mortes. Os hospitais de campanha realizavam a maior parte dos atendimentos dos soldados e feridos da guerra (LISBOA, 2002). O crescimento e o desenvolvimento das instituições hospitalares acom- panharam o progresso e o desenvolvimento do mundo de uma forma ge- ral. Ciência e tecnologia avançam em direção a novas descobertas, novos medicamentos, novos procedimentos. O hospital contemporâneo é local de tratamento na busca incessante pela cura, de estudos e pesquisas cada vez mais intensos, no sentido de encontrar respostas que ajudem a curar as enfermidades. As Santas Casas de Misericórdia, ao longo da história, configuraram-se em espaços de abrigo e conforto aos doentes mais necessitados. A primeira Santa Casa do mundo foi fundada em 1498, em Lisboa, com a denominação de “Confraria de Nossa Senhora de Misericórdia”. Sua fundadora foi a rainha Leonor de Lancastre, esposa de Dom João II. Você pode conhecer mais sobre a história das Santas Casas de Misericórdia no link: https://goo.gl/fVaYtF 13Origem da palavra hospital ALMEIDA, T. História e evolução dos hospitais. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, 1965. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd04_08.pdf. Acesso em: 18 mar. 2019. ANTUNES, J. F. L. Por uma geografia hospitalar. Tempo Social: Revista de Sociologia da USP, v. 1, n. 1, p. 227-234, 1989. 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