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Conteúdo: BIOQUÍMICA GERAL Rodrigo Binkowski de Andrade Cinética enzimática Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Descrever as principais propriedades das enzimas. � Enumerar os fatores que afetam a velocidade das reações catalisadas por enzimas. � Identificar os parâmetros cinéticos de K m e V máx , e sua aplicação sobre a inibição de enzimas. Introdução Neste texto você será apresentado à cinética e às propriedades das en- zimas. Você vai conhecer as diversas abordagens possíveis utilizadas no estudo do mecanismo de ação das enzimas e da sua contribuição na velocidade das reações. Principais propriedade das enzimas A cinética enzimática estuda a velocidade das reações catalisadas pelas enzimas e o modo pelo qual certos fatores conseguem modificar a velocidade destas reações. A velocidade v de uma reação pode ser definida pela quanti- dade de produto formado ou pela quantidade de substrato transformado pela unidade de tempo. E + SP + E Onde: S = substrato P = produto E = enzima A atividade de uma enzima pode, assim, ser medida pela velocidade da reação que ela é capaz de catalisar. Não é possível medir a atividade enzimática pela dosagem de uma enzima por método direto, semelhante a um teste de coloração. Recorre-se à medida da atividade expressa em unidades enzimáticas. As unidades enzimáticas mais empregadas são: arbitrária, internacional e Katal. As unidades arbitrárias são expressas em bases empíricas, usu- almente envolvendo a quantidade de substrato transformado em um tempo de incubação definido e sob condições padronizadas de pH, temperatura, concentrações e etc. Esta unidade chama-se arbitrária por ser estabelecida pelo pesquisador sem a obediência de um critério técnico ou científico. A unidade internacional é definida pelo número de micromols de substrato desdobrado ou de produto formado por um mililitro da solução em um minuto em condições padronizadas de pH e temperatura. Já o Katal é a unidade enzimática definida pelo número de mols de substrato desdobrado ou de produto formado por litro de solução em um segundo em condições padro- nizadas de pH e temperatura. Quando se trabalha com purificação de enzimas costuma-se expressar os resultados da medida da atividade enzimática em atividade específica. A atividade específica é o número de unidades internacionais (UI) por miligrama de proteínas num mililitro de material biológico que está sendo examinado. A velocidade máxima da reação enzimática está relacionada com o número de renovação de uma enzima, que expressa o poder catalítico da enzima. O número de renovação de uma enzima é o número de mols do substrato trans- formado em produto por mol de enzima na unidade de tempo. As unidades do número de renovação são segundos-1 (ou unidade de tempo-1). Para você entender mais sobre a aplicação da cinética enzimática nas nossas vidas, leia o box Saiba Mais. Cinética enzimática2 Para começar, vamos considerar a chamada especificidade estereoquímica. A maioria das substâncias formadas ou destruídas nos processos metabólicos são oticamente ativas, porém, um dos membros da parelha de isômeros óticos encontra-se em grande quantidade na natureza. A maior parte das enzimas apresenta especificidade para um dos isômeros, e nisto consiste a especificidade estereoquímica. A desidrogenase do ácido lático existente no músculo catalisa a desidrogenação do ácido L-lático. Da mesma forma, a hexoquinase atua sobre a D-glicose, e não sobre a L-glicose. A glicoquinase e a hexoquinase no hepatócito têm diferenças na atividade de suas enzimas devido às suas funções metabólicas. Essas duas enzimas (isoenzimas) fosforilam a glicose no carbono 6. A glicoquinase tem um Km maior para glicose do que a hexoqui- nase. Isto indica que a glicoquinase só atua quando a glicose atinge uma concentração relativamente alta que ultrapassa a capacidade fosforilante da hexoquinase. As principais propriedades das enzimas Os catalisadores atuam em reações que, em sua ausência, seriam muito len- tas. As enzimas produzem resultados apreciáveis em concentrações ínfimas e aceleram as reações químicas sem modificar o estado de equilíbrio por agirem nos dois sentidos da reação. Os catalisadores não são consumidos nem transformados durante a reação química. As enzimas são catalisadoras porque apresentam as mesmas características dos catalisadores em geral. Por exemplo: as ligações peptídicas in vitro só podem ser hidrolisadas por ácidos ou bases fortes e em temperaturas muito elevadas. In vivo, por ação enzimá- tica, o rompimento dessas ligações se faz com relativa rapidez. Apenas uma quantidade mínima (uma molécula) da enzima catalase decompõe 5 milhões de moléculas de água oxigenada em um minuto, em pH = 6,8. A renina faz coagular 72,3 milhões de vezes o seu peso de leite desengordurado em 10 minutos, em pH= 5,8 e a 40°C de temperatura. 3Cinética enzimática Ao contrário, porém, dos catalisadores inorgânicos, as enzimas apresen- tam especificidades para determinadas reações ou grupos de reações. As proteínas, os triacilgliceróis e o glicogênio podem ser hidrolisados in vitro inespecificamente com ácido clorídrico a quente, isto é, em condições não fisiológicas de temperatura e pH. A hidrólise desses compostos praticamente não ocorre espontaneamente em pH 7,3 e temperatura de 37°C. As células, em virtude de possuírem catalisadores especiais chamados de enzimas, são capazes de realizar o mesmo trabalho em condições fisiológicas de pH 7,34 e temperatura de 37°C. Quando se adiciona ácido clorídrico a uma mistura aquecida de proteína, triacilglicerol e glicogênio, ocorre hidrólise dos três compostos: a proteína libera aminoácidos,os triacilgliceróis formam glicerol e ácidos graxos, e o glicogênio produz glicose. Tal fato não ocorre quando se adiciona à mesma mistura uma enzima capaz de catalisar, seletivamente, a hidrólise do glicogênio. Neste caso as proteínas e os triacilgliceróis permanecem inalterados, enquanto que o glicogênio é totalmente degradado. Os fatores que afetam a velocidade das reações catalisadas por enzimas Diversos fatores influem na atividade das enzimas. Dois deles decorrem da natureza proteica da molécula da enzima, e dois são consequência da formação do complexo enzima-substrato. 1. Fatores decorrentes da natureza proteica das enzimas: a) pH do meio onde atua a enzima; b) temperatura do meio em que se desenvolve a reação enzimática. 2. Fatores decorrentes da formação do complexo enzima-substrato: a) concentração do substrato; b) concentração da enzima. Influência do pH do meio na atividade de uma enzima Quando uma mesma quantidade de enzimas atua sobre uma mesma concen- tração de substrato, em diferentes valores de pH do meio onde a reação se efetua, há uma região na qual a atividade da enzima é máxima. Esta região é denominada de pH ótimo da atividade. Em muitas enzimas o pH ótimo é Cinética enzimática4 fixo e determinado, enquanto que em outras, o pH ótimo se encontra dentro de um intervalo mais ou menos extenso. A estrutura proteica das enzimas explica a influência do pH. As variações de pH afetam profundamente a ionização dos grupos amino e carboxílicos dos radicais dos aminoácidos colaboradores, auxiliares e de contato. Essas modificações do caráter iônico dos radicais determina uma pronunciada alteração no efeito catalítico da enzima por mudança de conformação da proteína enzimática. Em adição às modificações puramente iônicas, a molécula proteica pode sofrer, também, desnaturação com consequente perda da atividade. A des- naturação pode ocorrer quando o pH do meio se tornar muito baixo ou muito alto. Quando uma enzima atua sobre dois ou mais substratos que também modificam a ionização de suas moléculas de acordo com as variações de pH, a enzima pode apresentar um pH ótimo diferente para cada substrato (Figura 1). Figura 1. Efeito do ph sobre reações catali- sadas porenzimas. Fonte: Harvey e Ferrier (2012). Influência da temperatura na atividade da enzima Quando uma mesma quantidade de enzimas atua sobre uma mesma concentra- ção de substrato no pH ótimo, mas, em temperaturas diferentes, há um ponto onde a atividade da enzima é máxima, essa região é denominada temperatura ótima da atividade enzimática. 5Cinética enzimática Muitas enzimas não revelam atividade a 0°C. Com a elevação da tempera- tura, a enzima passa a funcionar e a atividade cresce à medida que a temperatura aumenta. Existe um determinado ponto no qual o aumento de temperatura, ao invés de aumentar a atividade enzimática, causa uma diminuição e até completa inativação. O gráfico apresenta, como na curva de pH, uma forma de sino assimé- trico, com o ramo esquerdo geralmente menos inclinado que o da direita. Ele é explicado pela estrutura proteica das enzimas. O ramo direito da curva é justificado pelo aumento natural da velocidade de uma reação pela temperatura (Figura 2). O aumento da temperatura determina, também, a desnaturação da proteína. Figura 2. Efeito da temperatura sobre uma reação catalisada por enzima. Fonte: Harvey e Ferrier (2012). A partir de 45°C a desnaturação da enzima se faz rapidamente; aos 55°C a desnaturação é acelerada, e, acima deste valor, a enzima chega à completa inativação. Portanto, a curva obtida em forma de sino é a soma de duas outras curvas que representam um aumento da atividade enzimática pela elevação da temperatura e a desnaturação térmica. As enzimas das bactérias que vivem em ambientes naturais quentes (bactérias termófilas) podem conservar a atividade em temperaturas superiores a 85°C. Cinética enzimática6 Influência da concentração do substrato Quando se faz variar a concentração do substrato mantendo-se a mesma concen- tração da enzima, e a temperatura e o pH ótimos, observa-se que a velocidade da reação aumenta segundo uma reação linear. Porém, no momento em que esta concentração ultrapassa um determinado valor, a velocidade de reação permanece independente da concentração do substrato. Se a concentração do substrato for grande, a concentração do complexo enzima-substrato será maior, e, consequentemente, maior será a velocidade de reação. Com a adição de novas moléculas de substrato, chegará um momento em que todas as moléculas da enzima estarão sob a forma de enzima-substrato, e, neste ponto, o acréscimo de maior quantidade de substrato não aumenta a concentração do complexo enzima-substrato e, portanto, a velocidade per- manece constante. Além dos fatores já mencionados, a atividade das enzimas depende, também, da concentração dos cofatores. Quando uma enzima requer um fator dissociável, a velocidade da reação varia com a concentração do cofator. Em muitos casos é encontrado um limite para a concentração do cofator, como já foi visto quando analisada a influência da concentração do substrato. A explicação para este caso é semelhante: os locais do centro catalítico da enzima, reservados aos cofatores, ficam saturados em presença de um excesso de cofator. Influência da concentração da enzima Fazendo-se variar a concentração da enzima, mantendo-se fixa uma alta concentração de substrato, na temperatura e no pH ótimos, verifica-se que a velocidade da reação aumenta linearmente com a concentração da enzima. A influência da concentração da enzima deve ser medida em presença de uma elevada concentração de substrato. Além da influência do pH, da temperatura, da concentração da enzima e da concentração do substrato, a velocidade de uma reação enzimática de- pende, também, da afinidade da enzima pelo substrato e do poder catalítico da enzima. Entende-se por afinidade da enzima pelo substrato a maior ou a menor capacidade da enzima de se ligar ao substrato. Já o poder catalítico é a capacidade de uma enzima em transformar o substrato ligado no com- plexo enzima-substrato (ES) em produto. Todos esses fatores que influem na 7Cinética enzimática velocidade das reações enzimáticas são responsáveis por dois grandes tipos de cinética denominados cinética michaeliana e cinética não michaeliana. Na cinética michaeliana, a afinidade da enzima pelo substrato e o poder catalítico da enzima permanecem constantes quando se faz variar a concentra- ção do substrato. A hipérbole observada no gráfico já estudado, que representa a influência da concentração do substrato sobre a atividade de uma enzima, é característica da cinética michaeliana. Na cinética não michaeliana, a afinidade da enzima pelo substrato ou o poder catalítico da enzima sofrem modificações em função da concentração do substrato ou outros modificadores da velocidade (efetores). Os parâmetros cinéticos de Km e Vmáx e sua aplicação sobre a inibição de enzimas A cinética michaeliana foi descoberta em 1913. Michaelis e Menten represen- taram a reação enzimática em duas etapas: Na maioria dos casos a etapa A é mais rápida do que a B, que será, assim, a etapa limitante. No estado inicial da reação, a concentração do produto P é ainda muito pequena para possibilitar uma inversão de sentido ESE + P. Conclui-se, então, que Km é igual à concentração do substrato quando a velo- cidade da reação for igual à metade da velocidade máxima. O Km da enzima é expresso pela concentração do substrato em moles por litro. Significado de Vmáx (velocidade máxima) e de Km A velocidade máxima de uma reação catalisada por uma enzima está na dependência do complexo ES. A decomposição deste complexo (ES) em enzima (E) e produto (P) está na dependência do poder catalítico da enzima (E). A velocidade será máxima (Vmáx) quando toda a enzima (et) estiver sob a forma de ES, ou seja, quando não existir enzima livre. O Km é diretamente proporcional a K2, o que nos mostra que quanto maior a afinidade da enzima pelo substrato, maior será K1 e consequentemente o Km será menor. O Km está relacionado com a afinidade da enzima pelo substrato – quanto maior o Km, menor a afinidade da enzima pelo substrato (Figura 3). Cinética enzimática8 Figura 3. Efeito da concentração do subs- trato sobre a velocidade de reação para duas enzimas: enzima 1 com K m menor e enzima 2 com K m maior. Fonte: Harvey e Ferrier (2012). É importante conhecer o valor de Km pelas seguintes razões: 1. A concentração do substrato na célula não pode ser muito menor do que o Km, pois, neste caso, um pequeno aumento do nível intracelular do substrato acarretaria um grande incremento na velocidade da reação e haveria um verdadeiro desperdício de enzima. Uma concentração muito elevada do substrato não iria trazer nenhum benefício, pois, com [S] = 1.000 Km, a velocidade da reação seria apenas duas vezes maior que no Km. 2. O Km é uma constante diferente para cada enzima quando atua sobre um substrato específico. O valor numérico do Km permite verificar se duas amostras de uma mesma enzima de origens diferentes podem ser consideradas idênticas. 3. O Km também permite explicar porque uma mesma enzima pode em certos tecidos catalisar uma reação em um sentido e em outros tecidos, em sentido contrário. Isto ocorre com isoenzimas, por exemplo. 9Cinética enzimática 4. Do mesmo modo, esta constante torna possível interpretar a razão da existência de duas enzimas diferentes que catalisam exatamente a mesma reação em um mesmo tecido (veja o box Fique Atento). 5. O substrato sobre o qual a enzima atua melhor é aquele que apresenta um valor mais elevado para a relação Vmáx/Km. Especificidade da ação enzimática Uma das propriedades mais características das enzimas é a especificidade. Entende-se por especificidade a propriedade das enzimas de catalisarem exclusivamente um grupo restrito de reações ou, em alguns casos, uma única reação (veja o box Fique Atento). Para entender um pouco mais sobre a cinética enzimática, acesse o link abaixo e assista a um vídeo detalhado sobre o conteúdo (FIRESTONE, 2017). https://goo.gl/CZghWx Os inibidores enzimáticos são largamente empregadosno estudo de vias metabólicas e em terapêutica para o tratamento de algumas enfermidades. As sulfas, por exemplo, por apresentarem semelhança estrutural com o ácido para-aminobenzoico (PABA), que é uma substância indispensável para o crescimento bacteriano, são utilizadas no tratamento de certas infecções. Elas funcionam como inibidor competitivo da enzima que sintetiza uma coenzima bacteriana que possui a PABA em sua estrutura. A coenzima não sendo sintetizada, a bactéria fica impossibilitada de se multiplicar. Cinética enzimática10 https://goo.gl/CZghWx FIRESTONE, R. An introduction to enzyme kinetics. Khan Academy, Mountain View, 2017. Disponível em: <https://www.khanacademy.org/test-prep/mcat/biomolecules/ enzyme-kinetics/v/an-introduction-to-enzyme-kinetics>. Acesso em: 22 set. 2017. HARVEY, R. A.; FERRIER, D. R. Bioquímica Ilustrada. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2012. Leitura recomendada NELSON, D. L.; COX, M. M. Princípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 11Cinética enzimática https://www.khanacademy.org/test-prep/mcat/biomolecules/ Conteúdo:
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