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A EDUCAÇÃO BRASILEIRA ANTES DE 1964

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https://memoriasdaditadura.org.br/antes-do-golpe/
A EDUCAÇÃO BRASILEIRA ANTES DE 1964
 
Os anos 1950 e 1960 foram marcados por um intenso debate sobre a educação brasileira. Muitos intelectuais e movimentos sociais formularam propostas para a organização de um sistema nacional de ensino mais democrático e popular, que superasse as desigualdades socioculturais, formasse cidadãos consciente de seus direitos e preparados para desafios econômicos. O Brasil era considerado uma pátria “mal-educada”, com índices de analfabetismo alarmantes. A polarização política que antecedeu ao golpe de 1964 também atingiu a educação. A sociedade brasileira fervilhava com projetos educacionais humanistas e inovadores que, mais tarde, sofreram diretamente os impactos da repressão.
Um sistema de ensino em construção
A primeira vez que o governo brasileiro estabeleceu o objetivo de criar um sistema nacional de educação foi na década de 1930. Antes disso, a educação era de responsabilidade exclusiva dos estados, que tinham autonomia financeira e pedagógica. Mas depois da Revolução de 1930, o governo criou medidas centralizadoras, que reduziam a autonomia dos estados.       Dentre essas, por exemplo, a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública, ao qual caberia edificar um sistema nacional de educação, respondendo às demandas de intelectuais e educadores. Isso implicava um conjunto de instituições de ensino integradas em diversos ciclos, que cumprisse alguns objetivos modernizadores: alfabetizar a população, educar o cidadão, fortalecer a capacidade dirigente das elites e qualificar as massas trabalhadoras para funções produtivas mais complexas.
Embora esses objetivos parecessem consensuais, as variadas filosofias, os posicionamentos políticos e os métodos que os orientavam fizeram da década de 1930 um período repleto de polêmicas em torno da educação. Enquanto, por exemplo, os católicos defendiam a presença do ensino religioso nas escolas públicas e empresários buscavam ampliar seu domínio sobre o mercado da educação, um grupo de educadores progressistas assinou, em 1932, o , defendendo que o Estado desenvolvesse uma escola única, gratuita, laica, na qual meninos e meninas compartilhassem a mesma sala de aula.
Mesmo com toda essa ebulição, foi somente no fim da Era Vargas e começo do governo de Eurico Gaspar Dutra que foram decretadas as primeiras “leis orgânicas” da educação. Formuladas diretamente pelo poder Executivo, tais leis estabeleciam as diretrizes do novo sistema nacional de ensino, seus ciclos, objetivos e currículos. Além disso, dividia-se de maneira nítida o ensino das elites do ensino das massas trabalhadoras, concebendo dois tipos “complementares” de cidadãos, como pregava a ideologia trabalhista de Vargas: de um lado, uma elite industrial, ilustrada e culta e de outro, um trabalhador ordeiro e saudável. Essa “divisão social da educação” foi uma marca deixada por Gustavo Capanema, ministro da Educação e Saúde do Estado Novo, que se estendeu pelas décadas seguintes.
Com a queda do Estado Novo, foi elaborada uma nova Constituição Federal, sancionada pelo presidente Dutra, em 1946. Nela, previa-se a elaboração de uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que reformulasse o sistema nacional de ensino pelo poder Legislativo. Se comparado às leis orgânicas da Era Vargas, a ideia de uma LDB construída mais lentamente pelo Legislativo poderia representar um avanço democrático. A primeira LDB só foi aprovada em 1961, após 13 anos de debates deflagrados nas universidades, nos institutos de pesquisa, nos movimentos sociais e nos corredores do Congresso Nacional.
Antes de 1961, o sistema de ensino brasileiro se compunha de três níveis: primário, médio e superior. O ensino primário era alfabetizador e dividia-se em “fundamental”, para crianças de 7 a 12 anos e “supletivo”, para jovens e adultos. A Lei Orgânica do Ensino Primário (1946) determinava sua obrigatoriedade e gratuidade. Entretanto, essa determinação não era cumprida, devido ao número insuficiente de escolas, à deficiência do ensino e à pobreza da população brasileira. Sem condições de vestir e alimentar seus filhos e não podendo prescindir do trabalho dos jovens para complementar a renda, muitas famílias não conseguiam evitar a evasão escolar.
Esse quadro era agravado pela carência de professores bem formados para fazer cumprir a lei: somente metade dos professores em exercício nas escolas públicas possuía diploma de ensino superior, além de serem muito mal remunerados. Na zona rural, estes “leigos” eram maioria.
O ensino médio era bem diferente do ciclo que hoje chamamos com este nome. Era dividido em dois ramos: o “ensino secundário” (composto por ginasial, de 12 a 15 anos, e colegial, de 15 a 18 anos); e o “ensino técnico-profissionalizante”, que poderia ser industrial, agrícola, comercial ou normal (este último para formar professores). Enquanto o secundário era destinado à formação das elites dirigentes e preparação para o ensino superior, o ensino técnico era voltado às classes populares e tinha caráter terminal: o diploma não permitia o acesso às universidades.
Por fim, havia o ensino superior. Naquela época, as universidades podiam ser formadas pela junção de três faculdades, de Direito, Engenharia e Medicina, sendo que uma destas poderia ser substituída por Educação, Ciências e Letras. As universidades eram muito restritas aos estudantes ricos, que tinham passado pelo ensino secundário.
Os currículos, os conteúdos e os livros didáticos para os níveis primário e médio eram definidos por decisões governamentais que deveriam ser cumpridas pelas escolas públicas ou privadas. A Constituição de 1946 determinava também o investimento de 10% do orçamento público da União e 20% do orçamento dos estados com educação. Porém, nem a União, nem os estados atingiam essa meta.
Analfabetismo e ensino secundário elitista
Em 1950, quase metade da população brasileira com 15 anos de idade era analfabeta, ou seja, autodeclarada incapaz de ler e escrever “pelo menos um bilhete simples”. Com tantas precariedades, a situação não poderia ser diferente.
Em uma sociedade de fortes desigualdades econômicas e regionais, os índices eram maiores entre os mais pobres, nas regiões Norte e Nordeste, e na zona rural, onde viviam cerca de 60% dos brasileiros. Entre os estudantes, a evasão escolar também era altíssima: apenas 15% dos matriculados na 1ª série conseguiam concluir o curso primário, às vezes depois de muitas repetências. Ao final dos anos 1950, metade das crianças em idade escolar estava fora do sistema. Ainda que a função do ensino primário fosse a simples alfabetização, ele não cumpria o seu objetivo.
Ao mesmo tempo, a escola secundária pública era moldada aos interesses das elites dirigentes do país, com difíceis exames de seleção. A Lei Orgânica do Ensino Secundário (aprovada em 1942) tinha seu currículo voltado para a formação moral, ao domínio da linguagem e à eloquência, habilidades tidas como necessárias ao administrador público e ao legislador. Era uma etapa da escolarização voltada aos grupos sociais privilegiados.
Seu caráter elitista era evidente nos mecanismos de seleção: para o ingresso no secundário era preciso passar pelo “exame de admissão”, particularmente exigente na escola pública, pois as vagas eram escassas e concorridas. Ao final de cada um dos ciclos, “ginasial” (atual ensino fundamental II) e “colegial” (atual ensino médio), os adolescentes eram submetidos ao “exame de licença”, criado para garantir o padrão nacional dos aprovados.
Cursar algum ramo do ensino técnico (comercial, industrial ou agrícola) ou ainda cursar o ensino normal (para carreira de professor primário) não permitia o ingresso no colegial. Este, por sua vez, era a única porta de entrada ao ensino superior. Assim, formou-se um sistema de ensino que se afunilava, dando acesso restrito às elites aos graus superiores.
O acesso à universidade nos anos 1950
Entre meados de 1940 e 1960, a população cresceu expressivamente. Na década de 1950, já somávamos cerca de 52milhões de brasileiros, muitos dos quais começavam a trocar o campo pela cidade. Os dois fenômenos repercutiram fortemente sobre a educação do país, pois com eles também aumentava a demanda pelo ensino secundário, passagem obrigatória para a obtenção de melhores empregos e remunerações.
Em resposta a essa pressão crescente, o governo Dutra propôs as “Leis de Equivalência”, que tornavam os estudantes de ensino técnico ou normal igualmente aptos a concorrerem a uma vaga na universidade. No entanto, essa equivalência não ocorria na prática, pois os currículos das escolas técnicas não contemplavam todos os conteúdos exigidos nos exames vestibulares e não ofereciam a mesma qualidade. Embora os diplomas tenham se tornado “equivalentes”, na prática as chances de aprovação no vestibular dos estudantes do colegial ainda eram muito maiores.
Além disso, as notas dos vestibulares eram classificatórias e não eliminatórias. Ou seja, a partir de um determinado número de pontos atingidos, todos eram aprovados, mas apenas os mais bem classificados eram aceitos e conseguiam efetivamente se matricular, face ao número reduzido de vagas. Os demais formavam um contingente de “excedentes” às portas das universidades: estavam aprovados, mas não tinham vagas! Por isso, os chamados “excedentes” criaram um movimento em todo o país pressionando o governo a aumentar as vagas nas universidades.
Embora ainda tímida, houve uma expansão do ensino superior no período, facilitada por uma alteração no Estatuto das Universidades Brasileiras. A partir de 1945, uma universidade podia ser criada com a reunião de uma Faculdade de Filosofia, uma de Direito e uma de Economia ou de Serviço Social. Suprimia-se, assim, a necessidade de integrar as custosas e raras Faculdades de Engenharia ou de Medicina. Com isto, escolas superiores isoladas se aglutinaram dando origem a novas universidades, muitas das quais se tornaram instituições federais em 1953, sob encargo do Ministro da Educação e Cultura (MEC).
A seletividade e o elitismo do sistema foram as principais motivações do crescimento do movimento estudantil.  A insatisfação e a mobilização dos estudantes, nos anos 1950, foram capitaneadas pela União Nacional dos Estudantes (UNE) e pela União dos Estudantes Secundaristas (UBES). Em congressos, convenções, manifestações públicas e na ramificação de entidades de base das escolas secundárias e faculdades, o movimento estudantil foi se fortalecendo e se associando a outros movimentos sociais, como o operário e o camponês.
A LDB de 1961 e a Campanha em Defesa da Escola Pública
Até outubro de 1948, a nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) não passava de um anteprojeto que dormitava nas gavetas da presidência da República. Quando finalmente o presidente Dutra decidiu enviá-lo ao Congresso, os parlamentares não lhe deram atenção. Somente nove anos mais tarde, em dezembro de 1957, a LDB entrou na ordem do dia com a apresentação de um projeto substitutivo ao que havia sido encaminhado pelo presidente, de autoria do deputado liberal Carlos Lacerda, da UDN (União Democrática Nacional).
Começava aí uma intensa movimentação entre intelectuais, estudantes universitários, políticos e movimentos sociais em torno das diretrizes e bases da educação, que teve como ápice a Campanha em Defesa da Escola Pública, liderada por educadores, como Anísio TeixeiraFernando de Azevedo, Laerte Ramos de Carvalho, Roque Spencer Maciel de Barros e Florestan Fernandes.
Mobilizado em escolas, pelos jornais, junto aos deputados e em caravanas populares pelo país, o movimento levantou-se contra o caráter privatista do projeto de Lacerda, que atendia aos interesses de grupos confessionais e empresariais. Entre várias ações, em 1959 os intelectuais fizeram circular o manifesto “Mais uma vez convocados”, em referência à continuidade do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, de 1932. Nele defendiam a escola pública, gratuita e laica como fator indispensável para a construção da sociedade democrática. Refutavam a acusação de que desejassem o “monopólio do ensino” pelo Estado e denunciavam que o termo “liberdade do ensino” escondia o desejo dos empresários pela “liberdade de comerciar à custa do ensino”.
Apesar das fortes mobilizações contrárias, o projeto de Carlos Lacerda foi vitorioso sem maiores alterações, tornando-se a LDB 4.024/61 e consagrando os interesses privatistas. Entre suas disposições, a lei declarou a educação como direito do cidadão, mas não assumiu o compromisso de provê-la a todos. Além disso, favoreceu a iniciativa privada por meio de subvenções e financiamento para a construção, reforma e aquisição de equipamento para escolas.
Ignorando as pautas dos estudantes para a reforma do ensino superior, a lei estabeleceu como diretrizes a flexibilização dos cursos, a previsão de instalação de institutos de pesquisa, a autonomia universitária, a constituição das universidades públicas como autarquias ou fundações e das particulares como fundações ou associações.
O presidente João Goulart vetou parcialmente a lei, com destaque para dispositivos que considerava “inconstitucionais ou contrários aos interesses nacionais”. Os vetos de Jango deixavam claro, em especial, sua preocupação com as possíveis consequências negativas da aplicação da lei. Por exemplo, a que obrigaria as professoras do ensino primário a prestar exames para a aferição de suas competências.
O presidente Jango observou que a imposição do exame afugentaria do magistério “as pessoas que não alcançam os níveis desejáveis de qualificação, mas são, muitas vezes, as únicas disponíveis”, levando ao agravamento do já deficiente atendimento do ensino primário. Em lugar de um exame de “qualificação”, sugeria a realização de programas de formação continuada do magistério em exercício, a elaboração e difusão de materiais de ensino, guias e instruções para apoiar a docência dos “professores improvisados”.
Luta pela Universidade Democrática e Popular
Desde fins da década de 1950, a UNE (União Nacional dos Estudantes) posicionava-se no campo político das esquerdas. Mas foi a partir de 1960, com os desdobramentos da Campanha em Defesa da Escola Pública, que os seminários da entidade se intensificaram, conjugando temas políticos e pedagógicos e alcançando repercussão nacional. A entidade repudiou a aprovação da LDB de Carlos Lacerda por considerá-la “lesiva aos interesses populares”, mesmo com os vetos parciais de Jango. Junto disso, lançou-se à luta pela reforma universitária.
Adiante, em 1962, sob a hegemonia da Juventude Universitária Católica (JUC), a UNE apoiaria o Centro Popular de Cultura, formado por artistas, estudantes e intelectuais de esquerda para criar e divulgar uma “arte popular revolucionária”, marcando presença nas greves operárias e ao lado dos camponeses em luta por reforma agrária. Em maio de 1961, a UNE promoveu o I Seminário Nacional de Reforma Universitária, de que resultou a “Declaração da Bahia”, na qual os estudantes manifestaram suas reivindicações por uma “universidade comprometida com as necessidades concretas do povo brasileiro”.
Este documento, reforçado um pouco depois pela “Carta do Paraná” indicava, como imprescindíveis para a democratização da universidade, a extinção das cátedras, a adoção de tempo integral nos contratos docentes e a representação tripartite de professores, funcionários e estudantes nos colegiados universitários (ou seja, cada categoria deveria representar 1/3 das votações). Em 1962, criou-se a UNE Volante, para divulgar pelo país a “Carta do Paraná” e deflagrou-se a “greve do 1/3”, que paralisou boa parte das universidades pela paridade nos órgãos colegiados. No Ceará, por exemplo, universitários ocuparam e fecharam os prédios, até que Jango ordenasse ao exército a reintegração de posse.
Apesar de ter adotado tais medidas repressivas, o presidente João Goulart não se opunha à expansão das vagas no ensino superior e tampouco ficava indiferente às pautas do movimento estudantil. Tanto o Plano Trienal de Educação, lançado em 1963, quanto o ProgramaNacional de Matrículas, de 1964, previam investimentos e medidas para que as faculdades das áreas de Saúde e de Tecnologia duplicassem as matrículas nas séries iniciais.
Outra medida para facilitar o acesso foi a unificação dos vestibulares. No conjunto das Reformas de Base, a reforma educacional foi incluída, encampando propostas da UNE, tais como o fim da cátedra nas universidades, a democratização do acesso ao ensino superior e a maior participação dos estudantes nos colegiados.
Golpe e perseguição aos líderes da educação brasileira
O golpe civil-militar de 1964 perseguiu, sistemática e violentamente, os educadores cujo pensamento e ação julgava subversivos e contrários aos alegados “interesses nacionais”. O governo imposto pelas armas atingiu, logo de início, estes três grandes educadores brasileiros: Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira e Paulo Freire.
Antropólogo e educador, Darcy Ribeiro foi ministro da educação e cultura do governo João Goulart (1962 e 1963) e também chefe da casa civil (1963 até o golpe). Era um militante pela educação laica, pública e gratuita. Por isso, foi um dos primeiros alvos do golpe de 1964, com seus direitos políticos cassados pelo AI-1.
As ideias de Darcy Ribeiro se alinhavam às dos educadores mais empenhados na modernização e democratização da educação brasileira, participando da criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE). Os centros visavam a promover pesquisas e diagnósticos sobre a realidade educacional brasileira e seus problemas locais, regionais e nacionais, com objetivo de fundamentar as reformas. Entre as propostas de Darcy, se destacaram os CIEPs (Centros Integrados de Ensino Público).
Logo após o golpe de 1964, Darcy exilou-se em Montevidéu com Jango. O exílio tornou-se confinamento em 1966, quando o Uruguai cedeu às pressões da ditadura brasileira e o impediu de deixar o país. Dois anos depois, retornou ao Rio de Janeiro e foi preso por “infringir a Lei de Segurança Nacional”, passando nove meses no cárcere. Ao ser solto, em 1969, exilou-se na Venezuela, passando também pelo Chile, onde trabalhou como assessor do governo do socialista Salvador Allende.
Outro importante educador do período pré-golpe foi Anísio Teixeira. Na sua trajetória, foi secretário de educação do Estado da Bahia e do Rio de Janeiro, coordenador da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior) e diretor do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), que hoje leva seu nome. Desde sua participação no movimento da “Escola Nova”, preocupava-se em não “copiar modelos” nem romantizar sua tarefa, desenvolvendo propostas originais e concretas para resolver os problemas educacionais brasileiros, tais como a Escola Parque da Bahia e o próprio CBPE.
Anísio e Darcy foram idealizadores da Universidade de Brasília (UnB), inaugurada em 1960, com a expectativa de articular ensino, pesquisa e extensãoe democratizar a política universitária, com eleições para cargos diretivos. Em 1965, porém, sob a ditadura civil-militar a universidade sofreu intervenção, Anísio Teixeira foi destituído do cargo de reitor e a experiência da UnB foi interrompida.
Logo no começo da ditadura, o professor Anísio Teixeira foi destituído de todos os seus cargos. Também teve os seus direitos políticos cassados pelo Ato Institucional no 1 (AI-1). Tragicamente, em março de 1971 foi encontrado morto no fosso de um elevador em circunstâncias consideradas obscuras. Embora o laudo da perícia tenha apontado morte acidental, há suspeitas de que tenha sido vítima das forças de repressão do governo Médici.
A ditadura interrompeu também as experiências de alfabetização de adultos de Paulo Freire, coordenador do Programa Nacional de Alfabetização (1964), cujas principais inovações eram a substituição das cartilhas e livros-texto por um trabalho pedagógico com “palavras geradoras”, extraídas da linguagem corrente dos grupos locais e com a ênfase na relação dialógica com as experiências de vida dos professores, estudantes e familiares.
Com isso, Freire propunha trazer a leitura e a escrita para o universo mais pessoal de cada educando, tendo como objetivo a apropriação crítica das suas reais condições de vida. Sua proposta de Educação Popular se baseava na ideia de que o conhecimento era emancipador. A educação do povo abriria caminhos para luta social contra as desigualdades culturais e econômicas, pois os pobres libertariam suas capacidades políticas mais criativas através do conhecimento. Dizia que “a educação sozinha não muda a sociedade, mas sem ela tampouco a sociedade muda”. No lugar dos programas desenvolvidos por Freire, porém, a ditadura impôs a Reforma Universitária (Lei 5.440/68) e o sistema Mobral, substituindo o método freireano por técnicas tradicionais de alfabetização.
Paulo Freire teve destino semelhante: indiciado em Inquérito Policial Militar, exilou-se sucessivamente na Bolívia, Chile, Estados Unidos e Suíça, retornando ao Brasil somente em 1979. O manuscrito de uma de suas principais obras, “Pedagogia do Oprimido”, só pode ser preservado pela ação cuidadosa do seu amigo chileno Jacques Chonchol, que levou o texto original consigo no exílio na Europa. Tanto a perseguição desses educadores, como a interrupção abrupta de projetos voltados a uma reforma popular e democrática do ensino já prenunciavam os tempos sombrios que a educação brasileira viveria sob a ditadura.
https://memoriasdaditadura.org.br/livros-sob-censura/
LIVROS SOB CENSURA
Livros são fundamentais para a formação cultural e política da população, para a preservação da memória dos povos, além de serem essenciais para a educação. O regime militar brasileiro impôs a censura contra livros que considerava perigosos, subversivos ou imorais. Nessa sessão, você conhecerá uma “biblioteca proibida” de livros censurados e saberá o que os censores escreviam sobre estas obras. Ao mesmo tempo, a ditadura sustentou a modernização de grandes grupos editoriais, favorecendo a concentração do poder econômico nas mãos de poucos empresários. Mas para os militares, censurar os livros não era suficiente: era preciso incentivar uma modernização editorial com controle político rígido. Essa ação se fez com o apoio à indústria gráfica e à produção de papel, além da criação de programas governamentais de compra de livros escolares, que favoreceram determinadas empresas e difundiram manuais alinhados com os valores conservadores.
A ditadura e o mercado editorial
O mercado editorial de livros sofreu grandes mudanças após 1964. Do ponto de vista econômico, a produção de livros atravessou forte crescimento, houve uma importante modernização técnica e o estímulo à concentração do mercado nas mãos de grandes grupos editoriais, especialmente beneficiados pelo regime militar. Ao mesmo tempo, as editoras pequenas foram prejudicadas por não receberem as mesmas facilidades e, em alguns casos, sofrerem perseguição política.
O crescimento da produção de livros foi sustentado pelo aumento do número de estudantes no país, pelos programas oficiais de apoio ao setor gráfico e pelas grandes compras e distribuição de livros escolares feitas pelo Estado. O aumento da classe média leitora ampliou diferentes nichos de vendas, como livros escolares, universitários, técnico-profissionais, manuais e de entretenimento.
A ditadura favoreceu alguns grupos da indústria editorial com isenção de impostos na produção e venda de livros. Também estimulou a produção nacional de papel e celulose. Entre 1960 e 1980 a indústria de papel praticamente quintuplicou sua capacidade produtiva e o Brasil saiu da posição de importador para a de exportador de papel.
 Os militares criaram programas de compra de livros didáticos em larga escala. Era uma forma ambígua de incentivar e, ao mesmo tempo, controlar o setor editorial. Dentro do acordo MEC-USAID, em outubro de 1966, foi criada a Comissão Nacional do Livro Técnico e Didático (COLTED) que, em apenas três anos, prometia fornecer 51 milhões de livros às escolas públicas brasileiras. Por conta disso, entre 1966 e1980, a produção de livros didáticos quadruplicou, alcançando 100,2 milhões de exemplares. O volume de compras governamentais era enorme, refletindo a expansão do sistema de ensino marcada pelo controle ideológico.
Outra política que afetou fortemente o mercado editorial foi o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), cujo objetivo era diminuir o analfabetismo e adequar a instrução das classes trabalhadoras às necessidades da modernização capitalista. Todo o material impresso do programa foi encomendado a apenas duas editoras: José Olympio e Abril. Era uma forma de beneficiar grupos empresariais que apoiassem o governo e, ao mesmo tempo, manter o controle dos conteúdos. Somente em 1970, o Mobral encomendou a estas editoras cerca de 50 milhões de livros. Ao contrário do que propunha Paulo Freire, o método de alfabetização do Mobral era tecnicista e tradicional.
Em 1970, foi realizada a I Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que contou com a participação de 23 países. Durante a ditadura, os mercados editoriais que tiveram maior expansão foram os de livros religiosos (crescimento de 285%), os de literatura (de 155%) e os didáticos (de 74%). Apesar de continuar com taxas de analfabetismo alarmantes, o Brasil tornou-se o maior produtor de livros da América Latina no começo dos anos 1970.
Livros, uma arma subversiva
Desde o golpe de 1964, livros e editores foram perseguidos pelo poder ditatorial. Apenas dois dias depois do golpe, o governo fechou o Editorial Vitória, do Partido Comunista Brasileiro (PCB), por considerá-lo “o maior centro de difusão de obras marxistas no Brasil”. Esta e outras ações repressivas começaram a instaurar no país uma cultura do medo, dentro da qual a censura era um elemento chave.
A ditadura também organizou verdadeiros index, ou listas de livros e autores proibidos. Em 1965, uma portaria do Ministério da Justiça indicava uma lista com 33 “livros de natureza subversiva”. Entre aqueles que deveriam ser apreendidos destacavam-se os volumes da coleção Cadernos do Povo Brasileiro, da Editora Civilização Brasileira, obras de Karl Marx e de Friedrich Engels, de autores russos, de intelectuais brasileiros de esquerda, além de uma obra da escritora Adelaide Carraro (Falência das elites). No ano seguinte, foi censurado o livro Torturas e torturados, do ex-deputado Márcio Moreira Alves (Rio de Janeiro, Idade Nova, 1966), que registrava casos de tortura ocorridos entre 1964 e 1966.
Em 1965, o editor Ênio Silveira, proprietário da editora Civilização Brasileira e militante do PCB, foi preso para prestar depoimentos sobre suas atividades profissionais. Ênio Silveira posicionou-se contra a censura e sofreu as consequências, visto que sua editora foi uma das mais perseguidas. Até mesmo o ditador Marechal Castello Branco questionou a necessidade da prisão de Silveira. “Por que a prisão de Ênio? Só para depor?”, teria escrito Castello Branco em carta ao então chefe da Casa Militar, Ernesto Geisel, “a repercussão é contrária a nós (…). Isso nos rebaixa”. A divergência já indicava fissuras internas entre os militares. Mais tarde, em 1968, a livraria de Ênio Silveira no Rio de Janeiro foi alvo de um atentado à bomba.
Alguns escritores desafiaram a censura explicitamente, como Jorge Amado e Érico Verissimo, dois dos mais populares escritores brasileiros. Eles reagiram à censura prévia declarando que “em nenhuma circunstância” mandariam seus originais aos censores: “preferimos parar de publicar no Brasil e só publicar no exterior”, disseram. A censura prévia foi formalmente instituída em 26 de janeiro de 1970, por meio do Decreto-lei nº 1.077.
Diante desse clima repressivo, muitas pessoas passaram a tomar precauções em relação aos livros que possuíam, uma vez que muitos deles passaram a ser vistos pela ditadura como “armas perigosas” de subversão. Muitas pessoas queimavam ou enterravam seus próprios livros considerados “comprometedores”, transformando em realidade as previsões da obra Fahrenheit 451, de Ray Bradubury. Outros espalharam seus livros entre os amigos que não possuíam nenhum envolvimento político, pensando que mais tarde, quando a censura enfraquecesse, iriam recuperá-los. O fato é que muita gente perdeu bibliotecas inteiras com medo da perseguição.
Os estudantes de Ciências Sociais, História, Filosofia, Geografia e Literatura encontraram dificuldades para acessar livros básicos para sua formação, proibidos pelo index de autores subversivos. Sempre que possível tais textos eram lidos às escondidas. A militância de esquerda, por sua vez, sentia necessidade de ler e difundir livros estratégicos para as suas organizações, considerados clássicos do seu repertório político e cruciais para a formação de novos militantes. Para driblar a censura, tais organizações criaram métodos clandestinos de circulação de livros proibidos. Nas gráficas de grupos guerrilheiros, capítulos de livros eram impressos separadamente e disfarçados com capas insuspeitas de livro de receitas ou obras famosas. Como a tiragem era muito pequena, esses impressos circulavam clandestinamente de mão em mão. Um único exemplar podia lido por muitas pessoas, até que alguém os jogasse fora para escapar da repressão.
O medo tinha fundamento. Em julho de 1968, por exemplo, o Departamento de Ordem Política e Social (Dops) instaurou uma sindicância para investigar o arquiteto e cenógrafo Marcos Flaksman, que trabalhou em algumas peças de teatro consideradas subversivas e imorais, de Bertold Brecht a Plínio Marcos. O motivo? Ao desembarcar no aeroporto do Rio de Janeiro, vindo de Paris, trouxera em sua bagagem onze livros de “natureza subversiva”. Eram obras de autores, como Régis Debray, Che Guevara, Charles Bettelheim, Herbert Marcuse e Louis Althusser. Aliás, como assinalaram os próprios policiais, a maior parte das obras já havia sido traduzida no Brasil. A sindicância não deu em nada, mas serviu como intimidação política.
Livros também foram usados como “provas” contra pessoas acusadas de subversão. Foi o que aconteceu com Francisco Gomes, um ativista de Sorocaba (SP) processado com base na Lei de Segurança Nacional em 1970 por pertencer à Ação Libertadora Nacional (ALN). Ele foi condenado e os livros apreendidos em sua casa foram o primeiro item destacado entre as “provas” da sua subversão.
Mesmo vigiados e perseguidos, os opositores do regime encontraram brechas para denunciar, por meio dos livros, a situação vivida no país. Foi o caso da obra Pau de Arara: La violence militaire au Brésil, publicado na França, em 1971, pela Editora François Maspero. Organizado pelos jornalistas Bernardo Kucinski e Ítalo Tronca, a partir de uma ideia de outro jornalista, Luiz Eduardo Merlino, o livro era uma denúncia do uso da tortura pelo governo brasileiro para combater seus oponentes.
Tragicamente, Merlino foi morto sob tortura pela repressão antes da obra estar impressa. Pau de Arara foi censurado no Brasil no mesmo ano de seu lançamento na França e só foi editado no país em 2013.
Censura prévia aos livros
Com a imposição do AI-5, em fins de 1968, a repressão política e a censura se intensificaram. O setor livreiro sentiu mais de perto os efeitos da ditadura com a edição do Decreto-lei nº 1.077, que estendia a censura prévia aos livros. Ou seja, antes da impressão e publicação os livros poderiam ser vetados pelo censor. O decreto estabelecia que a censura deveria se limitar a temas referentes a sexo, moralidade pública e bons costumes, porém as leis de exceção fomentavam a censura política.
Sendo assim, a censura atuou nessas duas frentes: moral e política. A intolerância moral e sexual, típica do pensamento conservador, justificou a proibição de centenas de livros rotulados como “imorais”. Duas das autoras mais visadas por este motivo foram Adelaide Carraro e Cassandra Rios, cujos livros eróticos não eram tolerados pela censura. Outro autor “maldito” foi o teatrólogo Plínio Marcos. Os três abordavam temas considerados tabus, como sexo, lesbianismo, homossexualidade, miséria e marginalidade.
Um efeito importante do terrorismode Estado sobre a produção de livros é o fato de que, mesmo de forma inconsciente, a censura gerava a “autocensura”. Ou seja, o medo fazia com que muitos autores alterassem suas linhas narrativas em função do contexto repressivo. Por isso, na literatura produzida durante a ditadura existem muitas mensagens nas entrelinhas, ideias não ditas, mas somente insinuadas ou sugeridas. Alegorias e metáforas foram muito utilizadas para exprimir opiniões que, se fossem diretamente mencionadas, seriam censuradas. Alguns autores lançaram obras que contestavam o autoritarismo de modo sutil ou indireto.
Apesar das intenções do regime em realizar um forte controle ideológico, a falta de estrutura dos órgãos oficiais para a censura prévia impedia uma vigilância completa. O número de censores era pequeno, em geral pessoas deslocadas de outras funções, malformadas e sem preparo intelectual para a atividade que passaram a exercer.
Em 1970, o Serviço de Censura Federal contava com apenas 17 censores, quando a necessidade correspondente à produção livreira seria cerca de 120. Esta situação perdurou pelo menos até 1974, data em que ocorreu o primeiro concurso para Técnico de Censura. No total foram somente seis concursos para censor, sendo o último, surpreendentemente, em 1985! A precária formação dos censores e a inexistência de um manual de procedimentos para censura levavam ao uso de critérios pessoais, que variavam de censor para censor. A única referência que tinham era uma coletânea com a legislação sobre censura.
A insuficiência de censores impediu que a censura prévia fosse realizada na escala planejada pelo governo. Assim, a maioria dos livros proibidos foi resultado de denúncias feitas depois da publicação. A quantidade exata de livros censurados na ditadura ainda é desconhecida. Desde 1970, o Departamento de Censura de Diversões Públicas (DCDP) do Ministério da Justiça tornou-se responsável pela censura a livros. Entre 1970 e 1982, o órgão analisou oficialmente pelo menos 492 livros, dos quais 313 foram vetados.
O que os censores diziam sobre os livros proibidos?
Boa parte dos livros censurados não foi objeto de uma análise detalhada por parte das autoridades. Muitas vezes, o que determinava a censura ou a apreensão era o tema abordado ou o autor da obra. Um bom exemplo da pouca importância dada ao detalhamento das justificativas da censura é um informe do Ministério do Exército, de 15 de dezembro de 1975 (ver imagem na galeria), que apresenta uma lista de “duzentos e cinco livros de cunho subversivo ou pornográfico, proibidos por determinação do Sr. Ministro da Justiça, com base na legislação em vigor”. Ou seja, 205 livros foram declarados proibidos com uma única canetada e uma justificativa genérica.
Mas também houve casos em que os livros foram analisados individualmente. Confira abaixo alguns pareceres de censores indicando proibição de obras:
A mulher na construção do mundo futuro, de Rose Marie Muraro: “um incitamento à subversão da ordem político-social do país”, devendo ser tomadas “medidas que evitem a proliferação de tais ideias”.
Sobre Autoritarismo e democratização, de Fernando Henrique Cardoso: a obra faria “doutrinação comunista, de massificação”, demonstrando “sua bitolagem aos dogmas marxistas, manipulando fatos históricos”.
A paranoica, de Cassandra Rios: “as descrições dos atos sexuais são feitas nos seus mínimos detalhes, há homossexualismo, violência e o conteúdo do livro é deprimente”.
O sótão e o rés-do-chão ou Soninha toda pura, de José Ilcemar Ferreira: “Impressão final: Péssima; Diálogos: Pornográficos e picantes; […] Conclusão: […] concluo pela interdição […] texto completamente repleto de pornografias e diálogos picantes, e ainda, com enredo contrário à decência e o decoro público”.
A farsa do bode expiatório, de Luiz Maranhão Filho: “trata-se de uma tentativa de levar a revolução [o golpe de 1964] ao descrédito, através de insinuações de que no Brasil não há liberdade”.
Este último parecer é uma peça representativa da hipocrisia do regime: para provar que sim, havia liberdade no Brasil, o censor sugere a proibição da obra!
A biblioteca proibida
A seguir apresentamos uma lista com alguns autores que tiveram livros censurados no período da ditadura:
Caio Prado Jr. – O mundo do socialismo; A revolução brasileira
Darcy Ribeiro – A universidade necessária
José Serra (coord.) – América Latina: Ensaios de interpretação econômica
Fernando Henrique Cardoso – Autoritarismo e democratização
J. A. Guilhon de Albuquerque – Classes médias e política no Brasil; Movimento estudantil e consciência social na América Latina
José Álvaro Moisés e outros – Contradições urbanas e movimentos sociais
Oduvaldo Viana Filho – Rasga coração; Papa Highirte
Fidel Castro e outros – A aventura boliviana
Plínio Marcos – Abajur lilás, Barrela
Márcio Moreira Alves – Torturas e torturados; O despertar da revolução brasileira
Artur José Poerner – O poder jovem
Che Guevara – Socialismo y el hombre en Cuba; Nossa luta em Sierra Maestra
Lenin – A catástrofe iminente e os meios de a conjurar; Sobre a caricatura do marxismo e A economia imperialista; O esquerdismo, a doença infantil do comunismo; O imperialismo e a cisão do socialismo; Citações de Lenine sobre a revolução proletária e a ditadura do proletariado
Mao Tsé-Tung – Obras escogidas; Citações do presidente Mao Tse Tung
Nguyen Giap – Guerra de Pueblo, ejercito del pueblo
Nélson Werneck Sodré – História militar do Brasil
Movimento Comunista Internacional – La guerra popular en el Brasil
Ricardo Rojo – Meu amigo Che
Leo Huberman e Paul Sweezy – Socialismo em Cuba
Trotski – La Internacional Comunista desde la muerte de Lenin
Franz Fanon – Os condenados da terra; Sociologia de uma revolução
Nicos Poulantzas – A crise das ditaduras
Kurt Mirow – A ditadura dos carteis
Louis Althusser – La filosofia como arma de la revolución; Marxismo
Adolf Hitler – Mein Kampf
Regis Debray – Revolução na revolução
Álvaro Cunhal – Rumo à vitória
O mercado editorial no fim da ditadura
A crise do petróleo, nos anos 1970, impactou o mercado editorial brasileiro. Houve aumento dos custos de energia e transporte e os preços mundiais do papel aumentaram drasticamente. No Brasil, o preço do papel de imprensa subiu 125%, entre 1973 e 1974. Após esse período de dificuldades econômicas, a indústria editorial apresentou uma recuperação baseada nas compras de manuais didáticos pelo governo. Mesmo assim, o país experimentou uma queda na produção de livros durante a década de 1980.
A indústria editorial brasileira chegou bastante ativa a 1985, embora economicamente concentrada em grandes oligopólios. Ao mesmo tempo, já era possível perceber um incipiente processo de diversificação editorial, resultante do ressurgimento dos pequenos circuitos de editoras críticas, comandadas por grupos de esquerda. Desde a aprovação da Lei de Anistia, em 1979, essas editoras voltaram a emergir para fora da clandestinidade, inclusive as gráficas dos novos partidos legalizados.
Apesar disso, o livro no Brasil continuou sendo um objeto pouco difundido entre a população, se comparado com países como a Argentina e o Chile. Isso se deve a alguns fatores, como: o alto preço dos livros para o padrão de renda dos brasileiros; o pequeno número de livrarias; a escassez da compra de livros não-didáticos para bibliotecas públicas; a concentração da produção e do consumo nas regiões Sul e Sudeste; a dificuldade das pequenas e médias editoras competirem com os oligopólios, entre outros.
O fim da censura foi lento e gradual. Em 1985, o Ministro da Justiça do governo de José Sarney, Fernando Lyra, anunciou o fim da censura política, ao mesmo tempo em que preservou a Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP). Foi seu sucessor no ministério, o senador Paulo Brossard, que em 1987 começou de fato a desmontar a estrutura institucional da censura. No entanto, foram mantidas as estruturas censoras em casos ligados a “moral e pornografia”. Somente com a Constituição de 1988 a censura foi legalmente extinta.
Para saber mais
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