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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE TERAPIA OCUPACIONAL FICHAMENTO DO ARTIGO “DO TRATAMENTO MORAL À ATENÇÃO PSICOSSOCIAL: A TERAPIA OCUPACIONAL A PARTIR DA REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA” Thayla Gabriele Pereira Passoni 2021 O artigo Do tratamento moral à atenção psicossocial: a terapia ocupacional a partir da reforma psiquiátrica brasileira (Shimoguiri; Costa-Rosa, 2017) se debruça sobre a questão da fundamentação epistemológica no campo da Saúde Mental em face da evolução da Terapia Ocupacional neste campo e da identidade profissional, através de uma revisão bibliográfica. O foco acaba recaindo nas afetações da Reforma Psiquiátrica brasileira sobre a profissão, ainda que no texto exista a contextualização histórica dos usos das atividades/ocupações nos paradigmas Psiquiátrico Hospitalocêntrico Medicalizador e Psicossocial, esse segundo desenvolvido a partir da Rede de Atenção Psicossocial. Desse modo, a contextualização histórica tem início no século XVIII com o advento do Tratamento Moral, teoria de Pinel que sistematizou o uso da ocupação enquanto recurso terapêutico, pautada no alienismo e na dimensão moral e de controle do trabalho a ocupação “desempenhava uma função corretiva e disciplinar, sendo o principal recurso para a organização e manutenção do ambiente asilar” (p.846), nesta direção a terapia ocupacional ascendeu à categoria de ciência na área da Saúde Mental. O Tratamento Moral estava relacionado à lógica Manicomial, e nesses hospitais psiquiátricos as internações possuíam “caráter de limpeza social” (p.846), tendo relação com uma crise econômica na Europa, dessa forma, o trabalho, revestido de tratamento terapêutico ocupacional, servia aos interesses do sistema capitalista a partir exclusão dos “inválidos”, loucos, marginais e pobres, e da exploração destes nos asilos. Outrossim, as influências do Tratamento Moral atravessaram séculos, chegando no Estados Unidos em 1900 através de Meyer com o mesmo nome; na Alemanha com Simon reconhecido por “Terapia Ativa”, e Shneider através do programa “Ocupação Biológica”; e, por fim, com Slagle, precursora da terapia ocupacional, a partir do “Treinamento de Hábitos”, de modo que enquanto profissão a terapia ocupacional tem sua gênese imbricada com o desenvolvimento do Tratamento Moral e suas repercussões. Já no Brasil o desenvolvimento da profissão em seu início deu-se a partir dos “programas de reabilitação profissional instituídos pelo governo Vargas” (p.847) enquanto “prática especializada no tratamento dos acidentados de trabalho, dos UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE TERAPIA OCUPACIONAL FICHAMENTO DO ARTIGO “DO TRATAMENTO MORAL À ATENÇÃO PSICOSSOCIAL: A TERAPIA OCUPACIONAL A PARTIR DA REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA” Thayla Gabriele Pereira Passoni 2021 pacientes crônicos e dos deficientes sensoriais e físicos” (p.847). Além disso, a formação em terapia ocupacional no final dos anos 50 era pautado na Reabilitação física, estando a profissão no lugar de reprodução da lógica médica enquanto formação técnica. De modo que, mesmo com a emancipação entre estas áreas, o modelo biomédico continuou a influenciar as referências em terapia ocupacional, inclusive no campo da saúde mental. Nise da Silveira, psiquiatra que influenciou e influencia muito a terapia ocupacional, foi uma exceção da lógica manicomial, pois a partir do entendimento de que “a estrutura hospitalar já era por si só adoecedora” (p.848), humanizou o atendimento através das artes e de uma prática profissional singular e anti hegemônica. Os movimentos da Reforma Sanitária e da Reforma Psiquiátrica brasileira contribuíram para o desenvolvimento de novas concepções de saúde, incluindo a integração de ações em saúde mental no Sistema Único de Saúde (SUS), com a implementação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) no SUS uma rede de serviços articulados de saúde passou a atuar no território, a partir de abordagens individuais e coletivas, buscando garantias de “acesso da população à atenção psicossocial, e, especialmente, supõe a construção de espaços de convívio e sustentação as diferenças na comunidade”, o trabalho na RAPS é intersetorial e integra diversos campos de conhecimento buscando horizontalidade nos atendimentos e no espaço de trabalho em si, sendo a terapia ocupacional um dispositivo clínico potente da Atenção Psicossocial, e as atividades neste outro paradigma se sustenta a partir da perspectiva política de reinserção social. A Reforma Psiquiátrica trouxe possibilidade de reflexões acerca do papel que a terapia ocupacional exerce na clínica e na sociedade, passando de uma profissão que estava em uma posição de controle e segregação de uma parte vulnerabilizada e marginalizada da população. Com isso houve o redimensionamento da prática da terapia ocupacional, através da ampliação do conceito de saúde, na área de Saúde Mental foram incorporado conceitos e direcionamentos do referencial da Reabilitação Psicossocial, amplamente usados ainda hoje. Outras mudanças também tiveram espaço na profissão, como a incorporação de referenciais da arte e da estética enquanto recursos terapêuticos, e no plano crítico com a reinserção UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE TERAPIA OCUPACIONAL FICHAMENTO DO ARTIGO “DO TRATAMENTO MORAL À ATENÇÃO PSICOSSOCIAL: A TERAPIA OCUPACIONAL A PARTIR DA REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA” Thayla Gabriele Pereira Passoni 2021 social enquanto um fim, através da Terapia Ocupacional Social, Reabilitação Psicossocial e pela Filosofia da Diferença. Após essa breve contextualização do artigo, baseada na temática principal e nas principais percepções apresentadas, gostaria de elencar dois pontos que reverberam reflexões crítico-pessoais. O primeiro ponto está relacionado com a relação do uso das atividades (enquanto trabalho principalmente) com o sistema capitalista, e o quanto a reflexão ética foi e é importante na busca de promover uma sociedade mais justa, com uma prática profissional que esteja ao lado das populações atendidas e em vulnerabilidades diversas, e não ao lado dos mecanismos de violência das instituições. Já o segundo ponto surge também da reflexão presente no texto sobre o papel ético da profissão, mas culmina em um ponto, que não se especifica no artigo, acerca da(o) terapeuta ocupacional nos papéis de gestão e planejamento dos serviços e equipamentos do Sistema Único de Saúde, e o quanto é potente se engajar eticamente nessa direção, ao menos entender o que esse papel significa para e no desenvolvimento da profissão. Por fim, não chega a ser um ponto, mas sim uma curiosidade que se origina no fato da profissão ter seu desenvolvimento marcado por influência do modelo biomédico, e até hoje ainda estarmos vinculados a fisioterapia, enquanto áreas que dividem o mesmo espaço político-representativo, e o que isso de fato significa no processo de formação e de atuação profissional, tal quanto, na outra direção, o que significaria o processo de desmembramento entre as profissões. Referência Bibliográfica: Shimoguiri AFDT, Costa-Rosa A. Do tratamento moral à atenção psicossocial: a terapia ocupacional a partir da reforma psiquiátrica brasileira. Interface (Botucatu). 2017; 21(63):845-56.
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