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5971 A EDUCAÇÃO ESCOLAR GONÇALENSE NO SÉCULO XIX; NAS MARCAS DO PASSADO, PISTAS PARA A COMPREENSÃO DO PRESENTE. Maria Tereza Goudard Tavares Rosane dos Santos Torres Universidade do estado do Rio de Janeiro RESUMO O presente trabalho é resultado parcial de pesquisas levadas a cabo pelo Núcleo de pesquisa e extensão “Vozes da educação: memória e história das escolas de São Gonçalo”, que desde de 1996 se dedica, na Faculdade de Formação de Professores/ UERJ, a promover uma resconstrução da história e da memória da educação escolar gonçalense. Nesse esforço contínuo, os projetos desenvolvidos em conjunto por professores/as, alunos/as e comunidade, vêm colaborando substancialmente na reflexão e discussão das políticas e práticas educativas, nas suas diversas temporalidades. Neste sentido, a dinâmica espaço-temporal das práticas educacionais presentes no município de São Gonçalo (RJ) na contemporaneidade requer uma leitura atenta de seu passado. Se trata, pois, de não ignorarmos os diferentes momentos históricos ( que certamente apresentam um contexto particular ), mas, ao contrário, tentarmos identificar suas marcas nas gerações futuras. No liame das rupturas e continuidades, como esclarece Clarice Nunes (2004), “a contribuição da história para o enfrentamento dos problemas educacionais contemporâneos é justamente afirmar que escolhas foram feitas e, diante delas, que futuros foram apagados”. É certo que no retorno a essa memória, não revivemos suas experiências, apenas a interpretamos, isto é, fazemos uma leitura interessada que é sempre passível de traições. E é no esforço de recontá-la que ficamos diante do limite que distingue a lembrança do esquecimento. Entendemos, assim, que nos lançando nas rugosidades do passado, torna-se possível compreender com mais radicalidade o presente. Este presente, não como um lugar estável, resultante de um passado igualmente estável e único, que se descobre e se recupera. Mas, como paisagem passageira e movediça, marcada pelos vários passados reconstruídos aqui pelo trabalho cuidadoso da pesquisa, da memória e do exercício imaginativo. Pensar a educação gonçalense, característica do século XIX, é, antes de tudo, “ouvir as vozes do passado”, não com uma postura saudosista, de retorno àquelas experiências, no sentido de revivê-las, mas na compreensão atenta das pistas que as mesmas nos deixaram. Assim, no presente trabalho, ao deslocar nossas lentes para o século XIX, pretendemos estabelecer conexões que permitam compreender o contexto educacional do presente e conhecer um pouco mais da história escolar gonçalense. Deste modo, quando localizamos nosso estudo no município de São Gonçalo, nos defrontamos com um conjunto de relações que excedem os limites físicos do território. Encontramo-nos diante de teias de relações, que fazem do local um espaço de excelência; entendido não apenas nas fronteiras visíveis do espaço, mas no conjunto de práticas sociais que se dinamizam e atravessam os vários níveis da ação humana. Esta cidade, que atualmente pertence à região metropolitana do estado do Rio de Janeiro, remonta seu passado ao período colonial brasileiro, já no século XVI; período em que se realizaram doações de sesmarias e a implantação das primeiras fazendas. Elevada à condição de freguesia em 1647, esta só conquista sua emancipação política em fins do século XIX. De acordo com Fernandes (s/d), a origem do nome São Gonçalo teria relação com a capela que fora construída por Gonçalo Gonçalves, a qual trazia o nome do santo de devoção deste sesmeiro português. De acordo com o historiador Ilmar Rohloff de Mattos, em um livro que se tornou um clássico da literatura imperial, O tempo saquarema, o Brasil imperial era uma sociedade onde cada indivíduo desempenhava um papel social. Nos critérios de então, eram considerados indicadores de cidadania, os princípios de liberdade e propriedade. Nesse caso, estavam claramente excluídos os escravos, mesmo os nascidos em terras brasileiras. Como se vê, o reconhecimento como “cidadão” não se dava por uma “identidade local , mas por padrões sócio- econômicos. Nas palavras de Mattos, “ (...) os escravos não eram considerados pessoas, não tinham reconhecida a capacidade de praticar atos de vontade. Estes compunham o mundo do trabalho; encarnavam uma visível oposição aos “verdadeiros” cidadãos dentro de uma sociedade marcada pelas cicatrizes das relações excludentes herdadas do período colonial. Por tais distinções, ainda no século XIX, o Brasil imperial era marcado como um império e três mundos...Aqui se define um aspecto 5972 importante de nosso trabalho, que nos faz dialogar com as redes hierárquicas presentes naquela sociedade e localizarmos nosso olhar, não tanto na província do Rio de Janeiro ( que, no decorrer da discussão dessa pesquisa, não é mais a Corte do Império, já que pelo ato adicional de 1834, a cidade do Rio de Janeiro fora desvinculada da província ), mas na freguesia de São Gonçalo. Há de se frisar, é certo, que essas questões não são isoladas; ao contrário. Elas fazem parte de um mesmo contexto, o qual estará na base de interpretação das relações e práticas educacionais que compõem a memória gonçalense e que tanto nos interessam. Acreditando que são relações em que dialogam perspectivas macro e micro estruturais, buscaremos fazer uma análise genérica, salientando algumas das características mais marcantes da educação gonçalense no século XIX. TRABALHO COMPLETO Introdução: em busca de um novo olhar Toda leitura de mundo tende, na maioria das vezes, a nos aproximar de antigos e novos espaços, sujeitos anônimos, ou já conhecidos, os quais carregam consigo experiências, expectativas e projetos. Na verdade, são homens e mulheres instauradores de valores, construtores de uma memória, protagonistas de um verdadeiro labirinto, no qual, para juntarmos suas peças, precisamos combinar certas doses de coerência com porções bem equilibradas de ousadia. Assim é quando pensamos no trabalho do historiador e dos/as pesquisadores/as que trabalham com pesquisas na área da História da Educação. O/a pesquisador/a na reconstrução/reconstituição dos fatos históricos obriga-se a escolher um sem-número de pistas, fontes, marcas que o aproximem de seu objeto de estudo. E na medida que vai reconstruindo o passado, seleciona e ordena fatos que o induzem a aventurar-se na produção de uma verdade criada, imaginada, tecida pelas linhas tênues do tempo. Um tempo individual trabalhado em função de um tempo coletivo, social. Como afirma Figueiredo, sua compreensão se baseia em vestígios, “vestígios estes que são um produto das mentes dos que os elaboraram, pensando que as coisas haviam acontecido tal como as relatam1”. A isso chamaríamos de “escrita da História”. Não pretendemos com isso iniciar uma discussão historiográfica acerca dos usos da História e, tão menos, do ofício do historiador. Apenas gostaríamos de enfatizar que, nessa arte de (re) contar o que não vivemos, estamos constantemente nos confrontando com esses dilemas. Nossa pretensão, através do Núcleo de pesquisa e extensão “Vozes da educação: memória e história das escolas de São Gonçalo” (FFP-UERJ), é justamente promover uma recuperação/reconstrução dessas práticas. Buscamos refletir sobre o processo de instauração da educação no município, em suas diversas temporalidades. Em um trabalho conjunto, professores (as), alunos (as) e comunidade escolar desenvolvem projetos que nos possibilitam uma maior reflexão sobre a história da educação gonçalense, de suas práticas e representações, procurando sempre novos caminhos e possibilidades que se materializem na edificação de uma história educacional local mais democrática. É, pois, a partir desse contexto que apresentamos um estudo relativo à educação escolar gonçalense no século XIX, salientando características que em um primeiro momento nos parecem marcantes. Aqui pretendemos colar fragmentos desse passado, reconstruirsuas memórias, “... retomá- las numa busca que impeça seu esquecimento”2. Ao trazer essas lembranças, pretendemos contribuir na tessitura de novos olhares para esse espaço-tempo bem definido, mas ainda silenciado. A educação gonçalense no século XIX se apresenta ainda como uma lacuna historiográfica muito séria3. É necessário que lhe dediquemos um olhar mais acuidado. 1 FIGUEIREDO, Haidée da Graça F. A educação gonçalense no século XIX. Texto apresentado no I Seminário sobre São Gonçalo. MEMOR. 1999, p.2. 2 MENEZES, Maria Cristina (Org.) Educação, Memória, História. Possibilidades, leituras. Campinas: Mercado das Letras, 2004, p.7. 3 FIGUEIREDO, Haidée da Graça F. Op. cit. 5973 As memórias de São Gonçalo: as imagens de uma história local Ao destacar o município de São Gonçalo, pretendemos discutir a importância do local, não apenas como categoria de análise, mas também – e principalmente – como locus de representações específicas, com experiências próprias que se opõem a uma compreensão homogênea de tempo e espaço. Nele encontramos relações que ultrapassam os limites físicos do território e se dinamizam através das instituições e seus agentes, das lutas cotidianas, do previsível e do inesperado. Ali se apresenta o real, o vivido.4 Portanto, nosso ponto de partida se dá em meados do século XVI. Um cenário colonial que guarda as origens dessa cidade que é considerada, atualmente, uma das mais populosas do Estado do Rio de Janeiro. Nesse período foram realizadas as doações de terra e a implantação das primeiras fazendas. Aqui encontramos as primeiras imagens de São Gonçalo. De acordo com Fernandes5, a escolha do nome teria uma relação direta com a capela erguida por Gonçalo Gonçalves, a qual trazia o nome do santo de devoção deste sesmeiro português. Batizada sob os auspícios de um beato lusitano, a cidade guarda, até hoje, as tensões que retratam a construção de sua identidade. Longe de nos aprofundarmos nessa questão, interessa-nos, contudo, refletir o modo como esse passado pode ser descrito e apropriado ao longo do tempo pelos diferentes sujeitos. A capela dedicada a São Gonçalo passou a ser Paróquia em 1643, quatro anos antes de a sesmaria ser elevada à condição de freguesia, pelo alvará de 10 de fevereiro. Esta só conquistou sua emancipação política no último quartel do século XIX, período em que é elevada à categoria de município. Através da tabela abaixo, podemos acompanhar parte de sua evolução histórica. 1579 Sesmaria 1645 Freguesia (criação) 1647 Freguesia (confirmação) 1819 Suspensão da condição de freguesia, tornando-a distrito de Niterói. 1890 Elevação à Vila 1890 Elevação a Município 1892 Supressão do Município 1892 Restauração do Município Fonte: BRAGA, Maria Nelma Carvalho. O município de São Gonçalo e sua história. Falcão, 1998. Temos aqui um cenário rico de transformações, o que nos permite considerar o oitocentos gonçalense como um momento expressivo de crescimento. Tanto é que: Em 1860, São Gonçalo já possuía mais de 30 engenhos fabricando açúcar e aguardente e 10 fornos para o fabrico de telhas e tijolos. (...) Em 1870, é criado (...) o primeiro ramal ferroviário da Estrada de Ferro Cantagalo6. Uma freguesia de grandes fazendas, mão-de-obra escrava e significativa produtividade. Não podemos pensá-la, senão dentro das redes hierárquicas do Império brasileiro, que distinguiam “categorias de pertencimento”.7 De tal modo, ao tentarmos compreender a educação gonçalense nos idos de 1800, precisamos refletir em que medida aquela sociedade mantinha suas bases de organização. 4 Para uma discussão a esse respeito ver, entre outros: FIGUEIREDO, Haidée da Graça F. e TAVARES, Maria Tereza G. “Por que o local?” In: Vozes da educação: 500 anos de Brasil. Rio de Janeiro: NAPE/DEPEXT/SR- 3/UERJ, 2004. 5 FERNANDES, Rui Aniceto N. Um santo nome. (Histórias de São Gonçalo de Amarante).São Gonçalo: Letras, 2004. 6 FIGUEIREDO, Haidée da Graça F. Op. cit. P.49-50. 7 Aqui dialogamos com uma expressão utilizada por Ilmar R. de Mattos para caracterizar as hierarquias e exclusões presentes na sociedade imperial. O chamado “império e seus três mundos”, que o autor aponta, marcava a divisão entre o que ele entende como o mundo do governo, o do trabalho e o da desordem. Cf. MATTOS, Ilmar R. de. O tempo Saquarema. São Paulo: Hucitec, 1994. 5974 Diversas questões nos acompanham nesse desafio: quantos habitantes tiveram acesso à escola? Como se estruturou a disseminação da instrução na freguesia/município? Quais foram suas principais características? Quem era seus professores? Como era sua “formação”? Como eram indicados para o cargo de professor? Que estrutura material fazia parte daquele cotidiano? Que práticas compõem a memória educacional gonçalense? Ainda que nem todas as nossas indagações tenham recebido uma resposta, nos foi aberto um leque de variadas informações. Fragmentos que, ao tentarmos colar, mostraram-se mais do que pedaços soltos de um passado distante. São experiências presentes numa época, com valores e tradições próprios. Foi preciso perceber o que era específico para, assim, aproximá-lo/distanciá-lo do que era aparentemente geral no contexto nacional. A educação e a história: a educação em São Gonçalo no século XIX Diferentemente do que muitas vezes chegou-se a afirmar, o oitocentos brasileiro, em termos de educação, não foi um período de “trevas”. A escola elementar ao longo do século XIX não se representou pelo “grande vazio”, mas, ao contrário, foi se afirmando como local de cuidado da infância, a partir da construção de espaços e de tempos escolares específicos, diferentes da Igreja e da família.8 Mesmo de modo tímido, a freguesia de São Gonçalo acompanhou essa tendência. Há indícios de que já na década de 1830 teria funcionado uma ‘escola’ de primeiras letras. Embora não haja uma referência precisa quanto a sua localização, consta que o valor pago pelo aluguel era de 8$000.9 Nessa mesma época é estabelecido o Ato Adicional (1834), através do qual a instrução pública primária ficou a cargo das províncias. A elas caberia o papel de legislar sobre a instrução da população e regulamentar os locais em que a mesma seria promovida.10 Alvo de duras críticas, não se pode negar que, ao estabelecer essa divisão político-administrativa na regulamentação e promoção do ensino, o governo imperial estabelecia uma descentralização que, até os dias atuais, é motivo de discussão. Segundo Figueiredo, só vamos encontrar visibilidade na instrução da freguesia, a partir de 1868, mais de três décadas depois da criação da primeira escola.11 Apresentando um crescimento gradual, nas décadas seguintes, encontraremos um aumento expressivo nas últimas décadas do século XIX, sobretudo a partir de 1890, quando São Gonçalo já atende por município e o Brasil vê-se governado pelo regime republicano. Com base nos relatórios de província, verificamos que embora tenha havido um aumento no número de matrículas, no intervalo que separa os anos de 1860 e 1880, em toda a província, as estatísticas demonstram que esse crescimento não atingia a totalidade da população livre com condições de freqüentar as escolas. Na freguesia de São Gonçalo, os índices de matrícula, freqüência e aprovação são significativamente baixos. Ao que tudo indica, diante desse cenário era dispensado um esforço na ampliação dos quadros da instrução, pois esta era entendida como um mecanismo de melhoramento social e de moralização dos valores individuais e coletivos. Portanto, todo “sacrifício” em sua causa era necessário. Quanto ao espaço de funcionamento, em sua maioria, as escolas não possuíam um local específico. Muito freqüentemente os professores lecionavam em suas próprias casas, destinando um ou dois cômodos para tal fim. Algumas estavam mobiliadas com certa variedade de materiais(há variação entre as localidades), dentre os quais destacamos mesa, cadeiras, tábuas de cálculo, tinteiros, réguas e armários para livros. A escola se organizava dentro de um ambiente familiar, pois funcionando na casa de seus mestres, tornava o aluno uma extensão da família. Nesse ambiente os alunos aprendiam noções de gramática, história sagrada, leitura, adições e subtrações, além do catecismo. Na escola, experimentavam um rígido controle do tempo, através de 8 SCHUELER, Alessandra F. M. de. “A educação escolar brasileira no século XIX: por uma nova historiografia da educação”. In: Prismas da educação/ Instituto Superior de educação La Salle – vol.4, n.4 (jul./dez. 2004) – Rio de Janeiro: La Salle, 2004, p.13. 9 FIGUEIREDO, Haidée da Graça F. Op. cit. 10 NOVAES, Maria Eliana. Professora primária: mestra ou tia? 6ª ed. São Paulo: Cortez, 1995, p.20. 11 FIGUEIREDO, Haidée da Graça F. e CAETANO, Antônio. A educação gonçalense em fins do século XIX. 5975 regras disciplinares bem estabelecidas, com horários fixos para cada intervalo e distribuição de castigos e cartões de mérito (bom comportamento) entre os alunos. Ainda quanto às condições de funcionamento das “casas de escola”, segundo relatório da Comissão de Professores Públicos,12 nomeada em 1873, com objetivo de verificar o funcionamento das escolas públicas, e realizar um diagnóstico mais minucioso sobre a realidade das suas condições materiais e pedagógicas, a maioria das casas alugadas para funcionamento das escolas primárias não possuíam as condições materiais e higiênicas mínimas exigidas para as práticas de instrução. De acordo com a Comissão de Professores Públicos, grande parte das “casas de escola” da Corte, não possuía espaço suficiente para a residência dos mestres, o que acreditavam ser uma situação bastante lastimável. Tal quadro provocava uma aparente insatisfação, porque os Delegados acreditavam na sua importância para o ensino (e para o Estado). O fato de os professores morarem em seus locais de trabalho proporcionava uma grande economia para o Estado, visto que as atividades de manutenção das “casas de escola”, como limpeza, jardinagem, disciplinamento e tratamento dos alunos enfermos, seria mais facilmente realizada pelos docentes e seus familiares. No caso das “casas de escola” gonçalenses foi possível observar que estas, em sua maioria, funcionavam em espaços amplos. Com variações no número de cômodos e no tamanho das salas, algumas chegaram a medir mais de 4 metros de largura e 6 de comprimento. Quanto ao aspecto de salubridade, há indícios de que pelo menos um dos prédios encontrava-se em um precário estado de limpeza. Para Figueiredo, dois fatos chamam atenção na organização e práticas cotidianas das escolas gonçalenses desses anos. O primeiro se refere ao tempo de serviço dos professores (alguns chegaram a ter entre 41 e 45 anos de magistério). O segundo é em relação à localização das escolas. De acordo com a autora (...) São Gonçalo já apresentava, em 1885, características mais urbanas que as demais [freguesias]. Fica notório quando vemos a situação de vizinhança e fronteiras com as quais essas escolas mantinham relação; apenas as escolas da localidade das Neves mantinham-se próximas a logradouros de pequenas lavouras.13 Quanto aos livros mais utilizados encontramos os silabários de Ribeiro de Almeida, o de Garnier e o do Dr. Abílio. O de História do Brasil era o Dr. Macedo. Os de gramática variavam entre o de Felisberto, o de Aulete e o Dr. Abílio. Os de aritméticas poderiam ser o de Jardim, do Boisson e a do colégio Abílio. O catecismo era ensinado pelo de Montpellier.14 É importante destacarmos que uma das vias de fortalecimento do governo imperial estava diretamente relacionada ao processo de escolarização da população. Seria um meio de legitimar e fortalecer as estruturas do poder estatal. E, embora houvesse diferenciações quanto aos “níveis” promovidos15, não há dúvidas de que, já em meados do século XIX, a educação se apresentava como que desempenhando um papel bastante significativo na formação do Estado imperial brasileiro. Podemos afirmar, então, que a organização das escolas e a utilização do tempo escolar gonçalenses, nas últimas décadas do século XIX, representaram um importante instrumento de ação 12 A fim de estabelecer um controle mais eficaz sobre as escolas na Corte imperial, em 1873, é nomeada uma Comissão de Professores Públicos para apurar sobre o estado dos “espaços de ensino”, analisar as condições físicas e materiais dos prédios escolares e os recursos utilizados, averiguar a matrícula e a freqüência dos alunos, bem como a atuação dos mestres e das mestras. Cf. SCHUELER, Alessandra Frota Martinez. Nos tempos das casas de escola: práticas e representações sobre o cotidiano e a cultura escolar no Relatório da Comissão de Professores Públicos de 1873. Texto apresentado no I Congresso Internacional “Cotidiano – Diálogos sobre Diálogos”. Niterói: UFF, 2005. No caso da freguesia de São Gonçalo, utilizamos os dados disponíveis em um conjunto de questionários respondidos por professores, em 1885, os quais podem ser encontrados no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Tais questionários nos permitem identificar, entre outras coisas, o material pedagógico (livros, mobílias etc) das escolas, seu espaço físico, suas práticas e representações cotidianas. 13 FIGUEIREDO, Haidée da Graça F. Op.cit, p.17. 14 Idem. 15 Enquanto o ensino primário de primeiro grau ficaria obrigatório aos indivíduos livres entre os 7 e 14 anos, o ensino secundário “continuaria restrito a uma pequena parcela da população”. MARTINEZ, Alessandra Frota. Educar i Instruir: a instrução popular na Corte imperial – 1870/1889 – Dissertação de Mestrado em História. Niterói: UFF, 1997, p.16. 5976 junto à população. É o momento em que ocorre uma maior discussão acerca de espaços específicos para as escolas, é o período em que a antiga freguesia se afirma enquanto município. De tal forma, diríamos que os números de sua evolução salientam a idéia de que a educação escolar gonçalense acompanhou um amplo debate que entendia a Instrução como um dos possíveis mecanismos de organização social. No entanto, essas questões refletiam o espírito da época, pois também em países europeus, o lugar da escola foi ponto de discussões acaloradas no decorrer de 1800 e no início do século XX. Segundo Escolano e Frago, tanto lá como aqui emergiram projetos no intuito de se construírem edifícios amplos, arejados e com boas condições higiênicas, a fim de afastar as escolas públicas de espaços insalubres, escuros e inapropriados. Essas idéias integravam uma compreensão moderna de escola, situada em um edifício central, que informaria culturalmente o ambiente social e humano que o cercava.16 Essas discussões fundamentaram propostas de toda uma “arquitetura escolar”, que vai gerar gradativamente uma maior autonomização dessa instituição frente à família, contribuindo para o surgimento de propostas e projetos que materializavam a idéia moderna da escola – separada da casa, em prédios construídos especificamente para a instrução das crianças, e da população, de um modo geral. Considerações finais Procuramos ao longo deste trabalho estabelecer alguns pontos de reflexão. Ao abordar o papel do historiador/pesquisador, pretendemos refletir sobre os usos e apropriações que são feitos na reconstrução do passado ou na reconstituição dos fatos históricos. Ao discutir a importância do local, buscamos apontar sua articulação com o global, sem, no entanto, priorizar este sobre aquele. O que se quis foi privilegiar uma temática do campo da história da educação, até então, pouco explorada e com características muito interessantes. Não pretendemos com isso afirmar uma oposição, ou dicotomia, entre ambos, mas, inversamente, pensar como o localapresenta elementos que são singulares - e também fazedores de história. Nesse caso, entendemos que a educação gonçalense vai, progressivamente, ao longo do século XIX, incorporando e assumindo algumas características de superação de uma educação vista apenas sob a perspectiva da “família”. O aumento vertical no quantitativo das escolas, a partir das décadas de 1880 e 1890, demonstra sua inserção no conjunto dos debates e projetos políticos acerca da centralidade da instrução da população. Por outro lado, as próprias discussões pedagógicas inerentes à institucionalização da instrução escolar, sobretudo, aquelas referentes às propostas metodológicas (como ensinar, o quê ensinar, como avaliar o ensinado etc) foram demonstrando a necessidade de serem construídos espaços próprios para a escola, como condição mesma da realização de sua função social específica. A construção de toda uma “maquinaria escolar” (Varela, J.: 1995) já no final do oitocentos demarcou a crescente institucionalização da escola como projeto de uma racionalidade técnico-científica, em sintonia com o modelo capitalista nascente em países que, como o Brasil, viviam um acelerado e complexo processo de urbanização/industrialização. Em linhas gerais, o presente trabalho teve/tem o compromisso de investigar em que medida a educação escolar gonçalense se aproxima, ou distancia, dos processos histórico-sociais que vêm conformando os projetos político-pedagógicos da educação nacional e mundial. Nesse sentido, para os/as professores/as e estudantes vinculados ao Projeto Vozes da Educação, investigar e compreender o local/a educação na cidade é premente, não apenas pela possibilidade de investigação da memória e da história escolar do município, mas, sobretudo, pelo desafio político-epistemológico que representa escavar, reconstruir, escrever e socializar uma história (ainda) invisível, ainda pouco documentada, como a história da educação escolar da cidade de São Gonçalo. Referências bibliográficas *BRAGA, Maria Nelma C. O município de São Gonçalo e sua história. Falcão, 1998. *BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992. 16 ESCOLANO & FRAGO. Currículo, Espaço e Subjetividade. Espanha: DPA, 1998. 5977 *CASTRO, Hebe Maria Mattos de. “Laços de família e direitos no final da escravidão”. In: ALENCASTRO, Luiz Felipe (Org.). História da vida privada no Brasil. Império: a Corte e a modernidade nacional. Vol. 2ªed. 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