Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS - LIBRAS Ficha Catalográfica DIRETORIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS São Paulo 2019 Este conteúdo foi produzido pelo Núcleo de Educação a Distância da Universidade Brasil e sua reprodução e distribuição são autorizadas apenas para alunos regularmente matriculados em cursos de graduação, pós-graduação e extensão da Universidade Brasil e das Faculdades e dos Centros Universitários que mantêm Convênios de Parceria Educacional ou Acordos de Cooperação Técnica com a Universidade Brasil, devidamente celebrados em contrato. FICHA TÉCNICA Prof. José Fernando Pinto da Costa Presidência da Mantenedora Prof. Dr. Décio Correa de Lima Vice-presidência Executiva Prof. José Fernando Pinto da Costa Reitoria Sthefano Bruno Pinto da Costa CEO Profa. Ma. Patrícia Paiva Goncalves Bispo Diretoria do Núcleo de Educação a Distância Prof. Me. Fernando Henrique Ferreira Coordenador Pedagógico Profa. Dra. Janaína Oliveira Coordenadora de Área Profa. Dra. Janaína Oliveira Revisora de Conteúdo Rogério Furtado Supervisor de Conteúdo Prof. Me. James Riozo Takahama Autoria APRESENTAÇÃO Car@ Alun@, Promover uma educação bilíngue não é apenas oferecer a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS para surdos, é promover também a inclusão e a comunicação por meio da exposição de informações e conteúdos para todas as pessoas. Cada vez mais as pessoas com deficiência auditiva, e sobretudo àqueles que assumem a identidade surda por meio da Libras e de sua cultura, assumem o mundo do trabalho respaldados hoje, por uma legislação que os ampara por meio de intérpretes desde sua formação escolar básica, até o ensino superior. Com o intuito de promover cada vez mais este processo de inclusão, a presente disciplina oferecerá a você, alun@, diversos elementos teóricos e práticos para possibilitar a comunicação por meio desta linguagem tão enriquecedora. Aproveite todas as orientações de leitura e pesquisa, estude e não deixe de esclarecer as suas dúvidas. Bons estudos! LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS – LIBRAS CONTEXTO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO DE SURDOS 1. A ORIGEM ................................................................................................................. 7 2. ENTENDENDO CONCEITOS .................................................................................. 11 3. A PESSOA SURDA.................................................................................................. 13 4. REVISÃO DA AULA ................................................................................................ 15 5. REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 16 1 6 AULA 1 CONTEXTO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO DE SURDOS Conhecer o contexto histórico do desenvolvimento da educação de surdos; Compreender os conceitos relacionados a normalidade e da pessoa com deficiência; Entender a diferença entre a pessoa com deficiência auditiva e o surdo, compreendendo a Libras como parte da cultura surda. 7 1. A ORIGEM Um dos mais antigos registros a respeito do uso de sinais é do filósofo Sócrates, em 368 a.C., quando, em conversa com seus discípulos, dizia: Suponhamos que nós, os seres humanos, quando não falávamos e queríamos indicar objetos uns para os outros o fazíamos como fazem os surdos: sinais com as mãos, cabeça e demais membros do corpo. (PLATÃO apud BURKE, 1997). Observe que, para Sócrates, os sinais constituíam um meio de comunicação diferente da mímica. Esta passou a ser utilizado mais à frente, em 536 d.C., na Itália, pelos Monges Beneditinos para que pudessem cumprir o voto de silêncio. Infelizmente pouquíssima informação foi registrada a respeito do sistema de sinais utilizado pelos beneditinos na época. Somente no século XVI, vemos o registro da importância de se fazer algo em prol dos surdos. Até essa época, eles representavam um grupo marginalizado, considerado incapaz de aprender, pois se pensava que a inteligência estava ligada à fala. Devido a essa concepção errônea, eles eram impedidos de se casar, de adquirir bens e de receber herança, caso fossem filhos de famílias abastadas. As propostas de intervenção pedagógica com os surdos ainda eram pequenas e ainda mantidas em segredo, no entanto, todas buscavam formas de desenvolver o pensamento, além de adquirir conhecimentos e se comunicar. Destas estratégias buscavam ensinar aos surdos a falar e a compreender a língua falada. Dentre os professores desta época, destacam- se Ivan Pablo Bonet (Espanha); Abbé Charles Michel de L’Épée (França); Samuel Heinicke e Moritz Hill (Alemanha); Alexandre Graham Bell (Canadá e EUA) e Ovide Decroly (Bélgica). Nessa época, como não havia nenhuma instituição para acolhê-los e nenhum método para ensiná-los, o monge beneditino espanhol, Pedro Ponce de Leon, passou a se utilizar de sinais e da linguagem escrita para instruir crianças surdas de famílias ricas, observando resultados positivos nessa educação. Ponce de Leon usava sinais para que o surdo aprendesse a leitura labial. Ele acreditava que isso o faria aprender a usar a própria voz. Os surdos atendidos faziam parte da corte espanhola e essas aulas lhes garantiam o direito de receber seus bens e de usufruí-los. No século XVI, temos o registro de outra importante contribuição para a educação dos surdos realizada por Girolano Cardano, médico e matemático. Ao observar seu próprio filho surdo e outros deficientes auditivos, Cardano constatou que a surdez não comprometia o desenvolvimento da inteligência. Além disso, verificou que o raciocínio de pessoas surdas 8 podia ser expresso por meio da escrita e não somente da fala. A partir dessa constatação, iniciou-se uma nova fase na educação dos surdos: o ensino de sinais para chegar à escrita. Muitos outros tentaram educar os surdos: alguns pelo “método da escrita”, como o de Cardano; outros pelo “método combinado”, como o de Leon. Tais métodos antecederam as iniciativas do que hoje chamamos de “oralismo” e “gestualismo”, conceitos que serão vistos mais frente. Apesar desses avanços, os surdos continuavam a ser incompreendidos. Esse cenário só começou a mudar com a criação do Instituto L’Épée e com o Congresso de Milão. No século XVII, o abade Charles Michel de L’Épée praticava ações de caridade para ajudar o surdo marginalizado e incompreendido pelo meio social. A partir do agrupamento desses indivíduos, foi possível a criação da primeira Escola Pública para Surdos em Paris, em 1760. Os ideais franceses de uma burguesia capaz de exigir seus diretos contribuíram para que o surdo fosse visto como um cidadão. No cotidiano com os surdos, L’Épée observou que, para eles, os sinais eram como a fala para os ouvintes. Dessa forma, percebeu que a língua de sinais teria a função de ajudar os alunos com surdez a aprender a ler e escrever. Por tentar colocar-se no lugar de um sujeito surdo, ele conseguiu perceber a importância que a língua gesto-visual tem para esse grupo de pessoas. O método empregado pelo Instituto L`Épée foi tão positivo que vários outros países enviaram professores para observarem a prática das aulas. Esse instituto também passou a formar professores surdos a fim de enviá-los para outros países. No caso do Brasil, nosso primeiro instrutor surdo foi o francês Professor Hernest Huet a convite do Imperador D. Pedro ll para trabalhar na educação de surdos. Esse educador nos trouxe o alfabeto em francês e a língua de sinais francesa, que no dia a dia da primeira Escola para Surdos, fundada em 26 de setembro de 1857, o Instituto dos Surdos-Mudos do Rio de Janeiro, atual InstitutoNacional de Educação para Surdos (INES), os surdos brasileiros desenvolveram a nossa língua brasileira de sinais (LIBRAS). SAIBA MAIS Leia o artigo que fará uma breve contextualização sobre a histórico da educação de surdos no mundo e no Brasil. DE LACERDA, C. B. F. Um pouco da história das diferentes abordagens na educação dos surdos. Cad. CEDES vol.19 n.46 Campinas Sept. 1998. 9 Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101- 32621998000300007&lng=pt&tlng=pt>. Acesso em 27/12/2018 O desejo de se comunicar representava uma forte necessidade da alma humana, capacitando-nos para vencer qualquer obstáculo aparente. Verificamos que a postura de escolas como o Instituto L’Épée em defender o uso da língua de sinais surtiu ótimo resultado, influenciando o trabalho de vários pesquisadores da comunicação surda, como Gallaudet e Graham Bell, entre outros, que foram a esse Instituto observar os métodos empregados e seus resultados em sala de aula. A divulgação das práticas pedagógicas para a educação de surdos trouxe novas contribuições no mundo todo. Dentre elas o I Congresso Internacional sobre a Instrução de Surdos ocorrido em Paris em 1878 resultou em debates acalorados dentre os quais discutia- se a defesa da linguagem oral ao invés da ampliação de uma nova comunicação específica para surdos. Já em 1880 ocorreu em Milão, o II Congresso Internacional, em que a educação de surdos resultou em novos rumos, e este acontecimento representou o primeiro congresso de âmbito mundial para discutir a maneira de se educar o surdo. Estiveram presentes muitos professores ouvintes e surdos. No evento, discutiu-se qual o melhor método de ensino: língua de sinais; oralista (oral); ou misto, o qual envolve os dois métodos anteriormente citados, além disso, proporcionou forças para garantir a lei e discutir a política do método Alemão que vinha ganhando cada vez mais força. Para essa discussão, compareceram cento e oitenta e dois ouvintes provenientes de várias partes da Europa. Nessa ocasião, ficou claro que o surdo era minoria linguística, pois a sua opinião de nada valeu, prevalecendo o oralismo. Após o Congresso, a maioria dos países adotou rapidamente o método oral nas escolas para surdos, proibindo oficialmente a língua de sinais. Começou ali uma longa e sofrida batalha para defender o direito linguístico dos surdos. Ressaltamos que, antes do Congresso de Milão, os surdos não tinham problemas com a educação, pois sua língua natural era valorizada. Havia professores que reconheciam a importância da língua de sinais e o desenvolvimento dos alunos surdos. Entre esses professores, muitos também eram deficientes auditivos. O sujeito surdo dominava a escrita e há evidências de que muitos escritores, artistas e outros sujeitos surdos tenham sido bem- sucedidos. 10 Apesar das decisões tomadas no Congresso de Milão, muitas instituições continuaram a usar a língua de sinais na educação dos surdos, mesmo sob críticas. Uma delas foi o Instituto L’Épée. Além disso, estavam as dificuldades de aprendizagem à leitura e à escrita, uma vez que tardias resultavam em sujeitos parcialmente alfabetizados após anos de escolarização. Até hoje estes frutos ainda são colhidos, ou seja, sujeitos quase sem preparo para o convívio social, com dificuldades de comunicação, problemas sociais e imersão profissional. Até os anos de 1950 nada de novo surgiu na educação de surdos. Pelo contrário, buscavam ainda aprimorar as técnicas aplicadas nas escolas a partir da leitura labial da linguagem falada ou a implantação do uso de próteses, sobretudo valorizadas pelo método oral. Apenas a partir da década de 1960 novos estudos tiveram destaque para as comunidades surdas, sobretudo a partir da preocupação de desenvolver um método próprio de comunicação por meio de sinais. A partir dos estudos Willian Stokoe (1978), tendo como base os escritos do abade de L'Epée, surgiram novas estruturas aliadas à relação entre fonemas e significados, além da combinação de unidades mínimas de dimensão gestual com os sinais. Deste estudo, agregou- se também a decomposição de três parâmetros básicos: a movimentação das mãos no espaço, a configuração das mãos ao realizar o sinal e o movimento das mãos ao desenvolver os sinais. A partir de 1970 novas propostas para a educação da pessoa surda trouxeram o conceito de Comunicação Total, ou seja, a prática de usar sinais, a partir da leitura orofacial ampliada, utilizando um alfabeto digital de forma a garantir inputs linguísticos no sentido proporcionar a expressão necessária. Na comunicação total. Este tipo de comunicação envolve tanto a utilização de expressões gramaticais quanto sinais retirados da linguagem própria. Segundo (Moura 1993) estudos realizados na década de 1970 e 1980 mostravam que as crianças ainda apresentam dificuldades em se expressar utilizando a comunicação total. De forma paralela ao desenvolvimento dos estudos sobre comunicação total, a língua de sinais foi se tornando cada vez mais estruturada e com isso surgiram novas alternativas para uma educação bilíngue. 11 2. ENTENDENDO CONCEITOS Paralelamente a esse contexto histórico da educação de surdos, é interessante entendermos a evolução dos conceitos para nos referirmos às essas pessoas. Primeiramente, quando afirmamos que uma pessoa é “normal”, de qual referência estamos falando? Afinal, o que é normal para um paquistanês é o mesmo para um brasileiro? E mesmo entre os brasileiros, o que é normal para um indígena com pouco contato com a civilização é o mesmo para um paulista, ou para um baiano, ou para um gaúcho? Entre famílias de uma mesma comunidade, ou de outra? Entre o filho e os pais? FIQUE ATENTO Observe que o termo normalidade é apenas um parâmetro estatístico entre referências, tais como: • Características físicas; • Psicossociais; • Culturais; • Identidade de gênero; • e outros. Até no modo de pensar, se não agimos igual a maioria, muitas vezes somos tratados dentro da anormalidade. Essa é uma maneira de enxergarmos o mundo. A outra é: Enxergar as diferenças como manifestação da diversidade humana e não como patologia. Na verdade, as diferenças são frutos de práticas de significação, constantemente trabalhados e negociados pela sociedade. Vejamos o exemplo prático do padrão de beleza para vários brasileiros: alta, magra, cabelos lisos, se forem olhos claros então. Bem longe da realidade étnica de nossa população. Nesse caso não se trata de uma constatação de uma beleza de uma maioria, e sim a imposição de uma cultura de beleza europeia. 12 Esse exemplo é importante, pois as vezes excluímos a nós mesmos. Figura 1: Padrão de beleza1 “O princípio de normalização leva implícito, como referente, o conceito de normalidade. A normalidade é um conceito relativo sujeito a critérios de tipo estatístico. O que hoje é normal pode não ser o ter sido ontem e não sabemos como será amanhã; o que aqui é normal pode ser anormal noutro lugar ou vice-versa. De tal maneira que o normal e o anormal não se encontram dentro da pessoa, mas fora dela; é aquilo que os outros percebem nessa pessoa. Por isso é fundamental mudar a atitude da sociedade perante o indivíduo mais ou menos diferente, e não mudar a pessoa, o que, por outro lado, não é muitas vezes possível”. (BAUTISTA, 1997, P. 27) Todos somos diferentes, principalmente na construção de nossos significados, como no exemplo da palavra “mãe”, cujo significado você conhece, bem como as pessoas próximas, porém a construção do significante dessa palavra, expressa-se por uma “mãe” diferente em cada mente. A mãe construída no seu universo de significante no momento em que a palavra é dita, tem uma caracterização: roupa, cabelo, perfume, expressão facial. Diferente a outra mãe construída por uma pessoa ao seu lado, nomesmo momento. Nem que sejam irmãos, a mãe aparecerá diferente, e mesmo para você em outro instante, surgirá uma mãe com outra roupa, outra expressão, assim por diante. Pensemos um pouco agora, sobre a palavra deficiência. As pessoas eram chamadas de portadoras de necessidades educativas especiais, contudo a palavra “portadora” está de encontro com o conceito de deficiência, pois a pessoa com deficiência não a porta (como um celular, uma arma, uma bolsa, etc.), visto que portar incide a ideia de que a qualquer momento a pessoa pode deixa-la em qualquer lugar. Não tem 1 Fonte: <http://lh3.googleusercontent.com/-vDYQ-0Hhbr4/VVyyNm-5B4I/AAAAAAAAEMw/n44JykXKkqM/s1600- h/2014_5_21_11_54_17_6537%25255B4%25255D.jpg>. Acesso em 27/12/2018 13 como a pessoa deixar de ser surda por quinze minutos, de ser deficiente intelectual por meia hora, ser paraplégico e começar a andar por um minuto. Não se porta a deficiência, tem-se deficiência. Por outro lado, necessidade educativa especial todos têm, independentemente de serem ou não pessoas com deficiência. Uma pessoa que tem dificuldade na área lógico matemática, necessita de um professor especializado fora de seu horário de aula do ensino regular, para que possa acompanhar nesta mesma modalidade de ensino o conteúdo ensinado. Ou seja, um processo de integração com foco na inclusão desse aluno. Isso sem falar na questão motora, sensorial, musical, e muitas outras, onde todos temos a competência de execução, porém com as mais variadas habilidades. Conceituamos como pessoa com deficiência, pois antes da deficiência, temos a pessoa. Nesse sentido, há cegos bons em matemática, outros nem tanto, e outros sofríveis. Há surdos com habilidades em artesanato, outros nem tanto, e assim por diante, como qualquer pessoa. E para finalizar, em relação à educação da pessoa com deficiência, devemos educá-la para que tenham autonomia, responsabilidade, independência. Ora, isso serve para qualquer criança, se não observamos a falta dessas características, tornando uma pessoa com muitas dificuldades no futuro em várias situações. Devemos educar todas as crianças para a cidadania, apenas as questões pedagógicas as vezes necessitam de uma reorganização, porém, educação é única, claro, respeitando-se as diferenças. 3. A PESSOA SURDA Moura (2000) afirma que por meio da língua brasileira de sinais – Libras, e somente de posse dela o surdo constrói sua identidade, visto que é considerada como língua materna, natural. A pessoa com surdez que não faz uso da Libras é denominada de deficiente auditivo, em contraponto temos o surdo, que se orgulha dessa denominação. A aquisição de uma língua, bem como dos seus mecanismos, corrobora para crença de que a língua de sinais possui a capacidade de ser a única capaz de oferecer uma identidade ao surdo, uma vez que permite a interatividade, a compreensão, o diálogo, a aprendizagem, impossíveis por meio da linguagem oral. 14 Para Maher (2001), por exemplo, “ao falarmos de identidade, não estamos falando de essência alguma”. A identidade seria uma construção permanentemente (re)feita que buscaria tanto determinar especificidades que estabeleçam fronteiras identificatórias entre o próprio sujeito e o outro, quanto obter o reconhecimento dos demais membros do grupo social ao qual pertence. Uma relação de tempo e de espaço, para construção de sujeito, por meio dessa interação. É claro que existe uma pluralidade na construção dessa identidade, sendo construída por diferentes papéis sociais além da surdez: rico, heterossexual, branco, professor, pai etc. Utilizando a expressão de Cameron et al. apud Lopes (2001), “a pessoa é um mosaico intrincado de diferentes potenciais de poder em relações sociais diferentes”. Essas diferenças na construção nos remetem ao exemplo do caleidoscópio, em sua riqueza na diversidade. A identidade não pode ser vista como inerente às pessoas, mas sim como resultado de práticas discursivas e sociais em circunstâncias sócio históricas particulares. A surdez concebida socialmente também influencia a construção da identidade. As relações entre os sujeitos afetam e são afetado pelos discursos e pelas práticas produzidas. Isso ocorre entre seus pares, surdo-surdo, bem como entre surdo-ouvinte. A identidade passa a ser construída por diferentes papéis sociais que assumimos, e que não são homogêneos. Há variantes, como ser religiosos (católicos, evangélicos etc.), políticos (de direita, de esquerda, socialistas, sociais democratas etc.), funcionais (metalúrgicos, vendedores, médicos etc.), estéticos (clubbers, punks, hyppies etc.), de gênero (homens, mulheres). A distinção entre ouvintes e não-ouvintes, de certa maneira, cria um obstáculo teórico: define o grupo de “não-ouvintes” em que os surdos se inserem. A identidade é construída em contraponto, mas socialmente não se resume apenas a isso. O conceito recorrente de cultura é de um conjunto de práticas simbólicas de um determinado grupo: língua, artes (literatura, música, dança teatro etc.), religião, sentimentos, ideias, modos de agir e de vestir. Nesse contexto, para Kozlowski (2000), a existência de uma cultura surda faz parte da educação bilíngue, em que a pessoa surda seria bilíngue e bicultural, isto é, designa o conjunto de referências à história dos surdos, o conjunto de significações simbólicas veiculadas pelo uso de uma língua comum, o conjunto de estratégias sociais e de códigos sociais utilizados de maneira comum pelos surdos para viverem numa sociedade feita por e para os ouvintes. Trata-se de uma cultura de adaptação à diferença e produtora de elo social, sendo alvo de grandes críticas, visto que não possui uma autonomia e independência. No entanto, pode-se afirmar que os surdos e os ouvintes crescem numa mesma cultura a partir do momento em que participam de um mesmo universo social. 15 Valores, crenças e símbolos específicos não expressam uma cultura diferente, apenas indicam a particularidade de um grupo dentro de um sistema social dado. Em outras palavras: não há como conceber uma ideia de cultura surda e de seu oposto, cultura ouvinte. Porém, finalizar esta discussão com o enunciado acima seria uma formulação abstrata e descomprometida com a realidade, pois ignoraria a separação que a própria sociedade estabelece entre surdos e ouvintes e os motivos pelos quais se luta politicamente por essa separação. FIQUE ATENTO Tanto como mecanismo compensatório ou como atributo natural, o dado mais significativo é o de que a língua é identificada como o traço por excelência da cultura surda. Ou seja, é fundamental para a defesa dessa cultura surda a sua legitimação por meio do uso de uma determinada língua, e não de outros traços que pudessem ser entendidos como culturais, tais como relações materiais e de poder específicas, sistemas de ideias e de valores de longa duração, formas de estilização e de estetização da vida etc. Hoje é marcante a relação da identidade surda e a língua brasileira de sinais. 4. REVISÃO DA AULA A história e as propostas de intervenções pedagógicas; Os congressos internacionais envolvendo a questão de abordagens pedagógicas na educação do surdo; Conceitos de normalidade e da pessoa com deficiência; A pessoa surda e sua identidade cultural. Este conteúdo foi produzido pelo Núcleo de Educação a Distância da Universidade Brasil e sua reprodução e distribuição são autorizadas apenas para alunos regularmente matriculados em cursos de graduação, pós-graduação e extensão da Universidade Brasil e das Faculdades e dos Centros Universitários que mantêm Convênios de Parceria Educacional ou Acordos de Cooperação Técnica com a Universidade Brasil, devidamente celebrados em contrato. 16 5. REFERÊNCIAS BAUTISTA, Rafael (Coord.). Necessidades Educativas Especiais. Lisboa: Dinalivro, 1997.BEHARES, Luís Ernesto. Novas correntes na educação do surdo: dos enfoques clínicos aos culturais. Santa Maria: UFSM, 2000. COLL, César (et. all). O construtivismo na sala de aula. São Paulo: Ática, 1998. COLL, César; PALÁCIOS, JÉSUS e MARCHESI, Álvaro. Necessidades Educativas Especiais. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. DECLARAÇÃO DE SALAMANCA. Sobre necessidades educativas especiais. Brasília: MEC, 1994. KOZLOWSKI, L. A educação bilíngue-bicultural do surdo. In: LACERDA, C.B.F.; NAKAMURA, H.; LIMA, M.C. (Org.). Surdez e abordagem bilíngue. São Paulo: Plexus, 2000. LOPES, L.P.M. Discursos de identidade em sala de leitura de L1: a construção da diferença. In: SIGNORINI, I. (Org.). Língua(gem) e identidade. Campinas: Mercado das Letras/FAPESP/FAEP, 2001. MAHER, T.M. Sendo índio em português.... In: SIGNORINI, I. (Org.). Língua(gem) e identidade. Campinas: Mercado das Letras/FAPESP/FAEP, 2001. MOURA, M.C. O surdo: caminhos para uma nova identidade. Rio de Janeiro: Revinter, 2000 SILVA, Tomaz Tadeu. A política e a epistemologia do corpo normalizado. Revista Espaço, Rio de Janeiro, n°. 8, 1997. SKLIAR Carlos, et al. A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 2005. WERNECK, Cláudia. Ninguém mais vai ser bonzinho na sociedade inclusiva. Rio de Janeiro: WVA, 1997.
Compartilhar