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-- - --' =====,lIITURAS~= ffi[f~~~ Juca Efouri DEDALUS - Acervo - FFLCH-HI A emocao corinlhians.905 T912 v.81 11111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111 21200041246 , Coleção Tudo é História • História Política do Futebol Brasileiro - Joel Rufino dos Santos A EMOÇÃO CORINTHIANS ./' 'rOMBO: 11959'7 mIIIDI SBD-FFLCH-USP IWS3r 40 anos de bons livros Copyright ©Juca Kfouri Capa: Newton Mesquita Fotos: 1 a 7 - Revista Placar, Editora Abril. 8 - Agência Estado. 9 a 2S - RevistaPlacar, Editora Abril. Revisão: Elvira da Rocha Vladimir A. Sachetta ~os \~j;) \j ~~ b Ob 10 60·t/ '+tr 1lP editora brasiliense s.a. 01223 - r. general jardim, 160 são paulo - brasil 1'1\ II 11 • ÍNDICE PRIMEIRA PARTE Perdão, objetividade 7 A glória que Pelé não teve 10 No Mineirão nunca mais 14 No Maracanã nunca mais 17 E no Morumbi? Bem, no Morumbi... 19 No Beira-Rio nunca mais . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 22 Um é ótimo, dois é estupendo, três é magnífico. 2S Não chorem por mim, Osmar e Mauro . . . . . . .. 30 a fantasma corintiano .. . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 32 a Corinthians precisa ser explicado? ... . . . . .. 34 SEGUNDA PARTE a torcedor dentro do campo. . . . . . . .. . . . . . . . 42 A pequena grande história. . . . . . . . . . . . . . . . .. S9 Jf Para o André, Daniel e Camila, os três corin- tianinhos mais querido do mundo; " para a minha mãe rubro-ríegra, porque afinal ninguém é perfeito; para o velho que me ensinou a maravilhosa pai- xão pelo futebol; e para a Ledinha, companheira que, além de tudo, ajudou a fazer de 19"77um ano inesquecível. ~ PRIMEIRA PARTE PERDÃO, OBJETIVIDADE Esta história, diferente de tantas outras, não tem começo, meio e fim. Não tem começo porque principia numa data muito especial para toda a geração que nasceu da década de 50 para cá. Não tem meio porque está em pleno curso e não tem fim porque se pretende eterna. É a história do nosso Corinthians. Será uma heresia, talvez, dizer que o início dela não foi em 1910, ano da fundação do clube mais apaixonante do país. Mas, para nós, não. O nosso Corinthians nasceu numa linda, ines- quecível noite do dia 13 de outubro de 1977, exatos 22 anos, oito meses, sete dias, quatro horas e 36 minutos depois de o alvinegro ter conquistado o úl- timo título paulista de sua vida, num longínquo 6 de fevereiro de 1955, ganhando, assim, o campeonato de 1954, o dol V Centenário. 8 Juca Kfouri Gol de Basílio. Gol da libertação. I A Emoção Corinthians 9 Foi aos 36 minutos do segundo tempo, contra a Ponte Preta, no Morumbi, que nasceu o novo Corin- thians, o nosso, o vitorioso. Seu fundador chamava- se Basílio, a quem ainda haveremos de homenagear erguendo uma estátua no meio da avenida Paulista. Seu gol, o gol da libertação, responsável por uma explosão popular jamais vista, foi sofrido, sua- do, arrancado do fundo do peito, foi heróico como são os grandes momentos, foi assim: Zé Maria cobrou uma falta na altura do bico direito da grande área, centrando a bola na marca do pênalti. Basílio cabeceou quase na pequena área para Vaguinho que chutou de esquerda no travessão. A bola voltou para Vladimir, que cabeceou na ca- beça de Oscar, na frente do gol vazio. O rebote foi apanhado pela santa perna direita de Basílio. O delírio foi indescritível e suas imagens estão até hoje embaçadas. Um grito tomou conta da cidade na madrugada da sexta-feira: "Corinthians cam- peão! Pau no eu do meu patrão!". Ninguém foi trabalhar. I .a ' A GLÓRIA QUE PELÉ NÃO TEVE Quem' veio ao mundo em 1910 (ano oficial da fundação, certo?) gosta de futebol e viu Pelé nascer em 1940, sabe que naqueles trinta anos nada menos do que onze títulos paulistas foram morar no Parque São Jorge. Quem continuou a acompanhar futebol até 1956 - ano em que ele começou no Santos - sabe que naqueles 16 anos mais quatro campeonatos paulistas foram ganhos pelo Corinthians. Quem viu Pelé jogar até encerrar a carreira no Brasil, em 1974, sabe que naqueles 18 anos o Corin- thians não ganhou nenhum título importante. Tudo começou num domingo de 1957. A torcida corintiana lotava a Vila, Belmiro para ver seu time, invicto: há 35 jogos, e nem ligava para um crioulinho de apenasI? anos. Afinal, lá estavam Gilmar, Olavo, Cláudio, Luizinho, os grandes campeões do IV Cen- tenário, uma conquista ainda bem viva. , .' A Emoção Corinthians o jogo era o penúltimo de um campeonato em que o Corinthians esteve sempre na liderança. Era ganhar do Santos, bater no São Paulo e pronto! Já se jogava o segundo tempo, e gol que é bom não saía. O tal Pelé não fazia nada e parecia até que voltara machucado à partida. Olavo era um paredão e assustava o garotinho. De repente, não mais, o negrinho investe para cima dele, faz uma falta desnecessária, irritante mes- mo, o experiente zagueiro perde a cabeça, e os dois vão expulsos. Minutos depois o ponta-direita Dorval entra pela região em que Olavo deveria estar e dá a vitória ao Santos. Ali o Corinthians começava a perder o campeo- nato (depois se saberia que era mais um campeo- nato), e Pelé deixava claro que já entrava no segundo tempo c9m a firme determinação de causar a expul- são de Olavo. Depois, o crioulinho, cada vez mais crescido e melhor, começava a se fazer presente no angustiante drama corintiano. E como! Os anos foram passando sem que ninguém desse muito pela coisa. Mas o fato é que o Santos não perdia para o Corinthians. Quem estivesse atento, porém, perceberia que sempre que jogavam, o nú- mero 10 santista era o primeiro a entrar em campo. No mínimo, uma pessoa estava atenta. Era ele, o Pelé. Terá sido culpa de Ari, que foi responsável pela ausência nos dois primeiros jogos do Brasil na Copa 11 '[ 12 Juca Kfouri ~os ...J UJoz« ::;; o algoz só não teve um orgulho. A Emoção Corinthians 13 de 58, ao machucâ-lo num simples amistoso prepa- ratório? Ou terá sido o espírito do grande artista que adorava jogar com casa cheia? Até hoje não se sabe. Só se sabe que em toda era Pelé o Corinthians jejuou. Só se sabe que das 41 partidas que disputou contra o Corinthians Pelé ga- nhou 23 e perdeu apenas cinco. Só se sabe que ne- nhum outro time sofreu tantos gols dele, nada menos que 49. A verdade é que torcida alguma padeceu tanto com ele como a corintiana. Nenhuma outra torcida chegou a torcer para que ele fosse vendido ao exterior depois que marcou os quatro gols santistas num jogo que acabou empatado. Ninguém pôde jamais olhar para ele como na noite de 6 de março de 1968, quando Paulo Borges e Flávio quebraram o tabu de onze anos sem vitórias sobre o Santos, e dizer: "É, Pelé, dessa vez você perdeu". E foi por isso tudo que nunca uma torcida foi capaz de amá-lo e odiá-lo tanto. Ou de desejar que seu milésimo gol fosse feito numa partida em que o; Corinthians ganhasse por 5 a 1.,",<~ É também por isso que só o corintiano poderá dizer ao maior jogador de todos os tempos: "Penas, Pelé, que pena. A única glória que você não poderá contar a seus netos é a de ter visto, de dentro do .campo.. a massa corintiana explodir seu grito' de campeã ... ". (O complemento da frase fica por conta do es- tado de espírito de cada corintiano, Tanto pode ser "que pena", "azar seu" ou ·"bem feito.). • li! NO MINEIRÃO NUNCA MAIS • Corria o ano de 1969. A campanha corintiana na então chamada Taça de Prata - um verdadeiro Campeonato Brasileiro - era empolgante. Em dezembro, a dúvida: matar o simulado no cursinho e ir a Belo Horizonte ver a final contra' o Cruzeiro ou não? Prevaleceu o bom senso. O jogo estava marcado para domingo, como devem ser as grandes decisões. A caravana partiu do Parque São Jorge, exatamente à meia-noite do sá- bado. Eram, digamos modestamente, coisa de 60 ôni- bus. Bàndeiras desfraldadas na Fernão Dias, urp. sem-número de restaurantes literalmente saqueados no caminho, e aquele crioulo ao lado não abria a boca. A algazarra não lhe dizia respeito. Azar. A chegada na capital mineira foi épica. Por onde passava a cruzada alvinegra as janelas se abri- A EmoçãoCorinthians ramo O Corinthians acordava a cidade, ali pelas sete da matina. Os cruzeirenses desdenhavam, os atleticanos jamais. Mineirão tomado, um gol deles. Eram tempos de Piazza, Tostão, Dirceu Lopes, um inferno. A gente reagiu, empatou, foi roubado e tomou o se- gundo, uma jogada diabólica do Dirceu, driblando Ditão e Luís Carlos e deixando o Ado a ver navios. Uma catástrofe. A humilhação maior, porém, ainda estava por acontecer. Em São Paulo, no Morumbi, o Palmeiras batia o Botafogo e assim, com a nossa derrota, eram campeões os inimigos mais tradicionais. Fazer o quê? Nossa heróica caravana saiu do estádio can- tando Palmeiras campeão, só para irritar os minei- ros, numa demonstração de como o bairrismo atinge as raias da loucura total. . A provocação rendeu. Apedrejaram o ônibus, quebraram todas as janelas, houve quem reagisse, todo mundo pra delegacia. Horas depois, toca o arre- medo de veículo estrada afora, no duro caminho da volta amarga. Os restaurantes, precavidos, estavam fechados. Lá pelas tantas da madrugada, a mão negra aperta a perna, e o crioulo fala pela primeira vez, cúmplice, arrasado: "Esse time só me dá problemas. Gastei 3S cruzeiros que não tinha, briguei com minhas duas muié para vir e dá nisso. É broca, irmão". Incontinenti se põe de pé e solta o berro, gutu- ral, do fundo d'alma: "É o Coringão, caralho!". ,/,< 15 16 Juca Kfouri A solidariedade é geral, irrestrita. Todo o ôni- bus assume o gesto e povoa a noite com o grito de guerra. Mais. Em pleno Anhangabaú, ao raiar da segunda-feira paulistana, no coração da cidade que tinha seu campeão mais uma vez errado, a caravana entrava festiva, corintiana, para o pasmo dos pas- santes, incrédulos indo ao trabalho, como se uma delegação de marcianos acabasse de desembarcar. A promessa ·foi feita naquele momento, en- quanto o Corinthians não for campeão nunca mais para o Mineirão, Deu para entrar na faculdade. Foi uma má troca. , Jl NO MARACANÃ NUNCA MAIS Três anos depois tudo se repetiria. Uma cam- panha brilhante, com Sicupira fazendo pela direita o que Rivelino fazia na esquerda, levou o Corinthians ao Maracanã para disputar a semifinal contra o Bo- tafogo. Um empate seria suficiente para chegar à finalíssima contra o Palmeiras ou o Internacional que, na mesma quarta-feira, jogavam em São Paulo, com os gaúchos brigando pelo empate. A ida ao Rio só foi decidida na hora do almoço de um dia de trabalho normal. O chefe entendeu as razões superiores, e o Volks vermelho voou pela Du- tra, chegando às arquibancadas pouco antes do iní- cio das hostilidades. Saímos na frente, e no intervalo os planos se resumiam a Porto Alegre no domingo, pois o Inter também vencia no Pacaembu. Então, a desgraça. Um desses amigos famosos pelo pé-frio descobre aquele cantinho do maior está- 18 Juca Kfouri dio do mundo e incorpora-se ao sonho da derradeira cartada nos pampas. Foi o bastante. Enquanto o Palmeiras virava o jogo para 2 a 1, o Botafogo fazia o mesmo, não sem a ajuda do juiz pernambucano que, entre outros crimes, anulou um gol de Baldochi no último minuto, legitimamente feito com a mão. Na volta, comAOO quilômetros de desespero e sono pela frente, uma parada no Bob's da avenida Brasil para o pior queijo-quente jamais engolido e uma vontade louca de morrer na serra. Como enfrentar a vida daí para frente? Como enfrentar a cara dos companheiros de trabalho na quinta-feira praticamente sem dormir? Maracanã? Maracanã nunca mais enquanto o Corinthians não fosse campeão. !f E NO MORUMBI? BEM, NO MORUMBI. .. E daí veio o ano de 1974. Fazia 20 anos ... O Corinthians havia ganho o primeiro turno do Campeonato Paulistà ao vencer o São Paulo por 1 a O, gol de Zé Roberto. Logo no primeiro jogo do segundo turno, no Parque São Jorge, contra o Botafogo de Ribeirão Preto, um espigado estudante de medicina com o es- tranho nome de Sócrates faz um lançamento longo para o centroavante Geraldão que acaba na rede corintiana. Rivelino corre para o bandeirinha e reclama impedimento. O infeliz não atende a justa reivindi- cação e é, por assim dizer, agredido. O time desmorona ante a perspectiva do julga- mento resolver pela suspensão do único tricampeão titular alvinegro e faz péssima campanha. Afinal, Riva é absolvido e poderá jogar a final 20 Juca Kfouri contra o Palmeiras, vencedor do returno. Houve quem dissesse ser errada a decisão mas, sabe-se, não se erra a favor do povo. O primeiro jogo decisivo acabou 1 a 1, no Pa- caembu. O segundo, disputado num feio domingo cinzento, foi no Morumbi e foi trágico. Contam os nossos pais que nunca houve tragé- dia tão grande como a derrota do Brasil para o Uruguai em 1950, no Maracanã. Pode ser. Quem, porém, estava no Morumbi na nublada tarde de dezembro de 1974 viveu, no mínimo, a mesma situação. Só tinha corintiano no estádio. A nação disse presente, em peso. Desgraçadamente, o gramado, recém-plantado, estava muito alto, fofo mesmo, e as pernas dos nossos jogadores pareciam pesar quilos e quilos. Era tão certa a vitória do Corinthians que até os jogadores do Palmeiras - Luís Pereira, por exemplo - cumprimentaram .os futuros campeões antes do jogo começar. Depois, pensavam, seria impossível. O primeiro tempo foi arrastado e acabou sem gols. No segundo, o desastre. Gol do Palmeiras. Ro- naldo, primo do Tostão, com a bola ainda resvalando nas mãos do goleiro argentino Buttice. Era ° fim. O título escapou outra vez, a pequena torcida alviverde presente teve respeito e sensibilidade para sequer fazer barulho, Vaguinho chorava em campo, Rivelino acabaria escorraçado do Parque São Jorge com a injusta fama de covarde, e a saída do .estâdio mais parecia um macabro cortejo fúnebre. O silêncio A Emoção Corinthians só era cortado pelo som abafado, surdo, impressio- nante de 200 mil solas de sapato se arrastando pelo chão. Infelizmente, e já por razões profissionais, o Morumbi ficou sem promessa. Mesmo porque seria impossível cumpri-Ia. <{ o:w :> z o'f- -I. ~ <{ Gol do primo de Tostão. Fazia 20 anos. 21 \ ~I 'NO BEIRA-RIO NUNCA MAIS Nada como um ano depois do outro e, em 1976, lá estávamos nós novamente. A final que o amigo pé-frio fizera questão de abortar três anos antes ia, enfim, se realizar em Porto Alegre, contra o Inter, que lutava pelo bicam- peonato brasileiro. Uma semana antes desse jogo, no entanto, o mundo assistiu à maior demonstração de paixão coletiva jamais ocorrida. Nada menos que 70 mil fiéis racharam o Mara- canã ao meio com a torcida do Fluminense e, eufó- ricos, transpuseram as sete horas que separam o Rio de São Paulo trazendo a classificação para a fina- líssima. A promessa de não ir ao Maracanã foi mantida a duras penas, e se arrependimento matasse ... Mas o Beira-Rio ainda não tinha sido alvo de semelhante homenagem. Ainda. A Emoção Corinthians ..J W I- :z w::;; c:: oo :z..: :z tI: wu, 23 A invasão do Maracanã. 24 Juca Kfouri Toca para a capital gaúcha onde, como era de se esperar, os donos da casa ganharam o jogo por 2 a O, apesar de levarem duas bolas na trave e de terem feito o segundo gol, quando o Corinthians encurra- lava, numa falta inexistente batida por Valdomiro que só a tevê, em câmara lenta, mostra que a bola entrou pouco mais de um palmo. O juiz não viu, nem o bandeirinha, só que o danado do auxiliar correu para o meio do campo. _ Foi uma loucura. Os 10 mil heróis que viajaram para Porto Alegre, que ficaram expostos ao sol incle- mente do verão gaúcho desde o meio-dia até o co- meço do jogo, que sofreram com o corte de água nos banheiros que serviam o setor onde estavam, resol- veram bagunçar a guerra. O Inter não podia bater escanteio na frente deles porque o foguetório não o permitia. A arquibancada do Beira-Rio parecia a Roma de Nero, tantas eram as fogueiras que marcavam o protesto dos fiéis. Por muito pouco a torcida alvinegra não consegue melar um jogo em pleno território inimigo. Os vice-campeões foram recebidos com festa no dia seguinte, e o Beira-Rio teve a honra de ser brin- dado com a mesma promessa que seusirmãos de Minas e do Rio já ostentavam. Jl UM É ÔTIMO, DOIS É ESTUPENDO, TRÊS É MAGNÍFICO Promessas feitas, promessas cumpridas. O ano da graça de 1977 veio marcar a liberação, como já foi contado. E era só o começo dos novos tempos. Mas convém fazer ainda algumas justiças à con- quista que marcou o fim do sofrimento. Como, por exemplo, a dois personagens funda- mentais daquela passagem épica: Palhinha e Os- valdo Brandão. Brandão havia sido o técnico em 1954 e 22 anos depois conseguiu imortalizar-se definitivamente. Palhinha veio do Cruzeiro e fez o único gol da primeira partida decisiva contra a Ponte, um gol com a cara e a coragem, depois de entrar na área, chutar para a defesa parcial do goleiro Carlos e receber o rebote em cheio no rosto, mandando a bola para o fundo das redes. 26 Juca Kfouri A Emoção Corinthians " Biro-Biro e Casagrande, campeões em 1982. 27 No jogo seguinte, quando mais de 13S mil corin- tianos quebraram o recorde de público do Morumbi, o Corinthians perdeu por 1 a 2 e ficou sem Palhinha, que sofreu uma distensão, transformando o terceiro jogo num drama sem igual. Foi então que a dupla Brandão/Palhinha apa- receu plenamente. O velho treinador aproximou-se do craque veterano" e perguntou, ao vê-lo sair do departamento médico: "Como é, dá para jogar de- pois de amanhã?" . A resposta veio rápida e reticente: "Acho que não. Dói até para andar, seu Brandão". O técnico, que vivia a angústia de um câncer no filho único, apelou: "Dói para andar? Ah, então você vai poder jogar. Dura é a minha dor, que sequer pode levantar da cama" . . Palhinha ficou tomado e, apesar de ter plena consciência de que não suportaria jogar, passou a ser o principal estimulante do time, arrancando de cada companheiro o compromisso de que morreriam em campo se fosse preciso para dar o título a Brandão. Assim foi feito. Em 1978 outro clube foi campeão e isso não teve a menor importância .. Já em 1979 ... Bem, nesse ano, mais precisamente em 1980, a festa foi novamente corintiana. O Palmeiras era a melhor equipe e por isso foi ne- cessário que Vicente Matheus, presidente alvinegro, melasse a decisão que estava prevista para dezembro, fazendo com que se realizasse só em janeiro, após as A eternidade para Osvaldo Brandão em 1977. 28 Juca Kfouri férias dos jogadores, quando o entrosamento do con- junto inimigo já não pudesse ser o mesmo do final da temporada. A artimanha deu certo, certíssimo. Ganhamos dos palmeirenses nas semifinais e fomos pegar outra vez a Ponte Preta, pobre dela. Não houve sofrimento, então. A primeira par- tida ficou num proyidencial O a O e, na segunda, a dupla formada pelo agora renomado Doutor Sôcra- tes e Palhinha liquidou a pinimba com um golaço de cada um. Surgiram dois lemas na cidade: "Ano sim, ano não, Corinthians campeão" e "Já tô com o saco cheio de ser campeão". O resto daquele ano que começara tão bem pas- sou inteiramente sem novidades dignas de registro. Veio 1981. Ano de sim, pois não. Um descuido imperdoável, no entanto, levou a nau corintiana ao naufrágio total, incapaz até de classificar-se para a Taça de Ouro do ano seguinte. Era preciso mudar, apagar os resquícios pré-histô- ricos que teimavam conviver no Parque São Jorge. O começo de 1982 encontrou o glorioso em si- tuação humilhante. Não restava outra alternativa que não a de disputar a Taça de Prata. "Por que o Corinthians não é um Flamengo?", perguntava opor- tunamente a revista Placar, para obter a atrevida resposta do jovem e barbudo diretor de futebol Adíl- son Monteiro Alves: "Time por time somos melho- res". Verdade que ele, um sociólogo nas horas vagas, A Emoção Corinthians não explicava por que então um era campeão mun- dial e o outro estava na Taça de Prata. Por conta da petulância, tome pau. Mas são insondáveis os mistérios do futebol. O Corinthians não só arrancou-se logo da Taça menor como acabou a de Ouro em honroso terceiro lugar, numa metamorfose nunca antes imaginada, benefi- ciado pelo regulamento que permitia tais peraltices e por uma garra comovente. O Campeonato Paulista foi sopa. O Corinthians ganhou o primeiro turno com três rodadas de ante- cedência, perdeu o segundo no olho mecânico para o São Paulo e foi ganhar sua primeira decisão, em 28 anos, contra um grande, velho rival, Tudo saiu como devia. 1 a O, gol de Sócrates, no primeiro jogo, e 3 a 1 no último, com dois gols de Biro-Biro e um de Casagrande. O estádio tricolor, palco das finais, passou a ser chamado de Morurn- biro e o cartão de Natal chegou à redação de Placar irônico, ferino, feliz: "Porque não queremos ser um Flamengo." As- sinado, "Adílson". Jf 29 NÃO CHOREM POR MIM, OSMAR E MAURO A tevê ali na frente parecia transmitir um sonho. Será que o Maracanã era mesmo no Rio? parece ter mais preto e branco do que tricolor! Em campo, o Fluminense de Rivelino fazia 1 a O. Mas Ruço, o justiceiro, foi lá na área deles e, de meia-bicicleta, empatou. Chovia até mais não poder, o que ajudava o time menos técnico, mais coração. Vieram os pênaltis para desempatar o dilúvio. Ganhamos, pós ganhamos da máquina. Agora é correr pela Marginal que o trabalho espera na redação. Mas como chove também em São Paulo! Rádio ligado, Osmar Santos manda o seu re- cado: "O que será que me dá, Corinthians, que me transborda o peito, que me desacata ... ", No fundo, Mílton e Chico. Melhor parar o carro no acostamento, chove 31A Emoção Corinthians demais, está tudo embaçado e ainda por cima este nó na garganta: "O que será que me dá, Corinthians ... " Tempos depois, Morumbi. Em pé, o povão can- ta o hino: "Salve o Corinthians, o campeão dos cam- peões ... ". Em pé, cadê a nitidez que estava aqui agora mesmo? A bola rola parece: "Basílio, Basí- lio!" . O rapazinho ainda imberbe, assustado com a palidez, pergunta: "O senhor está se sentindo bem?". "Como nunca, como nunca", é a resposta. Fim de jogo. Faixa de campeão por um preço extorsivo, invasão do gramado, ninguém arreda pé do Morumbi. Fora dele, o trio elétrico, vindo dire- tamente de Salvador. Atrás do trio elétrico, pegar a mulher amada e pé-quente, barriguda ainda por cima, corre carrinho, vai por cima da calçada, rádio ligado, olhaí o Osmar de novo. Muda de estação se não o vexame se repete e adeus trio elétrico, mulher amada e barriguda, pé- quente ainda por cima. Comentários de Mauro Pi- nheiro, inesquecível: "Eu quero pedir licença aos caríssimos ouvintes para prestar uma homenagem a um corintiano que deve estar enlouquecido em algum canto do estádio. É a primeira vez que ele vê o Corinthians campeão. É um jovem companheiro nosso, o ... " . Carro parado, cabeça debruçada no volante, até já trio elétrico, mulher barriguda e pé-quente, ama- da ainda por cima. Jl o FANTASMA CORINTIANO Era uma vez um fantasma. Um fantasma da- nado que adorava ver o povo triste e cabisbaixo. Como mandava o figurino, durante anos - para ser mais exato, durante onze longos anos -, ele se vestia impecavelmente de branco. Foi um duro pe- ríodo para o povão e a esse tempo convencionou-se chamar de tabu. . Um dia, ou melhor uma noite, uma gloriosa noite de março de 1968, esse fantasma foi embora, expulso pelos hábeis pés de Paulo Borges e. Flávio. Foi um alívio na cidade. . Ninguém mais acreditava em fantasmas. Estava tudo pronto para o início de novos tempos. Que engano, quanta desilusão! Não é que mal tinha passado um ano e o danado do fantasma rea- pareceu, em Belo Horizonte, no Mineirão, vestido de azul e branco para roubar a Taça de Prata das mãos do Timão? A Emoção Corinthians 33 Ah, fantasma cruel. Quer dizer então que mu- dar de cor, descobriu a Fiel. E assim foi ainda por muitos e muitos anos." Quando menos se esperava, fosse onde fosse, tava lá o desgraçado. Apareceu em 1972, no Maracanã, com uma es- trela solitária no peito, quando bastava o empate. E olha que até Sicupira o Timão tinha para enfrentá-lo. Depois, em 1974, no Morumbi, o fantasma deu de novo o ar de sua desgraça, travestido de verde e bran- co, nos pés de um tal Ronaldo, calando 100mil vezes, a cidade inteira. Foi uma tristeza. Chorou-se tanto que até os inimigos sentiram dó..E não parou por aí. . O fantasma vestiu-se também de vermelho e branco, naquela tarde quente do Beira-Rio, man- dando pro espaço mais um sonho de título nacional, em 1976. Definitivamente o fantasma parecia incorporado à vida do Corinthians, e só os mais fanáticos acredi- tavam que a tragédia um dia terminaria. Mas, diz a crendice popular, não há mal que sempre dure, não há derrotas definitivas para o povo. E veio a desforra. Foi uma noite inesquecível a- quela, a de 13 de outubro de 1977. Basílio, o imortal, chutou para a lata do lixo da História 22anos de terror. Naquela noite, enfim, como aconteceria na de fevereiro de 1980 e na tarde de dezembro de 1982, o fantasma surgiu, novamente de branco mas, tam- bém, de preto. Tinha descoberto seu destino e era maravilho- samente corintiano. o CORINTHIANS PRECISA SER EXPLICADO? Talvez sim, talvez não. Explicar o corintianismo tem sido um desafio de mais de 70 anos, e poucos tiveram a sensibilidade para chegar perto da expli- cação. Antes de mais nada, para entender o Corin- thians é fundamental ser corintiano. Parodiando o poeta, ser corintiano é fundamental. Não é à toa que vamos recorrer aqui a alguns escritos de eminentes alvinegros, gente que, mesmo não torcendo para o Corinthians em função de qual- quer fatalidade que lhe tenha acontecido na infância, assume uma postura corintiana. Gente que, por- tanto, bota para escanteio a teseelitista da alienação. Nossos pobres intelectuais sempre bateram nes- sa tecla para explicar o futebol e o carnaval, as duas mais autênticas manifestações culturais do brasi- leiro. Na falta do pão, o circo - sempre, ao ver 35A Emoção Corinthians oa: üj J: Z õ: o Ü .~ o o 36 Juca Kfouri deles, manipulado pelo Poder. Essa má compreensão chegou ao seu clímax quando o Brasil ganhou o tricampeonato em plena ditadura Médici, nos tempos do "milagre". É inegá- vel que o general faturou a conquista e tentou se popularizar com a imagem do presidente que ia aos estádios com radinho de pilha colado no ouvido, mas, é inegável também que a História registra com muito mais generosidade a participação de Pelé, Tos- tão, Gérson e companhia do que a do ditador. Nunca será demasiado repetir que o Brasil ga- nhou duas Copas em períodos democráticos, com Juscelino Kubitschek e João Goulart, e nem por isso ambos escaparam de morrer com seus direitos polí- ticos cassados. Ou que a Itália foi bicampeã em 1934/38, em plena época de Mussolini, que acabou sendo dependurado, por sua própria gente, de ca- beça para baixo, após ser fuzilado. Futebol não é alienação, ao contrário. Ele mobi- liza, ele reúne, ele é meio para que as pessoas se organizem e sintam sua força enquanto coletividade. Não terá sido por acaso, só como um exemplo qual- quer, que a primeira faixa pela Anistia no Brasil a aparecer para um grande público tenha sido desfral- dada exatamente no meio da torcida corintiana, numa partida contra o Santos, no Morumbi com mais de 110 mil pessoas, dia 11 de fevereiro de 1979. Mas vamos aos testemunhos de corintianos ilus- tres sobre o corintianismo e a alienação que eles são suficientemente esclarecedores. Comecemos por Paulo Evaristo, cardeal Arns, A Emoção Corinthians 1 em sua "Pastoral ao Povo Corintiano", publicada em Placar Extra, n~390-A, 14/10/77: "Corinthians, para nós, era o símbolo mesmo da esperança. E ainda o é. Agora, mais do que nunca" ( ... ) "De fato, ao ver as bandeiras agitarem-se, co- brindo totalmente as arquibancadas, tínhamos a impressão de que o Corinthians jogava sozi- nho por todo o Brasil. Que só existia alvinegro em campo." "O Corinthians é mesmo o símbolo do povo que não chega lá. Do povo que sofre todas as decepções, desde as mais legítimas, como tam- bém as de seus sonhos. Mas é um povo que agüenta. Que é humilde. Povo que se abate, mas· que, ao mesmo tempo, sabe que precisa reco- meçar. E recomeça mesmo! Está presente em todas as lutas. Recomeça" (... ) "É isto o espelho do povo? Ou a sua realidade mesma? Ou ainda, alienação desta realidade, para refugiar-se em alguma coisa que se passa no campo, mas que tem interferências incalcu- I' .?" ( )avelS. ... "Tenho certeza de que a vitória do Corin- thians deve levar a vitórias essenciais na vida. E vai levar a tanto. Acreditamos, sempre de novo, nesta era que está para chegar em favor do povo, com a participação do povo e criada pelo mesmo povo". "E o nosso Corinthians talvez seja o símbolo 37 38 Juca Kfouri 39 para tanto. " Neste mesmo Placar, o corintiano jornalista Cel- so Kinjô pergunta e responde com raro brilho: "O time entra em campo, e basta isso para realizá-lo. Nada de triunfalismos, pois o corin- tiano de fé aprendeu que, para subir, é preciso descer. Por isso, ele tanto se entrega à euforia mais deslavada - por mesquinhos dois pontos de campeonato - quanto mergulha na mais cava depressão - por qualquer ordinário fra- casso. É uma paixão, enfim, que a razão nunca haverá de entender, ou explicar - e o que é a razão, se não um civilizado disfarce para ocultar verdades Íntimas?" ( ... ) "Ali, no meio do povo, o torcedor vira gente, cidadão de primeira classe, deixando o anoni- mato da vida para ser alguém entre seus iguais." ( ...) "Corintiano de fé é tudo isso e muito mais .. Não há como explicar, pelos lineares traços da lógica, os mistérios dessa mística. O que vale é saber, no jogo da vida, que torcer é dar passa- gem às emoções, é trazer o coração para fora, emotivo e pulsante. Pois, apesar de tudo o que . possam dizer, essa paixão só lhe dá alegria." Um cardeal, e que cardeal, um jornalista consa- grado, dois corintianos de muitos anos. O que dirá um ponte-pretano (e nada é mais parecido com um A Emoção Corinthians corintiano) capaz de entender a nossa alma? Coma palavra o jornalista e escritor genial Re- nato Pompeu, em Veja, n? 475, de 12/10/77: "E onde está a alienação? Na verdade, apre- ciar o Corinthians é uma experiência estética e emotiva comparável à leitura de um grande ro- mance, ou à visão de um grande filme, ou peça. Inclusive, não basta o 'conteúdo' - ganhar o jogo -, é necessária uma 'forma' à altura - 'es- crever' 'dirigir' ou 'atuar' bem, dar um bom len- çol, organizar uma jogada com participação de seis ou sete jogadores por todos os cantos do campo adversário. Afinal, o leitor ou espectador 'torce' por Hamlet, diante da obra de Shakes- peare. Assim, a alienação fica por conta do pla- no simbólico com o plano real. Mas também o Dom Quixote, de Cervantes, que lidava com literatura, confundiu o simbólico com o real e foi caçar moinhos de vento. E que mal há em ser Dom Quixote? - ou corintiano doente?". Que mal há, principalmente,- se, no caso do corintiano como no da utopia, a vocação desse Dom Quixote é vencer sempre? Ou não é? Para o sociólogo Sérgio Miceli, no Jornal do Brasil de 13/12/76, " "a esta altura o Corinthians é menos um time do que uma militância, menos uma torcida desin- teressada do que uma organização embrionária \l.~ ., ''-li o \•...J ~j '- C a j~ '\ 40 Juca Kfouri de anseios populares" ( ... ) "Assim, como pode suceder com um Partido, pode-se dizer que o Corinthians é um time de classe" (. .. ) "Daí as aspirações dos corintianos em converter seu time no 'futuro campeão do mundo', no 'maior', no 'melhor', em suma, no time hegemônico." E, para finalizar com citações tãoreveladoras, no mesmo JB, o também sociólogo Bolivar Lamou- nier, arremata: "Como explicar tanto esforço, tanto sacrifí- cio, tanta paixão? A teoria corrente é a do 'ópio do povo', isto é, do futebol como um fanatismo através do qual os oprimidos dizem (ou sentem que dizem) o que não lhes é dado dizer no coti- diano. Não direi que seja uma hipótese inteira- mente falsa. No futebol, nas novelas, nos pro- gramas de auditório, no consumo debilóide e (por que não dizê-Io?) também nos papos pseu- do-eruditos e nas diversas curtições, há em tudo isso uma energia feita de frustração, de tédio e de desesperança.Não vem ao caso no momento .discutir quanto dessa energia tem a ver com a situação brasileira, quanto com o mundo em geral, quanto com as carências essenciais da condição humana. Mas é preciso ter sensibili- dade para o mundo de referências e de recados contidos na manifestçaão corintiana. Já se ob- servou que o Corinthians não é um clube: é uma comunidade de deserdados, de ilegítimos, de A Emoção Corinthians imigrantes, de estigmatizados. Esqueçamo-nos, porém, destes dados brutos de sua composição sócio-econômica. Esqueçamo-nos até mesmo de que o Corinthians salvou um campeonato me- díocre, dando-lhe um final portentoso. Mas lem- bremo-nos, e lembrem-se sobretudo os eruditos teóricos do futebol como alienação, que a tor- cida do Corinthians recriou -:- não importa por quão pouco tempo - uma cidade no lugar desta triste, desta sisuda São Paulo. E ao fazê-lo, re- novou uma convocação que alguém já havia feito uma vez este ano: não queiram impor-nos a' si- sudez, porque a alegria é direito de todos." E é exatamente por causa deste direito à alegria, do direito à pretensão de hegemonia, do direito ao quixotismo, à igualdade e à paixão, do direito ao vir a ser, que o corintiano é como é, que o corintianismo envolve e comove, que aquele uniforme alvinegro desperta tantos sentimentos em quem não tem ver- gonha de participar com todas as suas forças, mesmo que sentado numa arquibancada. Porque teoria ne- nhumajamais há de nos convencer de que quem joga são apenas os jogadores, tantos gols já fizemos, tan- tas cabeçadas demos, defesas já conseguimos. I Jt SEGUNDA PARTE O TORCEDOR DENTRO DO CAMPO Quem é, ou quem foi, o maior ídolo da história corintiana? Difícil responder, impossível contentar a todas as gerações. Se a pergunta fosse sobre quais foram os melho- res de todos os tempos, seria mais fácil. Recente- mente mesmo, a revista Placar ouviu 30 opiniões entre torcedores, jornalistas, ex-jogadores e dirigen- tes, com idades variando de 32 a 78 anos, e chegou ao seguinte esquadrão: Gilmar, Zé Maria, Domingos da Guia, Goiano e Wladimir; Luizinho, Sócrates e Rive- lino; Cláudio, Baltazar e De Maria. Um timaço em que se misturam a técnica de um Gilmar, Domingos, Luizinho - deslocado para a posição de volante embora fosse um autêntico meia-direita -, Sócrates, Rivelino, Cláudio e De Maria,e a garra de Zé Maria, Goiano, Wladimir e Baltazar. . No Corinthians,porém, nem sempre o melhor é A Emoção Corinthians o maior. Desta seleção ficaram de fora craques como Neco, Amílcar, DeI Debbio, gente que encarnou o Corin thians. O fato é que para ser um verdadeiro ídolo corin- tiano há uma condição imprescindível. A de ter nas- cido alvinegro, coisa que, por exemplo, nem Gilmar, . nem Domingos, Sócrates, Rivelino, Goiano, Cláu- dio, Baltazar, De Maria, nem mesmo Zé Maria, ti- veram a seu favor, ou porque vieram de outros clubes ou porque eram torcedores de outras cores. É claro que isso não impede que sejam idolatrados e basta verificar os nomes acima para constatar. É óbvio ainda, que como toda regra tem lá suas exceções, não foram poucos.os "não-corintianos" que viraram ído- los e, mais importante, viraram corintianos, como veremos adiante. De qualquer modo, quem nasceu corintiano e foi revelado dentro do clube leva vanta- , gem, casos de Neco, Luzinho e Wladimir. Será curioso observar, também, que o padrão de ídolos corintianos não passa normalmente por tipos como Bellini ou Mauro Ramos de Oliveira - capi- tães do Brasil nas Copas inesquecíveis de 1958 e 62. A preferência costuma ser pelos feios, pelos bai- xos, pelos mais parecidos com o torcedor das gerais. Classe média raramente é amado e,quando isso ocorre, haja discussão, como bem o demonstram os casos de Rivelino e até mesmo do Doutor Sócrates. Nunca se vê um Wladimir ser acusado por al- guma derrota ou por algo de ruim que esteja aconte- cendo no Parque. A Democracia Corintiana tem seu apoio e empenho na mesma medida em que tem o de 43 \' 44 Juca Kfouri A Emoção Corinthians tentando ajustar o cinto. Tanto bastou para ser re- preendido pelo árbitro que julgou que o craque esti- vesse dramatizando uma falta comum. Indignado, Neco gesticulou com o cinto na mão e deu a impressão aos torcedores de que ele pretendia agredir o juiz. A época de Neco, o futebol era ainda um esporte de elite. Atletas e torcedores viviam um mundo à parte, e o Corinthians teve papel fundamental para quebrar o elitismo. Seus fundadores, seus torcedores e seus craques eram em esmagadora maioria gente humilde. Prova disso é que Neco mesmo viveu uma situação exem- plar nesse aspecto. Logo após conquistar o Sul-Americano de 1919, Neco acabou sendo recebido em São Paulo, ao lado de seus companheiros paulistas, com grande festa. Foi carregado em triunfo pelas ruas numa recepção que culminou no Palácio Campos Elísios, onde o governador Altino Arantes prestou as homenagens oficiais. Festa finda, teve que ir a pé para casa, sem um centavo no bolso para tomar o ônibus. Dia seguinte, acordou cedo e excitado, imagi- nando a acolhida que teria ao chegar no emprego com tantas glórias para contar. A expectativa virou frustração quando soube que estava demitido por abandono de trabalho. Onze anos depois de Neco ter encerrado a car- reira, em 1941, a situação já era bem diferente, e um novo ídolo nascia no Parque. O futebol estava popularizado e, desde 1933, profissionalizado no Brasil. No Corinthians, um me- Sôcrates, mas é para o último que sobram as ridí- culas acusações de subversão e etc. Será interessante conhecer, primeiramente, es- tes três ídolos nascidos, criados e revelados no Corin- thians, pois eles representam a massa dentro do campo e são por ela reverenciados. Manoel Nunes, o Neco, começou sua carreira em 1911, no infantil ....do Corinthians, e s6 a encerrou em 1930, passando uma temporada, em 1915, no Mackenzie, atendendo apelo do próprio Corinthians, que, por não participar do campeonato daquele ano, não quis deixá-Io inativo. Oito vezes campeão pau- lista, transformou-se, ao lado de Friedenreich, no grande herôi do Campeonato Sul-Americano de 1919, quando a Seleção ganhou seu primeiro título inter- nacional. Não aceitou nenhuma das propostas milionárias que lhe eram feitas por clubes argentinos e uru- guaios, assim como as do Fluminense do Rio. Jogava por amor ao Corinthians, sem receber um tostão e está imortalizado por uma estátua que a torcida fez erguer no Parque São Jorge. Diz a lenda que ele ameaçava os árbitros com o cinto de seu calção e que uma vez buscou a bofe- tadas, no Rio, um irmão que preferiu sair do Corin- thians. Na verdade, a história do cinto tem uma expli- cação que virou fantasia. É que num jogo contra o Palestra, em 1920, ele entrou em campo com uma faixa de couro para prender o calção. Ao sofrer uma jogada mais dura do adversário, caiu e ficou no chão, 45 ·46 Juca Kfouri nino que a partir dos sete anos de idade fugia de casa para ir ao Parque São Jorge ensaiava seus primeiros chutes no time infantil. Tinha 11 anos, era franzino, -hurnilde e se chamava Luiz Trochillo, o Luizinho. Em 1949 estreou como titular na equipe princi- pal, muito embora fosse o responsável, três anos antes, pela chegada mais cedo da torcida alvinegra que ia vibrar com ele e com o tricampeonato que ajudou a levantar no; aspirantes. Baixinho, era chamado de "Pequeno Polegar". Jogou 589 partidas oficiais pelo Corinthians, recorde na história do clube. Foi três vezes campeão paulista, até que, por problemas da política corintiana, passou uns tempos no Juventus. Voltou ao seu time de co- ração em 1964 para encerrar as atividades em 1967. Driblador infernal, adorava sentar na bola para desmoralizar seus marcadores. Outras vezes corria com ela presa aos pés acompanhado pelo adversário, deixava-a para trás, seguia mais alguns passos com o inimigo em seu encalço, para depois voltar e buscar a bola que havia ficado metros antes, abandonada. Certa vez, em 1956, ao fazer o único gol da vitória brasileira contra a Argentina, em Montevi- déu, causou a seguintemanchete do jornal El Clarin: "EI tiquitito numero ocho nos destrozo". Parou Luizinho, surgiu Wladimir Rodrigues dos Santos, ou melhor, Wladimir do Corinthians. Desde 1969 no dente-de-leite, começou a se tornar titular do time principal em 1973 e nunca mais deixou de sê-lo. Ar de eterno menino, sorriso largo onde a bran- cura dos dentes perfeitos contrasta com a pele negra, 47A Emoção Corinthians a torcida chega a ser paternalista com ele, tratando-o como se fosse um filho desprotegido. Pequeno, mas incrivelmente forte e vigoroso, Wladimir já passou dois anos sem saber o que é uma contusão, completando assim o recorde de fazer mais de 150partidas seguidas pelo Corinthians. Campeão paulista em 1977, 79 e 82, a torcida corintiana nunca se conformou em não vê-Io como lateral-esquerdo titular da Seleção e, por isso, um dia abriu uma faixa no Pacaembu em sua homenagem: "O Timão é mais importante que a Seleção, Wladi- mir" . . Neco, Luizinho e Wladimir. Gente simples, nas- cida corintiana, gente afortunada, querida, amada pelo povão, gente vitoriosa. A devoção ao alvinegro é o traço comum aos três, característica que compra o torcedor para todo o sempre. Mas existem outros grandes ídolos. E como! Vamos a eles. Comecemos por Amílcar Barbuy, o mais famoso centro médio do futebol amador brasileiro. Em 1912, com 19 anos, ele chegou ao Corin- thians e jogou durante cinco anos como centroavante . do time, além de ser o capitão da equipe a partir de 1914, ano do primeiro título paulista corintiano. Pouco corria, preferindo comandar seus compa- nheiros ali pela altura do meio círculo, posição que assumiu em 1917. Era de estilo clássico, mas bastava a violência imperar para que se transformasse num bravo lutador. No mesmo Sul-Americano de 1919 que celebri- 48 Juca Kfouri zou Neco, fez um gol antológico,ao surpreender o goleiro argentino Izola, que voltava de costas depois de bater um tiro de meta para o meio do campo. Estava 1 a 1, e quando o arqueiro deu pela coisa a bolajá estava balançando suas redes. Em 1925, a grande dor. Amílcar transferiu-se para o Palestra Itália. Contemporâneo de Amílcar, Altino Marcondes, o Tatu, tinha a feiêão do rosto e o jeito de andar do bicho. Veio do Taubaté em 1921 e escolheu o Corin- thians pelo coração. Saiu-se como a grande revelação do Campeonato de 1922, o do Centenário da Inde- pendência. Fez, em 1924, o gol contra o Paulistano que valeu o primeiro tricampeonato corintiano, um tento inesperado. Do meio da rua, quando todos aguardavam o lançamento para o ponta-esquerda Rodrigues, ele enfiou um torpedo no gol adversário. Consagrado em São Paulo, nas seleções do Bra- sil e paulista, Tatu encerrou a carreira no Vasco. Em seguida nasceria um novo herói. Tuffy Neugen, o fantástico goleiro Tuffy, che- gou ao Corinthians em 1928, com 29 anos, tendo passado antes pelo Palmeiras - não confundir com o atual, que na época era Palestra Itália -, pelo Amé- rica do Recife, Sírio e Santos. Já defendera a Seleção Brasileira, mas no alvinegro chegou ao ápice de sua vida. Nos três anos que passou no Parque, o Satanás - porque vestia-se inteiramente de negro para jogar - obteve simplesmente o tricampeonato paulista e, em 46 partidas, só perdeu três. 49A Emoção Corinthians I I Nesse período, seguramente, concentra-se a maior quantidade de ídolos corintianos. Além de Tuffy e Neco, surgem também Grané, DeI Debbio, Filó, Rato e De Maria, todos companheiros de time. Pedro Grané era chamado de "420", alusão ao mais potente canhão da época, de fabricação alemã. Certa feita, contra o Barracas - sempre os ar- gentinos -, nossa Seleção perdia para o estupendo time, que vinha de vitoriosa excursão à Europa, por 3 a 2. Eis que surge uma falta no meio do campo em São Januário. Nem a torcida de chapéu, colete, gra- vata e paletó, nem os adversários deram maior im- portância ao lance. A perplexidade tomou conta de todos quando viram a bola dentro do gol, e o placar demorou a mostrar o 3 a 3. Em seguida, nova falta, um pouco mais pró- xima. Lá vai Grané, nova bomba e 4 a 3. Os argen- tinos, incrédulos, passam a reclamar do árbitro até que, caindo em si e tomando consciência de que não havia por quê protestar, cercam o zagueiro e o cum- primentam estarrecidos. Outra vez, fraturou o pulso do ótimo Jaguaré, goleiro da Seleção Carioca, que ousou desafiá-Io an- tes da cobrança de um pênalti. O gigante Grané, que era grande e forte como um touro, veio do Ipiranga e parou de jogar no Co- rinthians. Tão célebre como ele foi Armando DeI Debbio, seu companheiro de zaga. Fazia da regularidade sua maior arma, e seu estilo guerreiro comovia a gente corintiana. No Brasil, só vestiu a camisa alvinegra, e 50 Juca Kfouri esteve no Lazio, da Itália, de onde voltou para des- pedir-se da bola no Corinthians. Amphilóquio Marques, o Filô, é mais um a fazer parte da galeria dos ídolos. Ponta-direita de rara habilidade, jogou no Paulistano antes de mu- dar-se para o Corinthians e sob o nome materno - Guarisi - ajudou a Itália a ganhar a Copa do Mun- do de 1934. Regressou de lá ainda a tempo de con- quistar o Campeonato Paulista de 1937 pelo alvine- gro, abandonando o futebol em seguida e deixando muitas saudades dos dribles sensacionais que dava à procura da linha de fundo. Ao seu lado, brilhou José Castelli, o Rato, ape- lido que sua ligeireza lhe conferiu. Autor do primeiro gol noturno no Estado de São Paulo, no estádio da Floresta, em março de 1930, Rato nasceu no Corin- thians e, também, curtiu uma boa temporada na Itália. Como Alexandre De Maria, um ponta-esquerda originalíssimo em seu 1,90 metro. Por incrível que pareça, era extremamente veloz, chutava com os dois pés e costumava fazer gols lá da ponta, desferindo arremates indefensáveis quando dele se esperava um cruzamento. Por ser muito alto e veloz, normalmente rolava no chão depois de chutar, porque o equilíbrio era impossível. Nem bem se encerrava um ciclo, começou outro representado pela linha média Jango, Brandão e Dino, os dois primeiros tricampeões paulistas em 1937,38 e 39, e, com o último, também campeões em 1941. I 1 A Emoção Corinthians João Freire Filho, O Jango, era o que se pode chamar de um craque britânico. Discreto, incapaz de um lance de efeito ou de um erro clamoroso. Rigo- roso, chegava na bola com absoluta precisão. Reve- lação do futebol paranaense. Augusto Brandão, além de bom tocador de vio- lão, teve uma trajetória variada. Assim que chegou de Taubaté, em 1926, defen- deu o Caveira de Ouro F. C., de onde saiu dois anos depois para jogar no Rebouças, no Barra Funda, no República, até que, em 1930, aos 20 anos, transfe- riu-se para Juventus, onde ficou durante duas tempo- radas, indo depois para a Portuguesa e, finalmente, para o Corinthians. Por cinco vezes foi campeão brasileiro de sele- ções, recorde que só ele possui, e disputou a Copa do Mundo de 1938, na França, quando o Brasil ficou com o terceiro lugar. Ao seu lado, no Corinthians, jogou Osvaldo Ro- dolfo da Silva, o Dino, também chamado de Pavão, alusão ao fato de jogar com a cabeça erguida, peito estufado, passos largos, elegante igual à ave. Negro como Brandão, mais alto e esguio do que Jango, o trio jogou inteiro em 18 das 20 partidas que signifi- caram a conquista do título de 1941, sofrendo apenas uma derrota e 17 gols. Veio da Portuguesa Santista. São da época dessa linha média admirável, ain- da, o zagueiro Jaú e os artilheiros Servílio de Jesus e Teleco. Euclides Barbosa, o Jaú, era do estilo guerreiro, valente. Ficou famoso por suportar quase um jogo I I 51 52 Juca Kfouri inteiro com a cabeça sangrando, protegida apenas por uma gaze, na final do Sul-Americano de 1937, em Buenos Aires, quando perdemos para os donos da casa por 2 a O, mas, por suportar a guerra com valentia e garra, saímos reconhecidos pela própria imprensa local. Jaú, então, virou símbolo de raça e, assim, foi bicampeão pelo alvinegro em 1937 e 38. Defesa bem representada atrás e Servílio, o Bai- larino, na frente, fazendo gols, sendo bicampeão em 1938 e 39, campeãoem 1941, artilheiro dos campeo- natos de 1945, 46 e 47, com 17, 20 e 21 gols. Baiano, veio do Galícia. Fazia gols ou preparava para seus companheiros com a mesma maestria. Jo- gava na base do um pra lá, dois pra cá, um breque, uma fustigada, uma recueta, verdadeiro bailarino num corpo negro, bastante alto, mágico. Se não bastasse Servílio, o Corinthians tinha também Uriel Fernandes, o Teleco, que poderia per- feitamente ter o apelido de Gol. Artilheiro em nada menos do que cinco dos oito Campeonatos Pau listas de que participou, marcou 243 gols em 234 jogos na sua vida corintiana. Veio do Paraná, em 1935, e jogou até 1943, sagrando-se campeão em 1937, 38, 39,41 e vice em 36,42 e 43. Um vencedor. Com Teleco encerra-se um ciclo, o tempo do fu- tebol romântico, a era que começou elitista e que o Corinthians foi fundamental para transformar em popular, que produziu 15 reis - sete dos quais já falecidos (Neco, Amílcar, Tatu, Tuffy, Filó, De Maria e Jango), embora sejam imortais na emoção corintiana. A Emoção Corinthians o fim da 2!l Guerra, em 1945, marca-o princípio de uma nova fase, cada vez mais profissional. E o ano da derrota do nazi-fascismo e do fim da ditadura de Getúlio Vargas registra, também, a chegada de um ponta-direita de baixa estrutura, atitudes mansas e que por 13 anos, até 1957, haveria de ser o dono absoluto da camisa 7 corintiana. . Seu nome, Cláudio Cristóvão do Pinho, o Cláu- dio, o Gerente. Era ele quem comandava o time dentro do campo e sua passagem pelo Parque deixou números impressionantes. Jogou 553 partidas como titular, só perdendo para Luizinho. Foi, porém, quem mais venceu (361 vezes contra 359 de Luizi- nho). Éo maior goleador da história corintiana, com 295 gols, embora fosse ponta e, na média, perca para Teleco. Batedor de faltas sem igual, Cláudio era incapaz de dar um chutão ou uma jogada inconseqüente. De . seus pés saíram a maior parte dos gols de cabeça de Baltazar, as viradas que celebrizavam uma fase corintiana e os títulos de 1951, 52 e 54. Como Wla- dimir hoje em dia, nunca teve sorte na Seleção, mis- tério comparável ao fato de que, depois dele, nem mesmo Mané Garrincha vestiu a 7 com tanta cate-o goria e eficiência. Com Cláudio, que era do Santos, e sob sua ba- tuta, jogou outra leva de ídolos, craques como Gil- mar e Luizinho, ou valentes como ldário e Baltazar. Gilmar dos Santos Neves era um goleiro tão excepcional que superou o grande-Tuffy. Na meta corintiana ou da Seleção - onde foi bicampeão mun- . 53 54 Juca Kfouri dial em 1958 e 62 -, operou milagres sem conta. Começou sua carreira no Jabaquara, em Santos, e entrou no Parque como contrapeso de uma transação entre os dois clubes. Teve um começo difícil, culpado por uma goleada. Mas desempenhou papel funda- mental nas conquistas de 1951,52 e 54 no Campeo- nato Paulista e no Rio-São Paulo também de 1954. Passou dez brilhantes anos no Corinthians e disse adeus ao futebol outra vez em Santos, no San- tos. Entre 1950 e 59 a torcida corintiana idolatrou um lateral voluntarioso, dedicado ao extremo, que disputou 470 partidas pelo Corinthians, chamado Idário Sanchez, o Espanhol. Sua maior qualidade, a que fez com que o povão o adotasse como um igual, era a de ter o sangue quente e corintiano nas veias. Não havia sacrifício que ele não fizesse pela camisa alvinegra e, se fosse necessário jogar o ponta-es- querda adversário no alambrado com uma certeira ombrada, não titubeava. Tudo pelo Corinthians, era o seu lema, e assim fez até parar. Enquanto Idário punha sua alma nas chuteiras, o Brasil inteiro cantava a marchinha carnavalesca que dizia: "Gol de Baltazar I Gol de Baltazar I Pula o cabecinhal um a zero no placar" . Uma homenagem a Osvaldo Silva, o Baltazar, o Cabecinha de Ouro, que também veio do Jabaquara, chegando em 1946 e permanecendo até 1956. Marcou 267 gols nas 402 partidas que disputou. Sua cabeçada tinha a potência de um chute e nor- malmente subia mais com a cabeça do que o goleiroII[ 55A Emoção Corinthians o I U (/) b >< oo-'«zo o: Neco virou estátua. Wladimir transpira co- rintianismo. Luizinho, o Pequeno Polegar. 56 Juca Kfouri inimigo com os braços erguidos. O meio da década de 60 assistiu ao surgimento de um fenômeno que em tudo se assemelhava à his- tória de Luizinho. A torcida chegava mais cedo ao estádio para 'ver um menino do time aspirante que fintava como poucos, lançava como gente grande e tinha uma verdadeira patada no pé esquerdo. Palmeirense de nascimento, mas criado no Co- rinthians, Roberto Rivelino, o Garoto do Parque, estreou como titular em 1965 e, até 1974, lutou como pôde para dar um campeonato ao Timão. Conseguiu até ser tricampeão mundial na Copa de 70, consa- grando-se como um dos maiores gênios do nosso fu- tebol. Mas não teve forças para alcançar seu maior sonho, e o amor que lhe dedicaram durante tanos anos acabou transformado em ódio irracional depois que, em 1974, mais uma vez o título fugiu pelos dedos. Vendido ao Fluminense, encerrou a carreira no futebol árabe. Hoje, sem dúvida, é lembrado com saudade pe- los corintianos, num tardio, porém justo, reconheci- mento ao seu incomparável futebol. Final mais feliz o destino reservou a José Maria Rodrigues Alves, o Zé Maria, o Super-Zé. Lateral- direito da Portuguesa e da Seleção, corintiano desde a infância, chegou ao Corinthians em 1970 e sofreu como Rivelino a angústia dos anos sem títulos. Até que, em 1977, fez o cruzamento que origi- nou o gol da libertação, contra a Ponte Preta. Os anos seguintes foram risonhos, e neles Zé Maria deu demonstrações raras de amor e garra. Disputou, porJ --~~~-", A Emoção Corinthians exemplo, a final do campeonato de 1979, também vencido pelo alvinegro, com a camisa branca enchar- cada do sangue que escorria de sua testa 'aberta no supercílio. A surpresa da torcida sequer se manifes- tou em torno do gesto heróico, porque dele não se esperava outra coisa. Curioso mesmo foi constatar que o seu sangue não era preto e branco. Em 1982, quando Zé Maria entrou no campo nos últimos cinco minutos da partida decisiva, contra o São Paulo, já ganha pelo Corinthians, a massa explodiu saudando seu nome em coro, urna apoteose maior que a havida com o apito final. E, a 25 de setembro de 1983, quando o Super-Zé deu a volta olímpica de despedida no Morumbi, chorando como um menino, a nota generosa e comovente ficou por conta da tradicionalmente inimiga torcida palmei- rense que, em pé, reverenciou um dos maiores exem- plos de dedicação que um atleta jamais deu a um clube. E tem o Doutor Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, o Magrão. Santista de nascimento, como Rivelino era pal- meirense. Alto, com o mesmo 1,90 metro de De Maria. Feio como Tatu. Cerebral como Cláudio. Go- leador como Servílio. Estilista como Amílcar. Des- moralizante como Luizinho, Veio do Botafogo de Ri- beirão Preto, como Filó veio do Paulistano. Líder como Neco. Sensível como Wladimir. Frio como Jango. Convertido ao corintianismo como Teleco. Polêmico como só ele mesmo. A galeria de 24 ídolos se encerra com ele, e não é 57 58 Juca Kfouri por acaso. Ainda está em atividade, neste ano de 1983, como Wladimir, e é impossível imaginar, ao contrário do companheiro, como será seu final de carreira. Wladimir, tudo indica, terá uma despedida ao estilo da de Zé Maria. E o Doutor? Sócrates tem a imprevisibilidade que caracteriza o autêntico gênio e, -até por isso, é muito incom- preendido. Afinal, quem haveria de supor que aquele estudante de medicina cadavérico e boêmio haveria de se transformar num dos melhores jogadores do futebol mundial? Desafiando a lei da gravidade, chuteiras número 41, lá vai o Doutor Fantástico, pregando democra- cia, fazendo gols, jogando bola. Como Neco representou o começo de um ciclo terminado por Teleco, e Cláudio iniciou outro encer- rado por Zé Maria, provavelmente daqui a alguns anos se perceberá que Sócrates significa uma nova fase, uma etapa em que o jogador de futebol será definitivamente aceito como um profissional igual aos outros, commais liberdade, e cada vez mais capaz de fazer da sua arte uma emoção sem igual, uma coisa indefinível como à emoção Corinthians. Os bons corintianos esperam que essa história acabe em preto e branco. E em verde e amarelo. Jr ' A PEQUENA GRANDE HISTÓRIA Ah, e como esquecer a história mais remota desta maravilhosa religião chamada Corinthians? É uma história singular, repleta de paixão, com o cheiro bom do povo que a escreveu. Uma verda- deira epopéia nascida da determinação de um pe- queno grupo de rapazes - precisamente 13 -, onde predominavam os italianos, seis, havia cinco portu- gueses e dois brasileiros. Na santa noite de 5 de setembro de 1910 é que o Corinthians foi fundado. Prevalecesse a sugestão de um dos fundadores, e o clube teria o nome de Carlos Gomes ou Santos Dumont. Mas exatamente às 20 horas e 7 minutos nasceu o Sport Club Corinthians Paulista, em homenagem à equipe inglesa do Corin- thians Team, que cumpria vitoriosa excursão no Rio e em São Paulo. Formado por gente humilde, composto em sua maioria por operários do bairro do Bom Retiro, para 60 Iuca Kfouri comprar a primeira bola tornou-se preciso passar uma lista pela vizinhança. O time surgiu preto e branco e perdeu por ape- nas 1 a O sua primeira partida, enfrentando o pode- roso União da Lapa. Logo depois começaria a verdadeira guerra que só a solidariedade de .quem conhece as durezas da vida pode vencer. Foram dois anos de luta para que o clube con- quistasse o legítimo direito de filiar-se à Liga Paulista de Futebol. Enfim, rompendo a barreira dos preconceitos que faziam do futebol um esporte de elite, o Corin- thians conquistou a oportunidade de disputar com outros dois clubes uma vaga que se abrira na Liga. O time dos operários não ultrapassaria os rivais com- postos por filhos de papai, apostava-se. Foi até fácil. O Minas Gerais F. C. acabou derrotado por 1 a Oe o São Paulo S. C. por 4 a O, resultados que garantiram o Corinthians no Campeo- nato Paulista de 1913. O objetivo seguinte era conseguir um campo, desafio ainda maior para quem tinha muita abne- gação e nenhum dinheiro, além de não contar com as simpatias das autoridades que desdenhavam da mo- déstia do clube. Mas em 1916, na rua Itaporoga, ali onde hoje se encontra o C. R. Tietê, na Ponte Pequena, o Corin- thians arrendou um terreno por cinco anos, pagando uma taxa elevadíssima por mês e, na base do mutirão e trabalhando apenas à noite, ergueu rapidamente A Emoção Corinthians seu estádio. A cidade começava a ficar encantada com aque- la gente de fé e o número de associados - eram apenas 16 na fundação - não parava de crescer. Ainda mais porque em 1914 e em 1916 mesmo, o time levantou o Campeonato sem nenhuma der- rota, deixando perplexos seus adversários. Mais atônitos ficaram ainda quando o Corin- thians sagrou-se o primeiro tricampeão do futebol paulista, ao ganhar os campeonatos de 1922/23 e 24, o de 1922 com o sabor especial que lhe conferiu o Centenário da Independência do Brasil e o de 1924 por ter sido decidido em pleno Jardim América, con- tra a juventude dourada do Paulistano, derrotada por2aO. O Corinthians, então, já era grande. Podia até pensar na "casa própria". Coisa que fez, contando com o apoio dos 200 associados da época e de sua torcida, mesmo que atrasando diversas vezes o paga- mento do gigantesco terreno adquirido à base de pura ousadia. Assim surgia o Parque São Jorge, a simpática "Fazendinha", inaugurado em 1928 com a partida entre Corinthians e América carioca, os dois cam- peões do Centenário, que empataram por 2 a 2. Os tempos duros, de falta de dinheiro, iam fi- cando para trás. Episódios como a perda de sede por falta de pagamento do aluguel, em 1912, quando o patrimônio do clube - três cadeiras, uma mesa, um arquivo, um jogo de camisas e algumas outras pe- quenas quinquilharias - chegou a ser penhorado 61 62 Juca Kfouri para honrar a dívida e, em seguida, habilmente sur- rupiado na calada da noite por um pequeno grupo de operários liderado pelo garoto Neco, o mesmo que seria ídolo anos depois, pertenciam ao passado. O Corinthians materializava um sonho impossí- !I vel. Àquela altura ninguém mais se atreveria, por exemplo, a enganar os corintianos, como em 1915, quando, sob a promessa de ser aceito na Associação Paulista de Esportes Atléticos, mais "nobre" e im- portante do que a Liga Paulista de Futebol à qual era filiado, o Corinthians ficou fora de ambas e não dis- putou campeonato algum. A vontade e entrar na APEA e poder enfrentar clubes como o Paulistano permitiu a falseta, vingada no mesmo ano pelo alvinegro, que enfrentou e venceu os dois campeões: o Palmeiras, da APEA, por 3 aO, e o Germânia, da Liga, por 4 a 1. No próprio ano da inauguração do Parque, para provar que sequer o esforço para construí-Io enfra- queceu o time, o Corinthians ganhou o título paulista - desde 1917 o torneio foi unificado, acabando a Liga e permanecendo a APEA -, com uma única derrota e iniciou a trajetória para mais um tricam- peonato. O Corinthians, primeiro clube paulista a ter um jogador negro - embora o preconceito proibisse a participação dele, o Davi, no campeonato -, alcan- çou o bicampeonato invicto em 1929 e chegou ao tri no ano seguinte ao esmagar o Santos, na Vila Bel- miro, por 5 a 1. O ano de 1930 marcou também a I jr: A Emoção Corinthians última temporada de Neco, o menino que liderou a salvação do patrimônio em 1912 e que a partir de 1913 consagrou-se~mo ídolo no ataque corintiano. A década de 20 oi, como se viu, particular- mente importante a}vida corintiana e, seria tam- bém, na história do país. '\ ( Além de ter assistido ao surgimento do charuto . 'I como marca registrada das melhores tradições alvi- negras - o torcedor Martins sempre acendia u quando o time assinalava um gol -, a década abri- gou ainda a revolucionária Semana de Arte Ma- u derna, em 1922, quando Menotti DeI Picchia, um de seus maiores ativistas, reconheceu que "o Corin hians é um fenômeno sociológico a ser estudado em rofundidade" : Os anos 30,'tlO entanto, começam mal para o, clube. Quatro <tos melhores craques do time -- Ratto, DeI Debbio, De Maria e Filó - são atraídos pelo rico futebol profissional italiano - e o Corin- thians atravessa até 1937 sem nenhum título. Quando, em J9.33, o profissionalismo é admi- tido no Brasil, o Corinthians continua se ressentindo das ausências mas, em 1937/38 e 39, conquista seu terceiro tricampeonato, fato inédito no futebol pau- lista, sagrando-se ainda, em 1938, e pela quarta vez, campeão invicto, outra façanha exclusivamente co- rintiana. Aí, o zagueiro DeI Debbio e o ponta-direita Filó estavam de volta, eles que fizeram tanta falta nos anos anteriores. Filó, aliás, e De Maria, um ponta- esquerda de 1,90 metro que chutava com os dois pés. 63 64 Juca Kfouri e possuía incrível velocidade, foram os primeiros campeões mundiais brasileiros, pois, beneficiados pelo fato de serem oriundi, ou seja, descendentes de italianos, d~taram a Copa de 1934 pela Itália. Em (í9~1 'f. Corinthians volta a ser campeão paulista ~epois, conhece seu primeiro longo perío- do sem ter o que cOp1emorar a nível regional, só vindo a reconquistar o título em 1951. E brilhante- mente. Pela primeira vez um ataque marcou mais de 100 gols - exatos 103 -, em 28 jogos, dos quais venceu 24, empatou e perdeu dois. Luizinho, o Pe- queno Polegar, já estava em ação com a camisa 8. Então vei0't954, o ano do IV Centenário de São, Paulo e a disputa de um campeonato todo especial. Os demais clubes paulistas queriam impedir que o Campeão do Centenário de 1922 fosse para o plural e formaram uma verdadeira frente anticorintiana. A partir daí existiam duas torcidas no Estado, os corin- tianos e os anticorintianos. Em vão. Ao fim de 26 partidas, o Corinthians era o Cam- peão dos Centenários, com 18 vitórias, seis empates e apenas duas derrotas. Tantas glórias, somadas a outras tão importan- tes e recentes como foram as obtidas nos Torneios Rio-São Paulo de 1950 - o primeiro -, 1953 e 54, parece que enfastiaram o Corinthians.Era o clube mais vezes campeão paulista, com 15 títulos, três ve- zes campeão do Rio-São Paulo em cinco disputas. A nação corintiana precisava passar por uma grande provação. -,.-,.,.--- A Emoção Corinthians i) L~ ~ 65 \ E começaram os tempos de sofrimento. Longos 22 anos em que aconteceu de tudo.-----Em i966, por exemplo, o Palmeiras chegou ao seu 15? campeonato paulista e em 1972, 74 e 76 passou à frente do Corinthians, embora hoje, com as vitórias corintianas em 1977, 79 e 82 esteja tudo igual com 18 títulos para cada clube. Mas, na verdade, em matéria de hegemonia, o Corinthians só manteve mesmo a do confronto direto com seus maiores rivais - Palmeiras, São Paulo e Santos -, jamais e em tempo algum sendo superado por eles, mesmo com os tempos do tabu santista. Quer dizer, em nenhum momento desses anos todos o Corinthians se viu superado em número de vitórias no embate direto com seus adversário mais tradicio- nais. Fenômeno, no entanto, foi constatar que a tor- cida corintiana não parou de crescer, originando o comentário que soa como sábio do falecido jornalista José Roberto de Aquino, assessor de imprensa do clube até o começo de 1983: "Todo time tem uma--~torcida. No Corinthians é ao contrário. E a torcida-------- ~ - ---que tem um time". '- -- ,.:.- Só mesmoesse sentimento mágico, arrebatador, pode explicar que, mais de 70 anos depois de sua fundação, permaneça o mesmo espírito que faz com que cada corintiano sinta-se dono do seu time, como se ainda fossem poucos, como se fossem o Antônio Pereira, o Joaquim Ambrósio, o Anselmo Corrêa, o Carlos Silva ou o Rafael Perrone, os primeiros a terem a idéia Corinthians. Ou como se fossem o Ale- 66 Juca Kfouri ..: a: üia: a: w LL. o U'..:z~ o Corinthians Team em São Paulo, em 1910. Os campeões invictos de 1914 e 1916: Sebastião, Fúlvio, Casemiro, César, Bianco; Pollice, Neco e Aparicio; AmU- car, Plinio e Américo. s: A Emoção Corinthians ,,~"'._ ,.__ ~ u, Tricampeão em 1922/23/24: Gelindo, Rafael, Roeda, Co- lombo, Dei Debbio e Ciasca; Perez, Neco, Pinheiro, Tatu e Rodrigues. Campeão de 1928: Leone, Filó, Grané, Guimarães, Dei Debbio, Munhoz; Napoli, Gambinha, Rato, De Maria e Tuffy. 67 A Emoção Corinthians ~ 68 Juca Kfouri 'I 69 Tricampeão em 1930: Tuffy, Nerino, Grané, Guimarães; Dei Debbio e Munhoz; Filó, Neco, Perez, Rato e De Maria. Campeão de 1937, primeiro título do profissionalismo: José I, Jaú, Brandão, Teleco, Munhoz, Carlito, Carlos; Jango, Daniel, Carlinhos e Filó. Campeão de 1941: Jango, Dino, Chico Preto, Brandão, Ciro, Agostinho e o técnico Dei Debbio; Tite, Servilio, Teleco, Joane e Milani. , o ataque dos 100 gols, em 1951: Cláudio, Luizinho, Bal- tazar, Carbone e Mário. 70 Juca Kfouri Campeão dos Centenários, em 1954,' Gilmar, Rafael, Goiano, Homero, Idário, Alan, Nonô, Roberto, Simão, Luizinho, Cláudio e Osvaldo Brandão. ~o::. ..J woz«::. Campeão de 1977, 22 anos depois: Zé Maria, Tobias, Moisés, Ruço, Ademir e Wladimir; Vaguinho, Basílio, Geraldo, Luciano e Romeu. ,~:I j, I',I A Emoção Corinthians 71 ~ b'~,! ::. ..J uroz ~,·,)~t:$tli~~i Campeão Paulista de 1979: Jairo, Mauro, Luís Cláudio, Amaral, Caçapava e Romeu; Plter, Biro-Biro, Palhinha, Sócrates e Wladimir. Campeão Paulista de 1982: Solito, Sócrates, Ataliba, Ca- sagrande, Zenon e Biro-Biro; Mauro, Daniel Gonzales, Alfinete, Pau/inho e Wladimir. 72 Juca Kfouri t Rivelino, neuroticamenteconvertido ao corintianismo. A Emoção Corinthians o>-z õ: "W (/) o, Sócrates, a alegria pela consciência. 73 A Emoção Corinthians í.:i .i~{i 74 Juca Kfouri xandre Magnani, O Felipe Aversa Valente, o Miguel Sottile, o João Morino, o Salvador Lopomo, o João da Silva, o César Nunes e o Miguel Batalia, o pri- meiro presidente, todos fundadores do clube. É que o Corinthians continua sendo do João, do José, do Celso, do Adílson, do Maurício, do Valde- mar, do Orlando, do Sérgio, do Vladimir, do Válter, de todos quantos sentem essa mística maravilhosa, essa coisa de ser Corinthians, que é muito maior que a de ser apenas vencedor, que um adesivo exprimia bem nos anos de jejum, em sua simplicidade: "Cam- peão ou não, és a minha paixão". Por tudo isso a nação corintiana continuou a ser a maior torcida localizada numa só região do país, superando até mesmo a do Flamengo que, se é maior no país - tem 11,8 milhões de torcedores contra 6,5 milhões corintianos -, não tem no Rio os 2,8 mi- lhões de torcedores que o Corinthians tem em São Paulo, segundo números recentes do Instituto Gal- lup. E o corintianismo não é uma obsessão cega. Predestinado desde que nasceu pobre no Bom Re- tiro, a vitória do corintiano não se resume aos cam- peonatos. Não terá sido por acaso que outra pesquisa Gallup - essa de dezembro de 1976, publicada na revista Isto É de12/10/1977 - mostrou que 59% dos corintianos votavam no MDB, na oposição, enquanto apenas 27% eram da Arena, da situação, e 14% eram indiferentes. Na comparação com os demais clubes paulistas, tais dados significavam que o Co- rinthians tinha o maior número de emedebistas, e o I,,' , ""'~.I ..;.)"11 \'1 I 75 menor de arenistas ou indiferentes, sendo que na 'categoria de "não-torcedores", ou seja, os que não se interessavam por futebol, havia o maior número de indiferentes, outra demonstração de que não se justi- I...fica estabelecer a relação entre futebol e alienação. A verdade é que nada na História é casual. O Corinthians surgiu como surgiu porque os deserda- dos da época precisavam ocupar um espaço que exis- tia e que a elite procurava negar. Como reação, mas não apenas, porque além disso apontava numa dire- ção justa e necessária, o corintianismo se afirmou e obteve voz, disputando a vez de igual para igual. O Corinthians é hoje, novamente, um time ven- cedor. Há quem queira fazê-lo campeão do mundo, um projeto possível em função de seu tamanho, viá- vel na medida em que é o clube mais amado do Estado mais rico do país do futebol e obrigatório mesmo para quem tem a responsabilidade de dirigi- 10. Ocorre, porém, que nem que chegue a tanto, isso será tudo. Diversos times já obtiveram essa gló- ria, e nem por isso o mundo mudou. A vocação nascida no Bom Retiro tem a ver com a transformação e se manifesta também - até prin- cipalmente, às vezes - pelo futebol corintiano, tor- nando a vitória no campo quase secundária. Quase, porque, como pôde ser percebido, a his- tória de um time é contada através de suas con- quistas e nem a corintiana escapa a essa regra, em- bora ela seja dramaticamente pontilhada de insu- cessos que, por serem revelados, dão ao Corinthians 76 Juca Kfouri a sua dimensão inigualável. Assim é que os 22 anos significaram um intenso exercício aparentemente masoquista. Mais ainda quando se constata que muitos corintianos não ex- traem mais do time a satisfação daquele período. Mas não era masoquismo; porque a busca corin- tiana não terminou como se supõe e, antes pelo con- trário, tudo indica que ainda será longa e árdua. A 1 '- busca, apenas, mudou de qualidade. \, Os casos de Rivelino e Sócrates, por exemplo, talvez sejam esclarecedores pelo que têm de comum e de antagônicos. Ambos não eram corintianos. Riva era palmei- rense, o Doutor santista. Ambos foram convertidos ao coríntíanísmex O primeiro por neurose, pelo de- sespero da procura do título, o segundo por convic- ção e pelo encontro com a felicidade. Rivelino, quem não sabe, foi dos maiores joga- dores da história alvinegra. Chamado de Garoto do Parque era mimado e marcado pela torcida. Porque levava o time nas costas, era o responsável por tudo o que acontecesse, para o bem ou para o mal. Acabou por assumir a obsessão inteiramente, passou a ser dominado por ela e foi sua grande vítima, escor- raçado do Parque São Jorge após a decisão do título de 1974, perdido para o Palmeiras. Ainda hoje faz declarações de amor ao Corinthians e só tem uma frustração na vida: a de não ter sido campeão no time que aprendeu a amar. Muito mais racional, Sôcrates chegou ao Corin- thians e logo percebeu que estava diantede uma I 'I A Emoção Corinthians 77 coisa nova, grande, misteriosa. Foi penetrando nela aos poucos, entendeu o corintianismo antes de assu- mi-lo e mesmo ao Iazê-lo tem, como todos os outros mortais, dificuldade em explicá-lo. Como Rivelino, está entre os onze melhores jogadores da vida corintiana. Ao contrário dele, no entanto, teve a sorte de chegar ao clube depois que o pesadelo havia acabado e, logo em seu primeiro ano, foi campeão. Provavelmente porque venceu não dá à vitória a mesma importância que Rivelino, embora, ironicamente - e eis aí mais uma medida do Corin- thians -, Rivelino seja campeão mundial de 1970 e Sôcrates um sobrevivente da tragédia de Sarriá, na Copa de 1982. Vitórias, enfim, não são comparáveis. Nem so- frimentos. Importa saber o que se quer, e nisso os 13 rapa- zes do Bom Retiro foram perfeitos. Transformaram um sonho em realidade, dela novos sonhos nasceram incessantemente, foram sendo atingidos, multipli- cados, recriados, e o mais sublime deles não é só a melhor das idéias. O sonho Corinthians, definitivamente, não aca- bou. Caro leitor: Se você tiver alguma sugestão de novos títulos para as nossas coleções, por favor nos envie. Novas idéias, novos títulos ou mesmo uma "segunda visão" de um já publicado serão sempre bem recebidos. c; r.:. SEÇ"C rf: "'.j}~ ,:áo ~~ :-.l.JLUm .L.L~-(.; 1- 1}2--/9, 1_ Sobre o Autor o autor nasceu corintiano em 4 de março de 1950. Com um ano de vida já era campeão paulista e, com dois bi. Em 1953 não ligou nem um pouco para a falta do tri e guarda vivamente as imagens da conquista do IV Centenário, por mais que não acreditem, De 1954 em diante sofreu como todo bom corintiano e não se arrepende, pois o ano da graça de 1977 a tudo redimiu. Nesse meio tempo ele estudou, comungou pedindo a D_eus que a graça fosse a quebra do tabu contra o Santos - obtida apenas em 1968, quando, descrente, não comungava mais - e jamais admitiu derrota para o São Paulo, precoce sintoma do correto entendimento da luta de classes. Em 1970 ingressou na Editora Abril para trabalhar no Depar- tamento de Documentação, o Dedoc, como pesquisador da área de esportes para o projeto Alfa, a futura revista Placar que nasceria no mesmo ano. Então, acabara de entrar na Faculdade de Ciências Sociais da USP. Em 1974, como gerente do Dedoc, comemorou o diploma univer- sitário assumindo a chefia de reportagem de Placar, posição que deixou apenas em 1978 para uma curta e traumática aventura como diretor de esportes da Rede Tupi de Televisão. Dois meses depois voltou ao Placar como editor de projetos especiais e, em 1979, teve o magnífico prazer de fazer a edição especial do Corinthians campeão como diretor da revista, função que exerce até hoje. ~ I ~~ , I ~ Que pode haver de maior ou menor que um toque? W. Whitmim VOCÊ CONHECE O PRIMEIRO TOQUE? emai$: Chacal I.e!rinski PRIMEIRO TOQUE é uma publicação com crorucas, resenhas, comentários, charges, dicas, mil atrações sobre as coleções de bolso da Editora Brasiliense. Sai de três em três meses. Por que não recebê-Ia em casa? Além do mais, não custa nada. Só o trabalho de preencher os dados aí de baixo, recortar, selar e pôr no correio. NOME: . END.: . BAIRRO: FONE: . CEP: CiDADE: EST.: '," PROFISSÃO: IDADE: . editora brasiliense s.a. 01223 - r. general jardim, 160 - são paulo 1 • Aa Independências na Amé- rica latina Leon Pomer 2 . A crise do elcravlamo e a grande Imigração P, Belguelman 3 • A luta contra a metrópole CAsia e Afrlca) M. Yedda Unhares 4 • O popullsmo na América Latina M. Lrgla Prado 5 • A revolução chl. nesa D. Aerêo Reis Filho 6 • O cangaço Carlos A. Dórla 7 • Mer- aantlUsmo 'e transição Francisco Falcon 8 • As revoluções burgue- sas M, Florenzano 9 - Paris 1968: 8S barricadas do deselo OIRátla C. F. Matos 10 - Nordeste lnsur- gente (1850·1890) Hamilton M. Montetrc 11 - A revolução Indus. trlal Francisco Igléslas 12 • Os qui/ambos e a rebelião negra Clóvis Moura 13 - O ccrcneltsmc M. de Lourdes Janottl 14 - O governo J. Kubltscheck Rlcardo Marenhãc 15 • O movimento de 1932 Maria H. Cape/ato 16 • A América pré-colomblana C. Fia. marlon Cardoso 17 • A abolição da ascravidio Suely R. A. de Quelroz 18 - A proclamaçio da repubUta J. ~nlo Casalecchl 19 • A revolta de Princesa Inês C. Rodrlgues 20 • Hlst6rla poUllca do futebol brasileiro J. Ruflno • dos Santos 21 • A Nicarágua sano dlnlsta Marlsa Marega 22· O lIu. mlnlsmo e Os reis filósofos l. R. Salinas Fortes 23 • Movimento estudantil no Bralll Antonio Men- des Jr. 24 • A comuna de Paris H. González 25· A rebelião praieira Izabel Marson 26 - A prl- mavera de Praga Sonla GoJdfeder 27 - A construçio do socialismo na China D. Aaráo Reis Filho 28 - Opulência e mls6rla nas Minas Geral. Laura Verguelro 29 - A burguosla brasileira, Jacob A SAIR A balalada M. de tourdea Janottl A crise de 1929 Adalberto Mar. ecn A colonização na. amérlcas Fernando Ncvaes A. clvlllzaçlo d4 açúcar Vera Ferllnl A crise do petróleo Bernardo Kuclnskl A cristandade latina medieval Fren- ctscc José Silva Gomes A de- mocracia etentense F. M, Plres/ Paulo P. Castro A guerra dos farrapos Antonto Mendes Jr A história do Carlbe Elizabeth Aze- vedo/tutza V. Sauala/Hlldegard Herbold A história do espe- táculo e encenação Fernando Peixoto A hlst6rla do P.C.B. SII. vta Magnanl A Independênclt'. dos rUA Suzan Anne Semler A Industrialização brasileIra Pren- ctscc Iglásfas Amarlcan way of life chega ao Braall Gerson Mou- ra A redemocratlzaçio brasileira: 1942-1948 Oartce Henrlque Oavl- doff A revoluçio de 1935 P. Sergio Pinheiro A revoluçio mo- COLEÇÃO TUDO ÉHISTÓRIA Gorander 30 - O governo Jãnio Quadros M. Victórla Mesquita Benevldes 31 • Revolução e guerra cIvil espanhola Angela M. Almetde 32 . A legIslação tre- balhista no Brasil Kazuml Muna. kata 33 • Os erlmes da paixão Marlza Corrêa 34 • As cruzadas Hllárlo Franco Jr. 35 - A forma. ção do 3.- mundo Ladislau Dow- bor 36 - O Egito antigo Clro F. Cardoso 31 • Revolução cubana Abelardo Blanco/Carlos A. Dõrte 38 • O Imigrante e a pequena pro- priedade M. Thereza Schorer Pe- trone 39 - O mundo antigo: eco- nomia e sociedade M. Beatrlz B. Florenzano 40· Guerra civil ame- ricana Peter L Eisenberg 41 • Culftlra a participação nos anos 60 Heloisa B. de Hollanda 42 • Revolução de 1930: a dominação oculta Italo Tronca 43 - Contra a chibata: marinheiros brasileiros em 1910 M. A. Silva 44 • Afro. América: a escravidão do novo mundo Clro F. Cardoso 45 • A Igreja no Brasil-Colônia Eduardo Hoornaert 46 - Militarismo na AmêirlC8 latina Clóvis Rossl 41 . Bandelrantlsmo: verso e reverso Carros Henrtoue Davidoff 4B _ O governo Goulart e o golpe de 64 Calo N. de rolado 49 _ A Inquislção Anlta Novlnsky 50 - A poesia árabe moderna e o Brasil SlImanl Zaghldour 51 • O nasci- manto das fábricas Edgar S. de Decca 52 . Londres e Paris '.0 eéeulc XIX Maria Stella Martins Bresclanl 53 • Oriente Médio e o mundo dos árabes Maria Yedda Unharas 54 - A autogestão lugosJava 8ertlno Nobrega da Ouelroz 55 - O golpe da 1954: a burgueala contra o popuUsmo Armando Bolto Jr. 56· Elalções • fraudes eleitorais na República Velha Rodolpho Telarolll 51 • Os jesuítas José Carlos Sebe 58 • A repübltce de Welmar 8 8 ascen- são do nazismo Angela M. AI. metda 59 • A reforma agrária na Nicarágua CláudiO T. Bornsteln 60 • Teatro Oficina Fernando Pei- xoto 61 - Rússla (1917-1921) anos vermelhos Daniel A. R. Fi. lho 62 - Revolução mexicana (1910-1911) Anna M. M. Corrêa 63 . América central Héctor Pé. rez Brignoli 64 • A guerra fria Déa Fenelon 65 • O feudalismo Hllárlo Franco Jr. 66 • URSS: o socialismo real (1921-1964) Da. nlel A. R. Filho 67 • Os liberais e a crise da República Velha Paulo G. F. Vlzentinl 68 - A redemocra. tização espanhola Reglnaldo C. Moraes 69 • A etiqueta no antigo regime Ranato Janlne Ribeiro 70 • Contestado: a guerra do novo mundo Antonio P. Tota 71 - A famma brasileira Enl de Mesquita Samara 12 • A eeono. mia cafeeira José Roberto do Amara! lapa 73 • Argélia: a guerra e a independência Musta- fá Vazbek 74 • Reforma agrária no Brasil-Colônia leopoldo