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EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 1 Experiência do Usuário EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 2 Experiência do Usuário Aula 1: Noções Básicas de Experiência do Usuário 1.1 Conceitos e Definições Também conhecido como User Experience (UX), a Experiência do Usuário consiste nos sentimentos e percepções de um indivíduo acerca do uso de um produto, serviço, evento ou marca. A ISO 9241–210 define a experiência do usuário como “as percepções e reações de uma pessoa que resultam do uso ou utilização prevista de um produto, sistema ou serviço”. Donald Norman cunhou a expressão User Experience em meados da década de 1990, quando ocupou o cargo de Vice- Presidente do Grupo de Tecnologia Avançada da Apple, pois ele acreditava que definições como Interface de Usuário e Usabilidade limitavam a compreensão sobre o que o trabalho dele representava. O consenso de vários autores é de que “UX Design é uma abordagem para resolver problemas de forma interdisciplinar, holística e direcionada a um profundo entendimento do comportamento, cognição, capacidades, desejos e contexto humano”. A Experiência do Usuário é mais um fator estratégico do que design, cuja atividade é atribuída a todas as áreas envolvidas no projeto. Contrariando a crença popular, a UX não é uma disciplina, mas na verdade uma mediação coordenada de várias disciplinas, cujo foco da orientação projetual é o usuário. Em seu livro Design for Interaction (2009), Dan Saffer propôs um modelo (Figura 1, adiante) para ilustrar a convergência de disciplinas, especializações, métodos e técnicas que compõem o UX. EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 3 Figura 1. Modelo de UX criado por Dan Saffer. Diversos autores ilustraram a experiência do usuário como o resultado de uma quantidade variável de fatores relacionados às relações entre usuário e produto. Baseada na Pirâmide de Maslow, o diagrama de Patrick W. Jordan (2002) aborda de forma hierárquica as necessidades humanas primárias sobre qualquer tipo de produto (Figura 2, a seguir). A função (funcionalidade) do produto é a necessidade EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 4 mais importante, seguida da facilidade de uso (usabilidade) e da agradabilidade proporcionada (prazer). Figura 2. Diagrama de Patrick W. Jordan. Já o diagrama de Stephen P. Anderson (2011) contém seis necessidades: significativo, agradável, conveniente, utilizável, confiável e funcional (útil). O percurso de baixo para cima representa o processo básico de desenvolvimento de um produto, enquanto que de cima para baixo foca na experiência desejada para os usuários. Ou seja, além da funcionalidade básica, usabilidade e conveniência, os projetistas devem refletir sobre o tipo de experiência que o usuário tem ao usar seu produto, quando buscam projetar um produto revolucionário. EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 5 Figura 3. Diagrama de Stephen P. Anderson. Sendo a UX uma percepção residual deixada na mente dos usuários após uma série de interações com objetos e eventos, podemos considerar dois tipos de interações: ativas e passivas. As interações ativas consistem nas ações dos usuários, como por exemplo, fechar uma janela pop-up. Já as interações passivas são as reações do corpo humano ao mundo externo, a tudo que é captado pelos sentidos. A liberação de substâncias químicas relacionadas ao bem-estar e ao prazer como as endorfinas e dopaminas diante de uma contemplação da natureza é um exemplo disso. A experiência total também é composta por interações secundárias, estabelecidas por relações de causa e efeito. Entretanto, todas as interações são passíveis de interpretações subjetivas, pois a percepção sempre é verdadeira na mente do usuário. Experiências sempre serão algo individual, interno e intransferível. Tudo é polissêmico e passível de ressignificações, de modo que a atuação do designer é imprescindível na aceitação e engajamento do usuário em uma experiência. EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 6 Portanto, projetar corretamente a Experiência de Usuário requer a ação consciente do designer, por meio da combinação de diferentes atividades e percepções, obtida por meio da análise dos três tipos de interações existentes: 1.1.1 Interações controláveis São as pequenas coisas que fazem com que pareçam reais, que fazem os convidados se apaixonarem por eles. (Bernard Lowe, Westworld, 2016) No episódio piloto da série Westworld (HBO, 2016), o chefe da Divisão de Programação Bernard Lowe conversa com Elsie Hughes sobre uma inusitada atualização que adicionou sutilezas gestuais a robô Clementine. Responsável pelo comportamento dos robôs anfitriões do referido parque temático, Hughes fica estupefata ao constatar como o simples gesto exibido pela robô foi capaz de acrescentar humanidade suficiente para enriquecer ainda mais a experiência promovida pelo parque. Portanto, o projetista deve criar interações que podem ser percebidas e acompanhadas. Em outras palavras, o designer deve perceber como o usuário está respondendo. Exemplos: Escolher a fragrância ideal para uma loja de shopping center atrair clientes por meio da estratégia de marketing olfativo. O olfato é o sentido responsável por criar as primeiras sinapses no processo sensorial humano. É por meio do olfato que a criança chega ao seio da mãe para mamar. Organizar de forma estratégica os produtos de supermercados nos corredores e gôndolas visando aumentar os gastos não planejados pelos clientes. Projetar a disposição dos anúncios publicitários em sites de notícias. É o caso dos infames clickbaits (isca de cliques). EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 7 1.1.2 Interações cognitivas As interações cognitivas não podem ser controladas ou percebidas e dependem de conhecimentos prévios do usuário. Ou seja, interfaces reconhecíveis facilitam a compreensão pelos usuários e evitam fricções e frustrações. Por cognição entende- se o processo de aprendizagem e aquisição de conhecimento por meio da nossa mente, de modo que isto resulta na experiência e na formação de um modelo mental. Fredy Kofman (2004) afirma que o modelo mental é o conjunto de sentidos, pressupostos, regras de raciocínio e inferências que nos leva a fazer determinada interpretação. Esses fatores definem como percebemos, sentimos, pensamos e interagimos. Durante os testes no ato projetual, o designer acaba ficando sem várias respostas sobre os aspectos cognitivos que abarcam o comportamento e a ação dos usuários. Memória: Quais as dificuldades no processo de retenção de informações dos usuários? Quais experiências são arquivadas e recuperadas quando são solicitadas? Percepção: Como os usuários percebem e reconhecem um conteúdo? Resolução de problemas: Quais processos mentais estão envolvidos para o usuário encontrar soluções de problemas específicos? Processo Decisório: Como funciona a tomada de decisão do usuário? Por que o usuário adotou um plano de ação dentre várias alternativas? Quais fatores influenciaram sua decisão? As questões acima são importantes quando consideramos a avaliação dos aspectos cognitivos dos usuários, pois os referidos aspectos podem ajudar a entender a natureza e o processo de interação em suas mentes. O projetista precisa explorar e compreender o que estão tentando alcançar e como fazem isto. EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 8 Exemplos: Utilizar modelos mentais previamente disseminados entre os usuários, como por exemplo, as engrenagens para configurações, pontos de exclamação para advertências,e o ponto de interrogação para tutoriais. 1.1.3 Interações Negativas As interações negativas infelizmente são inevitáveis. Entretanto, a prevenção sempre é mais eficaz do que um posterior controle de danos. Para reduzir as interações negativas, o projetista deve ficar atento para transformar algo negativo em positivo para o usuário. Exemplos: Inserir um tutorial no início de um game pode garantir que o jogador compreenda a mecânica do jogo e sinta-se estimulado a enfrentar os desafios dos estágios. Essa medida é essencial para evitar a desistência do jogador, principalmente nas plataformas mobile, nas quais a oferta de jogos gratuitos de boa qualidade é enorme. Fornecer um rápido feedback ao usuário é quase tão importante quanto assegurar a existência de um canal de retorno. O chamado “efeito campainha” deve ser considerado para não gerar insegurança no usuário. Não é à toa que diversos teóricos afirmam que vivemos o “século das emergências”. Monitorar uma fanpage, fórum ou chat com o objetivo de gerir o fluxo de informação dos usuários. É difícil controlar o conteúdo produzido pelos usuários, porém estritamente necessário, pois um desvio da função original de um sistema pela ação dos usuários com o tempo pode tornar-se um padrão e isso ser indevidamente associado ao provedor do serviço. O 4chan, por exemplo, apesar de ser uma dos maiores fontes de memes da internet mundial, propicia a disseminação de assuntos polêmicos e até mesmo criminosos por permitir o anonimato dos usuários. EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 9 1.2 Affordance O termo Affordance foi cunhado em 1977 pelo psicólogo James J. Gibson para evidenciar a utilidade das coisas, sendo aplicado à Interação Humano Computador por Donald Norman em 1988 com o intuito de fomentar a boa usabilidade. Affordance significa a capacidade de um objeto ter a sua funcionalidade identificada pelos usuários de forma intuitiva ou baseado em modelos mentais prévios. Por conterem funções práticas, estéticas e/ou simbólicas, os objetos podem conter inúmeras possibilidades de ações dependentes da percepção dos usuários. Um bom exemplo é o espremedor de laranja Juicy Salif (Figura 4, adiante) concebido pelo renomado designer Philippe Starck, que também é bastante utilizado como objeto decorativo devido ao seu design moderno. Figura 4. Juicy Salif. Enquanto os objetos físicos possuem Affordances baseadas em seu tamanho, formato e peso, as interfaces de aplicações web e mobile consistem em suas representações gráficas e metáforas. Se no meio analógico o formato e as características físicas denotam que um botão é pressionável, no meio digital a EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 10 interface deve utilizar efeitos visuais como relevo, volume e sombras para demonstrar que algo é clicável. Portanto, as Affordances no meio digital devem ser projetadas considerando as referências dos usuários. Apesar dos designers projetarem interfaces com base no instinto e nas heurísticas, sempre é importante refletir quais são as qualidades que fazem um objeto convidar o usuário para a interação. Investir atenção e esmero às Affordances da interface de um site, aplicativo ou game pode refletir de forma bastante positiva em suas respectivas taxas de conversão, taxas de registro e ações. Tipos de Affordance Real Tratam-se das características físicas dos objetos e as indicações de suas utilidades. Um controle de videogame demonstra que deve ser manuseado com as duas mãos por conta de seu formato, design ergonômico e tamanho. O direcional digital (seja em forma de cruz ou disco) e o direcional analógico esquerdo evocam o controle sobre a direção do personagem do jogador, enquanto os botões estão relacionados às ações dele e ao gerenciamento do game. Percebida Trata-se do tipo mais comum de Affordance nas interfaces. Consiste em tornar perceptível para o usuário a função dos elementos da interface por meio de efeitos visuais, com o intuito de fomentar a usabilidade. Entretanto, esse tipo de Affordance está diretamente relacionada às experiências prévias dos usuários e ao aprendizado. É senso comum que as setas horizontais nas interfaces indicam estados de trabalho anteriores ou posteriores ao atual ou um rolamento lateral. EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 11 Falsa É uma Affordance percebida que engana o usuário, pois o induz a pensar que executa uma atividade, quando na verdade realiza outra ou mesmo nenhuma. Um bom exemplo é o botão do semáforo para pedestres chamado “botão placebo”, cuja função é dar a ilusão de controle para os indivíduos suportarem melhor a espera. Oculta Uma Affordance oculta possui uma ação implícita que não é percebida pelo usuário e somente é revelada mediante uma determinada condição. Essa Affordance fica perceptível apenas quando o usuário passa o cursor do mouse sobre o elemento e o cursor muda de seta para a mãozinha. Sua presença pode tornar a interface mais limpa por não inundar uma página com muitas interações. Entretanto, a usabilidade pode ser prejudicada caso o usuário tenha dificuldade de revelar a Affordance oculta. Explícita Consiste em algum tipo de linguagem verbal. São consideradas explícitas devido a seu caráter intuitivo, pois qualquer usuário sem experiência prévia em interfaces é capaz de interagir com o objeto. Entretanto, a descoberta dessa Affordance requer que os usuários saibam clicar. Por exemplo, o texto “Pular anúncio” nos botões dos anúncios do YouTube. Metafórica É uma prática recorrente e bastante eficaz utilizar representações de objetos analógicos como metáfora para comunicar uma Affordance. Um bom exemplo é o ícone da casa, que significa a página principal. Não permitida Ocorre quando algumas funcionalidades do aplicativo, site ou game estão desativadas e sua indisponibilidade é expressa por meio de algum recurso visual. O exemplo mais recorrente é o acinzentamento do elemento desativado. EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 12 Aula 2: Interação Homem-Computador (IHC), Design Centrado No Usuário (DCU) e Design Para a Experiência 2.1 Interação Homem-Computador Interação humano-computador (também conhecido como IHC) é o estudo da interação entre pessoas e computadores. Devido a sua natureza interdisciplinar, é um campo de pesquisa que relaciona a ciência da computação, design, psicologia, sociologia, ergonomia, semiótica, linguística, e vários outros campos de estudo. A interação entre humanos e máquinas ocorre por meio da interface de usuário, composta por software e hardware. Exemplos de IHC são os aspectos interativos de sistemas operacionais, ferramentas manuais, controles do operador de máquinas pesadas e controles de processo. Com a popularização dos computadores pessoais e o posterior surgimento dos dispositivos móveis (smartphones e tablets), a Interação humano-computador adquiriu importância crescente, cujo campo de estudo visa todos os aspectos relacionados à interação entre usuários e dispositivos computacionais. É aí que entra a Usabilidade, um conceito chave dentro da IHC, que consiste na facilidade de uso de uma ferramenta na realização de uma tarefa. Como um atributo de qualidade, a usabilidade propicia para o usuário o aumento da produtividade, um aprendizado mais rápido, a memorização das operações e uma menor probabilidade de cometimento de erros. Considerado o pai da usabilidade, Jakob Nielsen é cientista da computação e doutor em interação homem-máquina, além de ser diretor da Nielsen Norman Group, uma renomada empresade pesquisas e análises de dados, cujos cofundadores são Donald A. Norman e Bruce Tognazzini. Nielsen definiu cinco diretrizes da usabilidade: EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 13 1. Aprendizagem: Quão fácil e intuitivo é para os usuários realizar operações básicas em um contato inicial com a interface? 2. Eficiência: Após utilizar a interface por um determinado período de tempo e se familiarizar, o usuário realiza as operações com mais rapidez e eficiência? 3. Memorização: Trata-se da facilidade de lembrar o manuseio. Após um período de afastamento, o usuário consegue restaurar o seu nível de proficiência? 4. Robustez: Durante o manuseio, o usuário comete erros? Qual o nível de gravidade desses erros? Quão facilmente conseguem recuperar dos erros? 5. Satisfação: O uso da interface é agradável? Para projetar interfaces dotadas de boa usabilidade, é necessário entender os fatores (psicológicos, ergonômicos, sociais e organizacionais) que determinam como as pessoas utilizam os computadores, transpor esse conhecimento no desenvolvimento de ferramentas e técnicas que auxiliem no desenvolvimento do projeto, e usar essas ferramentas para alcançar eficiência, efetividade e segurança na interação. 2.2 Design Centrado no Usuário “Qual é o objetivo disso? Algumas emoções baratas? Dar aos convidados o que acha que querem é simples. Emoção, terror, júbilo, política. Os convidados não voltam pelo óbvio que fazemos, as extravagâncias. Ele voltam por causa das sutilezas dos detalhes. Eles voltam porque descobrem algo que acham que ninguém jamais notou, algo pelo qual se apaixonam. Não querem uma história que lhes diga quem são. Eles já sabem quem EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 14 são. Eles vêm porque querem vislumbrar quem poderiam ser. A única coisa que sua história me diz, Sr. Sizemore, é quem o senhor é.” (Dr. Robert Ford, Westworld, 2016) No segundo episódio da primeira temporada da série Westworld (HBO, 2016), o Diretor de Narrativas Lee Sizemore apresenta o novo enredo do parque intitulado “Odisseia no Rio Vermelho” para o Presidente Dr. Robert Ford e sua equipe. Para a surpresa de todos, Ford reprova a nova narrativa imediatamente após o pitch de Sizemore, argumentando que ele priorizou a emoção de uma narrativa preestabelecida em vez das verdadeiras necessidades dos convidados (usuários). O Design Centrado no Usuário (DCU) é o método em que o usuário é o foco central da produção de um produto ou serviço, cuja prioridade são suas necessidades, desejos e limitações durante todo as etapas do projeto, desde a concepção até o lançamento do produto. Além de requerer que os designers prevejam como os usuários de um determinado produto irão utilizar o produto, esta abordagem também exige teste da validade de suas suposições com usuários reais. No entanto, apesar do usuário ser o centro do projeto, ele não participa das tomadas de decisão. Essa orientação projetual é praticada há muito por designers de produtos e apenas recentemente tem sido aplicada no design de interação. Até meados dos anos 1980, os sistemas computacionais eram operados baseados no funcionamento dos computadores, especialmente devido às limitações de hardware. Antes da popularização dos computadores pessoais, os sistemas computacionais eram projetados até então para serem operados por especialistas em computação, enquanto os profissionais de outras áreas tinham bastante dificuldade. O Design Centrado no Usuário responsabiliza os sistemas computacionais pelos erros humanos durante o manuseio de interfaces mal projetadas, justamente por desconsiderarem os processos cognitivos de seus usuários (experiência, interpretação, memória e aprendizagem). Sob a perspectiva do uso, o DCU EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 15 apresenta um conjunto de valores para os sistemas computacionais, dentre os quais se destaca a usabilidade. Um bom projeto centrado no usuário deve ser desenvolvido sob a perspectiva do usuário e não dos desenvolvedores. Nielsen (2004) afirma que “um erro clássico (em projetos) é estruturar a arquitetura de informação baseando-se apenas no seu ponto de vista (no caso, o ponto de vista do projetista)”. O conceito fundamental no Design Centrado no Usuário é a diferença entre o modelo mental do designer e do usuário. De acordo com Fredy Kofman (2004), o modelo mental é o conjunto de sentidos, pressupostos, regras de raciocínio e inferências que nos leva a fazer determinada interpretação. Esses fatores definem como percebemos, sentimos, pensamos e interagimos. Ao interagir com um sistema, o usuário constrói um modelo mental baseado nas experiências anteriores com sistemas similares. Entretanto, o modelo mental do usuário pode ser diferente do modelo projetado pelo designer para o sistema. Os métodos de DCU visam aproximar ambos os modelos com o intuito de tornar o mais intuitivo possível a interação com o sistema. Os métodos mais utilizados para investigar essa dissonância são o card-sorting (ou método de estruturação por cartas) e o teste de usabilidade. Esses métodos objetivam criar personas que dispensem a presença dos usuários durante o processo projetual. Persona é uma representação fictícia do usuário, composta por dados reais sobre seu comportamento e características demográficas, assim como seus objetivos, motivações e conflitos. O Design Centrado no Usuário possui quatro etapas básicas: 1. Identificar requisitos: consiste no levantamento das necessidades e na compreensão dos pontos de conflitos dos usuários por meio de pesquisas, observações, questionários e entrevistas. EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 16 2. Criar soluções alternativas: trata-se da fase de ideação, composta pela sugestão de hipóteses de soluções para as necessidades levantadas. 3. Construir protótipos testáveis: a prototipagem constitui a validação das ideias geradas, visando criar modelos testáveis para originar o produto final. 4. Avaliar com usuários: aqui ocorre o teste dos protótipos com os usuários, com o intuito de coletar os feedbacks deles sobre os aspectos positivos e negativos do produto. 2.2.1 Elementos do Design Centrado no Usuário para a Web Visibilidade Auxilia o usuário a construir um modelo mental do documento. Por sua vez, os modelos mentais ajudam o usuário a prever os efeitos de suas ações durante a utilização do documento. Elementos importantes devem ser enfáticos, principalmente aqueles que a ajudam a navegação. Já no primeiro contato com o documento, os usuários devem ser capazes de perceber as possibilidades de interações. Acessibilidade Os usuários devem ser capazes de encontrar informações de forma rápida e fácil em todo o documento, independentemente de sua extensão. Diversas maneiras de encontrar informações devem ser ofertadas aos usuários, como por exemplo, elementos de navegação, funções de pesquisa, índice de conteúdo, seções claramente rotuladas, números de página, codificação de cores, dentre outros. Elementos de navegação devem ser consistentes com o gênero do documento. Uma estratégia útil da teoria de processamento de informação é o chunking, que envolve informação dividida em pequenos pedaços que podem ser organizados em algum tipo de ordem significativa ou hierarquia. A habilidade de leitura dinâmica do EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 17 documento permite aos usuários encontrar o seu pedaço de informação via varredura em vez de ler. Palavras em negrito e itálico são usadas frequentemente. Legibilidade O texto deve ser fácil de ler:por meio da análise da situação retórica, o designer deve ser capaz de determinar um estilo útil de fonte. Fontes ornamentais e texto com todas as letras maiúsculas são difíceis de ler, mas itálico e negrito pode ser útil quando usado corretamente. Um corpo do texto grande ou pequeno também dificulta a leitura. Um alto contraste de figura-fundo entre o texto e o fundo aumenta a legibilidade. Um texto escuro contra um fundo claro é mais legível. Linguagem Dependendo da situação retórica, são necessários certos tipos de linguagem. Frases curtas são úteis, como textos bem escritos e objetivos utilizados em explicações, SMS e tweets. A menos que a situação exija isso, jargões ou termos técnicos devem ser evitados. Muitos escritores vão optar por usar a voz ativa, verbos e estrutura da frase simples. 2.2.2 Situação Retórica Um Design Centrado no Usuário é focado na situação retórica, que por sua vez molda o design de um meio informacional. Há três elementos a serem considerados em uma situação retórica: Público, Propósito e Contexto. Público O público são as pessoas que irão utilizar o documento. O designer deve considerar a idade, sexo, etnia, localização geográfica, educação, dentre outros fatores. EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 18 Propósito O propósito é o que o documento visa ou o problema que o documento está tentando resolver. Contexto O contexto são as circunstâncias que cercam a situação. O contexto frequentemente responde à pergunta: qual situação provocou a necessidade desse documento? Contexto também inclui quaisquer questões sociais ou culturais que podem cercar a situação. 2.3 Design para a Experiência Antes voltado às funções práticas e estéticas dos artefatos com o intuito de mediar e otimizar atividades, o design cada vez mais tem valorizado o fomento de experiências positivas para os usuários por meio da estética, prazer e envolvimento emocional. Logo são consideradas as experiências em níveis físico, social e comportamental, assim como os significados atribuídos pelos usuários. O Design para a Experiência abrange os aspectos culturais e contextuais referentes aos usuários até as suas inter-relações com os artefatos. Experiência de consumo, venda de experiências e design de experiências são algumas das formas do conceito de experiência presentes na sociedade contemporânea. A orientação projetual de uma experiência consiste no planejamento de situações e na preparação de condições, o que justifica a alcunha de “design para a experiência” em vez de “design da experiência”. No Design para a Experiência, a interação é o elemento fundamental durante o ato projetual, atuando como catalisador da experiência e da construção das narrativas que podem envolver os usuários e as funções previsíveis e não previsíveis do artefato. A experiência abrange todos os aspectos de uma atividade considerada positiva pelos usuários, como por exemplo, a imersão causada por um livro, filme ou jogo digital. A experiência também abarca todas as qualidades da experiência interativa que a tornam memorável, satisfatória, agradável e gratificante. EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 19 Unidade 2 Aula 3: Avaliação da Experiência do Usuário 3. Técnicas, Métodos, Metodologias e Modelos 3.1 As 10 Heurísticas de Nielsen Jakob Nielsen estabeleceu dez itens para a avaliação da usabilidade de um site, com intuito de evitar erros comuns, denominadas heurísticas de Nielsen. A heurística é um método ou processo criado com o objetivo de encontrar soluções para um problema. As heurísticas de Nielsen baseiam-se em 294 tipos de erros de usabilidade comumente encontrados, e que podem prejudicar bastante a experiência do usuário em seu site. Portanto, essas heurísticas nos auxiliam a prevenir possíveis erros de usabilidade, possibilitando o aumento substancial da satisfação e o engajamento dos usuários. 3.1.1 Visibilidade de Status do Sistema A interface do sistema sempre deve manter o usuário informado em tempo real sobre o que está acontecendo, por meio de feedback instantâneo para suas ações. A barra de tarefas do Windows 10 nos mostra visualmente quais aplicativos estão sendo executados, qual dos aplicativos em execução está aberto e quais estão minimizados. 3.1.2. Correspondência entre a Interface do Sistema e o Mundo Real Para otimizar e assegurar o processo de comunicação, a linguagem utilizada pelo sistema deve ser de fácil compreensão para o usuário e evitar termos técnicos. Portanto, as informações devem ser contextualizadas com o modelo mental do usuário. EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 20 3.1.3. Liberdade de Controle Fácil para o Usuário O usuário tem que sentir-se no controle do sistema, por meio da possibilidade de a qualquer momento abortar uma tarefa ou desfazer uma ação e retornar ao estado anterior. Além de remeter ao domínio do usuário, essa heurística também está diretamente ligada às sensações de insegurança no manuseio do sistema ou insatisfação durante a manipulação de um arquivo. Bons exemplos disso são a ação “desfazer” e o painel “Histórico” do Adobe Photoshop, que permitem o usuário retroceder até um ponto original. 3.1.4. Consistência Para ser consistente e propiciar o aprendizado e reconhecimento do usuário, um projeto interativo deve conter um padrão audiovisual (texto, cor, som), de modo que um mesmo comando ou ação ter sempre o mesmo efeito e deve ser apresentada da mesma maneira e localização. 3.1.5. Prevenção de Erros Recomenda-se compreender o modo como os usuários navegam, visando averiguar as ocasiões que provocam erros e modificar a interface para impedir que ocorram novamente. 3.1.6. Reconhecimento em Vez de Memorização Para poupar a memória do usuário, o sistema deve dialogar com o usuário de forma contextual e objetiva, fornecendo informações capazes de orientar suas ações. Por exemplo, todo produto visualizado no sites de comércio eletrônico como o Mercado Livre e o OLX exibem uma hierarquia de seções. Essa estrutura hierárquica auxiliar de navegação que mostra a localização do usuário no site é chamada de breadcrumb (migalhas de pão) ou navegação estrutural. EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 21 3.1.7. Flexibilidade e Eficiência de Uso O sistema deve ser capaz de oferecer uma boa experiência tanto para usuários leigos como para usuários avançados. As interações podem ser agilizadas por meio de atalhos rápidos. Por exemplo, websites que permitem o uso da tecla tab em formulários para agilizar o preenchimento. 3.1.8. Estética e Design Minimalista Menos é mais, já dizia o arquiteto alemão Ludwig Mies van der Rohe. Deve-se deixar o layout e o conteúdo o mais simples, direto e natural possível, pois o excesso de informação pode deixar o usuário confuso. 3.1.9. Ajude os Usuários a Reconhecerem, Diagnosticarem e Recuperarem-se de Erros As mensagens de erros do sistema não podem ter conteúdo intimidatório, devem ser de fácil compreensão e orientar o usuário a entender o problema e buscar uma solução. Os avisos de erro dos navegadores Firefox e Chrome são bastante objetivos e simpáticos. 3.1.10. Ajuda e Documentação Quanto melhor o design e mais intuitiva a interface, menor a necessidade de ajuda no manuseio de um sistema. Entretanto, uma documentação acessível, dotada de busca na ajuda, deve ser disponibilizada para o usuário em caso de maiores dúvidas. 3.2 Teste de Usabilidade De acordo com o site Usability.gov, “é uma técnica de pesquisa utilizada para avaliarum produto ou serviço. Os testes são realizados com usuários representativos do público-alvo. Cada participante tenta realizar tarefas típicas enquanto o analista observa, ouve e anota”. O teste pode ser bastante útil para averiguar questões relacionadas à usabilidade de um produto, de modo que é mais focado no que os usuários fazem, devido às divergências entre seus relatos de experiência e o EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 22 manuseio do produto. Não é à toa que Jakob Nielsen há muito já dizia: “não ouça os usuários”. No Teste de Usabilidade, um grupo representativo de usuários é submetido a tarefas dadas pelo moderador, de modo que as ações dos usuários são monitoradas e registradas por um ou mais observadores (geralmente composto por designers). Segundo Nielsen (2000), a quantidade ideal de participantes é cinco. Esse teste geralmente mensura as respostas dos usuários nas seguintes áreas: Desempenho: O usuário conclui todas as tarefas básicas em quanto tempo e em quantos passos? Precisão: O usuário cometeu quantos erros? Os erros foram fatais ou o usuário conseguiu se recuperar com as informações recebidas pelo sistema? Lembrança: O quanto o usuário se lembra mais tarde ou após um certo tempo sem usar? Resposta emocional: Como o usuário se sentiu após completar a tarefa? O usuário estava confiante ou estressado? Ele recomendaria o produto a um amigo? 3.3 Eye Tracking É uma tecnologia que mensura a posição e o comportamento do movimento dos olhos por meio do rastreamento ocular. Esse processo monitora o comportamento visual das pessoas com o objetivo de avaliar as informações e os aspectos visuais que direcionam seu olhar durante a interação com um produto. Esta técnica é utilizada para aprimorar a Experiência do Usuário, pois possibilita otimizar os elementos interativos que compõem uma interface. Por meio do Eye Tracking é possível avaliar o percurso da atenção do usuário, a percepção seletiva dos elementos interativos, e a forma de navegação dos usuários na interface. EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 23 Figura 5. Tobii Glass é um exemplar de óculos utilizado no Eye Tracking. Com o Eye Tracking é possível: Testar sites e a eficácia de seu layout, da interface e da experiência de navegação; Analisar comportamentos do consumidor em ambiente de loja (a disposição dos produtos, os materiais gráficos das prateleiras, a influência da luminosidade, o projeto decorativo, entre outros fatores); Testar packaging, publicidades em vídeo e campanhas impressas; Determinar a hierarquia de percepção visual (quais elementos captam a atenção em primeiro lugar etc). 3.4 Questionário de Experiência do Usuário (UEQ) Desenvolvido por Bettina Laugwitz, Theo Held e Martin Schrepp (2008), esse questionário tem como base o modelo de Marc Hassenzahl (2001) e possui 26 itens divididos em seis categorias, que mensuram diretamente a atratividade visual e a qualidade do produto nos aspectos hedônicos e ergonômicos (pragmáticos). O UEQ utiliza uma escala semântica de sete níveis para cada item, cujo extremo esquerdo contém um adjetivo correspondente e o extremo direito contém seu respectivo antônimo, conforme abaixo. EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 24 Exemplo da escala de agradabilidade do UEQ Atraente ○ ○ ● ○ ○ ○ ○ Feio O UEQ considera a qualidade ergonômica percebida e a qualidade hedônica percebida como dois aspectos distintos da qualidade de um produto digital. A qualidade ergonômica consiste nos aspectos relacionados à execução de tarefas e objetivos com eficiência e eficácia, enquanto a qualidade hedônica consiste na qualidade estética da interface. Hassenzahl (2001) afirma que a qualidade ergonômica está relacionada a Usabilidade do produto, considerando a necessidade humana de segurança e controle da situação. A qualidade hedônica são as dimensões qualitativas e consiste na necessidade humana de mudança ou de novidade e poder social, que se manifesta na forma do design visual, uma interface inovadora ou novas funcionalidades. EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 25 Tabela - Categorização dos itens do UEQ ESCALA ITEM ANTÔNIMO Atratividade Agradável Desagradável Atratividade Atraente Feio Atratividade Atrativo Desinteressante Atratividade Bom Ruim Atratividade Cômodo Incômodo Atratividade Simpático Antipático Controle Atende as expectativas Não atende as expectativas Controle Condutor Obstrusivo Controle Previsível Imprevisível Controle Seguro Inseguro Eficiência Eficiente Ineficiente Eficiência Prático Impraticável Eficiência Organizado Desorganizado Eficiência Rápido Lento Estimulação Excitante Aborrecido Estimulação Interessante Desinteressante Estimulação Motivante Desmotivante Estimulação Valioso Sem valor Novidade Comum Vanguardista Novidade Conservador Inovador Novidade Criativo Sem criatividade Novidade Original Convencional Perspicuidade Complicado Fácil Perspicuidade Compreensível Incompreensível Perspicuidade De fácil aprendizagem De difícil aprendizagem Perspicuidade Evidente Confuso EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 26 Organizadas de forma hierárquica, as escalas do UEQ descrevem as questões que cada uma delas pretende responder, conforme mostrado na tabela abaixo. Questões respondidas pelas escalas do UEQ Escala Questões Atratividade Os usuários gostam ou não gostam do produto? Controle O usuário sente-se no controle da situação durante a interação? A interação com o produto é segura e previsível? Eficiência É possível utilizar o produto de maneira fácil e eficiente? A Interface parece organizada? Estimulação É interessante e estimulante utilizar o produto? O usuário sente-se motivado para utilizar o produto novamente? Novidade O design do produto é inovador e criativo? O produto chama a atenção do usuário? Perspicuidade É fácil de entender como utilizar o produto? É fácil familiarizar-se com o produto? EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 27 Aula 4: Avaliação da Experiência do Usuário 4.1 Escala Estética Trata-se de um questionário utilizado para avaliar as qualidades estéticas de um website. Talia Lavie e Noam Tractinsky (2003) levantaram vinte itens significativos classificados em cinco dimensões com o intuito de avaliar como os usuários percebem a estética dos sites. Dimensões e Itens do Questionário da Escala Estética Estética Tradicional Estética Expressiva Usabilidade Características Hedônicas Qualidade do Serviço Limpo Claro Agradável Simétrico Bonito Original Sofisticado Fascinante Criativo Bom uso de efeitos especiais Conveniente Fácil orientação Fácil de utilizar Fácil de navegar Contente Prazer Gratificado(a) O site é confiável O site possui informações confiáveis O site não comete erros 4.2 Clipe da Experiência É um método criado por Minna Isomursu, Kari Kuuti e Soili Vainamo (2004) para avaliar a Experiência do Usuário em aplicativos móveis. A natureza portátil da plataforma mobile (smartphone e tablets) pode dificultar a observação e a avaliação dos projetistas, devido às suas condições dinâmicas e variáveis do contexto de uso. O método Clipe da Experiência utiliza duplas de testadores para registrar em vídeo por meio de um smartphone a experiência deles utilizando determinados aplicativosde smartphone em ambientes externos. A função do registro é captar as reações dos usuários durante o manuseio do aplicativo, assim como ambos descrevem a utilização (o que fizeram e como usaram) e o comportamento dos aplicativos. EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 28 4.3 Facereader É um software que registra as expressões faciais do usuário em tempo real durante a utilização de um produto e classifica-as automaticamente em seis emoções básicas (alegria, raiva, tristeza, surpresa, medo e nojo). Enquanto questionários são uma reflexão da experiência do uso, o Facereader é um instrumento poderoso para medir emoções no exato momento em que os usuários as manifestam. 4.4 Entrevista Semiestruturada Dentre os vários tipos de pesquisas qualitativas provenientes das ciências sociais, a Entrevista Semiestruturada consiste em um questionário preestabelecido dotado de perguntas abertas e fechadas, realizada em um contexto similar a uma conversa informal. As Entrevistas Semiestruturadas podem ser aplicadas ao contexto da Experiência do Usuário para colher informações sobre a experiência proporcionada por um determinado produto de tecnologia. Os dados são obtidos de forma flexível por meio da realização de perguntas abertas, da audiência e do registro da resposta, repetindo o ciclo de novas perguntas (geralmente utilizando o conteúdo das respostas para orientar novas questões) para obter mais detalhes sobre a experiência do usuário. Dentre as principais vantagens das Entrevistas Semiestruturadas estão a espontaneidade, o feedback não verbal (expressões faciais, corporais e tom de voz), a menor possibilidade de erro do informante, o tratamento mais profundo dos temas abordados, uma melhor amostra da população de interesse, dentre outras. A principal desvantagem desse tipo de entrevista é a necessidade de elevada inteligência social e experiência do entrevistador, pois a flexibilidade do formato requer habilidades como empatia, boa oratória e capacidade de improviso. EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 29 Exemplos de perguntas em uma entrevista semiestruturada Convidando descrições Você pode me contar sobre quando você (...)? O que lhe vem à mente quando você pensa em (...)? Como você descreveria (...) para alguém que não conheça (...)? Desenvolvendo o assunto Você pode me contar mais sobre (...)? O que faz com que você se sinta desse jeito? E isso é importante para você? Por quê? Estabelecendo informações contextuais Quando você ouviu falar de X pela primeira vez, onde você estava e com quem estava? O que as pessoas que estavam com você disseram naquele momento? Qual foi a sua reação imediata? Projetivas Que tipo de pessoa você acha que gostaria de X? Que tipo de pessoa não gostaria de X? Testando hipóteses A partir do que você disse, parece que você acha que (...). Estou correto(a)? De específico para geral A partir de sua experiência, X é típico de coisas/pessoas como essas? De geral para específico Você pode me dar um exemplo específico disso? Tomando uma posição ingênua Eu não estou muito familiarizado com isso, você pode me contar um pouco mais a respeito? Como você descreveria isso para alguém que nunca esteve nessa situação? Considerações finais Nós cobrimos muitos pontos interessantes, há algum ponto que não foi coberto? Há alguma outra coisa que você gostaria de contar? EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 30 Aula 5: Modelos de Experiência do Usuário 5. Modelos Jodi Forlizzi e Katja Battarbee (2004 apud VIEIRA, 2012) dividem os diferentes modelos de experiência do usuários em três categorias distintas: 5.1 Modelos Centrados no Produto Auxiliam diretamente o ato projetual de um produto para potencializar a sua capacidade de evocar experiências agradáveis. Esses modelos abordam tipos de experiências e questionamentos que devem ser considerados durante o design e avaliação de um produto, geralmente por meio de guias ou lista de critérios a serem verificados. Modelos Centrados no Usuário Colaboram na percepção dos usuários do produto com o intuito de fornecer subsídios para aprimorar o processo de design. Aqui são colhidas as motivações, objetivos e ações dos usuários durante o manuseio do produto, quanto às suas tarefas, intenções, expectativas e contexto de uso. Modelos Centrados na Interação Investigam como o produto une os modelos mentais do designer e do usuário, com o objetivo de aprimorar a experiência. Esses modelos consideram a importância da totalidade e abordam o engajamento do usuário com um produto em uma situação. Como também abordam as motivações sociais (interação entre indivíduos), esses modelos unem as abordagens anteriores. EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 31 5.2 Modelo Centrado no Produto de Vesa Jääskö e Tuuli Mattelmäki Vesa Jääskö e Tuuli Mattelmäki (2003) propõem um Modelo Centrado no Produto que levanta um conjunto de qualidades da experiência do usuário para entender os tipos de dados de usuário existentes e comparar a produção desses dados por meios das diferentes técnicas de design de interação. As qualidades são divididas em dois grupos (Figura 6): as qualidades diretamente atribuídas ao produto e as diferentes qualidades contextuais que afetam a relação usuário-produto (personalidade do usuário, significado do produto, ambiente, interação e novidade). Figura 6. Qualidades da Experiência do Usuário. 5.3 Modelo Centrado no Usuário de Marc Hassenzahl Marc Hassenzahl (2004) afirma que um produto possui certas características (conteúdo, estilo de apresentação, funcionalidade, estilo interacional) escolhidas e combinadas por um designer para transmitir uma caracterização planejada (gestalt). Essa caracterização é uma descrição de alto-nível do produto que comunica os atributos de forma resumida (por exemplo, interessante, útil, EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 32 previsível) e visa minimizar a complexidade cognitiva e acionar estratégias particulares de utilização. Entretanto, como os usuários percebem essa caracterização de forma subjetiva, eles criam uma caracterização pessoal, denominada “caracterização aparente do produto”. Essa caracterização aparente do produto leva a consequências como julgamentos sobre seu apelo, as consequências emocionais (prazer e satisfação) e as consequências comportamentais (engajamento). Contudo, as consequências de uma determinada caracterização de um produto nem sempre são iguais, pois são moderadas pela situação de uso. A caracterização aparente do produto considera as perspectivas do designer e do usuários, de modo que é composta por grupos de atributos pragmáticos e hedônicos. Os atributos pragmáticos consistem na manipulação do ambiente e abarcam as funções relevantes (utilidade) e as maneiras de acessar essa funcionalidade (usabilidade). Os atributos pragmáticos típicos de software são: intuitivo, corroborante, útil e usável. Produtos baseados nesses atributos são fundamentalmente instrumentais, de modo que são utilizados para cumprir objetivos comportamentais externos ou internos. Consequentemente, possuem um design diretamente relacionado à usabilidade planejada. Produtos pragmáticos (ACT) enfatizam a satisfação por meio do cumprimento de objetivos comportamentais e de expectativas, embora o prazer também possa ser atingido se tais expectativas foram superadas (VIEIRA, 2012). Produtos hedônicos (SELF) enfatizam a satisfação por meio da realização de necessidades psicológicas e não de objetivos ou expectativas,estando assim muito mais diretamente ligados ao prazer e a diversão (VIEIRA, 2012). EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 33 Figura 7. Modelo de Hassenzahl. Os atributos hedônicos representam o bem-estar psicológico, o prazer, o interesse e a excitação. Os indivíduos desejam serem estimulados com novidades e potencial de aprendizagem, assim como também buscam meios de expressão sobre si mesmos e sobre a sociedade. Além disso, também aspiram reviver ou experimentar novamente memórias e eventos passados importantes. Portanto, os produtos devem agregar funções com potencial futuro de aprendizagem e novidade, devem comunicar uma identidade clara, assim como provocar memórias, eventos, relações e pensamentos importantes para os usuários (VIEIRA, 2012). Hassenzahl considera os atributos pragmáticos e hedônicos independentes uns dos outros, de modo que a sua combinação forma a caracterização do produto. Entretanto, a combinação desses atributos é dificultosa, pois a percepção das pessoas sobre esses atributos pode ser fraca ou forte. Produtos com fortes atributos pragmáticos (ACT) são bastante vinculados aos objetivos dos usuários. Sua importância difere entre os usuários e seu atrativo varia com o estado de cumprimento dos objetivos. Já produtos com fortes atributos hedônicos (SELF) são EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 34 muito ligados à personalidade dos usuários, ou seja, aos seus ideais, memórias e relações. A apreciação desse tipo de produto é muito mais estável do que a de produtos pragmáticos, pois a probabilidade de alterações nos requerimentos para a satisfação pessoal é muito menor do que a da alteração nos objetivos comportamentais. Figura 8. Caracterização do produto com base na combinação de atributos hedônicos e pragmáticos. 5.4 Modelo Centrado na Interação de Jodi Forlizzi e Katja Battarbee O Modelo Centrado na Interação proposto por Jodi Forlizzi e Katja Battarbee (2004) foca nas interações entre usuários e produtos e na importância do contexto social para a interpretação das experiências e produção de significado. Conforme a Figura 9, adiante, esse modelo é dividido em duas partes: interações entre o produto e o usuário e as dimensões da experiência no contexto social. EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 35 Figura 9. Dinâmica da experiência individual e em interação social. As interações fluentes consistem em automatismos e ações bastante assimiladas pelos usuários, como por exemplo, pedalar uma bicicleta ou preparar uma simples refeição. Como não competem por nossa atenção, possibilitam focar nas consequências de nossas atividades ou em outros assuntos. Interações cognitivas focam um produto em mãos, nunca utilizado antes. Consequentemente, podem causar confusão ou erro se o produto não corresponder a algo utilizado previamente pelo usuário. Como experiências cognitivas, essas interações causam mudanças no usuário, criando novas habilidades ou soluções. As interações expressivas ajudam o usuário a estabelecer uma relação com o produto ou com algum aspecto dele. Estão associadas à capacidade e interesse dos usuários em alterar, personalizar ou investir esforços em criar um melhor ajuste entre o indivíduo e o produto. Essas interações também podem ser expressas como histórias sobre relações de produto. EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 36 Por exemplo, personalizar carros e reutilizar um móvel antigo em uma estética vintage. Essas interações usuário-produto ocorrem em um contexto particular, produzindo o que caracterizamos como três tipos de experiência. Denominada “experiência”, a primeira consiste no fluxo de comunicação que ocorre na interação durante o estado de consciência. A experiência é como avaliamos constantemente os nossos objetivos em relação às pessoas, aos produtos e ao ambiente ao redor. Por exemplo, caminhar em um parque ou fazer limpeza leve. A segunda, intitulada “uma experiência”, é mais singular, pois consiste em algo que pode ser identificado ou nomeado e que se relaciona com as memórias pessoais do usuário. Como possui um sentimento de plenitude, com começo e fim, inspira alterações comportamentais e emocionais nos usuários. A última é chamada de “coexperiência” e trata da experiência do usuário em um contexto social, pois é oriunda das experiências criadas em conjunto ou compartilhadas com outros. A tabela abaixo sintetiza e exemplifica esses tipos de interação e formas de experiência. TIPOS DE INTERAÇÃO DESCRIÇÃO EXEMPLO Fluente Interações automatizadas e dependentes de habilidades já aprendidas Andar de bicicleta Preparar uma refeição simples Cognitivo Interações focadas em produto em mãos e que resultam em conhecimento ou confusão e erro Identificar o mecanismo de descarga de um banheiro em um país estrangeiro Utilizar um tutor online de álgebra Expressivo Interações que auxiliam na formação da relação usuário-produto Personalizar carros Reutilizar um móvel antigo em uma estética vintage TIPOS DE EXPERIÊNCIA DESCRIÇÃO EXEMPLO Experiência Fluxo constante de comunicação na interação com produtos Passear no parque Fazer pequenas reformas em casa EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 37 Uma Experiência Experiência singular, com começo e fim, que inspira alterações comportamentais e emocionais Brincar em uma montanha- russa Assistir um filme Coexperiência Cria significado e emoção por meio do uso conjunto de produtos Interagir com outros em uma exibição Jogar um game com amigos As interações dos usuários alternam naturalmente entre fluentes, cognitivas e expressivas durante o manuseio de produtos, criando experiências individuais. Entretanto, Forlizzi e Battarbee crêem que as tecnologias interativas possuem grande importância no fomento da coexperiência ao fornecerem canais de comunicação que permitem a criação, alteração e compartilhamento de conteúdo com outras pessoas. A satisfação não é restrita ao vivenciamento das pequenas experiências, pois a atenção dedicada a um contexto social pode modificar bastante seu significado para cada indivíduo. Devido a isso, o referido modelo inclui a “escalabilidade da experiência”, que consiste na modificação da relação usuário- produto ao longo do tempo. Uma infinidade de pequenas experiências nutre a carga emocional da relação usuário-produto, construindo assim uma experiência maior e mais significativa. Essas experiências são evocadas por sua ligação com os produtos, com o ambiente e, principalmente, com outros usuários. Isso justifica a facilitação do aprendizado inicial, a produção de recompensas imediatas e o fomento da coexperiência nas interações. EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 38 Aula 6: UX em Aplicativos 6.1 UX em Aplicativos O cenário atual de desenvolvimento de softwares cada vez mais tem voltado sua orientação projetual para a experiência de usuário. Com a consolidação das indústrias de informática e mobile, a funcionalidade passou a ser um requisito básico de um aplicativo, de modo que, em meio a um mercado cada vez mais competitivo, o UX tornou-se uma vantagem estratégica para tornar um aplicativo cada vez mais agradável, intuitivo e leve. Atualmente, o Big Data e os Analytics sobre o comportamento dos usuários permitem constatar o engajamento em aplicativos que priorizam a UX. A boa prática de design envolve um planejamento adequado que, além de conciliar os parâmetros mercadológicos com as necessidades dos usuários, também vá alémde sua proposta básica. O foco em UX também reflete na otimização do desenvolvimento do aplicativo, pois sistemas simples e eficientes poupam tempo e recursos financeiros e humanos. A convergência tecnológica possibilitou que os dispositivos móveis (smartphones e tablets) agregassem inúmeros gadgets, como por exemplo, player multimídia, câmera fotográfica, filmadora, videogame e despertador. Consequentemente, esses dispositivos atualmente funcionam como uma extensão de nosso corpo, cujos aplicativos abrangem múltiplas funcionalidades, tais como o contato social, pesquisa, gerenciamento financeiro, entretenimento, captação audiovisual, dentre outras. A Experiência do Usuário com o aplicativo é definida por um ciclo, vide a Figura 10, a seguir: EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 39 Figura 10. Ciclo da Experiência do Usuário com o aplicativo. Início da utilização: Alguma razão ou circunstância cria no usuário a necessidade de uso do aplicativo. Expectativa: É gerada automaticamente uma expectativa de satisfação sobre o comportamento do aplicativo. Proximidade: O planejamento do aplicativo envolve o contexto de uso. Os desenvolvedores devem considerar as circunstâncias que envolvem as plataformas existentes (PC, smartphones, tablets, smartwatches e Smart TVs), como por exemplo, mobilidade, ambiente (interno e externo) e a fragmentação dos sentidos. Consciência: O usuário percebe os elementos importantes do aplicativo ou está distraído com algum elemento de menor relevância? Conexão: O usuário vincula a necessidade à função da aplicação? O aplicativo corresponde à expectativa criada pelo usuário? Ação: O usuário é capaz de agir? Há dissonância entre o que o usuário faz ou cogita fazer e o que deve ser feito no aplicativo? EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 40 Resposta: O aplicativo dá um bom feedback às ações do usuário? A resposta é aguardada? Satisfaz a necessidade? Avaliação: Consiste na comparação entre as respostas recebidas pelo aplicativo e a expectativa gerada pelo usuário. Baseado nessa comparação, o usuário decide entre o início de um novo ciclo ou o abandono do aplicativo. Eis algumas boas práticas projetuais relacionadas a UX que podem ser incorporadas a aplicativos e websites: Analisar as informações demográficas de potenciais grupos de usuários do aplicativo para identificar comportamentos e modelos mentais. Minimizar a quantidade de cliques durante a interação ajuda a manter o usuário engajado no aplicativo, pois pode aumentar a velocidade de manuseio, impedindo-o de abandoná-lo ou até mesmo desinstalá-lo por falta de tempo ou paciência. Preferir interfaces de alta ordem e baixa complexidade. Isso significa utilizar a menor quantidade possível de elementos de conteúdo na interface, pois o excesso de informação na tela pode desestimular os usuários. Ficar atento às tendências tecnológicas e estéticas para prever as necessidades futuras dos usuários. 6.2 Aplicação em Aplicativos Os Elementos da Experiência do Usuário Em seu livro Elements of User Experience, Jesse James Garrett (2010) propôs um dos modelos mais implementados do mundo, que analisa as decisões que compõem os cinco planos integrantes do processo de design da experiência, partindo do plano mais abstrato até o mais concreto. Os planos do modelo de Garrett são: estratégico, escopo, estrutura, esqueleto e superfície. Garret dividiu cada plano em dois contextos: a web como funcionalidade (interface de software) e a web como meio EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 41 de informação (sistema de hipertexto). Para cada contexto, um elemento se destaca. Figura 11. Modelo de Jesse James Garrett. Devido a seu caráter multidisciplinar, o processo de desenvolvimento da Experiência do Usuário é composto por profissionais de várias áreas, como designers, psicólogos e engenheiros de software. Estratégia É o elemento mais profundo e abstrato do modelo, repleto de pesquisa, descoberta e levantamento de hipóteses. A estratégia concilia as metas de negócio com o mapeamento eficiente das necessidades do usuário. Por meio de sessões de brainstorming, os desenvolvedores de software discorrem sobre os recursos de uma aplicação, a estética geral e outros aspectos relevantes. O brainstorming é uma técnica de dinâmica grupal cuja atividade explora a multiplicidade de ideias e experiências dos participantes para gerar soluções consensuais para determinados problemas. EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 42 Escopo Visa mapear as funcionalidades e informações importantes para atender aos insights colhidos na etapa inicial de estratégia. Arquitetos de Informação, Product Owners e estrategistas devem trabalhar muito juntos nesta etapa. Quando o projeto desenvolvido é um produto digital, é imprescindível a presença de um Tech Lead para orientar a equipe de desenvolvimento sobre as questões de viabilidade técnica. Estrutura Nesta etapa, são definidas a junção e o comportamento dos requisitos e funcionalidades do aplicativo. Em termos de interfaces de software, o escopo é estruturado por meio do Design de Interação, que por sua vez determina o fluxo de ações e interações do usuário. Quanto ao sistema de hipertexto, a estrutura é composta pela Arquitetura da Informação, que organiza os elementos de conteúdo. Esqueleto É responsável pela composição e otimização dos elementos da interface, com o intuito de potencializar a usabilidade. Para isso, os desenvolvedores de software utilizam wireframes, que são desenhos básicos que ilustram o layout dos principais elementos de uma interface. Superfície Por ser o plano mais tangível, a superfície consiste na composição estética. Incluem- se aqui a paleta de cores, tipografia, imagens, ilustrações, dentre outros. EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 43 Aula 7: UX em Jogos Digitais 7.1 UX nos Jogos Jesse Schell (2011, p. 10) afirma que “o jogo possibilita a experiência, mas não é a experiência”. Acontece que os jogos digitais estão mais para artefatos do que mídia, pois consistem em sistemas que constroem o comportamento por meio da interação, resultando em uma experiência de uso imprevisível. Game designers criam artefatos passíveis de interação pelos jogadores, visando uma experiência memorável e agradável. Mídias tradicionais como a literatura, o cinema e a televisão provêm uma experiência linear, que possibilita um mapeamento relativamente direto entre os produtos e os sentimentos dos leitores e espectadores. Portanto, a interatividade dos games concede para o jogador bastante controle sobre a sequência e o ritmo dos eventos na experiência propiciada. Para compreender e dominar a criação de experiências por meio de jogos digitais, Schell recomenda três campos distintos: psicologia, antropologia e design. No campo da psicologia, pode-se fazer uso tanto dos experimentos comportamentais do behaviorismo, quanto da introspecção da fenomenologia. Schell afirma que os designers não estão preocupados com o que é definitivamente verdadeiro no mundo da realidade objetiva, mas apenas com o que parece ser verdadeiro no mundo da experiência subjetiva (2011, p.13). Por sua vez, a antropologia cultural aborda o estilo de vida das pessoas, por meio do trabalho de campo, fazendo uma imersão total na população estudada. Os antropólogos empreendem uma observação objetiva da cultura e das práticas, além de promoverem análises introspectivas. Já o design possui caráter interdisciplinare pragmático, cuja prática aplica princípios de vários campos do conhecimento humano na concepção e configuração de produtos. EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 44 Apesar de estar em um plano secundário na ciência por não abordar a realidade objetiva, a introspecção é adotada no game design para compreender a experiência e a natureza subjetiva das coisas. Entretanto, a subjetividade pode constituir vários riscos, como por exemplo, o designer generalizar a sua visão particular e gostos pessoais, e dificultar o trabalho em equipe devido às inevitáveis diferenças criativas. O desenvolvedor também deve ter a capacidade de desconstruir experiências para avaliar minuciosamente seus aspectos positivos e negativos, jamais caindo no laconismo. Portanto, o desenvolvedor deve encontrar um bom equilíbrio entre o feeling (tato, intuição, percepção) e a empatia. Como o ato de observação proveniente da introspecção interfere na experiência, Schell (2011, p.18) sugere algumas técnicas para avaliar a experiência de forma objetiva. A primeira delas é analisar a memória da experiência, devido a dificuldade de analisá-la enquanto ocorre. A segunda consiste na avaliação crítica da experiência durante o segundo contato, por meio de interrupções, reflexões e anotações. Relances mentais também são úteis, pois sua curta duração não interrompem o fluxo de pensamento. Entretanto, é uma técnica que exige treino e disciplina. Por fim, há a o estado mais difícil, denominado observação contínua, que consiste no estado simultâneo e harmônico de observador e experimentador, que possibilita sentir em tempo real o fluxo de pensamentos e sentimentos. Um jogo digital não precisa ser uma simulação perfeita de uma experiência real, mas sim conter a essência de uma experiência. Isso significa que o game designer deve considerar os elementos essenciais que definem e tornam especial uma experiência memorável. Schell (2011, p.41) divide esses elementos na tétrade elementar composta pela mecânica, narrativa, estética e tecnologia. Mecânica São os procedimentos e regras do jogo. Steve Rabin (2012, p. 81) afirma que a mecânica são interações entre o jogador e os elementos do jogo que produzem um EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 45 resultado significativo para o contexto do jogo, sendo subserviente de alguma forma ao objetivo geral do ato de jogar. Ou seja, as mecânicas de jogo possuem a capacidade de gerar sentimentos nos jogadores. Devida a sua natureza procedimental e participativa, a mecânica é a principal responsável pelo experiência projetada para o jogador. Schell (2011) afirma que a mecânica dos jogos é composta pelo espaço, os objetos, atributos e espaços (personagens e itens e suas características), as ações (as interações do jogador), as regras, as habilidades (capacidades do jogador) e a probabilidade. Narrativa Tom Bissel (2010) utiliza o termo “narrativa emoldurada” para classificar a história explícita nos games, enquanto Kate Salen e Eric Zimmerman (2004) a denominam como “narrativa embutida”. Enquanto Bissel (2010) define como “ludonarrativa” a história proveniente da experiência dos jogadores nos games, Salen e Zimmerman (2004) usam o termo “narrativa emergente” para defini-la. Enquanto a narrativa emoldurada é uma sequência lógica e linear de eventos preestabelecidos, a narrativa emergente origina-se na interação do jogador com o ambiente do jogo, objetos, inteligência artificial e outros jogadores. Apesar da narrativa emergente ser uma característica inerente dos jogos digitais, alguns gêneros de jogos exploram mais esse potencial narrativo dos games, como o mundo aberto (exemplos: Grand Theft Auto, Red Dead Redemption, Assassin’s Creed) e o sandbox (exemplos: MineCraft, Terraria). Estética Trata-se do elemento mais diretamente ligado à experiência do jogador, pois consiste nos aspectos sensoriais dos games. A estética agrega elementos como a aparência, sons, cheiros, sabores e sensações. A estética concede o tom desejado, assim como potencializa os demais elementos para prover uma determinada experiência. EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 46 Tecnologia Consiste em qualquer tipo de materiais e interações que possibilitem o jogo, sejam de natureza analógica ou digital. Além de ser o meio em que os demais elementos ocorrem, a tecnologia é um elemento restritivo, que permite ou limita as possibilidades do jogo. 7.2 Aplicação em Jogos O modelo MDA proposto por Robin Hunicke, Marc LeBlanc e Robert Zubek (2004) incentiva o game designer a focar nas sensações do jogador no jogo digital em vez das funcionalidades do jogo. Além disso, os autores compreendem os jogos digitais como artefatos cuja experiência de uso é imprevisível. Portanto, consideram um jogo um sistema composto por regras, de modo que a interação com esse sistema é uma atividade geralmente percebida como diversão. Os autores afirmam que os jogos digitais são um produto de consumo dos quais extraímos experiências sensoriais (estéticas). Hunicke et al. (2004) afirmam que os “jogos são criados por designers/equipe de desenvolvimento, e são consumidos por jogadores. Eles são comprados, usados e eventualmente descartados como qualquer produto”. Além disso, afirmam que o consumo e o desenvolvimento de jogos digitais seguem “caminhos” paralelos, como em uma via de mão dupla (Figura 13). De um lado estão os game designers, que veem o jogo a partir das mecânicas geradoras das dinâmicas perceptíveis pela experiência/estética. Do outro lado estão os jogadores, que enxergam os jogos pela perspectiva da estética/experiência, vivenciados por meio de dinâmicas e manipulado pelas mecânicas. EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 47 Figura 12. A via de consumo dos jogos digitais de acordo com o modelo MDA. O modelo MDA formaliza a estrutura de consumo dos jogos da seguinte forma: Assim como faz um paralelo com suas parte no design: Figura 13. Estrutura de consumo dos jogos, segundo o modelo MDA. Mecânicas: Descrevem os componentes particulares do jogo em termos de representação de dados e algoritmos. Dinâmicas: Descrevem o comportamento das mecânicas em tempo real que atua sobre as entradas e saídas do jogador durante uma partida. Estética (Experiência): Descreve as respostas emocionais desejadas invocadas no jogador durante sua interação com o sistema do jogo. EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 48 Aqui os autores tratam a estética como a experiência do jogador. Ou seja, consiste no julgamento estético (ZANGWILL, 2014), que abarca os sentidos e experiências sensoriais do jogador durante a observação e a interação. Essa abordagem também visa minimizar a subjetividade do fator “diversão” em termos mais concretos e simples, além de facilitar a mensuração. De acordo com Hunicke et al. (2004 apud VIEIRA, 2012), a estética é dividida nos seguintes elementos: 1. Sensação. O prazer sensorial, estimulado pela interação direta entre o jogador e o jogo por meio de imagens, sons, toque, dentre outros. 2. Fantasia. O prazer cognitivo do faz-de-conta, incluído na descrição do mundo e dos objetos do jogo, relacionado com preferências, memórias e relações do jogador. 3. Narrativa. O prazer cognitivo do drama e das histórias de interesse pessoal do jogador, e que talvez se relacionem também com suas memórias ou planos e intenções de vida. 4. Desafio. É uma das estéticas mais importantes da experiência em jogos, pois trata da satisfação pela superação de obstáculos. Pode também ser relacionada com a coexperiência(FORLIZZI; BATTARBEE, 2004), pelo desafio proporcionado pela competição entre jogadores. 5. Sociedade. Bastante relacionada com a coexperiência (FORLIZZI; BATTARBEE, 2004), consiste na estrutura de experiências produzidas pela interação social entre jogadores humanos, e até mesmo com a inteligência artificial (IA) do jogo. 6. Descoberta. O prazer do aprendizado, da novidade. Envolve a criação e a satisfação de expectativas sobre o funcionamento do mundo. Esse elemento também abrange a “epistemofilia”, que é o impulso humano natural de conhecer, de querer compreender de uma alguma maneira, e a curiosidade. EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 49 7. Expressão. O prazer da autodescoberta, da individualização. Consiste em sistemas de compra, construção ou ganho de itens, na construção de níveis ou mundos, e também na criação e personalização de personagens únicos. Também está relacionada com a coexperiência (FORLIZZI; BATTARBEE, 2004), pois pode decorrer da comparação de pontuações com outros jogadores, da competição e da cooperação com habilidades cuja importância individual é valorizada. 8. Submissão. Consiste no prazer efêmero de passar o tempo em uma atividade que não requer esforço cognitivo ou físico, como uma forma de relaxamento das atividades mais sérias do cotidiano. Inclui-se aqui a postura casual do jogador como um comportamento emergente, independentemente de o jogo ser casual ou hardcore (BRANDÃO, p. 46, 2016). Para exemplificar, descreveremos os jogos Minecraft, Counter Strike, Resident Evil e Final Fantasy por meio desses elementos da estética. Apesar de cada um ser "divertido" de sua própria maneira, é muito mais objetivo considerar os elementos estéticos que criam suas respectivas experiências de jogador: Minecraft: Expressão, Descoberta, Fantasia, Sociedade, Submissão. Counter Strike: Desafio, Sociedade, Expressão, Sensação. Resident Evil: Narrativa, Sensação, Desafio, Descoberta. Final Fantasy: Fantasia, Narrativa, Expressão, Descoberta, Desafio. Esta taxonomia pode nos auxiliar a descrever os jogos, elucidando as razões de diferentes jogos apelarem para diferentes jogadores ou para o mesmo jogador em diferentes momentos. Os autores afirmam que “utilizando o vocabulário de estética como uma bússola, podemos definir modelos de gameplay. Esses modelos nos ajudam a descrever dinâmicas e mecânicas”. Isso se reflete nas mecânicas EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 50 específicas que os designers projetam. Por exemplo, a adição do elemento de experiência “sociedade” à dinâmica de Resident Evil pode comprometer as sensações de solidão e isolamento inerente dos jogos de horror de sobrevivência (survival horror). Por outro lado, jogos desse subgênero que enfatizam os quebra- cabeças (puzzle) em vez da ação, podem se beneficiar do elemento “sociedade” ao explorarem a tensão da resolução cooperativa de quebra-cabeças. Por exemplo, separar os personagens dos jogadores em momentos apropriados para resolver o mesmo quebra-cabeça pode proporcionar medo e tensão. Mas como o modelo MDA se relaciona com as ferramentas projetuais utilizadas na indústria? Reunir um conjunto de sensações baseados nos elementos da estética desde o High Concept (Conceito Geral) do jogo até as fases de desenvolvimento e implementação, pode auxiliar o game designer a facilitar a estruturação e compreensão do conceito do jogo tanto para a equipe de desenvolvimento como para os investidores. Após a descrição da sensações evocadas no High Concept, o Game Design Document (GDD) deverá agregar as dinâmicas propiciadas pelo jogo, seguindo a descrição das mecânicas do jogo. Portanto, a lista de elementos da estética e as experiências desejáveis determinadas pelo game designer devem constituir um guia presente em todo o ato projetual do jogo, com o intuito de orientar toda a equipe de desenvolvimento. 8. Estudos de Caso 8.1 Affordances Abaixo temos a interface principal do Netflix (Figura 14), que possui 13 ações possíveis. EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 51 Figura 14. Tela principal do Netflix. 1. Input de pesquisa 2. Clique no botão “Menu” 3. Clique no botão “Play” da série Daredevil 4. Clique no botão “More info” da série Daredevil 5. Clique na imagem da série Jessica Jones 6. Clique na imagem do filme The Ridiculous 6 7. Clique na imagem da série Unbreakable Kimmy Schmidt 8. Clique na imagem da série How to Get Away with Murder 9. Clique na imagem da série Blacklist 10. Clique na imagem do filme Baila Rouge 11. Rolar a tela para cima ou para baixo 12. Rolar a lista de títulos para a direita ou esquerda 13. Apertar “Enter” para buscar o que foi escrito no campo de pesquisa Por conterem importâncias diferentes, as Affordances de uma interface precisam ter visuais distintos e distinguíveis. Na tela principal do Netflix, apesar do catálogo EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 52 estar bastante evidente nas duas listas inicialmente exibidas (My List e Top Picks For You), o grande destaque para a série Daredevil (Demolidor) expõe informações relacionadas (avaliação dos espectadores, ano de produção, formato, quantidade de temporadas e storyline) e dois botões de ação (Play e More Info), além de evidenciar uma série exclusiva desse serviço de assinatura (o Netflix sempre enfatiza suas produções exclusivas desta forma). Apesar de visível, os títulos da lista Top Picks For You somente estará acessível se o usuário subi-la por meio do toque ou clique. O botão superior do menu indica uma Affordance percebida, pois trata-se de um típico ícone de interfaces digitais que requer experiência anterior com esse padrão. As imagens dos filmes e séries consistem em Affordances percebidas, pois seu formato é similar a um cartaz de filme composto por elementos visuais e textuais, facilmente identificáveis pelos usuários. Como o texto dos cartazes não convida diretamente à ação, logo também não podem ser consideradas Affordances explícitas. Os dois botões de ação Play e More Info usufruem Affordances explícitas (por conterem texto e não representações gráficas de suas funções) e percebidas (devido ao preenchimento no botão Play e no contorno branco no More Info). A lupa no campo de pesquisa indica uma Affordance metafórica, enquanto as estrelas, na descrição da série Demolidor, remete a uma escala de valor de um típico sistema de avaliação (nesse caso, de um a cinco pontos). 8.2 Minecraft Agora vamos analisar a experiência proporcionada por um jogo digital por meio dos componentes da tétrade elementar de Jesse Schell (2011) e do modelo MDA de Hunicke et al. (2004). O jogo analisado será Minecraft (Mojang, 2011), que além de atualmente ser o maior representante do gênero sandbox na indústria dos games, foca bastante na exploração, liberdade e criatividade. De acordo com Brandão (p. 21, 2016) o termo sandbox provém do brinquedo infantil “caixa de areia”, que não possui regras e o ato de jogar é livre e derivado da criatividade dos brincantes. EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO 53 Em Minecraft, o jogador possui total liberdade para construir ambientes e edificações a partir da exploração dos blocos que constituem o mundo do jogo (Figura 15). O jogo não contém história explícita, metas e objetivos, mas provém para o jogador um ambiente, objetos e ações. Marie-Laure Ryan (2009, p. 4) define como “história jogável” os jogos cuja mecânica é responsável pela criação da narrativa, que não possuem estados de vitória e derrota, cujas regras de interação são estabelecidas pelos jogadores. Ryan (2009,
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