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Capítulo 6. BIOGEOGRAFIA DESCRITIVA E PROVINCIALISMO A Biogeografia lida com a classificação das áreas de endemismo, atividade denominada provincialismo ou regionalização. Enquanto a divisão do mundo em seis grandes regiões parece ter recebido ampla aceitação, as subunidades estão longe de serem consensuais. Tentativas de melhor caracterização das unidades em função de percentagens de espécies endêmicas foram encaminhadas. Por exemplo, Erle Kauffman (1973), com base em moluscos biválvios fósseis, sugeriu a seguinte divisão: centros de endemismo (5-10% de endemismo), subprovíncias (10-25%), províncias (25-50%), regiões (50-75%) reinos (>75%). No entanto, o sucesso das propostas não foi o esperado. Na prática, as áreas foram reconhecidas tanto pela presença (e.g., Neotropical), quanto pela escassez (ou ausência) de taxa endêmicos (e.g., Neártica). Evidências empíricas se acumularam, mostrando que há grupos taxonômicos que podem ser encontrados em mais de uma região, não respeitando barreiras climáticas ou fisiográficas. Tentativas mais arrojadas para solucionar o problema só apareceram a partir da década de 1980 como fruto do desenvolvimento de metodologias encaminhadas por pan-biogeógrafos e biogeógrafos cladistas. A seguir, são apresentadas as grandes regiões zoogeográficas continentais com suas subdivisões tradicionais, com notas sobre seus componentes faunísticos mais marcantes. CARACTERIZAÇÃO DAS REGIÕES ZOOGEOGRÁFICAS Neártica – compreende a América do Norte, norte do México e Groenlândia. Apresenta baixa endemicidade, uma vez que vários táxons estão distribuídos também pela região Paleártica e baixa riqueza de espécies. O clima é predominantemente temperado. Segundo Alfred Russell Wallace subdivide-se em: a) Californiana – área entre Sierra Nevada e a costa pacífica, Columbia Britânica até Golfo da Califórnia; b) Central (Montanhas Rochosas) – Montanhas Rochosas até as florestas ao norte de Saskatchewan e para o sul até Rio Grande del Norte, Golfo da Califórnia e Cabo São Lucas; c) Aleganiense – porção oriental dos Estados Unidos, Mississipi e Colorado; d) Canadense – região das florestas de pinheiros até os confins do Ártico. Entre os principais componentes faunísticos temos: alce americano (Alces americanus), vapiti (Cervus canadensis), bisão americano (Bison), cateto (Tayassu), antilocapra (Antilocapra americana), urso polar (Thalarctos maritimus), urso grizzly (Ursus horribilis), castor americano (Castor), urso negro (Euarctos), racun (Procyon), lobo cinzento (Canis occidentalis), coiote (Thos), raposa (Vulpes), puma (Puma), cangambá (Mephitis), lontra (Lutra), esquilo (Sciurus), marmota (Marmota), pocket gopher (Geomys), peru (Meleogris), common snapper (Chelydra), cascavel (Crotalus), aligator (Aligator mississipiensis), tailed frog (Ascaphus), axolote (Ambystoma), bowfin (Amia calva), boca-de-jacaré (Lepisosteus), peixe-espátula (Polyodon), esturjão (Scaphirrhynchus). Figura 1F. Região Neártica e elementos de sua fauna. Modificado de Wilma George (1963). Neotropical – América Central até o sul do México, Índias Ocidentais e América do Sul. Alto grau de endemismo e riqueza de espécies. Clima predominantemente tropical, quente e úmido. Wallace (complementada com designações de Neuville) subdividiu-a em subregiões: a) Centro- americana (= Mexicana) – México (ao sul da região sonoriana), América Central até o istmo do Panamá; b) Antilhense - Cuba, Haiti, Porto Rico, Jamaica e um sequência de ilhas menores; florestas densas, clima tropical; c) Guiano-brasiliana (=Brasiliense) – grande região cisandina, do istmo do Panamá até 30 o de latitude Sul, no Uruguai, abrange as terras baixas tropicais da maior parte da América do sul; d) Andino-patagônica (=Chilense) – áreasm temperadas ao longo da cordilheira dos Andes, noroeste da América do Sul até a Terra do Fogo, inclui região do Chaco e os pampas. Figura 2F. Províncias zoogeográficas do Brasil. (seg. Rodolpho Von Ihering, 1916). O aracnólogo brasileiro Candido Firmino de Mello-Leitão (1937, em Zoogeografia do Brasil), de forma pioneira, dividiu a América do Sul, no tocante ao Brasil, com base em grupos taxonômicos de escorpiões. As províncias de certa forma concordam com as identificadas por Rodolpho Von Ihering (1916, em Atlas da Fauna do Brasil) e Cabrera e Yepes (1972, em Biogeografia da America Latina) com base na tradição de se usar mamíferos e aves. São as seguintes: a) Caribe – ao norte da bacia amazônica, fora do território brasileiro, compreende a Colômbia, vale do rio Madalena, grande parte da Venezuela, Guianas e as ilhas de Bonaire, Trinidad e Tobago; b) Amazônica ou Hiléia –toda a bacia do rio Amazonas, a leste dos Andes, e do Tocantins, estende-se até o limite da mata dos cocais do Maranhão e norte de Goiás e Mato Grosso, incluindo também territórios do Amapá, Acre, Rondônia, Estados do Amazonas e Pará, parte meridional da Colômbia e porções do Peru, Equador e Bolívia; c) Cariri-bororo – uma faixa de vegetação de cerrado, campo e caatinga que se estende do nordeste do Brasil até o Chaco, entre as bacias do Amazonas e do Prata; d) Tupi – uma faixa litorânea de mata atlântica que se estende da Bahia até Santa Catarina, abrangendo rios costeiros do sul da Bahia (Jequitinhonha) e sudeste do Brasil (Doce e Paraíba do Sul); e) Guarani – da serra do Espinhaço, se prolonga em cunha entre a Tupi e a Cariri- Bororo, estende-se a oeste até a Bolívia, inclui partes de Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Santa Catarina, Rio Grande do Sul, parte do Chaco argentino e boliviano, sul do Paraguai. Figura 3F. Províncias escorpiológicas de C.F. Mello-Leitão (1937). Do ponto de vista de províncias fitogeográficas, o botânico Karl Friedrich Philipp Von Martius, no século XIX, em sua Flora brasiliensis, dividiu o Brasil em contexto ecológico- vegetacional em: a) Naiades – corresponde a Hiléia amazônica; b) Hamadryades - Caatinga; c) Dryades – Mata Atlântica; d) Oreades – cerrados do Brasil Central; e) Napaeae – campos e matas de araucária do sul do Brasil. Essas divisões têm recebido novos tipos de suporte visando melhor caracterização. Uma tentativa de maximizar informações vindas de áreas tão diversas quanto palinologia, geomorfologia, edafologia, climatologia, sistemática e ecologia tem produzido os chamados domínios morfoclimáticos (q.v.). Entre os elementos faunísticos mais representativos temos: mico-leão (Leontopithecus), sagui (Callithrix), uacari (Cacajao), muriqui (Brachyteles), bugio (Alouatta), morcego- vampiro (Desmodus), onça (Panthera onca), suçuarana (Puma), anta (Tapirus), preguiça (Choloepus), tatu (Dasypus), tamanduá (Myrmecophaga), cateto (Tayassu), guanaco (Lama), arara (Ara), tucano (Ramphastos), papagaio-verdadeiro (Amazona), urubu-rei (Sarcoramphus), tuiuiú (Jabiru mycteria), seriema (Cariama cristata), ema (Rhea), matamatá (Chelys), jacaré (Caiman), cobra-coral (Micrurus), cururu-pé-de-pato (Pipa), cecília (Siphonops), pererequinha (Hyla), sapo-cururu (Rhinella crucifer), intanha (Ceratophrys), pirambóia (Lepidosiren), piarara (Phractocephalus), candiru (Vandellia), piranha (Serrasalmus), tambaqui (Colossoma), piarucu (Arapaima gigas), aruanã (Osteoglossum), barbeiro (Triatoma). Figura 4F. Animais da região Neotropical. Modificado de Wilma George (1963). Paleártica – inclui norte da África, Europa, Ásia ao norte do Himalaia e o Japão. Baixa endemicidade. Subdivide-se em: a) Europeia – norte e centro da Europa até os Pirineus, Alpes dináricos, mar Negro, Cáucaso; b) Mediterrânea – sul da Europa, norte da África, Arábia, parte do Irã e Afeganistão, faixa do deserto asiático até o Saara; c)Siberiana – norte e centro da Ásia, Mongólia; d) Manchuriana – norte da China como vale inferior do Namur e Japão. Entre os elementos faunísticos mais representativos temos: alce (Alces), rena (Rangifer), cabrito montês (Capreolus), cavalo selvagem (Equus), castor (Castor), javali (Sus scrofa), cabra (Capra), carneiro (Ovis), iaque (Poephagus), toupeira-de-água (Galemys), ouriço (Erinaceus), camelo (Camelus bactrianus), hiena (Hyaena), urso pardo (Ursus arctos), panda (Ailuropoda), raposa (Vulpes), lobo (Canis lupus), lince (Lynx), arminho (Mustela erminea), marta (Martes zibellina), mangusto (Herpestes), texugo (Meles), esquilo (Sciurus), rato-toupeira (Spalax), toupeira (Talpa), ferreirinha-comum (Prunella), faisão (Phasianus), perdiz (Perdix), corvo (Corvus), víbora (Vipera), salamandra gigante (Megalobatrachus), carpa (Cyprinus), salmão (Salmo salar), truta (Salmo trutta), lúcio (Esox lucius), esturjão (Acipenser), peixe-espátula (Psephurus). Figura 5F. Região Paleártica e alguns representantes faunísticos. Modificado de Wilma George (1963). Etiópica – Compreende África ao sul do Saara, Madagascar e ilhas vizinhas. Alto endemismo. Segundo Wallace subdivide-se em: a) Leste-Africana – savanas e florestas esparsas do interior da África, Senegal, Abissínia e Zambese; b) Oeste-Africana – área de floresta equatorial densa; c) Sul-Africana – região extratropical, os limites setentrionais são o deserto do Kalahari, a noroeste, e o vale do Limpopo, a nordeste; d) Madagascar – Madagascar e ilhas vizinhas (e.g., Seychelles, Comores, Maurício). Ex.: dromedário (Camelus dromedarius), gnu (Connochaetes), antílope real (Neotragus), gazela (Gazella), impala (Aepyceros melampus), búfalo (Syncerus), hipopótamo (Hippopotamus), hipopótamo anão (Choeropsis libericus), facócero (Phacochoerus), rinoceronte negro (Diceros), rinoceronte branco (Ceratotherium simum), elefante africano (Loxodonta africana), zebra (Equus zebra, E. burchelli), feneco (Fennecus), chacal (Thos), hiena manchada (Crocuta crocuta), hiena estriada (Hyaena hyaena), leão (Panthera leo), leopardo (Panthera pardus), guepardo (Actinonyx jubatus), raposa-voadora (Pteropus), gato almiscarado (Viverricula), pangolim (Manis e Smutsia), oricteropo (Orycteropus afer), ocapi (Okapia), girafa (Giraffa camelopardalis), lêmur (Lemur), aí-aí (Daubentonia), mandril (Mandrillus), babuíno (Papio), chimpanzé (Pan troglodites), gorila (Gorilla), toupeira (Chrysochloris), potamogalo (Patamogale), avestruz (Struthio), serpentário (Sagittarius), camaleão (Chameleo), tartaruga africana (Pelomedusa), crocodilo (Crocodilus), pipa (Xenopus), celacanto (Latimeria), pirambóia-africana (Protopterus), bichir (Polypterus). Figura 6F. Região Etiópica e alguns elementos faunísticos. Modificado de Wilma George (1963). Oriental – inclui Índia, Sri Lanka, Sumatra, Filipinas, Bornéu, Java e Bali. Alta endemicidade. De acordo com Wallace divide-se nas seguintes subregiões: a) Indiana ou Hindostânica – Índia, do Himalaia ao Seringapatan; deltas dos rios Ganges e Bramaputra; alcança a Caxemira e o vale do rio Indo; b) Ceilonesa – extremidade sul da Índia e o Sri Lanka; c) Himalaiana ou Indochinesa – ao norte, até a Manchúria; compreende Myanmar, Cochinchina e sul da China e parte da península malaia; c) Indo-malaia – parte da península malaia, ilhas Sonda e Filipinas. Exemplos da fauna: hiena (Hyaena hyaena), gavial (Gavialis), anta (Tapirus indicus), beta (Betta), dermóptero (Cynocephalus), társio (Tarsius), naja (Naja), rinoceronte indiano (Rhinoceros unicornis), pangolim (Manis), tupaia (Ptilocercus), loris (Loris), orangotango (Pongo), gibão (Hylobates), urso preguiçoso (Melursus), tigre (Panthera tigris), elefante indiano (Elephas maximus), boi gauro (Bibos gaurus), boi zebu (Bos indicus), dugongo (Dugong), pavão (Pavo), “dragões voadores” (Draco), serpente marinha verdadeira (Hydrophius). Figura 7F. Região Oriental e sua fauna. Modificado de Wilma George (1963) – Animals and Maps. Australiana (=Australasiana) – inclui Austrália, Nova Zelândia e ilhas adjacentes. Alto grau de endemicidade. Subdivide-se em: a) Austral – Austrália e Tasmânia; b) Papuásica (Austro- malaia) – Papua-Nova Guiné; c) Maori – Nova Zelandia e ilhas vizinhas (e.g., Campbell, Auckland); d) Polinésica – sequência de ilhas do Pacífico, das Carolinas às Marianas; e) Havaiana – ilhas Sandwich. Entre os representantes da fauna temos: ornitorrinco (Ornythorhynchus anatinus), equidna (Tachyglossus), toupeira marsupial (Notoryctes), coala (Phascolarctos), canguru (Macropus), vombate (Phascolomis), cuscús (Phalanger), dingo (Canis dingo), babirussa (Babirussa babirussa), talegala (Talegallus), casuar (Casuarius), cisne negro (Chenopis atrata), quivi (Apteryx), emu (Dromaius), pombo goura (Goura), cacatua (Cacatua), pássaro-lira (Menura superba), ave do paraíso (Parotia), tuatara (Sphenodon), lagarto moloque (Moloch horridus), tartaruga australiana (Chelodina), pirambóia australiana (Neoceratodus). Figura 8F. Região Australiana e fauna associada. De W. George (1963). As zonas de transição entre as regiões biogeográficas são as seguintes: Neártica-Paleártica – estreito de Bering, mar da Noruega; clima frio e distância marítima. Neártica-Neotropical – istmo do Panamá; barreira climática zonal correspondente a área desértica do Norte do México. Etiópica-Paleártica – deserto do Saara; barreira climática zonal. Etiópica-Oriental – sudoeste asiático e península arábica; terras áridas, barreira climática zonal. Oriental – Paleártica – Himalaia e extensões para o leste; barreira fisiográfica, altas montanhas. Oriental- Australiana – Wallacea (grande zona de transição); grande distância marítima. As relações entre as áreas também foram analisadas quantitativamente em função de índices de similaridade. Neste sentido os índices mais comumente usados foram: Jaccard, Dice, Simple matching, Simpson e Braun-Blanquet (TABELA 1). Alguns problemas foram detectados com o provincialismo ou regionalismo a priori : Presença ou ausência de animais e plantas indistintamente usadas na caracterização das unidades biogeográficas Limites mal definidos ou controversos para as regiões e suas subdivisões Falta de definição biogeográfica dos táxons (ou seja, alguns se estendem por outras áreas) Índices de similaridade diferentes oferecem resultados diferentes Certos táxons possuem mais peso (=importância) que outros na caracterização das unidades. TABELA 1. Índices de Diversidade ÍNDICE FÓRMULA Jaccard C ⁄N1+N2 – C Dice 2 C ⁄ N1+N2 Simple matching C + A ⁄N1+N2 – C+A Simpson C ⁄ N1 Braun-Blanquet C ⁄ N2 Onde: A=número de espécies ausentes nas duas áreas comparadas; C=número de espécies presentes nas duas áreas; N= numero de espécies em determinada área N1= número total de espécies presentes na primeira área comparada; N2= número total de espécies presentes na segunda área comparada. Para saber mais... CABRERA, A.L. & Y.A. WILLINK 1973. Biogeografia de América Latina. Monografía 13, Série Biologia, OEA, Washington. MELLO-LEITÃO, C.F. de. 1943. Zoogeografia do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional. MORRONE, J.J. 2014. Cladistic biogeography of the Neotropical Region: identfying the main events in the diversification of the terrestrial biota. Cladistics, 30(2): 202-214.
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