Prévia do material em texto
XVI Encontro Latino Americano de Iniciação Científica, XII Encontro Latino Americano de Pós-Graduação e VI Encontro Latino Americano de Iniciação Científica Júnior - Universidade do Vale do Paraíba 1 A UTILIZAÇÃO DA LINGUAGEM DA CULTURA POPULAR CAIPIRA NO CINEMA Angela Noronha Rigobello1 Orientador: Prof. Dr. Moacir José dos Santos2 Módulo Centro Universitário 1,2 Endereço: Campus Centro Av. Frei Pacífico Wagner, 653, Caraguatatuba, 11660-903. E mail: modulo@modulo.edu.br Resumo- O presente artigo resulta da investigação da linguagem que singulariza a cultura popular caipira representada no cinema brasileiro. A língua possibilita a expressão de valores e crenças a partir da sua estrutura e utilização. A partir desta constatação, o objetivo principal da pesquisa foi compreender como a linguagem caipira é apresentada nos filmes que abordam a cultura caipira. A metodologia da pesquisa consistiu na análise dos filmes que abordam o universo da cultura popular caipira, mediante o referencial teórico constituído por parte dos pesquisadores dedicados ao tema. Constatou-se que a linguagem utilizada nos filmes relativos ao universo da cultura caipira foi elemento central para a caracterização dos personagens e práticas culturais representadas. . Palavras-chave: cultura popular; cinema; linguagem; urbanização. Área do Conhecimento: História Introdução A partir da década de 1950 ocorreu a expressiva intensificação do processo de urbanização da sociedade brasileira. A hegemonia da população urbana resultou na organização de novas formas de relações sociais em comparação ao passado agrário do Brasil. Tais transformações provocaram a emergência de novos espaços de produção social da cultura e das relações sociais. As práticas e crenças populares elaboradas a partir das relações sociais desenvolvidas no campo com a exploração da natureza e nas relações entre os diferentes grupos vinculados a atividade rural sofreram alterações significativas na sua produção e circulação social. A manutenção destas práticas em ambientes urbanos implica o estabelecimento de novos significados e ações em função do impacto da experiência urbana nas práticas culturais. (SANTOS, CARNIELLO e MURADE, 2013). O presente artigo resulta da avaliação de como essa experiência histórica relativa à passagem de uma sociedade predominantemente rural, a brasileira, para a proeminência territorial e econômica urbana, produz impactos sobre a cultura popular de matriz rural. Em razão da amplitude do escopo de análise a pesquisa que possibilitou a redação do artigo concentrou-se na investigação e análise de um fragmento deste processo: a utilização da linguagem caipira no cinema. Metodologia A literatura que permite abordar adequadamente a relação da figura do caipira como vetor do conflito entre o urbano e o rural por meio da linguagem foi analisada e sistematizada para a aquisição do referencial teórico necessário a interpretação dos dados coletados mediante a análise das fontes selecionadas. Conceitos fundamentais acerca do campo da cultura popular foram incorporados para a problematização da historicidade das praticas culturais, especialmente quanto à representação da linguagem que caracteriza a cultura caipira no cinema. A abordagem foi realizada com o acréscimo de discussões acerca da relação entre a história, o cinema e a linguagem. Portanto, outros trabalhos de pesquisa acerca do campo da cultura popular, da cultura caipira e do cinema como representação de processos sociais foram incorporados ao referencial teórico para a efetuação da analise da linguagem do caipira. Esta pesquisa pode ser delineada como documental de caráter exploratório, pois está assentada na utilização de pesquisas anteriores que pautaram a análise dos documentos. Neste artigo se entende que os filmes constituem registros de períodos históricos específicos que revelam tanto elementos da cultura popular caipira quanto as concepções relativas às suas características por parte dos responsáveis por produzir os filmes analisados. No presente trabalho optou-se por apresentar e analisar os aspectos da cultura caipira presentes nos filmes abordados. O desenvolvimento da investigação ocorreu com aplicação de vários mecanismos de pesquisa mailto:modulo@modulo.edu.br XVI Encontro Latino Americano de Iniciação Científica, XII Encontro Latino Americano de Pós-Graduação e VI Encontro Latino Americano de Iniciação Científica Júnior - Universidade do Vale do Paraíba 2 para a compreensão da consolidação da representação social do caipira mediante análise da linguagem. A revisão da literatura pertinente ao tema constitui a base teórica para a análise do conteúdo dos filmes. A avaliação das obras selecionadas ocorrerá mediante os seguintes critérios: roteiro, conteúdo, conflitos culturais representados na trama e como os elementos ligados aos aspectos rurais são contrastados em relação aos aspectos vinculados as vivências urbanas. A realização da coleta de dados e a revisão da literatura permitirão verificar como a figura do caipira representa o conflito entre o urbano e o rural por meio da linguagem. Resultados Desde o século XVII, a cultura popular tradicional tornou-se objeto de estudo dos intelectuais europeus devido a sua iminente transformação (CARNIELLO e SANTOS, 2010). Percebeu-se que o crescimento das cidades, da revolução industrial, da melhoria das estradas e da alfabetização foram fatores importantes para a concretização desse processo. E no Brasil, não foi diferente. Com o avanço da urbanização brasileira, ficou cada vez mais evidente a diferença entre a vida urbana e a rural. O caipira passou a ser visto como alguém que não se encaixa na vida da “cidade grande”, com linguagem própria, modo de vestir e comportamentos diferentes. Ser caipira passou a ser motivo de piada. Até mesmo na linguagem, observou-se que a mesma se difere de um local para outro, mostrando que o Brasil, apesar de possuir a Língua Portuguesa como idioma oficial, possui vários dialetos distintos, que variam de acordo com o local aonde a pessoa se encontra (AMARAL, 1982). Através dessas transformações nas áreas rurais, o caipira passou a ter contato com a vida urbana. Essas populações experimentaram mudanças significativas com as mudanças efetivadas mediante a industrialização. Com o tempo essa população começou a necessitar de coisas que antes não precisava, como remédios que são industrializados. A necessidade de “ter” passou a ser prioridade para a população rural. As transformações econômicas que alteraram o Brasil durante o século XX modificaram as formas de sobrevivência e sociabilidade, inclusive da população rural (CANDIDO, 1975). Os bens de consumo cada vez mais foram exigidos em sua casa, provocando uma redefinição em seu padrão de vida e de suas características, bem como o abandono de certas tradições e crenças. A dependência dos centros urbanos cresceu de forma fenomenal, levando o morador da zona rural a abandonar sua casa e partir para a vida na cidade. Na vida urbana ele precisou se adequar a um ritmo acelerado, em que tempo é dinheiro. Aos poucos algumas de suas tradições rurais foram deixadas de lado, como o acordar com o canto do galo e “dormir com as galinhas”. A busca pela adequação a rotina urbana tornou-se prioridade. Isso transformou a cultura caipira, modificando e muitas vezes extinguindo costumes. Mas apesar de toda essa transformação, ainda é possível encontrar cidades com características da cultura rural, pessoas que ainda conservam as crenças, a linguagem e o modo de viver caipira. ainda que com sentidos e práticas distintas do passado. Sob este prisma percebe-se que a cultura caipira resultou de um processo histórico de conquista e ocupação do espaço durante a colonização. Sua transformação decorre da própria historicidade das práticas culturais, sujeitasas mudanças das formas de produção da vida social (THOMPSON, 1989). A cultura caipira está presente em vários aspectos da vida urbana, principalmente em relação à linguagem, pois ainda é comum encontrarmos moradores dos grandes centros urbanos, que ainda trazem consigo resquícios do falar caipira, demonstrando que apesar do preconceito e da discriminação perante o modo de falar caipira, ela ainda sobrevive nas estruturas do idioma e das representações culturais. A urbanização e a industrialização do Brasil ao longo do século XX provocaram a investigação sobre o impacto da modernização na cultura brasileira, especialmente quanto às práticas identificadas como relativas às manifestações da cultura caipira presente no interior dos estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Goiás e regiões dos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (BRANDÃO, 1983). Deste modo, o debate sobre a cultura popular caipira gerou uma discussão sua contribuição para a formação da diversidade cultural brasileira (TOLENTINO, 2001). Assim, várias perspectivas sobre a diversidade cultural brasileira foram formadas. Quando a vida caipira passou a ser representada nas músicas, nos livros, e também no cinema, ocorreu a popularização do tema, pois a urbanização ao alterar a vida social e cultural do país provoca o interesse pela trajetória da cultura brasileira, interesse que abrange desde a indústria do entretenimento até as pesquisas desenvolvidas no âmbito da história, antropologia, sociologia e geografia. O interesse da indústria cultural pela cultura popular caipira se aprofunda durante a década de 1960. A indústria do cinema nacional produziu filmes que retratavam a cultura popular, atingindo um grande número de pessoas, coincidindo com o XVI Encontro Latino Americano de Iniciação Científica, XII Encontro Latino Americano de Pós-Graduação e VI Encontro Latino Americano de Iniciação Científica Júnior - Universidade do Vale do Paraíba 3 aprofundamento da urbanização brasileira (2010). No cinema, a representação da cultura popular caipira contribuiu com a formação da memória social do povo brasileiro, uma vez que demonstra os conflitos entre o “homem do campo” e o “da cidade”. Tal dicotomia revela a elaboração de uma memória pautada pela redefinição do urbano e do rural durante a industrialização brasileira e que não corresponde ao passado agrário, mas sim a aquele processo de urbanização (CÂMARA, 2006). Um dos cineastas mais envolvidos com a cultura popular caipira foi Amâncio Mazzaropi, que durante sua trajetória no cinema especializou-se em retratar de forma cômica a vida no campo. Seus personagens representavam as interações sociais e com o meio ambiente nas áreas rurais. Seu objetivo era entreter seu público, prender sua atenção e diverti-los. Por isso, um de seus personagens mais famosos é o Jeca, que tem como características uma forte religiosidade, mora no campo, é desconfiado e não compreende muito a dinâmica da vida urbana, resistindo à modernização. Seus filmes não contam apenas histórias engraçadas, há todo um contexto trabalhado neles. Em cada filme seu personagem era formado conforme a dinâmica da história. Em alguns ele era enquadrado em uma realidade que retratava o cenário político e social do momento. Em outros ele era aquele que abandonava sua terra de origem em busca de uma vida melhor, e ao atingir seus objetivos, regressava a sua terra de forma triunfante. Os filmes retratavam os problemas enfrentados no campo, como o preconceito contra os moradores rurais, considerados por muitos como ignorantes e inferiores. O expressivo sucesso dos filmes de Mazzaropi deve-se a dois fatores (FONSECA e SANTOS, 2011). O primeiro remete ao senso de oportunidade do cineasta. A análise dos seus filmes evidencia que à medida que a urbanização intensificou-se os seus filmes aprofundaram a temática rural, apresentando o campo como espaço portador da cultura e da origem daqueles que migraram para as cidades. O segundo mecanismo se refere à linguagem, ao aplica-la para compor seus personagens Mazzaropi acrescentava verossimilhança aos seus personagens e provocava a identificação dos espectadores com a sua obra. A linguagem se faz presente nesse processo, como uma manifestação cultural importante para o sucesso dos filmes de Mazzaropi. O falar caipira, (Amaral, 1982) é bastante característico e inconfundível, pois é um dialeto oriundo de elementos do português arcaico, do tupi e da influência de outras línguas, como as africanas e a castelhana. Nos filmes, o típico falar “carregado” e cheio de morosidade do caipira transmite a quem assiste uma doce lembrança de uma época vivida ou não, cheia de saudade e expectativa. Mas também é motivo de riso, devido à forma caricatural que os artistas apresentavam-na, alimentando, muitas vezes, a discriminação dessa linguagem. Não é raro encontrar nos filmes pessoas que acham graça da maneira de falar do homem do campo. Os filmes que utilizam a cultura caipira, ao retratarem este estilo de vida, promovem um forte elo entre o presente e o passado. Tal vinculo permitiu aos filmes de Mazzaropi o alcance um sucesso significativo. Neste processo, a linguagem ocupou um papel fundamental. Discussão No Brasil, a cultura popular foi transformada com a agressiva industrialização efetuada ao longo do século XX. A modernização da atividade economica implicou em transformações que impactaran sobre as relações sociais e o espaço em que elas se desenvolviam. A industrialização correspondeu a urbanização da sociedade brasileira. Sua efetivação provocou alterações na composição da sociedade brasileira. Entre os aspectos afetados com as transformações da sociedade brasileira está a cultura brasileira. Complexa e diversificada a cultura brasileira tem entre suas principais manifestações a cultura caipira. Desenvolvida no interior do estado de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Goiás e regiões do Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, a cultura caipira foi alterada com a extensão dos efeitos da industrialização e da urbanização. A transformação de crenças e costumes relaciona-se a própria dinâmica histórica (BURKE, 1995). Neste sentido, o presente artigo parte da perspectiva que a denominada cultura caipira não será adequadamente compreendidada sob um angulo saudosista, mas sim com sua compreensão como um fenomeno territorial e temporalmente localizado e sujeito as contigências históricas responsavéis por sua formação e alterações historicamente constituídas. Neste sentido, os filmes que utilizam a linguagem da cultura caipira registraram elementos das sua práticas culturais com o proposito de atrairem espectadores que a conheciam. Tais filmes benficiaram-se da urbanização brasileira ao utilizarem as referencias culturais dos migrantes do campo ou mesmo dos habitantes das pequenas cidades do interior que conheciam os elementos da cultura caipira apresentados nos filmes. XVI Encontro Latino Americano de Iniciação Científica, XII Encontro Latino Americano de Pós-Graduação e VI Encontro Latino Americano de Iniciação Científica Júnior - Universidade do Vale do Paraíba 4 Sob essa perspectiva a linguagem cumpriu uma função essencial ao proporcionar verossimilhança aos filmes. Esse foi o proposito de sua utilização nos filmes, o que evidentemente provocava a atração de espectadores satisfeitos em perceberem aspectos de sua experiência social e cultural nas telas dos cinemas. Câmara (2006) demonstra que esse mecanismo adquiria mais efetividade com a idealização do cenário rural como o local onde o homem está em constante harmonia com a natureza, enquanto nas áreas urbanas a artificialidade predominava. Observa-se que a analise dos filmes evidencia a constituição de uma memória sobre a cultura caipira e sua lingagem que revela como os produtores, diretores e atores das produções percebiam a cultura caipirarepresentada nos filmes, particularmente quanto ao potencial de atração dos espectadores. Destarte, os resultados da presente pesquisa não permitem confundir essa representação com a cultura popular caipira vivenciada no campo. Candido (1975) demonstrou que essa experiência cultural experimentava um significativo processo de transformação em meados do século XX. Aqueles que migraram para as cidades estavam imersos neste processo de transformação desde o espaço rural. Conclusão Os resultados obtidos com a investigação da linguagem caipira apresentada nos filmes brasileiros que abordam esse espectro cultural, especialmente os filmes de Mazzaropi, possibilitam compreender como tais filmes relacionam-se a um cenário de expressivas transformações históricas. A industrialização e a urbanização que caracterizaram as mudanças efetivadas na sociedade brasileira alteraram a produção e a reprodução da cultura popular brasileira, especialmente a de origem rural. Essas mudanças na esfera cultural relacionam-se a complexidade da história brasileira do século passado e somente sua inserção neste cenário gera respostas satisfatórias as investigações sobre as mudanças na esfera da cultura popular caipira do período. Conclui-se que a linguagem ocupou uma função importante quanto à construção de uma representação da cultura caipira, que expressava a vivência e os valores daqueles que produziram os filmes que empregaram a linguagem caipira como elemento de verossimilhança. A linguagem tem fundamental importância no cinema nacional que aborda a cultura caipira, pois transporta o espectador a um imaginário em que a vida é boa, sem grandes problemas. Referências - AMARAL, A. O dialeto caipira. São Paulo: Editora Hucitec/INL-MEC, 1982. - BRANDÃO, C. R. Os caipiras de São Paulo. São Paulo: Brasiliense, Coleção Tudo é História, v. 75, 1983. - BURKE, P. A cultura popular na Idade Moderna. 2ª ed. São Paulo: Cia das Letras, 1995. - CÂMARA, A. da S. Mazzaropi e a reprodução da vida rural no cinema brasileiro. Vitória da Conquista. Revista Politéia. nº6, v. 1. 2006. - CANDIDO, A. Os parceiros do rio Bonito. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 3ª ed., 1975. - CARNIELLO, M. F.; SANTOS, M. J. A urbanização e a construção do rural no cinema de Mazzaropi. Revista Internacional de Folkcomunicação, v. 1, p. 1-13, 2010. - FONSECA, A. S. S; SANTOS, M. J. História e cinema: os filmes de Mazzaropi como fonte histórica. Ângulo (FATEA. Impresso), v. 1, p. 38- 45, 2011.. - IBGE. Censo demográfico 2010. Disponível em: < http://www.ibge.gov.br> Acesso em: 21 de maio. 2013. - ORTIZ, R A moderna tradição brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1987. - SANTOS, M. J.; CARNIELLO, M. F. e MURADE, J. F. G. Relações entre cultura popular, capital social e desenvolvimento sustentável no município de São Luiz do Paraitinga – SP - Brasil. REDES. V. 18, n 1, p. 8 – 20, jan./abr. 2013. - THOMPSON, E. P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. - TOLENTINO, C. A. F. O rural no cinema brasileiro. São Paulo: Editora UNESP, 2001. http://lattes.cnpq.br/8891630755683175