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Eventos Mecânicos do Ciclo Cardíaco Carolina de Souza - 219 1 Introdução O ciclo cardíaco é composto pelos eventos ocorridos no coração em cada batimento, desencadeados pela sequência de contração das musculaturas atrial e ventricular. Esse ciclo é responsável por regular o fluxo de sangue entre as câmaras as artérias e possui fases: Sístole: fase de contração da musculatura cardíaca que leva ao aumento da pressão no interior das câmaras do coração; Diástole: fase de relaxamento da musculatura que proporciona o enchimento das câmaras. Atividade Elétrica e Sístole O estímulo elétrico propagado pelo sistema de condução do coração é responsável por promover a contração muscular e é o retardo da passagem do estímulo pelo NAV que possibilita alternância entre as contrações atriais e ventriculares. Assim, os dois átrios se contraem quase simultaneamente para, logo depois, os dois ventrículos também se contraírem quase ao mesmo tempo, de modo que, enquanto os ventrículos estão em sístole, os átrios estão em diástole, recebendo o sangue chegado das veias, já quando os ventrículos entram em diástole, eles recebem o sangue saído dos átrios, sendo esse enchimento ventricular, em maior parte, do tipo passivo. Por fim, a sístole atrial ocorre apenas ao final da diástole ventricular, contribuindo, em menor tamanho, para o enchimento dos ventrículos. Cada ciclo cardíaco tem a duração de 800 ms em uma frequência cardíaca de 75 bpm, sendo esses milissegundos divididos em 500 ms para a fase de diástole ventricular (maior duração) e 300 ms para a fase de sístole ventricular, o que indica que os ventrículos passam mais tempo em diástole que em sístole. Curvas de Pressão Atrial e Ventricular Para entender como o ciclo cardíaco se desenvolve, é necessário, antes, conhecer as curvas de pressão das câmaras e das artérias. A pressão baixa observada nos átrios visa permitir retorno sanguíneo venoso, de modo que essa varia entre 0- 2 mmHg. A curva de pressão atrial possui três ondas muito bem definidas, sendo essas: As valvas cardíacas garantem um fluxo unidirecional que evita o refluxo de sangue por meio de sua abertura e fechamento de modo passivo, a partir da diferença de pressão. Ex.: A contração do ventrículo direito promove aumento de pressão na câmara e, quando essa pressão supera a pressão no interior da aorta, a valva aórtica é aberta, permitindo ejeção do sangue através do vaso. Eventos Mecânicos do Ciclo Cardíaco Carolina de Souza - 219 2 Onda a: demonstra o aumento da pressão do átrio causado pela contração dessa região; Onda c: é causada pela contração ventricular que gera abaulamento da valva atrioventricular fechada; Onda v: é provocada pelo enchimento atrial de sangue venoso. A curva de pressão ventricular, diferente da curva atrial, apresenta a maior variação de pressão, dada por um aumento de pressão durante a sístole que precisa ultrapassar a pressão presente no interior da aorta para que ocorra uma adequada ejeção sanguínea e uma queda enorme de pressão durante a diástole a fim de alcançar valores abaixo da pressão atrial para que ocorra enchimento ventricular. A sístole Ventricular Quando o estímulo elétrico atinge as fibras de Purkinje e provoca a contração ventricular, a pressão no interior do ventrículo passa por um processo de crescimento, sendo que, ainda no início desse processo de aumento de pressão, ela já ultrapassa a pressão atrial, possibilitando fechamento da valva atrioventricular passivo. Quando, então, a pressão ventricular ultrapassa a pressão aórtica, ocorre abertura da valva semilunar, permitindo ejeção do sangue. Existe, portanto, o primeiro período durante a sístole ventricular onde as duas valvas estão fechadas, de modo que não há variação de volume dentro do ventrículo, a essa fase dá-se o nome de contração isovolumétrica e, a partir do momento de abertura das valvas semilunares, se inicia uma segunda fase de ejeção, dividida em rápida (maior parte da queda do volume ventricular) e lenta. Diástole Ventricular É dividida em algumas fases: Relaxamento isovolumétrico: Assim que se inicia o relaxamento ventricular, a pressão nessa câmara fica menor que a pressão atrial, o que promove fechamento da valva semilunar antes aberta, há, então, um momento de queda de pressão ventricular característica pela ausência de abertura de qualquer uma das válvulas. A pressão no interior do ventrículo se Eventos Mecânicos do Ciclo Cardíaco Carolina de Souza - 219 3 torna menor que a pressão no interior do átrio, promovendo abertura da valva atrioventricular e o fim desse período; Enchimento rápido: A abertura da valva permite passagem de sangue para a câmara ventricular, que inicialmente é rápida; Enchimento lento: O enchimento fica cada vez mais lento, até que chegue o momento de sístole atrial; Sístole atrial: É a última fase da diástole ventricular. As três primeiras fases compõem um enchimento passivo, enquanto a última compõe o momento de enchimento ativo, ocorrendo ao fim da fase diastólica. Curva de Pressão Aórtica A pressão aórtica começa a aumentar a partir da abertura da valva semilunar, que permite a ejeção de sangue pelo ventrículo e, a partir desse momento a curva de pressão do vaso acompanha a curva de pressão ventricular. A diminuição da pressão começa ao longo da última fase de ejeção, até o ponto de diminuição da pressão ventricular e consequente fechamento da valva semilunar. Com o fechamento da valva, ocorre um pequeno abaulamento que recebe o nome de incisura dicrótica, seguido de uma diminuição lenta de pressão graças as propriedades elásticas da aorta, se mantenho em um valor aproximado de 80 mmHg, devido a resistência periférica. Fração de Ejeção O volume ejetado pelo coração a cada sístole é denominado volume sistólico, tendo um valor de aproximadamente 70 mL, esse volume corresponde ao volume de sangue após enchimento completo do ventrículo ao fim da diástole (volume diastólico final), de 120 mL, menos o volume que permanece no ventrículo após ejeção (volume sistólico final), de 50 mL. A fração de ejeção é uma medida de função cardíaca e correspondente ao volume ejetado pelo volume diastólico final. Em normalidade, essa fração representa 58% (normalmente 60%). Pré e pós Carga Esses dois conceitos influenciam diretamente o trabalho cardíaco. A pré carga é aquela com a qual o coração precisa trabalhar, correspondendo ao volume de sangue que chega nesse órgão. Em outras palavras, a pré carga corresponde ao volume diastólico final. Já a pós carga é a resistência contra o bombeamento cardíaco que influencia a pressão que o ventrículo deve gerar para ejetar o sangue para a aorta, em casos de estenose aórtica (estreitamento da valva semilunar) há geração pós carga aumentada. Valvas Cardíacas Sua função é a de impedir refluxo de sangue e elas realizam isso de diferentes As fases de enchimento compreendem o momento de maior adição de sangue para a câmara ventricular, sendo correspondente a cerca de 80% desse enchimento. A pressão tem um valor máximo (pressão sistólica) de cerca de 120 mmHg e um valor mínimo (pressão diastólica) de cerca de 80 mmHg. Eventos Mecânicos do Ciclo Cardíaco Carolina de Souza - 219 4 maneiras, de acordo com sua localização. As valvas atrioventriculares se ligam a músculos papilares (conectados a parede dos ventrículos) por meio de cordas tendíneas, de modo que, durante a sístole, há contração dos músculos papilares, provocando tensão nas cordas tendíneas, o que ajuda a prevenir abaulamento das valvas e, com isso, evitar o refluxo. Bulhas Cardíacas São os sons produzidos pelo fechamento das valvascardíacas, sendo que, em um indivíduo saudável, dois sons são muito bem definidos. O primeiro deles (B1) é produzido por meio do fechamento das valvas atrioventriculares e a turbulência sanguínea associada a esse fechamento, logo, é possível notar que ela ocorre no início da fase de contração isovolumétrica, sendo uma bulha que marca o início da sístole ventricular. Esse som é considerado mais grave. Já a segunda bulha (B2) é produzida por meio do fechamento das valvas semilunares (pulmonar e aórtica) e marca o início da diástole. Em geral, o intervalo entre B1 e B2 é menor que o intervalo entre B2 e B1, representando muito bem os intervalos de tempo característicos da sístole e da diástole. Podem existir, ainda, a terceira e a quarta bulhas, sendo que ambas ocorrem durante a diástole e são produzidas quando há diminuição da complacência ventricular ou hipertrofia ventricular patológica. B3: Essa bulha é audível durante a fase de enchimento rápido do ventrículo e pode ser auscultada em crianças com uma certa normalidade; B4: Ocorre durante a fase de sístole atrial (Momento de enchimento ventricular ativo durante diástole do ventrículo) e geralmente é patológica. Sopros Cardíacos O sopro é um som produzido em casos de turbilhonamento do sangue (perda da característica laminar) e pode ser resultado de obstrução, aumento da velocidade de fluxo sanguíneo, estenoses ou insuficiências valvares ou dilatações vasculares. Dentre as causas citadas, duas podem ser alterações patológicas das valvas, sendo essas: Estenose: Fusão parcial das cúspides que causa consequente alteração na abertura da valva; Insuficiência: Não há fechamento adequado da valva, tendo como resultado final dessa patologia a regurgitação de sangue. Sendo assim, as possíveis alterações valvares são: Estenose aórtica ou estenose da valva pulmonar: Alteração na abertura das valvas semilunares que, em condições normais, devem se abrir durante a sístole. Isso promove dificuldade de saída de sangue para o tronco pulmonar e para a aorta; Insuficiência mitral ou insuficiência tricúspide: Alteração no fechamento das valvas atrioventriculares que pode gerar regurgitação do sangue durante a sístole; Insuficiência aórtica ou insuficiência da valva pulmonar: Alteração no fechamento das valvas semilunares que pode ter como consequência regurgitação de sangue (do tronco pulmonar e da aorta) durante a diástole; Não são os músculos os responsáveis pela abertura e fechamento, mas a diferença de pressão átrios e ventrículos. Eventos Mecânicos do Ciclo Cardíaco Carolina de Souza - 219 5 Estenose mitral ou estenose tricúspide: Alteração na abertura das valvas atrioventriculares, gerando diminuição do fluxo para enchimento ventricular durante a diástole. O ciclo cardíaco depende da função do sistema de condução do coração para induzir a contração muscular e a alternância entre sístole e diástole atrial e ventricular. Logo, a adequada função de bombeamento cardíaco é responsável por manter um débito sistólico adequado para suprir as necessidades do organismo, de acordo com a pré carga e a pós carga do coração. Os sons produzidos pelo fechamento das valvas (bulhas) em indivíduos saudáveis podem ser ouvidos de todos os pontos de ausculta.