Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO ISCED-HUÍLA Anteprojecto O Casamento dos Nyaneka Nkumbi, do Subgrupo Ovankumbi da Matala: Um Estudo Exploratório. Autor: Gizela Salomé Tunguila Lusitano Orientador: Msc. Antunes Pinto Lubango, 2021 2 Introdução No presente projecto, sobre: “O Casamento dos Ovanyaneka Nkumbi, do Subgrupo Ovankumbi da Matala. Um Estudo Exploratório”, buscaremos abordar sobre esta temática que pensamos ser actual e actuante, dado o seu impacto socio-cultural. Para tal, aborda-la-hemos em três capítulos, sendo que no primeiro da “revisão da bibliografia”, procuraremos trazer uma discussão de diferentes perspectivas analisadas pelos diferentes teóricos que se propuseram analisar questões relacionadas ao nosso tema. Nesta senda, o nosso foco de abordagem incidirá sobre a compreensão do casamento Nyaneka Nkumbi, suas particularidades e diferenças com as demais etnias e povos. Para melhor nortearmos a nossa análise terminaremos o nosso primeiro capítulo com a definição dos conceitos- chave. No segundo capítulo respeitante a “contextualização do tema”, faremos uma análise contextual sobre o assunto, no Município da Matala, começando pelo perfil e caracterização do município em causa, delimitação da superfície e divisão administrativa, caracterização demográfica e finalmente procuraremos abordar sobre o casamento tradicionais nesta circunscrição municipal, ainda neste mesmo capítulo, trataremos de realizar um estudo empírico sobre o assunto. Finalmente no terceiro capítulo, iremos conceder entrevistas aleatórias, de formas a recolhermos informações das diversas estruturas sociais. Outrossim, consta dos nossos anseios para com este trabalho, propor o enquadramento do nosso tema, no programa didático da cadeira de História da 11ª classe, a quando da abordagem sobre, as sociedades africanas face à mudança, especificamente no subtema 1.5.6- “O reino de Nyaneka Nkumbi”, de forma a enriquece-lo ainda mais, com este assunto que pensamos ser desconhecido pelos alunos que porém seria imprescindível para suas vidas. 3 1.1- Motivação da escolha do tema e relevância da pesquisa Sendo o casamento Nyaneka Nkumbi uma realidade com a qual nos debatemos comumente, cuja particularidades explicam-se através de elementos tradicionais ligadas ao povo em causa, torna-se um assunto curioso de se explorar ainda mais com profundidade, primeiro por tratar-se de uma questão que pensamos merecer uma abordagem a sol aberto dado o seu impácto sócio-cultural e segundo por inerência dos tabus circunscritos em torno desta problemática por indivíduos preconceituosos ou pouco avisados sobre o assunto. Pois fomos movidos pelo facto de ser um fenómeno real e infelizmente com uma realidade coberta de vários tabus e dúvidas, pensamos pois que por se tratar de um elemento que ocupa um espaço de destaque na nossa cultura, é necessário torna-lo mais desvendado a luz da ciência. Com isso pretendemos contribuir para o enriquecimento da antropologia cultural, direcionadamente ao programa da 11ª como já referimos. Sabe-se pois que o casamento tradicional está presente em muitas culturas, porém cada uma delas o celebra de forma diferente, por esta razão procuraremos abordar sobre esta questão o mais profundo possível de maneiras a desvendar várias questões que muitas vezes são colocadas e que não têm encontrado respostas em altura dada a escassez de pesquisas. A escassez de respostas firmes e convictas para responder as questões a baixo, também constituem a nossa preocupação, pois de algum modo mexe com a nossa sensibilidade enquanto estudantes de História, no âmbito da antropologia cultural: - Que indicadores fundamentam um casamento tradicional Nyaneka Nkumbi? - Que relações e diferenças existem entre o casamento Nyaneka Nkumbi com outros grupos etno- lingisticos? - A luz do direito costumeiro quais são os seus procedimentos legais? - Existe um consenso entre o direito costumeiro e o positivo face a esta realidade? 4 A procura pelas respostas destas e muitas outras questões que se levantam comumente em torno do assunto, constituem o nosso grande desafio, para o presente trabalho. Outrossim esta pesquisa é de capital importância, numa altura em que muito se fala sobre o resgate dos valores morais e culturais, perdidos no período colonial com principal. Outrossim, sendo Angola um estado multicultural como também afirma José Serra Van-Danem (2007, p.20), é importante que se abram os estudos sobre os diferentes traços culturais, de maneiras a que se conheçam os diferentes hábitos e costumes para depois haver respeito pela cultura de outrem e finalmente uma coexistência ou convivência na diversidade baseada na harmonia e no respeito pelas diferenças. Também com esta pesquisa, constam das nossas intenções constituir acervos bibliográficos sólidos, que sirvam não só de referência à futuras pesquisas sobre o assunto, mas também como um meio pelo qual, qualquer um (a) que estiver interessado (a) a dissipar as suas dúvidas relativamente ao assunto, o faça com ajuda do nosso contributo. Desejamos para o efeito contribuir no desafio de fazer respeitar cada vez mais os usos e costumes ligados a tradição negro-africana através da busca e fundamentação da origem de certos costumes como é o caso do casamento Bantu Nhaneka Humbi. 5 1.2- Revisão da Literatura 1.2.1- O casamento Tal como anteriormente referimos, apesar do casamento fazer parte da cultura de todo o homem, seja do norte, do sul, do oriente ou ocidente e por isso ser transcendental ou transversal a todas as culturas, cada povo formaliza-o de forma diferente à luz da sua cultura. O ordenamento jurídico positivo angolano disponibiliza uma vasta abordagem sobre o casamento nos seus IIIº e IVº títulos do Código da Família, começando pela sua definição, «O casamento é a união voluntária entre um homem e uma mulher formalizada nos termos da lei com objectivo de estabelecer uma plena comunhão de vida»1. Deste fuste, podemos extrair o princípio da unicidade, como veremos a seguir. «Tendo como pressuposto de validação do novo casamento: «Ser anulado o anterior casamento do bígamo»2. Tendo em conta a sua validade, o mesmo código fundamenta que: «O casamento só é válido quando celebrado perante os órgãos de registo civil ou reconhecido de acordo com as regras da presente lei3». Quanto a idade núbil, «só podem casar os maiores de 18 anos de idade, excepcionalmente, poderá ser autorizado o homem que tenha completado 16 e a mulher que tenha completado 15 anos de idade, quando ponderadas as circunstâncias do caso e tendo em conta o interesse dos menores, seja o casamento a melhor solução, esta autorização será concedida pelos pais, tutores ou por quem tiver o menor a seu cargo, podendo ser suprida pelo tribunal, ouvido o parecer do concelho de família, quando a não autorização se mostrar injustificada».4 1.2.2- O Casamento Religioso-Cristão O casamento é uma prática sócio-cultural, institucionalizada desde os primórdios da vida humana, pois este é presente e recorrentemente relatado na Bíblia Sagrada desde o surgimento de Eva como companheira de Adão. 1 Artigo 22º do código da família. 2 Artigo 73º do código da família. 3 Artigo 27º do código da família. 4 Artigo 24º, do código da família. 6 «Então, o senhor Deus, fez cair sobre o homem um sono profundo e enquanto ele dormia, tirou-lhe uma das suas costelas, cujo lugar preencheu de carne. Da costela que retirara do homem, o Senhor Deus fez a mulher e conduziu-a até ao homem. Então o homem exclamou: Esta é realmente osso dos meus ossos e carne da minha carne, visto ter sido tirada do homem! Por esse motivo o homem deixarápai e mãe, para se unir à sua mulher; e os dois serão uma só carne»5. «Alguns fariseus, para o experimentarem, aproximaram-se dele e disseram-lhe: É permitido a um homem divorciar-se da sua mulher por qualquer motivo? Ele respondeu: Não lestes que o Criador desde o princípio, fê-los homem e mulher, e disse: por isso, o homem deixará o pai e a mãe e se unirá à sua mulher, e serão os dois um só? Portanto já não são dois, mas um só. Pois bem, o que Deus uniu não o separe o homem. Ora eu digo-vos: se alguém se divorciar da sua mulher – excepto em caso de união ilegal e casar com outra, comete adultério»6. Relativamente ao celibato, no qual alguns homens se apoiam para não contraírem o matrimónio, com principal realce os sacerdotes da igreja Católica, a bíblia diz: «Os discípulos disseram-lhe: “Se é essa a situação do homem perante a mulher, não é conveniente casar-se!”, respondeu Jesus: “Nem todos compreendem esta linguagem, mas apenas aqueles a quem isso é dado. Há eunucos que nasceram assim do seio materno, há os que se tornaram eunucos pela interferência dos homens e há aqueles que se fizeram eunucos a si mesmos, por amor do Reino do Céu». 1.2.3- O casamento Bantu «O matrimónio é um assunto complexo em que os aspectos económicos, sociais e religiosos estão por vezes tão intrinsecamente misturados que não se podem separar... Para nós africanos, o matrimónio é o centro da existência. É o lugar de encontro de todos os membros de uma comunidade: Os defuntos, os vivos e os que ainda vão nascer. O matrimonio é o drama em que cada um participa como actor ou como atriz e não como mero espectador. Por isso, é um dever, uma experiência fixada pela comunidade e um ritmo de vida em que cada um deve tomar parte. Quem não participa é uma maldição para a comunidade, é um rebelde, não só é um anormal como chega a um nível inferior ao humano. Em geral se um indivíduo não adere, significa que rejeitou a sociedade e a sociedade rejeitou a ele. A mulher ou o homem, introduzidos pelo matrimónio no novo grupo, reforçam a amizade e as alianças entre famílias, clãs, tribos e reinos amigos, ou 5 Bíblia Sagrada: Génesis 2: 21-24. 6 Bíblia Sagrada: Mateus: 19:3-9; Marcos 10:7 7 inauguram-nas se são estranhos, indiferentes ou hostis. Esta aliança entre dois grupos, constitui o seu valor social e político primário e mais profundo». (Altuna, 2006, p. 301) É pelo casamento, que duas famílias estranhas, conhecem-se plenamente e se tornam numa única, até mesmo os grupos anteriormente hostis tornam-se amigos, nos tempos mais remotos e em alguns casos na actualidade, alguns grupos casavam-se (casam-se) por interesses económicos e políticos, pois por meio do casamento a família pobre poderia (pode) unir-se e formar uma única com a rica, também remonta a História de que alguns grupos sobretudo as famílias reais de estados monárquicos casavam-se entre si por incesto, para se perpetuarem no poder, impedindo o contácto afectivo com outros grupos, sob pena de perderem, desviarem ou partilhar o poder com outras famílias. Como dissemos anteriormente, o casamento apesar de ser transcendental às culturas, tendo em conta que faz parte da vida de todo o homem, a sua maneira de celebração e interpretação, varia de cultura para cultura e de região para região. «O casamento bantu, sistematiza e controla a vida social, visto que organiza as relações entre parentelas e vai fixando a filiação. O matrimónio em África é muito mais englobante que na Europa. Por ele as linhagens têm direito sobre as descendências e dilatam-se no tempo e no espaço, depois de ficar fixadas. Os caminhos do casamento são diversos na África negra, tal como os usos e costumes matrimoniais ou o valor da virgindade. Mas em todos os grupos bantu, aparecem algumas constantes uniformes, uma base originante comum, recordamos mais uma vez a essencial unidade cultural negro-africana com quase tantas concretizações acidentais na sua expressão como etnias existentes. Por isso se torna possível descrever os traços fundamentais do casamento tradicional, através dos seguintes indicadores: o casamento fundamenta uma aliança entre grupos, o casamento é um facto social, o casamento é essencialmente fonte de vida, o casamento é essencialmente religioso, o casamento é um rito de passagem, o casamento é uma associação económica, o casamento é um acto jurídico». (Altuna, 2006, p. 301) Infelizmente, este casamento tradicional como muitas outas práticas culturais, têm vindo a registar fraca adesão, em alguns casos por força das leis que sobrepõe os costumes, por outros pela força da moralização social a luz do cristianismo que condena tais práticas e em muitos outros casos pelo factor “desenvolvimento” regido pelo capitalismo cujos ventos assopram na direção da globalização que muitas vezes criam choques conflituosos com a cultura. Tal como André Lucamba afirma: «O desenvolvimento de um povo subdesenvolvido de per se, não é compatível com a conservação dos seus usos e costumes. Um corte nítido representa com tudo isso um requisito prévio para o progresso económico. Ocorre uma revolução em todos os hábitos e instituições sociais, culturais, religiosas, nas atitudes psicológicas, na filosofia e no 8 modo de viver. Para a maior parte da população mundial, o desenvolvimento representa a destruição das suas identidades étnicas e representa a destruição das redes de solidariedade com o objetivo de promover a legitimação do interesse pessoal como motivação de base dos seres humanos. A definição de humanidade dada pelo mercado baseia-se sobre pouquíssimos assuntos específicos acerca das motivações e dos valores culturais. A justificação de humanidade vem da busca constante do bem-estar material do desejo de ter sempre mais objectos à disposição » (Lukamba, 2012, p. 47) Realmente as causas que beliscam o casamento e outros costumes tradicionais encontram maior êxito nas comunidades urbanas cuja a tradição cultural não faz muito sentido, fruto da colonização e principalmente implantação do cristianismo em África, cuja instalação ficou confirmada com o Baptismo de “Nzinga-a- Nkuvu” em 1491, que passou a chamar-se “Don João I”, é nesta infeliz circunstância que se viu ameaçada a tradição Bantu-africana de Angola, que até então já havia estabelecido os seus usos e costumes tal como as regras que os observavam. A banalização desta e outras práticas costumeiras pelos europeus causou muitos tumultos no seio dos africanos entre si e entre africanos e europeus, tendo inicialmente sido encarada como uma atitude escandalosa pelos africanos, como veremos abaixo: «D. João I aceitou facilmente a parte dogmática do cristianismo, mas custava-lhe viver com uma só mulher e observar a moral evangélica. Apesar das resoluções tomadas, caía frequentemente na poligamia. Os missionários por sua vez davam-lhe penitências bastante duras para o absolver das faltas. Isso criou tensão entre os missionários e o rei. D. Afonso, filho mais velho de D. João I, revelou-se, desde a juventude, cristão convicto e, discordando das vacilações do pai, caio na desgraça, tendo sido exilado para o Ducado de Nsundi de que era donatário como príncipe herdeiro. O seu irmão aproveitou a circunstância para fortalecer a sua posição». (Muaca, 1990) Tal como dissemos acima, esta analise de Muaca, confirma que de facto a implantação do cristianismo em África não foi um processo fácil, tal acção causou muitas contradições em virtude de alguns traços culturais impostos às sociedades africanas e a negação dos hábitos e costumes locais. 1.2.4- Caracterização do grupo etno-linguistico Ovanyaneka Nkumbi De acordo a Estermann (1960, p.27), não é possível tocar, ao de leve que seja, nos problemas históricos de Angola, sem mencionar os terríveis invasores conhecidos por Jagas ou Yaka7, nome que designando primitivamenteos chefes, passou a englobar todos os componentes das ordas guerreiras. Vindos do leste, invadiram e conquistaram, embora transitoriamente, o reino do Congo em 1568, aliaram-se pouco depois, aos povos de Ndongo e Matamba contra os 7 A palavra Yaka, tem o significado de picar ou atingir com flecha. 9 portugueses. Fosse pelas derrotas infligidas pelas armas portuguesas, fosse devido ao seu espírito irriquieto e aventureiro, que não os deixava fixar-se por muito tempo numa determinada região, o facto é que no princípio do século XVII, segundo o que consta de várias fontes, um grupo importante de Jagas estende a sua conquista até às margens do Cunene, onde, como já vimos, formam um grande estado. Avelot apud (Esterman, 1960, pp. 27, 28), relata a criação desse império pela forma seguinte: podemos conjecturar que o reino de Matamam, na bacia do Cunene, é aniquilado no fim do séc XVI sob os assaltos dados pelos Jagas. É de facto nesta época que os Cimbembas ou Dâmaras, expulsos do seu país pelos invasores vindos do norte, passam o Cunene para irem refugiar-se no Kaoko, donde mais tarde saíram os Vaherero. Os conquistadores, com os destroços do antigo império, formaram dois novos reinos, o de Huíla e o de Lu- kumbi, este último governado pelo Humbi-inene, titulo autenticamente Jaga. O reino do Grande Nkumbi, compreendia então toda a bacia do Alto Cunene, até a sua confluência com o Caculuvar. A Huíla, Muila ou Hila, mais a poente, ocupava os planaltos entre o Cunene e o Oceano. O seu chefe (soba) de 1787, o formidável Kanina ou Gonga dominava tão somente os Ba-nyaneka que ocupam o planalto e que resultam da fusão dos conquistadores, os Jagas Ka-nyika vindos do norte, com os aborígenes Chimbemas (Ba- chimba), mas também todas as tribos do litoral, até à terra dos Hotentotes. Conseguiu mesmo subjugar alguns grupos mais setentrionais deste povo. Um século mais tarde, Huíla e o estado Hûmbi não passavam de uns distritos insignificantes: o primeiro situado perto da nascente do Caculuvar e o segundo na confluência deste com o Cunene. Da citação acima, ficou patente que o grupo etnolinguistico, hoje conhecido como Nyaneka Humbi ou Nkumbi, foi criado no sul de Angola pelos guerrilheiros Jagas, que após invasão do reino do Congo, deslocaram-se gradualmente pera o sul, na sequência da criação de dois reinos nomeadamente Huíla e Lukumbi. Hoje, segundo Rosa Melo (2005, p.46): No que diz respeito a sua composição, observam-se algumas discrepâncias nas opiniões de autores como, José Redinha, carlos Esterman e Lopes & Capumba. Enquanto José Redinha classifica os Nyaneka Nkumbi, como um conjunto que integra os Muila, os Ngambwe, os Nkumbi, os Ndonguena, os Hinga, os Nkwankwa, os Handa da 10 Mupa, os Handa de Cipungu, os Cipungu e os Cilengue Humbi, Carlos Estermann considera que sob o mencionado apelativo estão associados dois ramos populacionais distintos, a saber, os Nyaneka e os Humbi (ovankumbi): 1 - Os Nhanekas (ova-nyaneka), que se decompõem em Muílas e Gambos (ova-muíla e ovangambwé). 2 - Os Nkumbi (ovankumbi), incluindo neles a gente da Camba, Quiteve e Mulondo. (Nota: em vez de Nkumbis, devia escrever-se Cumbes, do aportuguesamento da palavra o-nkumbi. Assim se evitaria a confusão com os Nkumbis de Quilengues. A primeira forma prevaleceu, porém, e para destinguir as duas etnias temos de empregar o respectivo determinativo); Dongoena (ova-ndongoena), em cujo designativo uena ou ona são sufixos diminutivos. Donguena ou Dongona significa, pois, “pequeno Donga”; Hinga ou melhor Ehinga (Ova-hinga). É este um núcleo de Donguenas que vivem além Cunene; Cuâncua (o-nkwankwa); Handa da Mupa (E-handa); Handa do Quipungo (ova-handa); Quipungo (otyi-pungu); Quilengues-Nkumbis (otyi-lengue-humbi); Quilengues- Muso (otyilenge-musó). (Esterman, 1960, p. 20) Ainda para Estermann (1960, p.20), as tribo Nyaneca dividiam-se antigamente nos grandes sobados de Huíla e Gambos e nos de segunda ordem de Jau ; Quihita e Pocolo, ocupam a área do concelho de Lubango, nos postos sede, Huíla, Humpata e Hoque, sendo este já na sua maior parte povoado por Handas. A população do posto do Jau, pertence ao Concelho da Chibia, é igualmente desta tribo. Na vasta área da circunscrição dos Gambos, somente o posto sede e o do Pocolo são povoados por nhanecas, a circunscrição da Bibala distrito de Moçamedes, conta relativamente poucos representantes desta gente: são os que se fixaram na vertente ocidental da Chela e no seu Sopé. A tribo Nkumbi, com as suas subtribos, estende-se a sudoeste do posto da Cahama, ao longo do rio Caculuvar, até à confluência deste com o rio Cunene. Depois, seguindo para o Norte, ocupa a parte baixa da Mulola do Mucope e uma larga faixa ao longo do Cunene. A norte de Quiteve entramos na área do posto do Mulondo que se estende até ao sul de Capelongo ( actualmente comuna da Matala). As gentes estabelecidadas à volta deste último posto são de fixação relativamente recente e comportam Handas, vindos do sul de Cassinga e alguns Quipungos. A Donguena, Hinga e kuânkua, são de fraco valor populacional, a primeira ocupa uma área pequena a umas dezenas de quilómetros ao sul do Nkumbi e a segunda, situada na margem esquerda do Cunene tem por centro o histórico lugar do Naulila, a terceira encontra-se em lugares aonde já se nota uma forte influência dos Ambós vizinhos. Quanto aos Handas, localizam-se ao 11 norte da Mupa, conquanto seja de proporções muito reduzidas, ainda assim se subdivide em Handa grande e Handa Pequena (oka- handona). A abordagem Lopes & Capumba, relativamente a este grupo, não foge muito da linguagem de Estermann, tal como nos apresentam: «Nhaneka Humbi, é o grupo etno-linguístico composto por dois sub-grupos: os Ovanyaneka e os Avankhumbi. Os ovanyaneka dividem-se nas seguintes tribos: Ovamwuila (situados nos municípios de Lubango, Humpata, Chibia e uma parte localizada no município de Virei e Bibala na província do Namibe); Ovangambwe, estão nos municípios do Gambos, Chibia e parte leste do Virei no Namibe ; Ovatyilengue, encontram-se no município de Quilengues, Chongoroi e uma parte no Caimbambo em Benguela. Os Ovankumbi, compreendem as seguintes tribos: Ovahumbi, localizados no Município de Quilengues na Huíla; Os Ovahanda, localizados no Município de Quipungo e região de Cassinga na Huíla; Os Ovatyipungo, localizados no Município de Quipungo na Huíla; Os Ovankumbi, localizados nos Municípios da Matala na Huíla, Cahama e Xangongo na província do Cunene». (Capumba, 2016, p. 48) Já Rosa Melo não acredita na designação “Nyaneka-Nkhumbi (Nhaneka Humbi)”, pois esta fundamenta que: Sejam quais forem as razões, que estiverem na base da designação “Nyaneka Nkhumbi”, o certo é que a confusão se vem aprofundado, a ponto de, hoje, mesmo em Angola, se pensar nos “Nyaneka Nkumbi” (como grupo étnico) e (como língua). Não existe nem no primeiro caso (como grupo) nem no segundo (como língua). Também não é uma expressão socialmente construída pelos grupos vizinhos nem uma auto denominação dos grupos nele enquadrados. É uma expressão que resulta de um arranjo empreendido por estudiosos Europeus que a criaram, dos missionários que a difundem nas práticas ritualísticas no seio da igreja, de alguns dirigentes políticos e governativos que permitem a sua promoção massiva e, também, de alguns nativos falantes e leitores da língua portuguesa. Uma representação que fluindo no discurso de alguns missionários, dos agentes da Administração colonial e daqueles que, mesmo sendo nacionais, são leigos nessa matéria, “distorce” a identidade dos Handa e os “Dilui” em dois outros grupos, a saber, os Nyaneka e os Nkhumbi. Uma representação que, formando-se nas cabeças dos estranhos à cultura e ao grupo mencionado, inclusivamente, na de alguns vahanda europeizados, e ditos “assimilados”,os impede de identificar cada um dos grupos envolvidos, de perceber os contornos dessa diversidade cultural, de compreender a história de Angola. Por paradoxal que pareça, é de sublinhar o facto de, em Angola, as dinâmicas sociais, no seu curso, irem proporcionando a criação de novas e outas identidades étnicas, bem como o despontar de novos sentimentos indenitários, podendo haver já, neste país, quem se possa sentir, por exemplo, “Nyaneka Nkumbi”. (Melo, 2005, p. 55) Na verdade a discussão que se eleva em torno dos Nyaneka Nkumbi, não é uma terefa fácil de se colmatar, tendo em conta as diferentes posições que os autores tomam ao abordarem sobre o assunto, talvez a principal contradição consista no facto de tais povos, grupos ou subgrupos comunicarem-se de forma muito semelhante, possuírem hábitos e costumes parecidos e partilharem territórios geograficamente ligados, facilitando assim a proximidade e convivência de ambos. Porem devemos levar muito a peito a convergência de ideias dos autores supracitados, que numa única palavra dividem este grupo em 12 dois subgrupos (Nyaneka e Nkumbi ou Nkumbi), em que cada um dos quais subdivide-se em tribos. A título de exemplo, para o conceito de “casamento” este acto importante na vida individual: os Nhanekas, Musós e o-hombo dizem otyi-nepo (verbo okunepa), já os Quipungos, Quilengues-Nkumbis, handa e Nkumbis. Utilizam o verbo (oku- hombola), para designar o mesmo acto. Com exceção dos Nkumbis e Doguenas, o matrimónio realiza-se sem grandes cerimónias. Pode dizer-se que passado o rito de efiko, se segue para a rapariga como um resvelar para o estado conjugal. Enquanto mantiver o penteado de efiko não aceitará, geralmente, intimidades de que lhe possam resultar consequências, mas passada esta fase muitas delas deparam-se com a primeira gravidez. É claro: os pais, a quem um tal facto não pode causar grande surpresa, tratam de interrogar a filha logo que apareçam os primeiro sinais. Se for um rapaz conhecido e não haver dúvida sobre a mútua vontade de se unirem em matrimónio, farão tudo para não demorar os modestos preparativos da celebração das núpcias. Para os Nhanekas tais núpcias não incluem muitas vezes a menor solenidade. O rapaz, com o consentimento de seus pais, resolve um dia mandar buscar a rapariga, servindo-se para esse fim de uma sua irmã ou prima, como mensageira. Esta chega e diz a mãe da noiva: Venho para levar a tua filha para a casa do meu irmão. Carrega então a pretendida com os seus poucos haveres: Panelas, cestinhos, uma enxada e talvez uma manta, tudo metido dentro de um ou dois cestos grandes, e lá vai com sua carga, acompanhada da mãe e da cunhada para a casa do pai do noivo. Chamam a isto de oku-twala ovi-tiuma (transportar os bens). O complemento deste acto é a entrega pelo pai do noivo, ou pelo próprio noivo a seu sogro, de um boi, entrega que se pode fazer anterior ou posteriormente a mudança de domicilio da noiva e transporte de seus trastes. A cabeça de gado apresentada tem o nome de ononthunya, termo que foram buscar à língua herero. É a isto que se convencionou chamar, num sentido diferente do das línguas europeias o dote do casamento. (Esterman, 1960, p. 94) 13 Mas tal como vimos, a nossa abordagem incidirá sobre os Nkumbi ou Ovankumbi, sendo que de acordo o mapa etnográfico, são estes os habitantes genuínos do Município da Matala. 1.2.5- O Alambamento O casamento tradicional Bantu, tem apenas validade à luz da cultura e do Direito Consuetudinário quando antecedido ao alambamento, elemento sem o qual este casamento não se concretiza na plenitude. Ghsarian apud Bahu (Bahu, 2013, p. 110), observa que na maior parte das sociedades tradicionais, o casamento é acompanhado de transações que marcam as relações entre grupos de parentesco. Estas transações tomam a forma de um dote ou de uma compensação matrimonial, o dote representa os bens que a família da rapariga dá ao marido ou à família deste. O sistema dotal existe sobretudo na Europa e Ásia. Regra geral, quanto mais elevado é o estatuto do rapaz (nomeadamente devido a sua educação) mais importante é o dote a pagar. Inversamente, quanto mais elevado é o estatuto da rapariga menor é o dote. Por sua vez, na mesma conformidade, Ibidem apud (Bahu, 2013, p. 110), acrescenta a ideia segundo a qual, pelo contrário, em diferentes sociedades africanas, a compensação matrimonial (em inglês, “brid-price”, expressão impropriamente traduzida por preço da noiva), não se trata verdadeiramente de uma compra nem de uma transação comercial. «O alambamento é o sinal, o símbolo e também o instrumento jurídico e social, desta união entre duas famílias, dois clãs, é no alambamento aonde são feitos este conjunto de preparativos e entregas que preparam e legitimam o casamento”. Uma família junta a quantidade de bens necessários para que um membro seu receba uma mulher de outro grupo, que enriquecerá o grupo com filhos e o trabalho agrícola; a outra família condivide os bens recebidos. Este mesmo acto não se transforma em objeto de troca, visto que é propriedade de quem o constitui enquanto dura o casamento, pois se o casamento se vier a desfazer, a linhagem que doou a mulher devolve os bens. O alambamento legitima o casamento, pois serve de instrumento jurídico do contrato. É um acto social e público, legalizador da futura união que fica salvaguardada pela responsabilidade e compromisso de ambas as comunidades, serve de prova legal e de certificado matrimonial. As uniões sem alambamento não podem ser ratificadas pelo rito de consagração, não realizam o fim social e sagrado do casamento nem satisfazem as aspirações do Bantu. A mulher que assim se une fica desprestigiada sem direito e sem nível social, quase como uma escrava, sendo objeto de escárnio. Outrossim O alambamento legitima alguns direitos do marido sobre a mulher, sobretudo no que se refere a sua colaboração como mulher e agricultora. (Altuna, 2006, p. 323) 14 Da análise feita por altuna, é proeminente a mensagem de que é o alambamento que sacraliza e valida o casamento e é por meio deste que os nubentes efectivam compromissos recíprocos. Realçar que o alambamento dentro da sua essência, não detinha o pendor que as sociedades hodiernas e sobretudo as menos conservadoras julgam ter, pois os bens que se davam para o cumprimento desta cerimonia serviam apenas de um simbolismo, dava-se o mínimo do que a família pretendente pudesse conseguir, de acordo as suas condições económicas, aliás não havia tanta rigorosidade nas exigências por parte da família da mulher ou jovem alambada8, porque sabia-se desde já que se tal mulher fosse repudiada por razões justas, a família teria de devolver os bens outrora recebidos ou mesmo para o grupo Nyaneka Nkumbi, o homem que interessar-se por esta mulher ora repudiada teria de retribuir estes gastos económicos a família do anterior marido em forma do tradicional vitele9. Hoje, com o passar dos tempos e o evoluir das sociedades na direção materialista, vislumbram-se a quase todo o lado abusos que concorrem para a transformação deste simbolismo cultural num comércio declarado, aonde os pais vêm no alambamento uma imperdível oportunidade de enriquecerem-se, de tal modo que até se confunde com um contrato de compra e venda entre as duas famílias. Tal como a senhora Albertina, entrevistada por (Bahu, 2013, p. 112) salienta: “o alambamento em cabinda é uma fortuna. É preciso dar 20 grades de serveja, 10 para cada lado, porque eles pedem tudo a dobrar. Dez para a família paterna e dez para a família materna. Cada um faz a sua festa. Um fato para o pai, uma peça de pano para a mãe, um par de chinelo para a mãe, dinheiro, vinho, whisky, aguardente (algumas garrafas), uma ou duas galinhas para cada lado. No meu pedido assim por alto foram aproximadamente 3000 USD. Realçar que se a moça ficar grávidaantes do casamento, o noivo paga uma multa que deve rondar os 1000 USD. Quando para Bahu, a verdadeira essência da compensação matrimonial consiste na entrega de alguns bens a família da noiva tais como tecidos, bebidas 8 A mulher para quem se faz o alambamento. 9 Palavra Nhaneka que significa, artigos ou bens moveis. 15 e animais, se a família do noivo não tiver bens para ofertar à família da noiva, ele pode prestar serviços em casa dos parentes desta. Os bens para entregar variam de região para região, os povos do sudoeste de Angola (“Nyaneka Nkumbi”, Ambós, e Hereros) utilizam muito o gado em cerimonias dessa natureza. Por se tratar de sociedades bastoris, o gado é muito importante e constitui um elemento de riqueza e prestígio. Os outros grupos etnolinguisticos de Angola também fazem oferendas por altura do noivado, mas solicitam bebidas, tecidos, um fato e um chapéu para o avô e uma certa quantia em dinheiro. (Bahu, 2013, p. 110) 1.2.6- O casamento poligâmico Para a África negra é um caso muito característico, pois que, o maior número de filhos eleva o estatuto social do homem bantu, pelo facto deste factor resultar em maior número de mão de obra no trabalho agrícola, pois isso só se concretiza com um número relativamente maior de mulheres dentro do mesmo lar. «A possessão de várias mulheres é sinal público de distinção e riqueza. Como não existe a propriedade dos bens de raiz nem a previdência, a principal fonte de riqueza é a mulher, que produz como lavradora e mãe. O investimento mais lucrativo do bantu é a mulher: A maior número de mulheres corresponde mais mão de obra e mais riqueza, e a maior riqueza mais mulheres. Por isso, em muitos grupos é proibido ter mais mulheres que o chefe para não diminuir o seu prestígio e supremacia. A poligamia prestigia o homem porque aumenta o seu prestigio social. Os filhos numerosos outorgam autoridade, influencia, respeito, admiração, inveja e veneração patriarcal. Os chefes devem ser polígamos. Além disso, como o trabalho não pode ser assalariado os notáveis precisam de mais de uma mulher para manter a sua posição e cumprir os deveres comunitários anexos à sua posição, como a hospitalidade e a generosidade. Os chefes consolidam o seu poder por meio de alianças matrimoniais com outros grupos ou com membros de seu grupo, que assim ficam incluídos no círculo estreito da sua amizade e influencia. O chefe, além disso, deve gerar muitos filhos para assegurar e potenciar a vitalidade do seu grupo. É o melhor modo de expressar e justificar a sua posição na pirâmide vital». (Altuna, 2006, p. 345) Partindo desta perspectiva é possível apontar motivações às sociedades africanas face a poligamia revestidas numa explicação bidimensional consubstanciada na economia e na política, pois esta explicação parece-nos convincente, pois que encontra sustentabilidade na sua origem a luz da bíblia sagrada, segundo a qual esta andou sempre confinada à personalidades poderosas, como é o caso do rei Salomão. «A poligamia brotou em época tardia, quando a evolução das técnicas possibilitou a acumulação de bens, a venda ou intercâmbio de excedentes e as especializações de indivíduos destacados socialmente. A princípio era exclusiva destas castas. Só mais tarde se generalizou. Os factores sociais, económicos, demográficos, fisiológicos e as 16 crenças mágicas entrecruzam-se, na sua explicação. Uma das mais profundas motivações brota do desejo de uma prole numerosa. Nestas sociedades natalistas, a mortalidade infantil pode atingir os 70-80%, de crianças. Além disso a prole numerosa eleva o estatuto social do homem, solidifica o seu prestígio e autoridade, a sua família espalha-se pelo espaço e dilata-se no tempo.» (Altuna, 2006, p. 344) Altuna nesta explanação, transparece os critérios que comumente levam a prática da poligamia ligados a factores económicos, sociais, politicos e demográficos realmente estes são visivelmente os factores que sempre estiveram na base da poligamia desde a sua origem. É de realçar na mesma senda que a poligamia não é apenas presente nas sociedades africanas. Pese embora não seja obrigatória é contemplada pelo Sagrado Alcorão, acompanhada às condições económicas, convergindo com a ideia de Altuna acima exposta, pois diz o Sagrado Alcorão: “E, Se temeis não ser equitativos para com os órfãos, esposai as que vos aprazam das mulheres: sejam duas, três ou quatro. E se temeis não ser justos, esposai uma só.” [Sagrado Alcorão 4:3]. Esta opção dos Muçulmanos à poligamia justifica-se pelo facto de Mohamed (profeta maior do Islão), ter esposado 11 mulheres de diferentes raças e tribos, tal acção é até hoje interpretada pelos Muçulmanos como sendo uma forma demonstrativa de que o islamismo não admite exclusão, tribal nem racial, todas as pessoas são iguais perante a Alá. 1.2.7- Enquadramento Jurídico do casamento tradicional Como dissemos anteriormente, o casamento é um acto jurídico, que para este caso é regido pelo direito consuetudinário, que vigorou nas sociedades africanas, antes da chegada dos europeus e ainda continua a ser levado a cabo pelas sociedades culturalmente mais conservadoras. Deste modo, para Pahula & Mupinga (2002, p.262) o matrimónio constitui um acto de grande significado. Revela a maturidade psicossomática do casal, para uma plena inserção no mundo dos adultos, os homens por exemplo, contraem o matrimónio a partir dos 18 anos e os mais incautos aos 18 anos, mas actualmente o gráfico desceu para 16 anos nas áreas rurais. Os laços matrimoniais são relativamente estáveis neste grupo. O que o homem mais deseja da sua cônjuge e também a família de ambos, é que ela não tarde para dar a luz à um filho para a plena inserção na família do cônjuge. Porém 17 casos de esterilidade absoluta não são motivos suficientes para um homem se separar da sua esposa e vice-versa. As mulheres deste grupo abstêm-se de relações extra-maritais durante o período de gravidez, porque segundo a crença, isto provoca complicações na altura do parto. Com pouco rigor para os homens, impõe-se também uma abstenção sexual fora do lar durante o período citado, pelos mesmos motivos. A fidelidade da mulher é relativa como acontece em outros grandes grupos etno-linguísticos que habitam o sul de Angola (Herero e Ambós), quando a infração a lei conjugal é descoberta, assiste ao marido o direito de exigir uma indeminização (oukondy ou ukoi) a quem o lesou, e este consiste no pagamento de uma cabeça de gado bouvino ou o equivalente em dinheiro.10 Hoje, fala-se pouco sobre o casamento tradicional, nos mais diversos grupos etno-linguisticos da cultura bantu, pensamos que continuamos neste ciclo vicioso de marginalização da cultura bantu, que começou com a chegada dos europeus em África cuja primeira manifestação negativa terá começado com o tráfico de escravos e posteriormente pela colonização. «O casamento realiza um dos quatro ritos de passagem fundamentais na vida do bantu. O matrimónio é um motivo de passagem de um grupo sócio-religioso a outro, o jovem esposo deixa o grupo dos Célebes para entrar no dos pais de família. A iniciação realizada no rito de passagem encerra o rito de morte e ressureição, o casamento inaugura outro modo de ser, depois dos ritos de passagem do nascimento e puberdade. O casado passa definitivamente ao estado de genitor, de pai ou mãe de família, através de muitos ritos simbólicos que expressam e realizam o abandono, a passagem de uma maneira de se a outra nova ». (Esterman, 1960, p. 308). Já que «A lei expressa a presença de um direito ordenado na tradição e nas práticas costumeiras que mantêm a coesão do grupo social». (Pelagio, 2015, p. 106), seria possível e talvez necessário enquadrar o casamento tradicional legalmente a luz do direito positivo, pois que toda a lei obedece a parâmetrosda realidade sociocultural da sociedade aonde é aplicada sendo que a cultura e a lei estabelecem uma estreita relação de acordo à Pelágio: «Uma lei sem bases costumeiras e tradicionais é uma lei sem fundo; e os costumes e tradições culturais sem lei também não têm fundo, porque a sua transmissão de sociedade para sociedade, de geração em geração, deve ter em conta uma série de leis que possibilitem o seu recto ordenamento na transmissão dos mesmos. Deste modo, o processo de elaboração de uma lei não deve ter como base as leis ditadas ou copiadas de outros países, mas sim deve ter como sustentáculo os costumes e as tradições culturais » (Pelagio, 2015, p. 107). 10 1º encontro sobre autoridades tradicionais em Angola Pahula & Mupinga (2002, p.262) 18 Pelágio, sugere ou defende uma coexistência do direito costumeiro e o positivo, baseado no respeito e consideração mútua, mas agrava-se o facto de o casamento tradicional em Angola, apenas encontra sustentabilidade à luz do direito costumeiro, pois este o defende desde que se observem os trâmites legais que o fundamentam. E para uma resposta acerca da existência ou não do direito costumeiro, temos abaixo: «Não há dúvida de que as instituições políticas e sociais, assim como a actividade mágica oficial, obedecem às regras estritas, institucionalizadas pelo direito que mesmo que não esteja codificado, nem por isso deixa de ser jurídico. Pode falar-se de direito em lugar de costume; o direito não é escrito, mas fielmente é transmitido e observado.» (Altuna, 2006) Estando ou não escrito, o direito costumeiro existe e coexiste com o positivo, por este se aplicar nas comunidades mas rurais aonde a escrita é pouco conhecida. 1.2.8- A Herança Matrimonial Sendo uma comunidade onde o boi é sinal de ostentação, prestigio e riqueza, a herança tem grande importância. À volta deste assunto, não raras vezes, gravitam várias contradições e mal entendidos. Quem herda quem? São tidos como herdeiros legítimos os filhos de irmãs ou primas, algumas vezes irmãos ou irmãs do próprio falecido, ou seja, numa linguagem única, a herança é matrilinear, os animais herdados principalmente o gado bovino, são propriedades comum da família pertencente à linhagem matrilinear, passando por isso, de geração em geração. 11 3- Definição de conceitos chave Casamento, é a união voluntária entre um homem e uma mulher, formalizada na lei com objectivo de estabelecer uma plena comunhão de vida.12 Casamento: é o modo pelo qual a sociedade humana estabelece as normas para relação entre sexos. (Marconi & Lakatos, 2008, p.173) 11 1º encontro sobre autoridades tradicionais em Angola Pahula & Mupinga (2002, p.264) 12 Lei geral do trabalho. 19 Casamento Bantu, é uma aliança que legitima uma nova família e une linhagens sem a intervenção de autoridades políticas. (Altuna, 2006, p. 301) «Nhaneka Humbi, é o grupo etno-linguístico composto por dois sub-grupos: os Ovanyaneka e os Avankhumbi. Os ovanyaneka dividem-se nas seguintes tribos: Ovamwuila (situados nos municípios de Lubango, Humpata, Chibia e uma parte localizada no município de Virei e Bibala na província do Namibe); Ovangambwe, estão nos municípios do Gambos, Chibia e parte leste do Virei no Namibe ; Ovatyilengue, encontram-se no município de Quilengues, Chongoroi e uma parte no Caimbambo em Benguela. Os Ovankumbi, compreendem as seguintes tribos: Ovahumbi, localizados no Município de Quilengues na Huíla; Os Ovahanda, localizados no Município de Quipungo e região de Cassinga na Huíla; Os Ovatyipungo, localizados no Município de Quipungo na Huíla; Os Ovankumbi, localizados nos Municípios da Matala na Huíla, Cahama e Xangongo na província do Cunene». (Capumba, 2016, p. 48) 4- Identificação do problema Como se realiza o casamento dos Nyaneka Nkumbi do subgrupo Ovankumbi da Matala? 5- Delimitação do Tema O presente trabalho, tem como abordagem « O Casamento dos Ovanyaneka Nkumbi, do Subgrupo Ovankumbi da Matala. Um Estudo Exploratório». 6- Objectivos da Investigação 6.1- Objectivo geral Investigar sobre o casamento tradicional na cultura Nyaneka Nkumbi. 6.2- Objectivos específicos Em função do objectivo geral, almejamos, com o presente trabalho, atingir os seguintes objectivos específicos: - Fundamentar o casamento Nhaneka Nkumbi; - Relacionar e diferenciá-lo com os outos grupos; - Identificar os procedimentos legais de um casamento tradicional dos Nyaneka Nkumbi; - Descrever a importância do casamento tradicional dos Nyaneka Nkumbi; - Enquadrar legalmente o casamento tradicional dos Nyaneka Nkumbi. 20 7- Quadro metodológico 7.1- Métodos e Técnicas empregues no trabalho Para a perceguição dos nossos objetivos, buscaremos apoio à metodologia qualitativa, que segundo Minayo apud Marconi & Lacatos (2011, p. 271), em ciências sociais preocupa-se com um nível de realidade que não pode ser quantificado, ou seja ele trabalha com um nível de significados, motivos, aspirações, crenças, valores, atitudes, o que conresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenómenos que não podem ser reduzidos à operacionalizações de variáveis. A metodologia qualitaviva, preocupa-se em analizar e interpretar aspectos mais profundos, descrevendo a complexidade do comportamento humano. Fornece análise mais detalhada sobre as investigações, hábitos, atitudes, tendências de comportamento. Difere-se da quantitativa não só por não empregar instrumentos estatísticos, mas também pela forma de coleta e analise dos dados. Marconi & Lacatos (2011, p. 269) Nesta conformidade faremos recurso aos seguintes métodos da metodologia qualitativa: Método Histórico: partindo do princípio de que as actuais formas de vida social, as instituições e os costumes têm origem no passado, é importante pesquisar suas raízes, para compreender sua natureza e função. (Marconi & Lakatos 2011:91), durante a nossa investigação faremos recurso ao método Histórico sempre que haver necessidade, de situar historicamente qualquer elemento que se venha observar como necessário para o nosso tema. Tratando-se pois de um tema antropológico, cujas raízes encontram-se no passado tendo em conta a sua vertente tradicional, este método nos será bastante útil. Método Comparativo: com este método procuraremos estabelecer relações e diferenças de costume entre diversos povos, pese embora sejamos um povo pluri-nacional ou multicultural na visão de (Van-Dúnem, 2007), existem muitos aspectos comuns e incomuns entre as culturas, daí que o uso do método comparativo na nossa pesquisa, ajudar-nos-á a comparar as perspectivas dos 21 diversos autores sobre os quais faremos referência bibliográfica bem como dos usos e costumes dos povos. Método Funcionalista: este método segundo Marconi & Lakatos (2011:94), é um método essencialmente de interpretação. Logo, este no dizer destes autores chega a ser indispensável para uma pesquisa qualitativa porque por meio do qual numa sociedade diferenciada, inter-relacionada e interdependente as partes são mais bem entendidas compreendendo-se as funções do todo, sendo que este método estuda a sociedade do ponto de vista da função de suas unidades, isto é, como um sistema organizado de atividades. Logo o seu uso será muito útil para a nossa investigação. Método de Pesquisa Bibliográfica: “niquil nobe sub sole13”, nesta perspectiva tudo o quanto existe e enquanto assunto já alguma vez foi abordado, ainda mais por se tratar de um tema cuja origem é historicamente apontada como sendo uma temática antiga. Este método reviste-se de grande importância para que a nossa pesquisa se torne um tanto quanto mais eficiente já que, segundo (SILVA, 2005) este método permite utilizar o material já publicado,constituído principalmente de livros e aquele disponível na internet. Método de Estudo de caso: Sendo uma pesquisa qualitativa, o nosso estudo de caso, referente ao IIIº capítulo será feito à base de entrevistas, pelo que, este método tornar-se-á bastante recorrente à esta fase do trabalho. Já que, segundo (Naranjo, 2013, p. 167), «a aplicação deste método é associado a procedimentos que permitem recolher e interpretar os dados relevantes até lhes dar significado numa singularidade». Para o efeito usaremos a técnica de entrevista. 13 Expressão latina que significa: Nada é novo de baixo do sol. 22 Sumário provisório Capítulo I: Revisão da literatura 1.1- O casamento tradicional Bantu 1.2- Fundamentação histórico-antropológica do casamento tradicional Bantu. 2.1 - Fundamentação do casamento tradicional bantu à luz do Direito Costumeiro 2.2- Procedimentos para a efectivação do casamento tradicional Bantu 2.3- Conceitos-chave 2.4- Casamento 2.5- Conceito Nyaneka Humbi Capitulo II: Contextualização 1.2 Perfil e caracterização do Município da Matala 1.2.1 Principais características sociais e Antropológicas 1.2.2 Delimitação da superfície e da divisão Administrativa 1.2.3 Caracterização demográfica 1.2.4 As autoridades Tradicionais 1.2.5 Legitimidade das autoridades Tradicionais 1.3 Contextualização do casamento dos Nhaneka Humbi 1.3.1 Contradições entre a antropologia cultural e a lei no tocante o casamento dos Nhaneka Humbi. Capitulo III -ESTUDO DE CASO 1.3.1 Entrevista à juristas sobre o tema 1.3.2 Entrevista às autoridades tradicionais sobre o tema 1.3.3 Entrevista à acadêmicos e famílias sobre o tema 1.3.4 Conclusões e Sugestões 1.3.5 Bibliografia 1.3.6 Anexos 23 8- CRONOGRAMA DE ACTIVIDADES Nº Actividades a desenvolver Participantes Tempo 01 Escolha e Análise do Tema Estudante e Tutor Setembro 2021 02 Elaboração do Anteprojecto e sua Apresentação Estudante e Tutor Outub/Novembro 2021 03 Consulta Bibliográfica e Recolha de Dados Estudante Dezembro; de 2021 04 Entrevistas nas Localidades de Pesquisa Estudante De Janeiro e Fevereiro de 2022 06 Elaboração do trabalho Estudante Março à Abril de 2022 07 Correcção do TRABALHO Estudante e Tutor Maio de 2022 08 Revisão do Trabalho Tutor Maio de 2022 09 Apresentação do Trabalho Final Estudantes Junho de 2022 24 1.2.3- Bibliografia consultada Altuna, R. R. (2006). Cultura Tradicional Banta. Portugal: Artipol-Artes Tipográficas,Lda. Barrio, A.-B. E. (1999). Manual de Antropologia Cultural . Massangana. Capumba, J. M. (2016). História 11ª Classe. Luanda: Texto Editores, Lda- Angola. Código Civil. (2010). Luanda. Cortez, A. F. (2010). Direito Constumeiro e Poder Tradicional dos Povos de Angola. Luanda: Mayamba ditora, Lda. Esterman, C. (1960). Etnografia do Sudoeste de Angola. Vila Nova de Famalição: Tipografia Minerva. Lakatos & M.. (2011). Metodologia de Investigação Científica. Lisboa: Atlas Editora. Lukamba, A. (2012). A Globalização e os Conflitos no Sul de Angola. Portugal: Artipol. Muaca, D. E. (1990). História sobre a Evangelização de Angola 1491-1991. Luanda: Oficinas Gráficas São José-CEAST. Namolo, G. (2016). O Homem e o fenómeno cultural. Lubango: Artes Tipográficas, Lda. Naranjo, R. &. (2013). Metodologia da Investigação Científica. Lobito: Escolar Editora-Angola. Pedro, B. (2006). História 10ª Classe . Luanda: Textos Editores- Angola. Pelagio, A. (2015). Os Constumes e as Fradições Culturais como Fundamento da Lei. Revista do Centro de Investigação Sobre Ética Aplicada, 106. Prata, A. (2010). Dicionário Jurídico. São Paulo. Prata, A. (s.d.). Dicionário Jurídico. Prata, A. (s.d.). Dicionário Jurídico. SILVA, M. &. (2005). Metologia de Investigação Científica. São Paulo: Paulinas Editora. Stermann, C. (1961). Etnografia do Sudoeste de Angola. Lisboa. Tavares, A. c. (2014). Dicionário de Língua Portuguesa. Luanda: Pl´tano Editora. Titiev, M. (1969). Introdução à Antropologia Cultural. Lisboa: Fundação Caloust Gulbenkian. Van-Dúnem, J. O. (2007). Angola, Caminhos e Perspectivas para o Progresso Cultural , Social e Econômico Sustentavel. Rio de Janeiro : HP Comunicação Editora.
Compartilhar