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TEMA 3 História da Filosofia Moderna

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DESCRIÇÃO
O desenvolvimento dos principais conceitos elaborados ao longo da Filosofia moderna com ênfase em
questões políticas.
PROPÓSITO
Compreender as transformações da Filosofia moderna em correspondência com as mudanças
seculares do período, bem como, em razão da influência do discurso filosófico em inúmeros campos de
saber, entender conceitos que fundamentam as mais diversas disciplinas, no campo das Ciências
Humanas e das Ciências Naturais.
PREPARAÇÃO
Antes de iniciar o estudo deste tema, é importante ter à mão um bom dicionário de Teoria Política ou
mesmo de Filosofia. Sugerimos o Dicionário de Filosofia, de Abbagnano, e o Dicionário de Política,
de Bobbio, Matteucci e Pasquino, ambos disponíveis virtualmente.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Identificar a relação entre o contexto histórico do Renascimento e as reflexões políticas dos filósofos
humanistas
MÓDULO 2
Distinguir as concepções do contrato social na Filosofia política moderna
MÓDULO 3
Reconhecer os principais conceitos do pensamento iluminista
INTRODUÇÃO
Você está prestes a penetrar nos caminhos da modernidade, pelo campo da Filosofia, com ênfase na
Filosofia política. Para percorrer os eventos associados à modernidade, focaremos três momentos
centrais do período.
O primeiro deles é o Renascimento e a Filosofia humanista que foi construída nesse contexto. Em
seguida, analisaremos a noção de contrato social como modo de reestruturar o mundo social e político
de acordo com os modelos fornecidos pela razão. Por fim, discutiremos sobre as questões novas
trazidas para a Filosofia política a partir do Iluminismo, da Revolução Francesa e de suas
consequências.
Com essas análises, poderemos ter uma visão da pluralidade de questões e ideias que circularam ao
longo desse período.
MÓDULO 1
 Identificar a relação entre o contexto histórico do Renascimento e as reflexões políticas dos
filósofos humanistas
CONTEXTO HISTÓRICO
O período histórico que costumamos chamar de Renascimento é geralmente concebido como uma fase
de transição entre dois momentos considerados mais importantes. Antes do Renascimento,
encontramos a Era Medieval: um momento em que houve o predomínio de valores e de uma visão de
mundo articulada a partir da centralidade do Deus cristão que influenciava boa parte da Europa
Ocidental.
Após o Renascimento, deparamo-nos com o início da modernidade: um período que costumamos
associar ao desenvolvimento de uma cultura articulada a partir da razão, da ciência e da centralidade
do humano. Ainda assim, quando prestamos atenção nessa “fase de transição”, vemos que ela é mais
do que um simples entreposto. Trata-se de um período que se estende mais ou menos da metade do
século XIV até o início do século XVII e que concentrou boa parte de suas atividades na Europa
Mediterrânea, ainda que não tenha se restringido a esse espaço.
 Homem Vitruviano , Leonardo da Vinci, 1492.
No que diz respeito à Filosofia, suas principais contribuições para a tradição foram as reflexões sobre
as noções de indivíduo e de governo a partir de certa ideia de humanismo herdada da Antiguidade
Clássica. Essa herança permitia pensar as questões de maneira cada vez mais descolada dos valores
e das visões de um mundo teocêntrico, sem que isso implicasse as especificidades da era moderna,
sobre a qual discutiremos mais adiante.
Antes de comentar alguns dos momentos-chave desse período, cabe explicar três elementos que
ajudam a entender o contexto em que o Humanismo do Renascimento foi elaborado. São eles:
O DECLÍNIO DO FEUDALISMO E O FORTALECIMENTO DAS
CIDADES-ESTADOS
Obra de arte: Portal de São Frediano em Florença , Filippino Lippi, século XV.
AS TROCAS CULTURAIS ESTIMULADAS PELAS TROCAS
COMERCIAIS NA REGIÃO MEDITERRÂNEA.
Obra de arte: A Fonte do Rei , autoria desconhecida, século XVI.
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O NOVO OLHAR SOBRE A ANTIGUIDADE GRECO-
ROMANA.
Obra de arte: David , Michelangelo, século XVI.
CIDADES-ESTADOS
No período do Renascimento, ainda não havia o “país” Itália – pois a unificação italiana aconteceu
apenas em meados do século XIX –, mas sim cidades-Estados, com autonomia, administração e até
idiomas independentes.
O primeiro elemento que devemos mencionar é a situação política da região que identificamos
atualmente como a Itália – espaço que teve papel central no desenvolvimento do Renascimento. Nesse
contexto, os centros urbanos voltados para trocas comerciais se fortaleciam aos poucos até
conseguirem se tornar potências políticas por causa de suas riquezas advindas do comércio.
Entre as cidades que cresceram nesse momento, podemos destacar duas que foram grandes centros
culturais ao longo do Renascimento: a cidade-Estado de Florença e a de Veneza. A vantagem que os
centros urbanos italianos possuíam e que permitiu que se tornassem potências era sua posição no
norte do Mediterrâneo, que transformou essa região em um ponto central nas rotas de trocas
comerciais que atravessavam a Europa.
O segundo elemento que devemos mencionar – uma consequência da natureza própria das cidades
comerciais – é que elas tendiam a ser um espaço de ampla circulação não apenas de bens, mas de
pessoas e ideias. No caso específico das cidades-Estados italianas, tratava-se de um espaço que
recebia influxos de todos os cantos do mar Mediterrâneo. Assim, havia nesse mesmo espaço a
circulação da cultura católica europeia, mas também da cultura árabe e do que tinha sobrado da cultura
bizantina – portanto, remanescente da cultura greco-romana. Isso foi responsável por tornar a região
um espaço multicultural que acabava diminuindo a força do pensamento medieval católico pelo contato
com outras ideias.
 A Escola de Atenas , Rafael Sanzio (Afresco do Palácio Apostólico, no Vaticano, do início do
século XVI)
É esse efeito, por fim, que nos permite compreender o terceiro elemento do contexto do
Renascimento: o fato de que é um período de redescoberta da Antiguidade Clássica. É preciso
esclarecer, antes, que isso não significa que os autores clássicos estavam esquecidos ou que tinham
sido ignorados de alguma maneira ao longo da Era Medieval. Há cerca de mil anos de distância entre o
fim da Era Clássica e o início do que chamamos de Renascimento.
FIM DA ERA CLÁSSICA
Período que pode ser datado a partir da divisão do Império Romano em: Império Romano do Ocidente
e Império Bizantino.
Para que qualquer vestígio da cultura da Antiguidade chegasse a esse momento, era necessário que os
textos e as ideias fossem preservados e transmitidos ao longo desse tempo. Isso aconteceu por meio
das inúmeras escolas filosóficas no Império Bizantino, nos impérios islâmicos e nas universidades
medievais da Igreja Católica. Esses espaços de aprendizagem não apenas mantiveram tais
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pensamentos vivos, como deram sequência a essas tradições, ainda que subordinando a tradição
clássica a questões trazidas pelo catolicismo e islamismo.
Ainda que certos textos tenham sido de fato descobertos no contexto do Renascimento – como alguns
discursos do filósofo Cícero (106 a.C.-43 a.C.) e o poema filosófico epicurista de Lucrécio (94 a.C.-50
a.C.), intitulado Sobre a natureza das coisas –, a novidade desse período tem mais relação com
recuperar os textos da Antiguidade sob outro olhar . O que vemos, portanto, é um retorno a esses
textos sem que estejam subordinados aos valores e à visão de mundo católica – algo que foi possível
por conta do espaço multicultural que eram as cidades-Estados italianas.
A consequência disso foi o desenvolvimento do Humanismo, que, com auxílio dos textos clássicos,
buscou colocar o ser humano na centralidade da reflexão histórica. E é justamente nesse ponto que
reside a singularidade do pensamento do Renascimento: não se trata de um mero retorno às fontes
clássicas, mas de retornar aos clássicos como uma estratégia para se afastar de uma tradição
medieval que se mostrava insuficiente.
Mas o inverso também poderia ser relevante nesse momento, isto é, a tradição medieval,de influência
predominantemente cristã, poderia estar atrapalhando o desenvolvimento comercial e, por isso,
deveria ser substituída. Em outras palavras:
O USURÁRIO, IGUALMENTE CORTEJADO E TEMIDO POR
SEU DINHEIRO, É DESPREZADO E TEMIDO POR CAUSA
DELE, NUMA SOCIEDADE EM QUE O CULTO A DEUS
EXCLUI O CULTO PÚBLICO A MAMMON (DEUS-RIQUEZA).
(LE GOFF, 2004)
AGORA, VAMOS APROFUNDAR COMO O PERÍODO DO
RENASCIMENTO REPRESENTA A TRANSIÇÃO DA IDADE
MÉDIA PARA MODERNIDADE, DESTACANDO PRINCIPAIS
EQUÍVOCOS ACERCA DESSES PERÍODOS.
Com esse contexto estudado até aqui, podemos dimensionar o pensamento que se elaborou nesse
período e entender suas principais figuras. Trata-se de um período muito rico, mas que pode ser
introduzido a partir de três problemas filosóficos que povoaram inúmeros dos pensadores
renascentistas:
A imagem renovada dos indivíduos descolada da tradição católica.
As questões de participação política que surgiram em um contexto de valorização dos indivíduos.
As reflexões sobre a forma de ação política dessas novas figuras políticas que foram as cidades-
Estados e que prefiguraram os Estados Modernos em alguns sentidos.
No caso, analisaremos a novidade desse período a partir dos conceitos de três autores: Michel de
Montaigne (1533-1592), Étienne de La Boétie (1530-1563) e Nicolau Maquiavel (1469-1527).
Discutiremos sobre a nova noção de indivíduo a partir da obra de Montaigne, falaremos sobre o
problema da servidão voluntária a partir de Étienne de La Boétie e terminaremos com as reflexões de
Maquiavel sobre Estado.
MICHEL DE MONTAIGNE
Um dos principais filósofos do Renascimento, tanto pelas ideias que elaborou em suas obras quanto
pelas inovações literárias. Costuma-se creditar a Montaigne a criação do gênero literário do ensaio por
conta do tipo de escrita peculiar que realizou em sua única obra publicada, intitulada Os ensaios . Se
Montaigne pode ser considerado um pensador marcante nesses dois campos é porque seu estilo de
escrita encena o tipo de Filosofia que ele acabou elaborando.
Seus ensaios costumam ser textos que misturam anedotas autobiográficas, citações de autores da
Antiguidade Clássica e reflexões aguçadas sobre os mais variados temas, dos mais clássicos (como
ensaios sobre a natureza do conhecimento ou sobre a amizade) aos mais mundanos (sobre o sono ou
sobre estar bêbado). Apesar dessa variedade – ou justamente por ela –, a Filosofia elaborada por
Montaigne acabou atravessando toda a sua obra. Ela pode ser resumida, nas palavras do próprio autor:
 Retrato de Michel de Montaigne, artista desconhecido, século XVI.
NÃO BUSCO APREENDER O SER, MAS SIM SUA
PASSAGEM
(MONTAIGNE, 2010)
 Canibais , Theodore de Bry, século XVI.
Seu pensamento era, portanto, uma tentativa de analisar a experiência sem se ater a qualquer ideia ou
doutrina prévia, de modo que é possível tomar Montaigne como um herdeiro do ceticismo da
Antiguidade Grega. É essa sensibilidade com as transformações do indivíduo, mas que não deixa de
olhar atentamente para o mundo ao redor (como em seus comentários sobre um contato com indígenas
no ensaio Os canibais ), que nos permite situar Montaigne como um dos pensadores mais
fundamentais desse momento. Seu pensamento pode ser compreendido, portanto, a partir de dois
pontos centrais: seu ceticismo e seu ensaísmo literário.
O ceticismo é uma das tradições mais antigas da Filosofia e tem como princípio certa desconfiança
sobre nossa experiência da realidade, o que forçaria o filósofo a suspender o que pensa sobre suas
experiências. A radicalidade dessa posição pode ser vista em um de seus pais fundadores: Pirro de Élis
(360 a.C.- 270 a.C.).
Montaigne herdou de Pirro e dos céticos a desconfiança do que sentimos. O que Montaigne fez com
essa suspensão foi tomar o mundo como espaço de constante reavaliação, uma vez que, diante da
impossibilidade de ter certeza sobre o que vemos e o que experimentamos, restaria à Filosofia tomar
como compromisso não se prender a nenhuma posição e sempre estar aberta às transformações, em
nós e no mundo, que demandam mudar de posição.
Foi a partir desse compromisso filosófico que seu estilo se tornou uma questão. Diante da
impossibilidade de determinar absolutamente suas reflexões, ao autor só restaria ensaiar posições ,
sem se preocupar se essa posição seria superada ou não.
Diante das questões postas por seu ceticismo, Montaigne tornou tudo no mundo objeto de avaliação e
reflexão, permitindo que comentasse seu cálculo renal e a história romana sem que um tópico fosse de
antemão superior ao outro. Em Montaigne, vemos, portanto, uma ideia de humano que acaba
concentrando boa parte do que foi pensado no contexto renascentista.
ÉTIENNE DE LA BOÉTIE
Se na obra de Montaigne encontramos certa imagem de indivíduo que carregamos até os dias atuais,
em Étienne de La Boétie, seu amigo, vemos a formulação de um dos maiores enigmas da vida política:
o problema da servidão voluntária. Esse problema é tratado na obra Discurso sobre a servidão
voluntária .
Apesar de um tratamento curto, o problema apresentado não deixa de ser um dos mais relevantes não
apenas no contexto político do Renascimento, em que disputas políticas se acirravam no contexto de
crise cada vez maior do feudalismo, mas também diante do novo individualismo que surgia nas
Filosofias humanistas do Renascimento, como nas de Montaigne.
 Monumento a Étienne de La Boétie, na cidade de Dordogne, na França, 1892.
O problema da política aparece a partir de uma questão que é até bem simples de formular: La Boétie
(2020) tenta entender a relação de subordinação entre um soberano e seus súditos em um contexto de
ditadura, sobretudo quando se considera que o ditador é apenas um, e o povo é numericamente
superior. O que se esperaria, ao menos em termos lógicos, é que, se um ditador está no poder e age
para prejudicar o povo, esse povo se apoiaria em sua superioridade numérica para retirá-lo do poder.
Mas isso não parece ser o caso!
O que parece acontecer – e é esta a questão que La Boétie põe – é que o ditador só pode se manter no
poder, nessas condições, caso o próprio povo abdique de seu poder e de sua liberdade.
MAS POR QUE O POVO ABDICARIA DE SUA LIBERDADE?
Para o filósofo, o poder que possibilita a ditadura estaria na maneira como o ditador maneja sua
imagem, iludindo seus súditos sobre o que está em jogo, sobre seus interesses, e tentando, também,
afetar seus súditos de modo afetivo. Não se trataria, porém, de um poder real, visto que ele funcionaria
apenas enquanto a ilusão se mantivesse. E porque esse poder é fundado ilusoriamente seria possível
enxergar uma saída: bastaria deixar de servi-lo, tomando consciência da situação. Mas, claro, sabemos
que isso não é fácil, que esse é justamente o problema, e que é difícil tomar consciência de algo
quando se está imerso em uma ilusão.
Ainda assim, mesmo que não concordemos com a solução proposta por La Boétie (ou que até
concordemos, mas a achemos vaga demais), é interessante notar que, apesar de não ficar explicitado,
toda a análise do filósofo é construída a partir da imagem de um indivíduo que pode desejar sua
liberdade. Vemos aqui que a subordinação é um problema na medida em que fere o indivíduo em sua
singularidade.
É com isso em mente que podemos enxergar que a formulação do problema da servidão voluntária só
faz sentido a partir de um contexto do Humanismo renascentista. Afinal, se o que se está tentando
defender é a liberdade inata ao indivíduo singular, então esse valor só pode ser preservado se estamos
inseridos em uma cultura que celebra a dignidade da vida humana. Esse é um dos pilares do
pensamento elaborado no Renascimento.
NICOLAU MAQUIAVEL
A principal característica das reflexões de Nicolau Maquiavel sobre o exercício do poder é a ruptura
com a visão dos autores da Idade Média e do Renascimento de que haveria uma relação direta entre a
bondade do governante e a legitimidade de seu poder.
 Retrato de Nicolau Maquiavel, Santi diTito, século XVI.
À recomendação de que os governantes deveriam se comportar conforme um padrão de bondade e de
ética para manter um reinado longo e pacífico, Maquiavel responde que a bondade não assegura o
poder ou a capacidade de ser obedecido. A única preocupação do governante é, nas palavras de
Maquiavel, a manutenção do Estado. Há uma ambiguidade intencional nessa formulação, pois o
objetivo de alguém que governa é manter o território político sob seu domínio e manter sua própria
situação de governante.
O que a experiência havia ensinado a Maquiavel é que bondade e retidão não são suficientes para
manter o poder político. Pelo contrário, é o uso adequado do poder que fará com que os indivíduos
obedeçam e com que o governante mantenha seu Estado.
Explicaremos adiante o sentido do uso adequado do poder para Maquiavel. Mas, antes, vamos nos
ocupar, por um instante, com a experiência do pensador na vida pública, que, como veremos, serviu de
fundamento para suas análises.
Nascido em Florença, na Itália, Maquiavel assumiu, em 1498, o cargo de segundo chanceler da
República. Por quatorze anos, esteve engajado nas atividades diplomáticas em nome da República
italiana. O regime republicano vigorava em Florença desde 1494, quando a família Medici foi sacada do
poder.
Em 1512, no entanto, os Medici derrotaram as forças armadas republicanas com a ajuda das tropas
papais e dissolveram o governo. Maquiavel perdeu o emprego com a mudança de regime: foi exilado,
torturado e, finalmente, aposentado.
Em 1513, escreveu O príncipe , que foi publicado apenas postumamente, em 1532. A escrita dessa
obra foi um esforço de Maquiavel para retornar à política florentina, uma vez que muitos de seus
colegas do período republicano conseguiram restabelecer seus postos no regime dos Medici.
Somente em 1520, no entanto, Maquiavel conseguiu recuperar algum vínculo com o poder por meio do
pedido do cardeal Giulio Medici de que escrevesse uma história de Florença. Antes que pudesse
alcançar uma reabilitação plena no novo regime de governo, Maquiavel morreu, em 1527.
 Os membros da família Médici colocados alegoricamente na comitiva de um rei dos Três Reis
Magos na zona rural da Toscana, em um afresco de Benozzo Gozzoli (Século XV).
Maquiavel defendia que o fundamento da autoridade de um governante é a própria posse do poder, isto
é, a autoridade de um governante não está separada do poder de impor essa autoridade.
Em um sistema político bem ordenado, o poder se impõe por meio da legislação e do exército, mas
Maquiavel identificava uma prioridade do segundo sobre o primeiro. Em suas palavras, não podia haver
boas leis sem bons exércitos.
Considerando que a legitimidade das leis deriva da força coercitiva, a conclusão é que o afeto que um
governante deve preferencialmente estimular em seus súditos é o medo, não o amor. Se um súdito
acredita que não deveria obedecer a uma lei específica, aquilo que o forçaria a se submeter a essa lei
seria o medo do poder do Estado ou o exercício efetivo desse poder. O súdito só se veria em condições
de não obedecer em duas situações: se tivesse o poder de resistir ao Estado ou se estivesse disposto a
aceitar as consequências da força coercitiva do Estado.
Vemos que o poder político não está separado do exercício efetivo desse poder. Maquiavel chamou de
virtù as qualidades que um governante deve possuir para manter seu Estado. Não é muito adequado
traduzir o termo italiano virtù por virtude, pois não são a bondade e a ética que garantem seu poder.
Um governante dotado de virtù é, para Maquiavel, alguém que se caracteriza por uma “disposição
flexível”, isto é, alguém que é capaz de modificar sua conduta do bem para o mal e novamente para o
bem, conforme as circunstâncias exigirem.
 Fortuna distribui suas dádivas , Simon Floquet, 1645.
Maquiavel também utiliza o termo virtù para descrever, em seu livro A arte da guerra , as estratégias
de um general que se adapta às diferentes condições do campo de batalha. É como se a política fosse
um campo de batalhas em outra escala. Assim como o general, o governante deve se valer de técnicas
e estratégias adequadas para cada circunstância. Um governante dotado de virtù saberá exercer
adequadamente o poder, ou seja, saberá subjugar a fortuna.
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FORTUNA
Termo que designa, na obra O príncipe , os eventos que podem ameaçar a segurança do Estado.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 2
 Distinguir as concepções do contrato social na Filosofia política moderna
CONTEXTO HISTÓRICO
A Era Moderna é geralmente caracterizada pela primazia da razão e pelo desenvolvimento das
Ciências Naturais. Seu início remonta à elaboração da Filosofia de René Descartes (1596-1650) no
início do século XVII – momento em que a razão humana se consolidou como principal ferramenta para
compreender o mundo: não foram os valores e as ideias dos cristãos que articularam as filosofias que
predominaram nesse momento.
Trata-se de um período que se caracterizou por confirmar o movimento de descolamento da cultura
católica que havia se iniciado no Renascimento. Não significa, porém, que o catolicismo e a cultura
cristã em geral deixaram de ter um papel importante. Também não significa que os autores dessa
época eram ateus ou não acreditavam em Deus. Pelo contrário: a maior parte era católica ou
protestante!
 Retrato de René Descartes, Frans Hals, século XVII.
Ao longo do Renascimento, era a cultura da Antiguidade Clássica que permitia deslocar a centralidade
para o indivíduo. Na Era Moderna, por sua vez, foi a Revolução Científica, a partir de meados do século
XVI, que teve o papel de auxiliar nesse deslocamento.
MAS COMO OCORREU ESSE DESENVOLVIMENTO?
 Gravura de Nicolau Copérnico.
Aconteceu, sobretudo, a partir das revoluções no campo da Astronomia, tendo como um de seus
momentos fundantes a descoberta feita por Copérnico, na metade do século XVI, de que não são o
Sol e os astros que giram em torno da Terra, mas sim a Terra e os demais planetas que giram em torno
do Sol. A descoberta de Copérnico foi revolucionária, porque se opunha ao sistema geocêntrico
formulado por Claudio Ptolomeu no século II – um sistema que já durava quase 1.500 anos.
COPÉRNICO
Nicolau Copérnico (1473-1543)
Astrônomo polonês que formulou a teoria heliocêntrica, cujo princípio afirmava que a Terra orbitava ao
redor do Sol. Ele iniciou a Revolução Científica que acompanhou o Renascimento europeu junto à
sistematização da Física e a uma profunda mudança nas convicções filosóficas e religiosas. Essa
ruptura foi chamada de Revolução Copernicana, de tão longo alcance que ultrapassou o reino da
Astronomia e da Ciência para marcar a história das ideias e da cultura.
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Fonte: Biografías y Vidas. Tradução nossa.
Com as descobertas de Copérnico – e as elaborações da Astronomia e das outras Ciências Naturais –,
a Terra não pôde mais ser compreendida como centro de nada, forçando, também, que houvesse uma
reavaliação sobre a própria posição do homem. Os efeitos desse deslocamento foram fundamentais
para a valorização do indivíduo, pois permitiram separar a finalidade do humano das finalidades
pensadas a partir de um contexto católico.
 Astrônomo Copérnico, ou Conversa com Deus , Jan Matejko, século XIX.
Ainda que nessa nova visão do universo o homem não estivesse no centro de nada, parecia que estava
cada vez menos subordinado a algo fora dele. Os efeitos desses deslocamentos se fazem sentir ainda
no presente, sobretudo quando nos damos conta de que as ciências e a razão são elementos centrais
de nossa vida.
Isso poderia nos fazer acreditar que ainda vivemos na Era Moderna (e, em certo sentido, vivemos), mas
o que nos impede de afirmar isso completamente é que a situação política já não é a mesma daquele
momento. O que vimos entre o início do século XVI e o final do século XVII foi um período em que
ainda estavam se formando os Estados Nacionais Modernos, tal como os conhecemos nosdias atuais.
Com o enfraquecimento dos nobres aristocratas, que eram detentores dos feudos, vimos uma
centralização do poder nas mãos de figuras monárquicas (que estavam enfraquecidas ao longo da era
feudal) por meio da criação de exércitos e da realização de inúmeras guerras para unificar e delimitar
as fronteiras de seus Estados, que, agora, eram pensados, também, como nações.
 Os Burgueses de Calais , Benjamin West, 1789.
Além disso, vimos, a partir dessas unificações, o desenvolvimento de economias nacionais, que
passaram a tornar a economia um campo cada vez mais central para a política. É a partir dessa chave
que podemos entender como na Europa havia o patrocínio e o incentivo de Estados fortes a políticas de
colonização ao redor do globo.
A isso tudo se somava o surgimento de uma nova classe social que também almejava maior
participação política: a burguesia. Tratava-se de uma parcela da população envolvida no comércio e na
produção de mercadorias. A nova classe social tinha recursos econômicos que cada vez mais se
traduziam em força política, mas, diferentemente das classes nobres, não possuía legitimidade para
participar da política.
VAMOS COMPREENDER O IMPACTO CAUSADO PELA
CHAMADA REVOLUÇÃO CIENTÍFICA, A PARTIR DO SÉC.
XVII NA SOCIEDADE EUROPEIA, E ESPECIALMENTE SEU
IMPACTO NA VISÃO DE MUNDO E ORGANIZAÇÃO
POLÍTICA DAQUELA SOCIEDADE.
É nesse contexto que uma série de questões de ordem política surge, exigindo que se pense tanto na
natureza dessa nova figura do campo político – os Estados-nações modernos – quanto na origem de
sua legitimação como instância de ação política. Esse aspecto, que geralmente é designado como a
questão do contrato social, será o fio central deste módulo. Investigaremos, aqui, três pensadores-
chave desse momento que tocam nesses problemas: Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-
1704) e Baruch de Espinosa (1632-1677).
THOMAS HOBBES
A Filosofia política de Thomas Hobbes foi marcada por um esforço de elaboração de uma estrutura
estatal capaz de pôr fim às guerras religiosas que se estenderam durante o século XVI e a primeira
metade do século XVII no continente europeu.
O historiador alemão Koselleck (1999) afirma que todos os teólogos, filósofos da moral e juristas que
antecederam Hobbes falharam nas soluções que propunham para o impasse que a Europa vivia,
porque suas doutrinas apoiavam os direitos de determinada parte e, assim, incitavam ainda mais a
guerra civil em vez de elaborar um ordenamento que estivesse acima das partes.
 Thomas Hobbes , John Michael Wright, 1670.
 Capa da obra Leviatã , de Thomas Hobbes. Gravura de Abraham Bosse.
A teoria do contrato social é um método de análise do arranjo político que ocorre por meio do acordo
entre partes racionais, livres e iguais entre si. Não é irrelevante que Hobbes (2015) suponha a
igualdade entre as partes em meados do século XVII. Mas a astúcia de seu sistema suprarreligioso e
suprapartidário, apresentado no livro Leviatã (1651), é que seu resultado – o Estado – está contido
nas premissas da guerra civil. O motivo da guerra era, para Hobbes, o desejo incessante pelo poder, ao
qual só a morte põe fim. A causa da guerra civil era a invocação das consciências sem um amparo
externo, era a inexistência de um ordenamento que pudesse tomar os partidos como elementos de uma
unidade.
Para Hobbes, a paz só seria assegurada se, na formação do Estado, essa moral se convertesse em
dever de obediência. Note que o problema hobbesiano envolve a passagem do âmbito da convicção, a
que Hobbes havia reduzido todos os conteúdos religiosos, para o âmbito do Estado, em que as
convicções privadas são destituídas de sua repercussão política. O próprio estado de natureza, que é o
reino da convicção, é definido pela ausência do Estado. À medida que os indivíduos transferem sua
agência política ao soberano, a consciência individual se transforma em moral privada.
No arranjo hobbesiano, a racionalidade está associada à obediência das leis, independentemente de
seu conteúdo. Em outros termos, o arranjo racional, que seria capaz de pôr fim às guerras religiosas,
exigia a submissão total ao monarca. A obediência às leis soberanas só era possível se o súdito fosse
capaz de separar convicção e ação, moral e política.
Koselleck (1999) afirma que Hobbes divide o homem em duas partes: uma privada e outra pública. Os
atos são submetidos à lei do Estado, mas a convicção é livre. E é justamente à ampliação desse foro
interior da convicção que, como veremos, está associado o Iluminismo.
Embora Hobbes insista que o monarca deve possuir autoridade absoluta, os súditos possuem a
liberdade de desobedecer ou resistir quando suas vidas estão em perigo. Isto é, os súditos mantêm o
direito à autodefesa diante do poder soberano. A explicação é que se o monarca falha em prover
proteção adequada a seus súditos, extingue-se, também, o dever dos indivíduos de obedecer. Essa
exceção mencionada por Hobbes mostra, por um lado, que obediência e proteção são elementos
inseparáveis na formação do Estado, e, por outro, que se os súditos mantêm a capacidade de avaliar a
adequação da proteção oferecida pelo monarca, o medo que caracteriza o estado de natureza não é
inteiramente eliminado.
JOHN LOCKE
Ao delegar sua agência política ao soberano, os súditos ficam reduzidos à instância moral privada.
Esse é o único espaço no interior do contrato social em que o Estado não legisla, em que os indivíduos
gozam de certa autonomia. Como veremos, o Iluminismo se caracteriza justamente pela expansão
desse foro interior privado (ao qual o Estado havia limitado os súditos) para um domínio público.
John Locke fornece certa consistência a esse espaço da moral ao escrever, em seu Ensaio sobre o
entendimento humano , publicado em 1670, sobre os três tipos de leis que devem orientar a vida dos
cidadãos:
 Retrato de John Locke, Sir Godfrey Kneller, 1697.
LEI DIVINA
Aquela que regulamenta o que é pecado e o que é dever, e da qual só se pode ter conhecimento por
meio da natureza ou da revelação.
LEI CIVIL
Aquela que regula o crime e a inocência, elaborada pelo Estado para proteger o cidadão.
LEI MORAL
Aquela que é a medida dos vícios e das virtudes.
Note que, diferentemente de Hobbes, Locke (2012) estabelece uma separação entre a lei divina e a lei
civil. Há uma ruptura entre direito natural e direito político, que haviam sido reunidos por Hobbes na
figura do soberano. Mais do que isso, Locke cristaliza a divisão entre política e moral a partir do
estabelecimento da lei moral, ao lado da lei divina e da lei civil. Trata-se da lei dos filósofos ou, como
também a chama, da lei da opinião ou da reputação.
Locke associa a origem das leis morais ao foro interior da consciência humana, que estava excluído do
domínio do Estado. Como vimos, os súditos abdicam de sua agência política em favor do soberano, o
que significa que sua ação em relação aos demais cidadãos está limitada pelas leis civis, mas isso não
impede que mantenham a capacidade de formar uma opinião a respeito daqueles com quem convivem.
Koselleck (1999) afirma que os indivíduos não têm poder executivo, mas conservam o poder espiritual
do juízo moral, e suas opiniões sobre os vícios e as virtudes não se restringem a opiniões privadas. Os
juízos morais têm caráter de lei.
Enquanto as leis do Estado se impõem por meio da coerção, os cidadãos só se submetem às leis da
moral civil com base em um consentimento secreto e tácito. Entretanto, com Locke, a moral deixa de
ser algo que se restringe ao foro individual. O portador da moral não é o indivíduo, mas a sociedade. Os
indivíduos formam juntos uma sociedade que desenvolve suas próprias leis morais – leis que se situam
ao lado das leis divinas e do Estado.
Diferentemente de Hobbes, portanto, a moral entra, com Locke, no espaço público, e as opiniões
privadas dos cidadãos são elevadas à condição de lei por meio do elogio e da censura. Essa é a razão
pela qual Locke também chamaa lei da opinião pública de lei da censura privada.
Koselleck (1999) explica que a ideia é que o espaço público emana do privado. É na certeza que o foro
privado tem de si que está sua capacidade de se tornar público, e é somente no espaço público que as
opiniões privadas se manifestam como lei.
Para Locke (2012), a moral não é a moral hobbesiana de obediência ao soberano, mas a fonte de uma
legislação que rivaliza com as leis do Estado. Enquanto a legislação do Estado se realiza diretamente
pelo poder político, a lei moral tem ação indireta por meio da opinião pública. Embora não detenha os
meios estatais de coerção, a lei da opinião se impõe a partir do elogio e da censura.
A eficiência da lei moral está em seu alcance: ninguém pode escapar ao juízo moral. Essa
característica faz dela um poder político que age de modo indireto, mas, quando considerada
diretamente, permanece politicamente invisível. É mero juízo.
É na possibilidade de conflito entre moral e política que se desdobra a história do pensamento
iluminista. Quando os dois âmbitos se opõem de maneira irreconciliável – como na véspera da
Revolução Francesa ou mesmo no arranjo do governo inglês, depois da Revolução Gloriosa, em que
o poder político e a moral burguesa estão oficialmente separados –, o juízo moral da sociedade deixa
as leis do Estado para trás, argumentam os iluministas. O progresso impõe-se.
REVOLUÇÃO GLORIOSA
A Revolução Gloriosa, ocorrida em fins do séc. XVII, iniciou-se por questões religiosas (moral católica x
moral protestante), mas acabou tornando-se a precursora de um importante documento (Bill of
Rights /Declaração de Direitos, 1689), que limitou os poderes da monarquia, fortalecendo a burguesia.
BARUCH DE ESPINOSA
Entre os principais interlocutores de Hobbes na modernidade, encontramos o filósofo holandês Baruch
de Espinosa. Herdeiro de René Descartes, sua Filosofia tem como principal motor tentar fornecer uma
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ideia de vida boa que seja construída a partir de uma investigação racional do que é o ser humano, sem
qualquer apoio em valores externos, como os religiosos, por exemplo.
Em sua obra Ética , Espinosa deteve-se, sobretudo, no caráter afetivo e racional dos seres humanos.
Para ele, a vida afetiva significa que os desejos dos seres humanos são sua essência (ESPINOSA,
2009). Isso quer dizer que a singularidade de um indivíduo qualquer está atrelada não ao que ele quer
de maneira abstrata, mas ao que ele quer na medida em que se engajar nesse movimento. E o que os
indivíduos querem, em última instância, é perseverar em seu ser (o que Espinosa chama de conatus
dos seres), independentemente do que seja esse perseverar. Além disso, esse “perseverar” tem de
lidar com objetos no mundo que dificultam ou impedem a realização desse desejo.
 Retrato de Baruch Espinosa, artista desconhecido.
É nesse ponto que Espinosa fornece sua teoria dos afetos. Para ele, os seres humanos são, ao mesmo
tempo, seres que procuram realizar seus desejos (suas finalidades), mas também são seres
inicialmente ignorantes das causas que os movem. Isso significa que os indivíduos conseguem
entender o que querem , mas não conseguem saber por que querem.
 O Barco de Dante , Eugène Delacroix, 1822.
Essa estrutura não apenas aponta uma dificuldade de se situar no mundo, mas também deixa claro
como os afetos (alegria, tristeza, esperança, medo etc.) são os modos que os homens têm para se
orientar inicialmente. Os afetos não nos ajudam a entender os objetos com que nos deparamos no
mundo, mas apenas seu efeito em nós – se contribuem com nosso desejo ou não. Esse seria o jeito
mais simples de navegação no mundo para os humanos, de acordo com o filósofo.
Mas isso não é tudo, pois, para Espinosa, a partir de certos encontros positivos com algo que faz bem a
nós mesmos, é possível desenvolver um pensamento racional sobre as coisas, isto é, experimentá-las
para além de seus efeitos em nós. Podemos compreender as coisas a partir de como elas combinam
conosco. O pensamento racional seria, portanto, não algo que se opõe aos afetos, mas algo que
emerge e é elaborado a partir das coisas que afetam positivamente o humano. Isso tem efeitos
importantes para a Filosofia política de Espinosa e em sua visão sobre a sociedade em geral.
Espinosa parte de pontos bem semelhantes aos de Hobbes para pensar no contrato social. Ele também
pensa que, sem qualquer intervenção externa, os seres humanos inevitavelmente entram em disputas
intermináveis, uma vez que cada um simplesmente buscaria realizar seus desejos. Também como
Hobbes, ele acredita que algum tipo de autoridade política externa é necessário para frear certos
impulsos e produzir alguma estabilidade política.
Diferentemente de Hobbes, porém, Espinosa não considera que os governos autoritários apresentem
apenas uma forma absolutista. O autoritarismo em Espinosa significa, antes, uma estrutura que ocorre
em uma escala de outra ordem que a dos humanos – uma força de outra grandeza. Isso implica,
portanto, reposicionar a maneira como se enxerga o surgimento do Estado.
Isso é compreensível se retomamos as ideias de Espinosa sobre o humano. Como vimos, o humano é
compreendido a partir de seus afetos e de sua razão. Por um lado, ele procura realizar seu desejo de
perseverar em si mesmo. Por outro, ele se depara com coisas capazes de auxiliá-lo ou configurar
obstáculos.
É nesse ponto que vemos, respectivamente, a aproximação e o afastamento de Espinosa do
pensamento hobbesiano. Por um lado, sendo semelhantes, é inevitável que os seres humanos acabem
disputando os mesmos recursos, isto é, coisas que permitem que perseverem. Por outro lado, como
são semelhantes, certos encontros podem fazer com que percebam suas semelhanças e comecem a
trabalhar em conjunto. Esse trabalho em conjunto pode, inclusive, implicar a criação de estruturas entre
os indivíduos que transferem o poder de seus membros para o corpo social, que é o Estado. O Estado
é, portanto, um corpo composto a partir (mas não é redutível a ) dos indivíduos que participam dele.
Isso significa que, para Espinosa, a organização de seres humanos entre si não é algo que emerge
apenas a partir de uma tentativa de afastar a disputa que há entre eles. A organização pode surgir,
também, quando se dão conta dos benefícios mútuos. Vemos, portanto, que, apesar de Espinosa ver o
Estado como um ponto importante para a estabilidade (e para dar fim a certo caos), essa solução não é
completamente pessimista.
Além disso, essa transferência de poder dos indivíduos para o Estado não é uma renúncia absoluta.
Para Espinosa, os seres individuais são essencialmente seus desejos. Isso significa, também, que eles
são o que eles podem ser. O direito natural na Filosofia política espinosana é que um indivíduo pode
fazer aquilo que ele tem capacidade de fazer. Assim, não haveria nenhuma limitação moral inata que
poderia ser descoberta e utilizada para forçar a renúncia da capacidade dos indivíduos. Mas isso tem
algumas implicações que cabe observar.
A primeira é que um indivíduo não tem como realmente renunciar a suas capacidades, pois são suas –
é justamente sua natureza. O que ele pode fazer é apenas aplicar sua força a uma série de estruturas
burocráticas que acabam constituindo o Estado – é esse o objeto de análise do Tratado político .
 Primeira edição do Tratado político-teológico , de Espinosa, 1610.
Um caso contemporâneo que pode ser lido na chave espinosana da “aplicação a uma estrutura
burocrática” é a participação política da população no processo político por meio das eleições – como
se dirigíssemos nosso desejo e nossa capacidade para esses momentos de participação política.
Contudo, como se trata apenas de um direcionamento das forças do indivíduo, ele também pode, caso
a situação necessite, caso haja algum abuso de poder, rebelar-se, deixar de fortalecer o Estado.
Assim, a Filosofia política de Espinosa resguarda um espaço para que os indivíduos se revoltemcontra
os poderes constituídos em casos de abuso de poder ou de opressão interna. Apesar dessa
possibilidade, a rebelião, porém, não é um evento normal para Espinosa. Afinal, assim como o indivíduo
limitaria sua capacidade de agir em nome de uma estabilidade comunitária, o soberano tenderia a agir
da mesma maneira, reduzindo sua dominação sobre seus súditos, a fim de evitar revoltas – o que não
significa que as renúncias sejam simétricas.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 3
 Reconhecer os principais conceitos do pensamento iluminista
CONTEXTO HISTÓRICO
 A Liberdade guiando o povo , Eugène Delacroix, 1830.
O Iluminismo está diretamente associado às transformações políticas dos séculos XVII e XVIII. Esse
período foi marcado por três grandes revoluções políticas que constituem a base das democracias
modernas: a Revolução Inglesa (1688), a Revolução Americana (1775-1783) e a Revolução Francesa
(1789-1799).
 Um experimento com um pássaro em uma bomba de ar , Joseph Wright of Derby, 1768.
Os avanços científicos do início da modernidade servem de estímulo ao projeto iluminista de
reestruturação do mundo social e político de acordo com os modelos fornecidos pela razão. Os
pensadores iluministas se relacionam com a ordem existente por meio do exame minucioso da crítica.
Além disso, a crítica é suplementada com a elaboração de teorias de modelos de instituição.
É nesse período que se elabora, como vimos, o modelo básico de governo fundado no consentimento
do governado, bem como a articulação dos ideais políticos de liberdade e igualdade com a teoria de
sua realização institucional. Também se consolidam nessa fase uma lista de direitos humanos
individuais básicos a serem respeitados por um sistema político legítimo, a tolerância religiosa, os
poderes políticos como um sistema de freios e contrapesos, e tantas outras características com as
quais identificamos as democracias modernas.
O grande impasse da Filosofia política iluminista é que não está claro como a razão pode substituir o
objeto de sua crítica por um novo tipo de autoridade. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) é um dos
pensadores que encarnam essa dificuldade.
Um dos grandes legados do período é justamente a questão sobre os limites da razão. Um exemplo
marcante é a Revolução Francesa.
Que destino assumem os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade tão logo as velhas instituições
criticadas pelos iluministas são tomadas?
Não se trata apenas de nos lembrarmos do recurso à violência e ao terror ainda no auge da revolução,
mas da forma como o Código Civil de Napoleão, de 1804, passou a figurar para Hegel (1770-1831), por
exemplo, como o destino para o qual a história convergia.
JEAN-JACQUES ROUSSEAU
Com Rousseau, notamos que o campo da moral já havia crescido de tal modo que seria preciso que a
oposição entre moral e política fosse transferida para o próprio campo da política. Em outras palavras,
ao diagnóstico iluminista do progresso infinito parecia cada vez mais se impor uma decisão política,
considerando o crescente desacordo entre os juízos morais e a estrutura do Estado.
O entendimento de Rousseau é que os Estados não se extinguem de forma apolítica, pela simples
crença na Filosofia da história e no poder da crítica. Outros pensadores antes de Rousseau também
profetizavam a iminência de uma revolução, mas o aspecto político da revolução – a guerra civil –
sempre ficava encoberto.
 Jean-Jacques Rousseau , Maurice Quentin de La Tour, 1764.
O caráter político da revolução estava reduzido, até então, à crítica ao despotismo. Rousseau não se
unia ao coro de que a derrubada da ordem estabelecida correspondia ao simples progresso moral. Em
lugar da vitória dos interesses sociais, o que a revolução traria seria insegurança, incerteza e crise.
MAS O QUE SIGNIFICAVA, PARA ROUSSEAU, A
CONSTITUIÇÃO DE UM ESTADO LEGÍTIMO, EM QUE A
NOVA SOCIEDADE OCUPASSE O PODER POLÍTICO SEM
PERDER SUA LIBERDADE?
Em O contrato social , publicado em 1762, ele argumenta que só pode haver uma reconciliação entre
autoridade e liberdade, com a submissão de todos a cada um e de cada um a todos. O arranjo em que
todos obedecem e são livres ao mesmo tempo é o que seria, no entendimento de Rousseau, a unidade
entre moral e política.
Para Rousseau, a sociedade possui uma vontade una e incondicional, e, mesmo que o soberano seja
destronado, a chamada vontade geral se mantém. Essa vontade não é a soma de vontades individuais,
mas a emanação de uma totalidade. O impasse a que chega Rousseau é que uma nação tem uma
vontade geral que faz dela uma nação, mas essa vontade não se realiza de maneira direta, não há um
executor.
A conclusão é que cabe justamente ao Estado criar, de modo permanente, essa identidade complexa
entre a sociedade civil e a decisão soberana. O cidadão só é livre quando participa da vontade geral,
mas, como o homem, não tem como saber quando sua vontade coincide com a vontade geral. De fato,
a vontade geral opera uma correção permanente dos indivíduos que ainda não foram integrados a ela.
 Napoleão cruzando os Alpes , Jacques-Louis David, 1801.
A ditadura da soberania se distingue do absolutismo, pois deve abarcar, inclusive, o foro privado que
Hobbes havia excluído do domínio do Estado. No arranjo estatal de Rousseau, o líder não é aquele que
incorpora unicamente o poder político, como em Hobbes, mas alguém mais esclarecido a respeito da
vontade geral do que o restante dos indivíduos. Sua tarefa é estabelecer a identidade complexa entre
moral e política. Para isso, é preciso guiar não só as ações dos indivíduos, mas também suas
convicções – diferenciando-se, portanto, do soberano hobbesiano, que não se ocupava de legislar
sobre o foro íntimo dos súditos.
Koselleck (1999) argumenta que Rousseau estatizou a censura moral, isto é, o líder deve legislar sobre
a opinião pública permanentemente para estabelecer a unidade entre convicção e ação. Sua tarefa
mais importante é substituir a autoridade pelo poder da opinião pública.
A moral do cidadão e a política do Estado não são coincidentes. Por isso, cabe ao líder manter essa
identidade complexa a partir de meios como o terror e a ideologia. É como se, em Rousseau, a crítica
progressista fosse transferida para o âmbito político.
Nas palavras de Koselleck (1999), é como se a ideia de progresso moral cobrasse suas notas
promissórias por meio da ditadura da soberania. O estado de crise que Rousseau descreve é como se
fosse o cumprimento da crítica dos iluministas ao absolutismo, a execução de seus juízos. É, como
dizíamos, uma forma de trazer a oposição entre moral e política para o campo da política.
IMMANUEL KANT
Immanuel Kant (1724-1804) é possivelmente um dos filósofos mais influentes de toda a modernidade.
Suas contribuições no campo da Filosofia incluem a teoria do conhecimento, a estética e as questões
éticas e políticas. A partir de sua obra Crítica da razão pura , vemos a elaboração de uma ideia que
procura traçar os limites da razão ao diferenciar o pensamento do conhecimento.
O conhecimento é concebido por Kant (2015) como uma experiência das coisas fora de nós, mediada
por conceitos do sujeito que conhece. O pensamento, por sua vez, seria o uso da razão para elaborar
ideias e princípios sem qualquer referência à experiência. Isso não significa, porém, que a razão não
tem sentido ou que é irrelevante. O que Kant procura fazer é apenas delimitar seu campo de atuação.
Ela não pode, por conta própria, mostrar-nos como o mundo é, mas apenas nos fornecer ideias
consistentes capazes de regular nossas ações, sem que essas ideias possam ser determinadas como
reais ou não.
 Retrato de Immanuel Kant , Johann Gottlieb Becker, 1768.
Isso teve um papel importantíssimo em sua ética e em sua política, pois, ainda que não se pudesse
averiguar a realidade de certas questões filosóficas por não serem objeto da experiência, elas ainda
podiam ser pensadas: era o caso da liberdade dos homens.
A ética kantiana pode serreduzida a três ideias fundamentais:
Todo homem é livre, mesmo quando parece ser coagido.
Por ser livre, agir eticamente implica assumir sua liberdade na escolha de suas ações.
Visto que os homens são todos livres, nenhum homem deve ser um meio para um fim .
Isso significa que, como não haveria nenhuma contradição nesse conceito, o homem poderia ser
pensado como livre, ainda que essa ideia jamais pudesse ser comprovada de fato. Disso resulta que,
se essa ideia fosse preservada como certo princípio regulador de nossas vidas (ainda que não fosse
passível de comprovação), uma situação de coação significaria que haveria certa escolha na
submissão.
Nesses casos, para Kant, o homem estaria livremente escolhendo delegar o poder de decisão e
controle para outras pessoas ou até para outros valores. Assim, as ações dos homens seriam meios
para fins , isto é, o homem estaria agindo sempre de acordo com um outro.
Com isso em mente, podemos entender o que é a ação ética para Kant. Trata-se de realizar uma ação
como um fim em si mesmo, como uma ação que é assumida (independentemente de seu conteúdo)
como decisão do sujeito que age e que se assume como sujeito livre.
Essa demanda pela ação responsável foi descrita por Kant como imperativo categórico : uma espécie
de princípio que não tem nenhum conteúdo específico, mas que nos urge a agir de forma que
assumamos a autoria de nossas ações. A consequência disso no âmbito social é que, como os seres
humanos são livres, nenhum pode ser tratado como meio para fim , ou seja, nenhum ser humano pode
ser usado, pois isso seria uma afronta à sua liberdade.
 O Triunfo da Liberdade , Jacques Réattu, 1794.
Nesse sentido, também podemos entender a posição de Kant sobre a organização do Estado. Em seu
nível interno, seu objetivo deve ser garantir e preservar a liberdade de seus cidadãos. Na prática,
significa que o Estado deve lutar para preservar a liberdade de que os indivíduos procurem sua
felicidade como bem entenderem, assim como a liberdade religiosa e a liberdade de expressão –
sobretudo considerando que seria a liberdade para se exercer a razão publicamente.
Externamente, os Estados devem procurar reproduzir no cenário internacional as relações éticas que
os cidadãos teriam entre si. Isso significa que, no campo internacional, nenhum Estado poderia se
utilizar de outro Estado para seus próprios ganhos. Essa situação, uma vez alcançada, configura o que
Kant chama de paz perpétua .
Mas não há, por parte do filósofo, uma crença de que isso ocorra de maneira absolutamente
espontânea. Kant enxerga essa possibilidade como uma ideia que deve regular as ações do Estado,
mesmo que se viva em períodos de disputas turbulentas. Para ele, as guerras devem ser
compreendidas não como entraves para a paz, mas como sinais de desequilíbrios entre os países, que,
uma vez resolvidos, reconfiguram as relações internacionais de modo mais balanceado.
A paz perpétua, para Kant, funciona, portanto, como algo que vai se tornando cada vez mais real, na
medida em que os Estados ficam cada vez mais balanceados entre si, mesmo que o caminho para isso
seja feito – paradoxalmente – por meio da guerra.
GEORG WILHELM FRIEDRICH HEGEL
O pensamento de Hegel, concebido e formulado enquanto a Revolução Francesa se transformava no
Império Napoleônico, tem como principal mérito trazer para a Filosofia, de maneira inédita, a questão
da História. Mas isso não significa dizer apenas que Hegel elogiava a História ou valorizava esse
campo de saber.
Vamos entender o que isso significa com base em duas aproximações dessa inserção da História na
Filosofia a partir da Filosofia política de Hegel: o fato de a Filosofia hegeliana ser aquela que lida com
os problemas de seu tempo e aquela que lida com as consequências de o movimento histórico ser a
condição da verdade das coisas.
 Retrato de Georg W. F. Hegel , Jakob Schlesinger, 1831.
Em primeiro lugar, inserir a História na Filosofia não é nada mais que tomar a Filosofia como a
apreensão de seu próprio tempo pelo pensamento (HEGEL, 2006). Se a Filosofia de Hegel foi gestada
quando a Revolução Francesa se desdobrou e se deparou com suas tensões e seus limites, seu
pensamento também se viu diante dessas questões. Observamos isso em sua Filosofia política, em
que a distinção entre sociedade civil e Estado aparece como fundamental devido aos desdobramentos
da Revolução Francesa, sobretudo se considerarmos que ela foi motivada por uma incapacidade do
Estado de dar conta das demandas dos cidadãos.
PARA EXPLICAR ESSA DISJUNÇÃO, PODEMOS NOS
APOIAR NA CONCEITUAÇÃO QUE HEGEL FEZ DA
SOCIEDADE CIVIL EM OPOSIÇÃO AO ESTADO.
A sociedade civil é o campo que emerge a partir das relações de indivíduos em determinado
ambiente. Isso não se resume ao fato de que esses indivíduos convivem, mas envolve a consideração
de que a satisfação dos desejos de um indivíduo está conectada à satisfação do desejo de outros
indivíduos. Afinal, para que esses desejos sejam satisfeitos, é preciso que uma série de relações de
trocas recíprocas (de comércio, trabalho, proteção etc.) ocorra, mesmo que ela não seja visível para os
indivíduos em questão. Nesse sentido, a sociedade civil é o conjunto de relações entre indivíduos e
famílias que compõem determinada comunidade.
Isso se diferencia do Estado, que seria a concretização formal dos laços e valores sociais por meio de
leis, estruturas burocráticas estatais e instâncias de poder regulamentadas – uma concretização que
não necessariamente se articula com a sociedade civil.
Como vimos, há também outro sentido em que a questão da História se torna central no pensamento
hegeliano. Para Hegel, é apenas por meio do que chama de dialética que se pode observar a verdade
das coisas.
Por exemplo, a verdade de uma flor não estaria apenas em sua fase final, em seu “estado florescido”,
mas no fato de que ela, antes de desabrochar, foi um botão, embora este tenha sido negado pela
própria flor. Nos termos de Hegel, diz-se, portanto, que a verdade da flor conserva negativamente
(como algo que foi negado e superado) o botão.
DIALÉTICA
Desenvolvimento das coisas no tempo por meio de uma série de negações sucessivas.
Vemos isso, porém, também no campo político, quando pensamos na Filosofia da história de Hegel. No
que diz respeito às ideias do Iluminismo, como liberdade, igualdade e fraternidade, ainda que servissem
como imagens desejáveis da política, não se pode deixar de notar a distância entre elas e a sociedade
tal como existia naquele momento. Essa distância, para Hegel, não é simplesmente um problema, mas
é o que acaba sendo o motor para que as condições atuais da sociedade sejam transformadas em
nome das ideias a que se aspira.
Nesse sentido, vemos como os próprios acontecimentos históricos em Hegel são encarados a partir da
dialética, de modo que procuram realizar as transformações que adéquam o mundo social a suas
aspirações.
UTILITARISMO
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O progresso do conhecimento científico, com a criação da Royal Society na segunda metade do
século XVII, influenciou Jeremy Bentham (1748-1832) a trazer os princípios básicos do
experimentalismo e do empirismo para as Ciências Morais.
Bentham (1974) argumentava que as Ciências Morais deveriam ser pensadas em analogia com as
Ciências Naturais, ou seja, aquilo que um físico é para um corpo natural o legislador deveria ser para o
corpo político. A legislação seria a Medicina exercida em larga escala.
 Retrato de Jeremy Bentham , Henry William Pickersgill, 1875.
ROYAL SOCIETY
Academia Nacional de Ciências do Reino Unido: associação dos cientistas mais importantes do mundo.
 Pintura que supostamente retrata o matemático Robert Hooke, 1680.
Bentham acreditava que toda matéria é quantificável em termos matemáticos, inclusive as dores e os
prazeres, que seriam, segundo seu entendimento, o fundamento a que toda atividade humana pode ser
reduzida. As dores e os prazeres são, assim, uma espécie de base materialdo utilitarismo.
Embora as entidades fictícias sejam necessárias para o discurso humano, seu sentido só se torna
manifesto, para Bentham, por meio de sua conexão com essas entidades reais. Direitos e deveres, por
exemplo, só se tornam conceitos plenos de sentido a partir das dores e dos prazeres que significam
para os indivíduos.
As proposições teológicas, por sua vez, não lidam com fatos da experiência comum, mas com uma
realidade que transcende o mundo físico, de modo que, assim como a opinião não tem lugar no
discurso das Ciências Naturais, as verdades teológicas não têm lugar nas Ciências Morais.
Além disso, Bentham argumenta que princípios como o senso comum e a justiça natural são vazios e
não expressam mais do que o sentimento das pessoas que os enunciam. O princípio da utilidade, ao
contrário, estaria fundamentado em fatos verificáveis na experiência, que são as dores e os prazeres. O
princípio da utilidade toma, portanto, as dores e os prazeres como causa última da ação humana e
como causa eficiente da felicidade.
Outro teórico do utilitarismo, John Stuart Mill (1806-1873) argumenta que, assim como há um
fundamento para o raciocínio teórico – o princípio da indução enumerativa –, há, também, um
fundamento para a razão prática (MILL, 2020).
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O raciocínio teórico envolve o desvelamento de uma razão para acreditar, e a razão prática, de uma
razão para agir. Nas palavras de Mill (2020), não há apenas princípios fundamentais do conhecimento,
mas também princípios fundamentais da conduta. E é na utilidade que Mill encontra esse princípio.
Para ele, a felicidade é o único fim da ação humana, e sua busca é o teste pelo qual se pode avaliar
qualquer conduta.
Mill (2020) julga apresentar uma prova do princípio da utilidade ao caracterizar a felicidade da forma a
seguir.
 Retrato de John Stuart Mill.
A felicidade é desejável.
Nada além da felicidade é desejável.
A felicidade de todos é igualmente desejável.
Não se trata de uma prova no sentido tradicional, ou seja, de uma dedução lógica do princípio de
utilidade. Em sentido estrito, os fins últimos não são passíveis de uma prova direta. O que Mill procura
mostrar, no entanto, é que o princípio da utilidade – isto é, a doutrina de que todas as coisas são boas
ou ruins em razão da dor ou do prazer que produzem – possui fundamentos racionais.
AGORA, A DOUTORA RAQUEL AZEVEDO ESCLARECE A
IMPORTÂNCIA DO ILUMINISMO PARA A MUDANÇA NA
CONCEPÇÃO ACERCA DA POLÍTICA, E COMO ISSO
INFLUENCIOU TODA A IDADE CONTEMPORÂNEA.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Revisitamos os principais conceitos construídos ao longo da modernidade a partir dos inúmeros
eventos que compõem esse período. A partir do Renascimento, é possível identificar uma série de
formas e valores políticos que ainda tem relevância na organização sociopolítica atual.
Vimos, sobretudo, como o surgimento da noção de indivíduo e o descolamento das questões políticas
do âmbito teológico estão atrelados à emergência das cidades-Estados. Com a emergência dos
Estados Nacionais, coloca-se, também, o problema da legitimidade política a partir do contrato social.
Por fim, vimos como o pensamento iluminista, diante da democratização crescente da política (de maior
participação popular), acabou tendo de repensar o que se entendia por liberdade, sociedade civil e até
a finalidade dos governos. Foi possível investigar a formação histórica de ideias tão importantes como
individualidade, soberania e liberdade política. Isso significa investigar não apenas a história do
conceito, mas a relação do conceito com o contexto em que surgiu.
 PODCAST
Agora, o especialista Rafael Mófreita Saldanha conversa com a professora Raquel Azevedo e
aprofunda o conceito de política na obra de Maquiavel e dos demais pensadores da Idade Moderna,
apresentando sua influência na teoria política contemporânea.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
BENTHAM, J. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. São Paulo: Abril Cultural,
1974.
ESPINOSA, B. Ética. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
HEGEL, G. Introdução à história da filosofia. Porto: Edições 70, 2006.
HOBBES, T. Leviatã. São Paulo: Edipro, 2015.
KANT, I. Crítica da razão pura. Petrópolis: Vozes, 2015.
KOSELLECK, R. Crítica e crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Tradução de
Luciana Villas-Boas Castelo-Branco. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999.
LA BOÉTIE, E. Discurso sobre a servidão voluntária. São Paulo: Edipro, 2020.
LE GOFF, J. A bolsa e a vida: a usura na Idade Média. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2004.
LOCKE, J. Ensaio sobe o entendimento humano. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
MAQUIAVEL, N. O príncipe. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
MILL, S. O utilitarismo. São Paulo: Iluminuras, 2020.
MONTAIGNE, M. Os ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
ROUSSEAU, J. O contrato social. São Paulo: Lafonte, 2020.
EXPLORE+
Se quiser ampliar o seu conhecimento sobre este tema, sugerimos o acesso ao site
Artepensamento, em que é possível encontrar uma série de textos acessíveis e introdutórios,
mas que abdicam de uma reflexão aprofundada.
CONTEUDISTAS
Raquel de Azevedo
 CURRÍCULO LATTES
Rafael Mófreita Saldanha
 CURRÍCULO LATTES
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