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DESCRIÇÃO Fundamentos do sistema registral e notarial e regime de atuação do notário e do registrador. PROPÓSITO Compreender os fundamentos do sistema registral e notarial brasileiro, suas principais regras e especificidades, além dos direitos, das garantias e das responsabilidades do notário e do registrador. PREPARAÇÃO Antes de iniciar o conteúdo deste tema, tenha à mão o seu vade mecum, especialmente o Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002), a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015, de 31 de dezembro 1973) e a Lei dos Cartórios (Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994). OBJETIVOS MÓDULO 1 Descrever os principais fundamentos do sistema registral e a participação do notário e do registrador na transferência de bens imóveis MÓDULO 2 Listar os deveres do notário e do registrador MÓDULO 3 Descrever os direitos e as garantias do notário e do oficial de registro, assim como as hipóteses de responsabilização atinentes INTRODUÇÃO Segundo os termos do artigo 236 da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), “[o]s serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do poder público”. Ademais, em conformidade com o §3º do mesmo dispositivo, o “ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses”. Dessa forma, por outorga do Estado, os titulares de cartórios atuam nas atividades de cunho essencial, mormente no que tange às transações econômicas imobiliárias. Neste trabalho, portanto, conheceremos o fundamento constitucional do sistema cartorário. Em seguida, apontaremos o cotejo prático das atividades do notário e do registrador. Ambas, afinal, são salutares para a segurança jurídica e a devida publicidade dos negócios jurídicos que visem à constituição, à transferência, à modificação ou à renúncia de direitos reais sobre imóveis. Ato contínuo, verificaremos ainda os direitos, as garantias e os deveres dos tabeliães, apontando como como eles operam perante a regra de aquisição imobiliária em um país que conjuga título e modo. O NOTÁRIO NADA MAIS É DO QUE O SUJEITO PRESENTE NO MOMENTO MESMO DA CELEBRAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS. Listaremos a seguir suas principais funções: Concede informações às partes preliminarmente à concretização da avença. Ouve as respectivas vontades. Aconselha sobre os riscos, os benefícios e os aspectos fiscais jurídicos do ato desejado. Materializa e autoriza o negócio jurídico solene, adotando os cuidados e as cautelas legais para sua existência, validade e eficácia. Já o registrador afigura-se naquele que realiza a transcrição imobiliária e, para tanto, individualiza o bem, fazendo a qualificação registral do título. Foto: Shutterstock.com. Com efeito, ao longo de nossa exposição, enfatizaremos, além da descrição analítica dessas atividades, as possibilidades de responsabilização dos titulares cartorários por uma atuação culposa ou dolosa no exercício de suas funções. Ressaltaremos inclusive a viabilidade de o Estado ser responsabilizado por atos desses sujeitos privados que atuam em colaboração com o poder público sob sua supervisão. MÓDULO 1 Descrever os principais fundamentos do sistema registral e a participação do notário e do registrador na transferência de bens imóveis A TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA POR ATO INTERVIVOS A propriedade imobiliária pode ser adquirida de diversas formas no Brasil, como, por exemplo, sucessão hereditária (direito de saisine), usucapião e acessão, mas indubitavelmente a principal maneira se dá por meio do registro do título translativo no Registro Geral de Imóveis (RGI). Ao adotar o sistema causalista romano, nosso ordenamento impõe que o modo de adquirir a titularidade de bens imóveis, por excelência, perfectibiliza-se na celebração de um título levado à transcrição imobiliária. EM SÍNTESE, TRATA-SE DO ATO DE CONDUZIR O TÍTULO JURÍDICO (EM REGRA, UM CONTRATO DE COMPRA E VENDA, DOAÇÃO OU PERMUTA) AO RGI PARA QUE SE EFETUE O REGISTRO COM A MATRÍCULA DE DETERMINADO BEM DA TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE. DICA No sistema adotado, entende-se que a celebração de um contrato não é suficiente por si só para transmitir a propriedade. O sistema brasileiro é diferente do francês nesse ponto: o título e o modo conjugam-se em nosso país de forma imprescindível. Por esse motivo, diz-se que o sistema se dessume causal, já que é preciso levar o título que suscita/justifica uma transmissão de propriedade ao RGI e transcrevê-lo com a matrícula do imóvel. Isso pode ser extraído literalmente de três artigos do Código Civil: ART. 1.245. TRANSFERE-SE ENTRE VIVOS A PROPRIEDADE MEDIANTE O REGISTRO DO TÍTULO TRANSLATIVO NO REGISTRO DE IMÓVEIS. §1º ENQUANTO NÃO SE REGISTRAR O TÍTULO TRANSLATIVO, O ALIENANTE CONTINUA A SER HAVIDO COMO DONO DO IMÓVEL. §2º ENQUANTO NÃO SE PROMOVER, POR MEIO DE AÇÃO PRÓPRIA, A DECRETAÇÃO DE INVALIDADE DO REGISTRO, E O RESPECTIVO CANCELAMENTO, O ADQUIRENTE CONTINUA A SER HAVIDO COMO DONO DO IMÓVEL. [...] ART. 1.246. O REGISTRO É EFICAZ DESDE O MOMENTO EM QUE SE APRESENTAR O TÍTULO AO OFICIAL DO REGISTRO, E ESTE O PRENOTAR NO PROTOCOLO. [...] ART. 1.247. SE O TEOR DO REGISTRO NÃO EXPRIMIR A VERDADE, PODERÁ O INTERESSADO RECLAMAR QUE SE RETIFIQUE OU ANULE. PARÁGRAFO ÚNICO. CANCELADO O REGISTRO, PODERÁ O PROPRIETÁRIO REIVINDICAR O IMÓVEL, INDEPENDENTEMENTE DA BOA-FÉ OU DO TÍTULO DO TERCEIRO ADQUIRENTE. (BRASIL, 2002) Notemos que o registro, no Brasil, é constitutivo do direito de propriedade para as chamadas aquisições derivadas, que são as mais tradicionais formas de transações efetuadas diretamente, pela via contratual, entre um vendedor e um comprador. Do causalismo, porém, extrai-se dos dispositivos acima expostos um ponto muito importante de nosso sistema registral: o fato de que ele apresenta apenas uma presunção relativa de veracidade (juris tantum). Ou seja, conquanto aprioristicamente confiável, o teor da informação nele contido pode ser afastado caso haja uma prova em contrário. O motivo disso é que o vício havido no título (contrato) pode comprometer toda a higidez do registro. EXEMPLO Em uma chamada venda a non domino, isto é, quando alguém aliena a propriedade sem poder fazê-lo por não ser o verdadeiro titular do domínio, compromete-se toda a estrutura de segurança da transferência de imóveis. Nessas circunstâncias, é possível que o adquirente de boa-fé perca o bem tendo em vista o direito de sequela que o real proprietário titulariza. Percebamos que a transcrição do título com a matrícula também faz com que uma eventual nulidade/anulabilidade por ele carregada contamine todo o registro imobiliário (dessa vez, nossa diferença se dá em relação ao sistema alemão). Com efeito, passa a ser possível que a pessoa em cujo nome está um imóvel não seja o verdadeiro proprietário dele, de sorte que, se for demonstrada a irregularidade nesse contrato que ensejou uma falseada transmissão do registro, será possível retificá-lo/alterá-lo. À luz do artigo 252 da Lei de Registros Públicos, entende-se que nosso causalismo é mitigado. Verifiquemos, in verbis, que o “registro, enquanto não cancelado, produz todos os efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido”. SE O TÍTULO QUE DEU CAUSA A UMA TRANSCRIÇÃO FOR, POR QUALQUER MOTIVO, DESFEITO, NÃO SERÁ ISSO O SUFICIENTE PARA QUE O TITULAR DEIXE DE SER SEU PROPRIETÁRIO, SENDO INDISPENSÁVEL O PRÓPRIO CANCELAMENTO DO REGISTRO. EXEMPLO Não basta uma declaração judicial de que esse contrato foi celebrado sob coação, que alguém foi vítima de fraude no sistema registral ou que houve duplicação da matrícula do imóvel. Se o sujeito continuar no registro, ele permanecerá sendo o proprietário. ATENÇÃO A titularidade no direito brasileiro se determina pelo registro, e nãopelo título. Se esse título for, por alguma razão, desconsiderado, tal modificação não será o bastante. Uma vez desfeito o instrumento, isso precisa se refletir no registro: só depois de cancelado é que o verdadeiro titular pode efetivamente perseguir – por meio de ação reivindicatória – os bens nas mãos de quem quer que injustamente os possua. Dessa relativa insegurança, fruto da construção de nosso sistema registral, resulta a relevante importância dos notários e dos registradores: conferir segurança jurídica e publicidade principalmente à negociação de imóveis. É curioso perceber, todavia, que existe todo um emaranhado de atores e de formalidades exclusivamente para a transferência imobiliária. E isso decorre da constatação de que a propriedade imóvel sempre foi o símbolo de manifestação de riqueza mais pujante de variadas sociedades. Desse modo, historicamente, se verificou também ser necessária a criação de um sistema seguro e público de transmissão desses pertences em específico. O OBJETIVO DO SISTEMA REGISTRAL, PORTANTO, É CONFERIR SEGURANÇA À TRANSMISSÃO DOS BENS QUE SEMPRE FORAM TIDOS COMO O MAIOR SÍMBOLO DE PODER ECONÔMICO E DAR PUBLICIDADE A ESSA TITULARIDADE, COM UMA OPONIBILIDADE ERGA OMNES, UMA VEZ QUE TODOS OS REGISTROS DE IMÓVEIS SÃO PÚBLICOS E QUE QUALQUER PESSOA PODE CONSULTÁ-LOS PARA SABER QUEM É O DONO DE DETERMINADA PROPRIEDADE. NO ASPECTO DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA PUBLICIDADE, PORTANTO, DEPREENDE-SE O GRANDE MOTOR PARA A CRIAÇÃO DO SISTEMA REGISTRAL DOS BENS IMÓVEIS. Hoje em dia se relativiza um pouco essa noção arraigada de centralidade dos bens imóveis, pois se sabe que a riqueza também se concentra em demasia naqueles considerados móveis. Em razão da importância que assumiram, eles também ostentam, de forma excepcional, um sistema registral próprio. EXEMPLO As ações negociadas em bolsas em valores precisam estar transcritas para ser transmitidas. Enfim, embora ainda não seja a regra, também é possível encontrar um sistema com formalidades próprias para valores mobiliários. Feitas essas considerações, estabeleceremos, aos poucos, como os notários e os registradores participam da dinâmica aquisitiva. CARTÓRIOS O CARTÓRIO DE NOTAS PARA LAVRAR A ESCRITURA PÚBLICA O primeiro ponto de contato perfaz a atividade do notário de formalizar juridicamente a vontade das partes de alienar seus poderes da propriedade (Lei dos Cartórios, artigo 6º, I). O TÍTULO É O DOCUMENTO REVESTIDO DE FORÇA LEGAL QUE CONTÉM OPERAÇÕES CONTRATUAIS IMOBILIÁRIAS COM O OBJETIVO DE CONSTITUIR, TRANSMITIR, MODIFICAR OU EXTINGUIR DIREITOS REAIS SOBRE IMÓVEIS (IN CASU, A ESCRITURA PÚBLICA). Nesse passo, de acordo com o artigo 108 do Código Civil, “não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário-mínimo vigente no país”. A regra abrange compras e vendas de imóveis, além de outros atos de disposição de poderes dominiais, sendo certo que sua eventual violação, conforme impõem os termos do artigo 166, IV, do Código Civil, se volta para a nulidade da transação. Nota-se que, à luz do mencionado artigo 108 do Código Civil, o uso de escritura pública é dispensado quando o preço dos imóveis corresponde ou se mostra inferior a 30 vezes o salário-mínimo vigente no país. Nesse caso, admite-se a celebração do ato por instrumento privado. No entanto, essa exceção tem pouca importância prática, uma vez que o valor referido se mostra, na prática negocial, extremamente baixo. Vale frisar que o uso de instrumento público também é desobrigado em leis extravagantes. EXEMPLO O programa Minha Casa Minha Vida na Lei nº 11.977/2019 (artigo 79-A, §4º). Conjunto habitacional Minha Casa, Minha Vida. Foto: Baeta / CBIC (Comissão da Indústria Imobiliária). OUTROSSIM, EM CONFORMIDADE COM O ARTIGO 7º DA LEI Nº 8.935/94, APENAS UM CARTÓRIO PÚBLICO TEM DIREITO À ELABORAÇÃO DE ESCRITURAS PÚBLICAS. ESSES DOCUMENTOS SÃO ESSENCIAIS PARA QUE SE ULTIME A TRANSFERÊNCIA IMOBILIÁRIA NO PAÍS. Segundo o artigo 8º da Lei dos Cartórios, “[é] livre a escolha do tabelião de notas, qualquer que seja o domicílio das partes ou o lugar de situação dos bens objeto do ato ou negócio”. Vejamos informações acerca do interesse das partes na escolha do tabelião: COMPRADOR VENDEDOR COMPRADOR Nota-se que a escolha daquele que vai elaborar a escritura geralmente é feita pelo comprador, o qual, por sua vez, também é responsável pelo pagamento das taxas. Essa prática se justifica pelo argumento de que, em uma transação de compra e venda de imóveis, o comprador representa a parte mais exposta a riscos contratuais, que incluem até evicção e não conformidades. Ele figura, portanto, como a parte que mais precisa do aconselhamento do tabelião, razão pela qual é legítimo que possa escolher um profissional de sua confiança. VENDEDOR O vendedor, por sua vez, não teria o mesmo interesse no processo de tomada de decisão de escolha do notário, pois seu intento resume-se quase que exclusivamente ao recebimento do pagamento acordado. SAIBA MAIS Para saber mais, leia o artigo 490 do Código Civil. O CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS PARA REALIZAR O REGISTRO DE TRANSMISSÃO DA PROPRIEDADE O segundo ponto de contato materializa-se na necessidade de efetuar a transcrição do título no RGI perante o registrador. Pela regra da inscrição, a propriedade se adquire com o registro desse imóvel no RGI, ou seja, é preciso transferi-lo para o nome do proprietário no sistema registral a fim de que se constitua a propriedade em favor dessa pessoa. javascript:void(0); O REGISTRO NESSAS SITUAÇÕES, PORTANTO, É CONSTITUTIVO (E NÃO DECLARATÓRIO, COMO NO CASO DE USUCAPIÃO). LOGO, UMA VEZ INSERIDO O NOME DO SUJEITO NELE, EXISTE UMA PRESUNÇÃO DE PROPRIEDADE. A matrícula também configura uma regra nodal do sistema registral brasileiro: absolutamente todo imóvel deve constar em uma (Lei de Registros Públicos, artigo 236). Deve constar nela toda informação relevante a respeito do imóvel. Apontaremos algumas a seguir: A história do bem desde a sua origem. A indicação do primeiro ao último proprietário. As transmissões realizadas. As vicissitudes do bem (mormente a descrição de sua extensão horizontal). Ônus e gravames. Com efeito, a partir da sucessão dominial, verifica-se a continuidade do registro, que é fundamental para saber a regularidade da cadeia sucessória, impondo ao oficial cartorário que examine o título antes de registrá-lo, principalmente se a pessoa que vende nesse contrato é aquela em cujo nome está a matrícula. Nesse sentido, dispõe o artigo 237 da Lei n° 6.015/73 que, “[a]inda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro”. Portanto, o modo consiste inicialmente na qualificação formal do título e, em seguida, na individualização do objeto do registro (imóvel). ATENÇÃO Devemos frisar que a aquisição da propriedade não acontece quando o oficial do registro efetivamente faz a transcrição do título com a matrícula do imóvel no RGI. Ocorre que tal fato, às vezes, pode demorar, até porque o oficial realiza previamente o exame de legalidade do título. Nesse sentido, o responsável pelo cartório só efetivamente inscreverá esse título se a qualificação da legalidade for positiva após o transcurso de um razoável lapso de tempo. Por isso, a transcrição possui efeitos retroativos até a data da prenotação do protocolo. É nesse momento da apresentação do título que se ganha o número de ordem datado, que fixa quando o sujeito se torna efetivamente proprietário (caso haja, de fato, a transcrição do título). Trata-se da lógica atinente aos seguintes dispositivos da Lei de Registros Públicos: ART. 182. TODOS OS TÍTULOS TOMARÃO, NO PROTOCOLO, O NÚMERO DE ORDEM QUE LHES COMPETIREM RAZÃO DA SEQUÊNCIA RIGOROSA DE SUA APRESENTAÇÃO. [...] ART. 186. O NÚMERO DE ORDEM DETERMINARÁ A PRIORIDADE DO TÍTULO, E ESTA A PREFERÊNCIA DOS DIREITOS REAIS, AINDA QUE APRESENTADOS PELA MESMA PESSOA MAIS DE UM TÍTULO SIMULTANEAMENTE. Lei 6.015/73 Explana-se que a ordem de apresentação é muito importante no que tange aos direitos reais de garantia, sobretudo na hipoteca, porque se afigura possível a constituição de muitas hipotecas sobre um mesmo bem imóvel. Por fim, vale dizer que o grande desafio nesse tema continua sendo a falta de acesso aos serviços prestados por cartórios. Para evitarem os custos associados à lavratura da escritura pública e ao registro dela no cartório de registro de imóveis, muitas pessoas optam diuturnamente apenas pela celebração do contrato de venda preliminar. Elas fazem isso por intermédio de um instrumento particular que não é levado a tal cartório. No mesmo ato, a posse do imóvel é transferida para o promitente comprador. ATENÇÃO Essa prática cria uma cisão entre o mundo que consta oficialmente nos cartórios e o real em que a posse de bens imóveis é normalmente transferida por meio de contratos privados e não refletidos nos registros cartoriais. Desse modo, as propriedades são ocupadas por pessoas que apenas têm como título de titularidade um contrato particular assinado pelo anterior proprietário, o qual, por sua vez, apoderou-se do bem por meio de contrato particular celebrado com o proprietário anterior. Além disso, como parte da população brasileira não tem acesso à assistência jurídica, ela desconhece os procedimentos que precisam ser cumpridos perante os cartórios para a efetivação da venda de um imóvel. Devido a esses fatores, criou-se um mercado imobiliário informal no Brasil que atua à margem das estruturas públicas oficiais. No vídeo a seguir, o professor Diego Brainer de Souza André comenta sobre o papel do cartório do RGI nos registros. Vamos assistir! VERIFICANDO O APRENDIZADO MÓDULO 2 Listar os deveres do notário e do registrador NOÇÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE OS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO Segundo dispõe o artigo 1º da Lei dos Cartórios, os serviços notariais e de registro “são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos”. UM NOTÁRIO E O OFICIAL DE REGISTRO SÃO INDIVÍDUOS A QUEM O GOVERNO DELEGOU O EXERCÍCIO DE ATIVIDADES NOTARIAIS OU DE REGISTRO. De acordo com os termos do artigo 14 da mesma lei, para poderem iniciar o exercício de tais atividades, ambos têm de cumprir os seguintes requisitos: CIDADANIA BRASILEIRA BACHARELADO EM DIREITO CAPACIDADE CIVIL CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES ELEITORAIS E MILITARES APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO COMPORTAMENTO ADEQUADO PARA O EXERCÍCIO DA PROFISSÃO As atividades notariais são organizadas e supervisionadas pelo Poder Judiciário de cada estado, que também é responsável pela realização de concursos públicos a fim de selecionar indivíduos para a realização de tais atividades, conforme dispõem os artigos 15 e 17 da Lei nº 8.935/1994. O número de cartórios públicos em cada município é determinado pelo Poder Judiciário Estadual, porém as partes são livres para escolher qual tabelião público deve elaborar a escritura pública para a compra e a venda de imóveis, determina o artigo 8º da Lei nº 8.935/1994. ATENÇÃO Vale ressaltar que, de acordo com o artigo 25 dessa lei, a atividade cartorária é incompatível com o exercício de qualquer função de intermediação de seus serviços, o que inclui a corretagem imobiliária. O acúmulo desses cargos é proibido, já que ele prejudicaria a imparcialidade necessária ao bom desempenho do cartório público. O notário e o registrador são profissionais que têm o dever de defender igualmente os interesses das duas partes contratantes, sem privilegiar qualquer delas independentemente de pressões ou influências. VOCÊ SABIA Apesar de os titulares de cartórios públicos deverem ter bacharelado em Direito, eles estão proibidos de atuar como advogados (Lei nº 8.906/1994, artigo 28, IV). É justamente essa característica que diferencia o tabelião e o oficial de registro de outros profissionais liberais do direito e os converte no operador jurídico ideal para intervir na prevenção de litígios. Ambos são agentes da segurança jurídica, devendo participar, cada um em seu mister, tanto na coleta da manifestação da vontade das partes quanto na centralização do objeto da transação imobiliária. Segundo o artigo 3º da Lei dos Cartórios, “notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro”. Com efeito, eles: São agentes formados em Direito. Atuam por delegação do Estado. Possuem autoridade legítima para que os documentos que autorizam em devida forma sejam considerados, até prova em contrário, autênticos e verdadeiros. Os deveres gerais de ambos constam no artigo 30 da Lei dos Cartórios: Analisaremos a seguir os deveres de cada um deles de maneira específica. DEVERES DO NOTÁRIO OU TABELIÃO O notário é o responsável pela elaboração da escritura pública e deve garantir que o consentimento das partes seja informado e livre de defeitos. Ao elaborar o documento, ele precisa verificar o cumprimento de todos os requisitos legais necessários para a validade e a eficácia da transação. Como verificamos, salvo em casos excepcionais, a escritura pública é essencial para a validade das negociações para a transferência de imóveis (Código Civil, artigo 108), razão pela qual a participação do tabelião na conclusão do acerto é obrigatória. ATENÇÃO A escritura pública para a validade de contratos preliminares referentes às transações de transferência de imóveis (Código Civil, artigo 1.417) não é necessária. Não obstante, se as partes assim desejarem, elas são livres para contratar um cartório público a fim de formalizar esse tipo de contrato por meio de escritura pública. Vejamos agora suas atribuições: Art. 6º Aos notários compete: I – formalizar juridicamente a vontade das partes; II – intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo; javascript:void(0); III – autenticar fatos. [...] Art. 7º Aos tabeliães de notas compete com exclusividade: I – lavrar escrituras e procurações públicas; II – lavrar testamentos públicos e aprovar os cerrados; III – lavrar atas notariais; IV – reconhecer firmas; V – autenticar cópias. (BRASIL, 1994) O serviço prestado por um cartório busca garantir a autenticidade, a segurança jurídica e a efetividade da transação. A tarefa realizada por ele é complexa e pode assumir diferentes formas de acordo com os serviços contratados pelos interessados. O tabelião é um profissional habilitado para três funções primordiais: FORMALIZAÇÃO QUALIFICAÇÃO LEGAL AUTENTICAÇÃO FORMALIZAÇÃO Ele formaliza juridicamente a vontade das partes, verificando inicialmente as circunstâncias apresentadas e os propósitos legítimos que pretendem alcançar por meio da contratação, sendo certo que, para isso, mostra-se necessário que o notário tenha conhecimento e domínio sobre as regras do ordenamento. Dessa maneira, ele pode: Adequar a vontade privada à norma cogente. Intervir em atos e negócios jurídicos que os sujeitos diante dele presentes desejarem dar forma jurídica. QUALIFICAÇÃO LEGAL Ele qualifica legalmente a situação em questão e orienta os contratantes na definição da moldura contratual mais adequada para a satisfação de seus objetivos. Isso é feito mediante a confecção do instrumento negocial e da conservação para consulta por qualquer um que se mostre interessado. AUTENTICAÇÃO Trata-se de autenticar fatos juridicamente relevantes e capazes de provocar efeitosem atos ou negócios jurídicos. ATENÇÃO O tabelião tem fé pública, o que significa que os termos da escritura pública são presumidos como verdadeiros. Trata-se, no entanto, de uma presunção relativa que pode ser deixada de lado em tribunal se a parte interessada for capaz de provar que o documento não corresponde à verdade. Um dos documentos que deve necessariamente ser analisado pelo cartório é o pertinente às informações registradas nos livros imobiliários, já que ele informa quem é o proprietário do imóvel, bem como a existência de qualquer ônus sobre o bem. Temos como exemplos uma hipoteca ou uma servidão. É IMPORTANTE LEMBRAR QUE O TABELIÃO É RESPONSÁVEL POR TOMAR AS MEDIDAS NECESSÁRIAS PARA GARANTIR A VALIDADE E A EFICÁCIA LEGAL DA COMPRA E DA VENDA PARA A TRANSFERÊNCIA DE PROPRIEDADE. O NOTÁRIO, PORTANTO, INCLUI NA ESCRITURA DE VENDA INFORMAÇÕES SOBRE A CONSCIÊNCIA DO COMPRADOR ACERCA DA EXISTÊNCIA DESSA TAL HIPOTECA E/OU SERVIDÃO. O tabelião precisa, antes da execução da venda de determinado imóvel, examinar os documentos emitidos pelo registro imobiliário. Eles incluem informações extraídas dos registros referentes aos seguintes itens: DESCRIÇÃO DO IMÓVEL IDENTIFICAÇÃO DO PROPRIETÁRIO EXISTÊNCIA DE PENDÊNCIAS NO IMÓVEL EXISTÊNCIA DE AÇÕES JUDICIAIS ENVOLVENDO O IMÓVEL O notário também precisa expressamente informar ao comprador sobre a existência de possíveis pendências ou processos judiciais, devendo inclusive constar no ato público que ele está ciente dessa situação. Ademais, conforme a Lei nº 9.613/98, cuja redação foi concedida pela Lei nº 12.683/12, os cartórios fazem parte do sistema nacional de combate à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo (artigos 9º, XIII e XIV). Os notários, dessa forma, têm de colocar em prática procedimentos de identificação de seus clientes e comunicar às autoridades locais quaisquer eventos que envolvam transações atípicas com indícios de lavagem de dinheiro (artigos 10 e 11). DEVERES DO REGISTRADOR O oficial de registro é o sujeito a quem é delegada a atividade de registro. Tais atividades são divididas pelos registros: CIVIL DE PESSOAS NATURAIS CIVIL DE PESSOAS JURÍDICAS DE TÍTULOS E DOCUMENTOS DE IMÓVEIS Devemo-nos dirigir ao ofício de registro, cujo responsável é um registrador, em diversas situações. EXEMPLO Registrar o nascimento de um filho e obter a referente certidão; inscrever o ato constitutivo de uma empresa; casar e se divorciar; ou, por fim, registrar contratos de compra e venda de bens imóveis. As atribuições do oficial de registro constam nos artigos 12 e 13 da Lei dos Cartórios: Art. 12. Aos oficiais de registro de imóveis, de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas, civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas compete a prática dos atos relacionados na legislação pertinente aos registros públicos, de que são incumbidos, independentemente de prévia distribuição, mas sujeitos os oficiais de registro de imóveis e civis das pessoas naturais às normas que definirem as circunscrições geográficas. [...] Art. 13. Aos oficiais de registro de distribuição compete privativamente: I - quando previamente exigida, proceder à distribuição equitativa pelos serviços da mesma natureza, registrando os atos praticados; em caso contrário, registrar as comunicações recebidas dos órgãos e serviços competentes; II - efetuar as averbações e os cancelamentos de sua competência; III - expedir certidões de atos e documentos que constem de seus registros e papéis. Lei nº 8.935/94 Quanto ao registro de imóveis, devido à importância econômica e social atribuída aos bens imóveis, por um lado, e à possibilidade de sua individualização, por outro, houve a organização de um regime para a transferência da propriedade dos imóveis. Tornado público, esse regime proporciona uma maior segurança à circulação da riqueza imobiliária. Isso materializa o grande desiderato do oficial de registro de imóveis, que atua em um registro público no qual devem ser obrigatoriamente assentadas, para que possam valer, todas as transmissões da propriedade dos bens imóveis, permitindo a quem quer que seja saber a quem pertencem. Faz-se, com isso, o registro de todo título translativo da propriedade a fim de que a transferência se opere com publicidade ampla e oponibilidade erga omnes. A publicidade é marca de fundamental do RGI. Sobre a publicidade: Em uma primeira perspectiva, ela diz respeito ao caráter informativo que apresenta, referindo-se à possibilidade de se obter certas informações pela via das certidões. Em outra, atém-se aos efeitos materiais de constituir direitos sobre imóveis oponíveis contra todos. ISSO... Torna impossível a alegação de desconhecimento do que está registrado. Protege terceiros adquirentes pela presunção relativa de certeza gerada por aquilo que é registrado (princípio da legitimação). Dessume impossível a oposição a terceiros de certos fatos que não constam no registro. A Lei nº 13.097/2015 criou o assim chamado “princípio da concentração”, que abrange: Ações reais ou pessoais reipersecutórias. Constrições judiciais. Ações de execução ou em fase de cumprimento de sentença. Restrições administrativas ou convencionais ao gozo de direitos registrados. Outras ações que, a critério do juiz, possam reduzir o proprietário do bem à insolvência. Quaisquer outras situações jurídicas que possam prejudicar a aquisição de direitos sobre o bem por terceiros de boa-fé, com exceção das situações em que o imóvel se adquire independentemente de registro (caso de usucapião). O registrador não funciona exclusivamente nas hipóteses de aquisição da propriedade, operando também sobre outros direitos reais, como, por exemplo: A SUPERFÍCIE A SERVIDÃO A LAJE Para saber mais, leia o artigo 1.255 do Código Civil. Nesse sentido, os seguintes negócios jurídicos devem ser registrados: COMPRA E VENDA javascript:void(0); TROCA OU PERMUTA DAÇÃO EM PAGAMENTO TRANSAÇÃO EM QUE ENTRE UM IMÓVEL ESTRANHO AO LITÍGIO DOAÇÃO EM PRINCÍPIO, OS TÍTULOS OU OS ATOS CONSTITUTIVOS, DECLARATÓRIOS, TRANSLATIVOS E EXTINTIVOS DE DIREITOS REAIS IMOBILIÁRIOS Ao receber o título, o oficial do registro fica obrigado a fazer a qualificação registral do documento, ou seja, o exame sobre a sua legalidade. Dessa maneira, esse oficial analisa se: O pedido do registro está instruído com a documentação exigida pela lei. Se o vendedor é casado ou solteiro. Se tem outorga uxória, certidão de casamento/nascimento e documento de identidade. Se o título apresenta algum vício de consentimento ou social. Se o direito que os particulares procuram constituir correspondem a algum dos tipos reais previstos pelo legislador (a taxatividade do artigo 167 da lei de registros públicos). Outrossim, na forma do artigo 289 da Lei de Registros Públicos, “no exercício de suas funções, cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício”. Cabe, portanto, verificar, quando for o caso, se foram recolhidos os tributos devidos para a prática de determinados atos ou negócios jurídicos. Por exemplo, transferências de bens imóveis por atos entre vivos ou mortis causa. Além disso, o registrador também participa dos pedidos de reconhecimento extrajudicial de usucapião, processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, conforme preconizam os artigos 216-A e os seguintes da Lei de Registros Públicos. ALUDE-SE QUE A PUBLICIDADE DOS ATOS REGISTRÁRIOS COADUNA-SE COM A OBRIGATORIEDADE DE O REGISTRO DA PROPRIEDADE SER EFETIVADO NO LOCAL DO IMÓVEL. Adotou-se, assim, o princípio do fólio real, ou seja, a anotação dos dados do imóvel localizado precisa se dar obrigatoriamente na respectiva região geográfica. Cada circunscrição, portanto, é delimitada territorialmente para fins de garantia daunidade de registro. Forte em Saint Tropez ao por do sol No vídeo a seguir, o professor Diego Brainer de Souza André fala sobre os deveres do registrador. Vamos assistir! VERIFICANDO O APRENDIZADO MÓDULO 3 Descrever os direitos e as garantias do notário e do oficial de registro, assim como as hipóteses de responsabilização atinentes NOTÁRIO E REGISTRADOR: DIREITOS E GARANTIAS Conheceremos a seguir os direitos e as garantias dos titulares cartorários, bem como as hipóteses de responsabilização tanto deles quanto do Estado. Inicialmente, devemos dizer que, segundo o artigo 29 da Lei dos Cartórios, são direitos do notário e do registrador: Exercer opção, nos casos de desmembramento ou desdobramento de sua serventia. Organizar associações ou sindicatos de classe e deles participar. Além disso, o artigo 28 da mesma lei dispõe que “os notários e oficiais de registro gozam de independência no exercício de suas atribuições, têm direito à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia e só perderão a delegação nas hipóteses previstas em lei”. ATENÇÃO Notemos que o registrador, ao formular um juízo sobre a viabilidade registral em concreto de determinado título, aplica a norma jurídica ao caso, realizando o ato ou devolvendo-o ao portador. Entende-se, portanto, que, havendo recebido do Estado a delegação cartorária, a formulação do juízo de incidência legal perfaz ato próprio e indelegável. Dessa forma, ao optar por uma opção legítima de várias possíveis, ele não pode ser punido por sua escolha, seja na esfera administrativa ou judicial, salvo obviamente por algo manifestamente ilegal. Por exemplo, ao materializar atuar parcial e arbitrário, buscando tratamento pessoal e injustificado a alguém, ou na situação de contrariar expressa determinação normativa do Judiciário. Outra garantia perfaz a percepção dos emolumentos integrais. Tais cifras são a parcela destinada ao tabelião como pagamento feito pelo usuário dos serviços, servindo tanto para remunerar o titular cartorário quanto para cobrir as despesas ordinárias de manutenção e funcionamento do cartório. A segurança de que dispõe o tabelião in casu diz respeito ao depósito prévio como condição para o serviço. Além disso, de acordo com o artigo 784, inciso XI, do Código de Processo Civil (2015), a legislação processual considera “a certidão expedida por serventia notarial ou de registro relativa a valores de emolumentos e demais despesas devidas pelos atos por ela praticados, fixados nas tabelas estabelecidas em lei” um título executivo extrajudicial. Por outro lado, é vedado cobrar das partes interessadas quaisquer quantias não expressamente previstas nas tabelas de emolumentos ou aqueles em decorrência da prática de ato de retificação (ou que teve de ser refeito ou renovado em razão de erro imputável aos respectivos serviços notariais e de registro). As garantias de independência, a percepção de emolumentos integrais e os direitos de opção e sindicalização retro mencionados, coadunados com a imposição de que tais agentes apenas podem perder a delegação em hipóteses previstas em lei e mediante o devido processo legal, fundamentam-se na imparcialidade que deve ser observada na atuação dos tabeliães. ATENÇÃO É mister mencionar que a imparcialidade protege não apenas os intervenientes ou interessados no ato notarial e registral, como também terceiros que confiam no sistema registral. De fato, a independência e a imparcialidade representam reflexos dos princípios de impessoalidade e da eficiência da atividade pública que, consagrados no artigo 37 da CRFB, delimitam a forma de agir de todos os agentes públicos. Eles, afinal, afetam parte do estatuto dos tabeliães, cujas delegações perfectibilizam-se por concurso público. Não se espera do cartório que ele ou ela patrocine os interesses de qualquer uma das partes. O tabelião, pelo contrário, deve realizar suas atividades com imparcialidade. Se a parte estiver interessada em receber assistência de um profissional totalmente dedicado aos seus interesses, a legislação brasileira lhe garantirá o direito de contratar um advogado. VOCÊ SABIA A única atividade extra permitida é a política. O notário e o registrador podem se candidatar a qualquer cargo político. Nesse caso, contudo, eles têm de: Observar o prazo de desincompatibilização Ficar afastados da atividade enquanto exercerem o mandato eletivo Outro atributo funcional dos titulares de cartórios é a fé pública, que nada mais é do que autoridade legítima atribuída a esses agentes para que os documentos que autorizam em devida forma sejam considerados, com presunção relativa, como autênticos e verdadeiros. DICA Fatos, atos e contratos ocorridos ou produzidos em sua presença ou com sua participação, no tocante à sua verificação ou à sua atestação, só poderão ser desconsiderados por prova robusta. No mesmo passo, reconhece-se que é vedado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios recusar fé aos documentos públicos. Incluem-se nesse grupo aqueles elaborados ou autenticados pelo notário, salvo nos casos em que haja prova de sua falsidade (CRFB, artigo 19, II). NOTÁRIO E REGISTRADOR: RESPONSABILIZAÇÃO A redação do artigo 22 da Lei nº 8.935/94, que trata da responsabilidade civil de notários e registradores, foi alterada pela Lei nº 13.286/16 para encerrar uma polêmica de longa data e determinar, de uma vez por todas, que tal responsabilidade é subjetiva. O NOTÁRIO É RESPONSÁVEL PELOS DANOS CAUSADOS A TERCEIROS POR ATOS DE NEGLIGÊNCIA OU DOLO. O TABELIÃO, ALÉM DISSO, RESPONDE PELOS DANOS CAUSADOS POR ELE PESSOALMENTE OU POR UM FUNCIONÁRIO DE SEU ESCRITÓRIO (OCASIÃO EM QUE SE GARANTE O DIREITO DE REGRESSO DO NOTÁRIO). Vejamos o seguinte dispositivo transcrito in verbis: ART. 22. OS NOTÁRIOS E OFICIAIS DE REGISTRO SÃO CIVILMENTE RESPONSÁVEIS POR TODOS OS PREJUÍZOS QUE CAUSAREM A TERCEIROS, POR CULPA OU DOLO, PESSOALMENTE, PELOS SUBSTITUTOS QUE DESIGNAREM OU ESCREVENTES QUE AUTORIZAREM, ASSEGURADO O DIREITO DE REGRESSO. PARÁGRAFO ÚNICO. PRESCREVE EM TRÊS ANOS A PRETENSÃO DE REPARAÇÃO CIVIL, CONTADO O PRAZO DA DATA DE LAVRATURA DO ATO REGISTRAL OU NOTARIAL. Lei nº 8.935/94 Caso se apure, após a efetivação da venda, que o vendedor não era o verdadeiro dono do imóvel, o notário poderá ser responsabilizado pelos danos causados ao comprador, desde que seja possível comprovar a negligência ou imperícia. Conforme já mencionamos, o serviço prestado pelo tabelião é baseado em documentos elaborados pelo cartório de registro de imóveis que são de fé pública, tendo, assim, a relativa presunção de conter apenas informação verídica. Com base nas informações extraídas desses registros, o notário verifica se o vendedor é realmente o dono do imóvel. Por isso, em princípio, esse agente não poderá ser responsabilizado pelos danos causados ao comprador caso sejam incorretas as informações prestadas por esse cartório sobre a propriedade. ATENÇÃO No entanto, o notário pode ser responsabilizado por danos caso se demonstre que agiu de má- fé. Isso pode ocorrer nos casos em que ele trabalha em conluio com o vendedor, tendo o conhecimento de que as informações prestadas pelo real registro de propriedade não estão corretas. O notário também pode ser responsabilizado caso não tenha analisado as informações recebidas pelo cartório de registro de imóveis com a devida diligência profissional. EXEMPLO Ele será negligente quando não perceber que a certidão recebida pelo vendedor – que identifica o dono do imóvel e a existência de ônus e ações judiciais em relação ao imóvel – é falsa, mesmo que o documento tenha sinais claros de fraude. No entanto, se ela não for visível, não estará caracterizada a negligência ou a imperícia. O mesmo ocorre caso se aceite uma certidão fora do prazo de validade. Isso possui como função evitar que a operação de venda seja realizada com base em informações desatualizadas que não refletema execução pelo vendedor de qualquer ação em relação à propriedade. AS PROVIDÊNCIAS QUE DEVEM SER TOMADAS PELO NOTÁRIO – QUE AUXILIA AS PARTES NA EFETIVAÇÃO DA VENDA DE BENS IMÓVEIS – CONSISTEM NOTADAMENTE NA ANÁLISE DE DOCUMENTOS. O tabelião é responsável por verificar se todos os documentos exigidos por lei foram devidamente recebidos e avaliar, com base neles, se a operação de venda pode ser realizada de forma válida e eficaz. Já o notário também é responsável por informar o comprador sobre os riscos potenciais. Por exemplo, a existência de penhor de hipoteca sobre o imóvel. O notário, portanto, não pode ser responsabilizado por problemas relacionados com o imóvel que não possam ser verificados nos documentos entregues pelas partes. Nesse sentido, os tribunais brasileiros têm um firme entendimento de que sua responsabilização só pode se dar em três situações: Deixar de exigir o documento obrigatório. Não examinar cuidadosamente o documento recebido. Deixar de informar o contratante sobre os riscos decorrentes da operação. A mesma lógica sobre atuação culposa se aplica ao oficial de registro, pois ele, sob pena de responsabilização civil, também deve guardar um zelo extremado na individualização do bem e na conferência de todas as formalidades. ATENÇÃO Ao outorgar a delegação do serviço público aos titulares cartorários, o Estado mantém uma responsabilidade sobre isso. Em decorrência dela, a garantia e a credibilidade do serviço registral também são vistas como fundamentais para os atos negociais. Dessa forma, entre outras situações, as hipóteses de responsabilidade podem ser verificadas pela: Realização do repasse às respectivas entidades dos valores que recebe como depositário. Responsabilidade tributária pelo recolhimento dos tributos que fiscaliza. Responsabilidade civil contratual com prepostos e fornecedores. Responsabilidade civil decorrente dos serviços prestados aos usuários e dos eventuais danos causados. No vídeo a seguir, o professor Diego Brainer de Souza André comenta sobre a responsabilidade civil dos notários e registradores. Vamos assistir! RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS DE NOTÁRIOS E REGISTRADORES No RE 842846, de relatoria do ministro Luiz Fux, entendeu o pleno do Supremo Tribunal Federal (STF) que “[o] Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa”. Por se tratar de uma atividade delegada, portanto, realmente existe uma responsabilidade civil tanto do delegatário quanto do Estado em decorrência de danos causados a usuários por tabeliães e oficiais de registro no exercício de suas funções em serventias extrajudiciais, assegurando-se o regresso em caso de dolo ou culpa dos titulares de cartórios. 842846 Relator(a): Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 27/02/2019, processo eletrônico DJE- 175. ATENÇÃO A responsabilidade do Estado é objetiva; a do titular cartorário, subjetiva. javascript:void(0) Essa diferenciação se dá pelo fato de os serviços notariais e de registro serem exercidos em caráter privado por delegação do poder público, isto é, por particulares em colaboração que, exercendo suas atividades in nomine do Estado, são tratados como agentes públicos. Tal fato decorre de dois motivos fundamentais: O ingresso na atividade notarial e na de registro depende de concurso público. Os atos de seus agentes estão sujeitos à fiscalização do Poder Judiciário, consoante expressa determinação constitucional (artigo 236 da CRFB). Nesse contexto, o Estado responde objetivamente pelos atos de tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem danos a terceiros, estando assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa. Aludiu-se expressamente ao cometimento de improbidade caso não se realize a ação regressiva exatamente para instá-la, mormente pela suposição de que os atos cartorários perfazem atividades altamente lucrativas. ATENÇÃO Devemos ressaltar que os serviços notariais e de registro, sendo exercidos em caráter privado por delegação, não se submetem à disciplina que rege as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos, o que contrariaria a literalidade do texto da Carta da República. O texto do artigo 37, §6º, se refere a pessoas jurídicas prestadoras de serviços públicos, ao passo que os notários e os tabeliães respondem civilmente enquanto pessoas naturais delegatárias, conforme dispõe o artigo 22 da Lei nº 8.935/94. Ademais, a própria Constituição, em seu artigo 236, determina que “lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário”. Desse modo, não pode haver qualquer interpretação analógica e extensiva que direcione o regime jurídico da responsabilidade civil objetiva para notários e registradores oficiais. A responsabilização objetiva depende de expressa previsão normativa e não admite interpretação extensiva, sendo regra excepcional impassível de presunção. Por fim, disse o tribunal que a Lei nº 8.935/94 regulamenta o artigo 236 da CRFB e fixa o estatuto dos serviços notariais e de registro, predicando, no seu artigo 22, que “os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso”. Isso configura inequívoca responsabilidade civil subjetiva de notários e oficiais de registro, estando ela legalmente assentada. Além disso, indica que o artigo 28 da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973) contém um comando expresso quanto à responsabilidade subjetiva de oficiais de registro, bem como o tem o artigo 38 da Lei nº 9.492/97, que fixa a responsabilidade subjetiva dos tabeliães de protesto de títulos pelos próprios atos e os de seus prepostos. VERIFICANDO O APRENDIZADO CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS Nosso estudo se organizou a partir da seguinte estrutura: Pudemos depreender que a existência, na legislação brasileira, de notários e registradores atuando em cartórios confere segurança jurídica às transações imobiliárias, reduzindo o risco de litígios. Considerando os valores normalmente envolvidos na venda de imóveis, bem como os interesses em jogo (por exemplo, a aquisição de um imóvel para fins habitacionais), verificamos que tal segurança proporcionada se mostra essencial para a credibilidade e o desenvolvimento do mercado imobiliário. Pontuamos ainda que os notários e os registradores exercem funções de grande relevância para o particular. Como agentes formadores do sistema preventivo do direito, esses profissionais reforçam a segurança e, mediatamente, a paz social, sem que seja necessário recorrer ao Judiciário para reprimir condutas posteriormente à ocorrência do dano. Ademais, também vimos que eles atuam, ainda que indiretamente e sem qualquer ônus, como uma espécie de fiador do cumprimento de deveres de um estado democrático de direito. Sua atuação, portanto, diz respeito à observância das leis de ordem pública, ao recolhimento dos tributos necessários para o custeio da máquina pública, ao combate à lavagem de dinheiro e a outros potenciais ilícitos, assim como outras políticas estatais relevantes. Destacamos, por fim, que suas funções se direcionam tanto para o atendimento de interesses individuais quanto para os de cariz coletivo. PODCAST Agora com a palavra o professor Diego Brainer de Souza André, relembrando tópicos abordados em nosso estudo. Vamos ouvir! AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS AZEVEDO, Á. V. Comentários ao novo CódigoCivil. v. 7. Rio de Janeiro: Forense, 2005. BRANDELLI, L. Teoria geral do Direito Notarial. São Paulo: Saraiva, 2007. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Consultado na internet em: abril 2021. Brasília, 2021. BRASIL. Lei nº 6.015, de 31 de dezembro 1973. Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. Consultado na internet em: abril 2021. Brasília, 2021. BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Regulamenta o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro (Lei dos Cartórios). Consultado na internet em: abril 2021. Brasília, 2021. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Consultado na internet em: abril 2021. Brasília, 2021. BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Consultado na internet em: abril 2021. Brasília, 2021. GOMES, O. Direitos reais: 1909-1988. Atualizado por Luiz Edson Fachin. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. PELLEGRINI, A. R. Algumas linhas sobre a atividade notarial. In: Revista de Direito Imobiliário. v. 54. 2013. EXPLORE+ Sugerimos a leitura de dois textos que investigam o impacto da blockchain no âmbito cartorário: GROSSI, A.; MULLER, G. R. A disrupção tecnológica dos cartórios através da tecnologia blockchain. In: OAB Mato Grosso. Publicado em: 12 nov. 2020. SOUZA, G. C. de. Blockchain no sistema da propriedade imobiliária no Brasil. In: Anoreg/SE. Publicado em: 11 abr. 2020. CONTEUDISTA Diego Brainer de Souza André CURRÍCULO LATTES javascript:void(0);
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