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• Filiação, consanguinidade, alianças matrimoniais 1. Parentesco e filiação Dois indivíduos são parentes se um descende do outro (laços de filiação direta) ou se ambos descendem ou afirmam descender de um (ou de uma) antepassado comum. Neste caso, o parentesco entre os dois indivíduos quer seja real (quer dizer, que o laço social que estabelece assenta num laço biológico de consanguinidade) ou fictício (dizem-se parentes, consideram-se e comportam-se como tal mesmo se de fato, nenhum laço de consanguinidade existe entre um e outro) – é determinado pelo fato de provirem – ou afirmarem provir – de uma mesma filiação. Finalmente, a filiação, a um certo nível, pode ser mítica e existir apenas na consciência dos homens, mas isso é o essencial na medida em que determina e exprime um certo tipo de comportamento efetivo: por exemplo, entre todos aqueles que de perto ou de longe afirmam compartilhar a mesma filiação existem formas de solidariedade (entreajuda, cooperação ritual), mais ou menos institucionalizados, que constituem outros tantos fatos sociais, observáveis por quem está de fora e que são testemunho da realidade objetiva de um conjunto composto de indivíduos e de grupos que podem não ser biologicamente aparentados, mas que nem por isso deixam de constituir uma sociedade estruturada com base no modelo e expressa na linguagem do parentesco. 2. Parentesco e consanguinidade O parentesco é, pois, uma relação social, nunca coincide completamente com a consanguinidade, quer dizer, com o parentesco biológico. Para que o parentesco possa, portanto, ser um princípio lógico de classificação (de uns indivíduos em relação aos outros no seio de cada grupo de parentesco em relação aos outros no seio de cada sociedade) é necessário que nem todos os consanguíneos sejam reconhecidos como tal, que certas categorias destes sejam excluídas do parentesco: quer porque se considere apenas uma linha de ascendência com exclusão das outras. Em África, o princípio mais generalizado é o da filiação unilinear: privilegia-se uma única linha. Se for a do pai, o parentesco transmite-se entre os homens, de pai para filho, perdendo-se nas mulheres; se for a da mãe, o parentesco transmite-se entre as mulheres, de mãe para filha, perdendo-se nos homens (neste caso, um filho não faz parte do grupo de parentesco do pai, mas provém do da mãe e do irmão desta). Convém notar, no entanto, que não existe filiação unilinear pura: todas as sociedades admitem em certo modo o parentesco nas duas linhas; mas, em regime de filiação unilinear, a tônica é posta numa das duas linhas, de modo que, neste aspecto, a extensão do parentesco é muito mais importante: há um maior número de parentes que são reconhecidos como tal, porque o parentesco transmite-se de geração em geração, ao passo que do outro lado vai caindo no esquecimento. 3. Parentesco e aliança matrimoniais Enquanto os anglo-saxões distinguem os parentes por filiação (Kim) dos parentes por casamento ou por alianças matrimoniais (affines), os franceses, pelo contrário, utilizam unicamente o termo parentes, não esclarecendo de qual das duas categorias se trata. Lévi- Strauss, especialmente demonstrou que o parentesco constitui um sistema organizado em redor de uma estrutura mínima ou átomo de parentesco, de que as alianças matrimoniais são, do mesmo modo que a filiação, um dado imediato. Com efeito, todas as sociedades conhecem a proibição do incesto. Esta proibição não é mais do que o inverso negativo de uma exigência Parentalidade positiva, de uma prescrição universal: é preciso procurar mulheres fora do grupo dos parentes. A obrigação de procurar o cônjuge fora do grupo de filiação (exogamia) torna, portanto, indispensável o estabelecimento de relações de parentesco através de alianças matrimoniais com outros grupos de diferentes filiações. Como frisa Lévi-Strauss, a proibição do incesto significa que, na sociedade humana, um homem não pode obter uma mulher senão doutro homem que lhe cede uma filha ou uma irmã. O parentesco por alianças matrimoniais é, portanto, um elemento exterior que se enxerta no parentesco propriamente dito. Por outras palavras, um grupo de filiação não pode existir e perpetuar-se a menos que entre em alianças matrimoniais com outros grupos de filiação que lhe forneçam as reprodutoras (esposas). Neste sentido, o parentesco na acepção estrita do termo (laços de filiação), é função do parentesco por alianças matrimoniais. Para simplificar ao máximo, pode-se dizer que a filiação é o princípio de constituição e de organização interna de cada grupo de parentesco, enquanto as alianças (o parentesco por alianças matrimoniais) são o princípio da organização das relações externas entre os diferentes grupos, constrangidos a estabelecer relações necessárias de troca matrimonial por força da exogamia. • Filiação e incorporação 1. Grupos de filiação Fala-se de grupos de filiação quando já não se considera a filiação simplesmente como um princípio de classificação dos indivíduos (distinção entre parentes e não parente) mas como o efeito concreto da aplicação deste princípio: a constituição de grupos sociais organizados, cujos membros pretendem ter todos um mesmo ascendente. Uma unidade de filiação pode ser apenas uma entidade abstrata, suscetível de ser reconstruída a partir do método genealógico, ou simplesmente, e em regra, uma entidade cuja existência pode ser reconhecida pelo fato de um certo número de grupos afirmarem ter a sua origem remota no mesmo antepassado. Pelo contrário, reconhece-se um grupo de filiação porque estes se manifestam, pelo menos de vez em quando, como um todo em ação; a este nível, tomam-se decisões que obrigam a totalidade dos seus membros, e o grupo está dotado de uma organização sócio-política mínima (entre os membros masculinos, alguns indivíduos dispõem de um poder de decisão, por exemplo, o conselho dos anciões). O grupo de filiação distingue-se, pois, da unidade de filiação pelo fato de ser um grupo organizado no nível do qual se torna um certo número de decisões (políticas, religiosas ou matrimoniais), segundo a terminologia anglo- saxônica, pode definir-se como a decision making organized group (grupo organizado de tomada de decisões), ou ainda, como a corporate descent group, geralmente traduzido por grupo unitário ou grupo solidário de filiação. No mesmo sentido, E. Leach propõe distinguir a linha de filiação (descente line) do grupo de filiação local (local descent group), este último manifesta-se especialmente como grupo de residência e grupo promotor de casamentos, enquanto a linha de filiação deixa de ser localizada e não constitui um grupo unitário. • Linhagem O termo linhagem pode ser considerado como um conceito genérico: conforme as sociedades, ou mesmo o seio de uma dada sociedade, grupos de extensão ou de funcionamento diferente podem ser considerados como linhagens. Linhagem e organização de linhagem. Assim sendo, pode contrapor-se as linhagens concretas, diretamente observáveis no terreno, às linhagens mais vastas, que não podem ser diretamente observáveis por não constituírem formas concretas de grupo, mas que podem voltar a ter significado e vida em determinadas situações. Linha e segmentação. Na verdade, tratando-se de um triângulo cujo antepassado é o vértice e em que a base aumenta em cada geração, a linhagem não pode ser um grupo permanente. • Clã O Clã congrega todos aqueles que se consideram, em virtude de uma relação genealógica presumível e indemonstrável, como descendentes em linha direta, paterna (patriclam) ou materna (matriclam), de um antepassado comum lendário ou mítico. O Clã tem um nome, que pode ser o do seu fundador (antepassado epônimo); este nome podetambém evocar um episódio da história do grupo. Muito frequentemente, o clã não está ligado a nenhuma área bem definida, e só os seus segmentos têm realidade espacial. Encontra-se, então, disperso por várias localidades não contíguas. Quando esta dispersão geográfica é devida a migrações, não é raro que o grupo mantenha algumas ligações, sobretudo rituais, com o seu lar original. • Troca matrimonial Distingue-se, habitualmente, segundo Lévi- Strauss, dois grandes tipos de trocas matrimoniais: a troca restrita e a troca generalizada. Troca restrita. A troca restrita (ou troca direta) é uma relação pela qual o grupo que pede a outro uma esposa para um de seus homens, oferece, em troca, uma de suas mulheres. Generalizando, é uma relação intermatrimonial entre dois grupos: as mulheres de um dos grupos desposam os homens do outro, e reciprocamente. Troca generalizada. Ao contrário da troca restrita, que pressupõe uma simetria entre unidades de troca constituídas em pares, a troca generalizada (ou troca indireta) é assimétrica ao nível das relações entre dois grupos, mas vai-se equilibrando gradualmente: A dá uma mulher a B, que dá uma mulher a C, e assim por diante. • Casamento É um complexo de normas sociais que sancionam as relações sexuais entre um homem e uma mulher e que os liga por um sistema de obrigações e direitos mútuos: por meio desta união, os filhos que a mulher dá à luz são reconhecidos como a progenitora legítima de ambos os pais. Por outro lado, ao nível das normas sociais, o casamento nunca é livre, no sentido de que qualquer homem não pode desposar de qualquer mulher. Em todas as sociedades existem categorias de pessoas que um dado indivíduo não deve desposar, e outras com as quais o casamento, sem ser totalmente proibido, não é encorajado. A monogamia: união de um homem só e de uma só uma mulher. A poligamia: termo geral que designa todas as uniões em que o número de cônjuges (homens e mulheres) ultrapassa um único casal. A poligenia: forma de casamento na qual várias mulheres estão unidas a um único homem, tendo todas as mulheres o estatuto de esposas legítimas e os seus filhos o de descendentes legítimos do marido. A poliandria: forma de casamento na qual vários homens estão ligados a uma única mulher. • Divórcio Processo pelo qual um casamento, socialmente reconhecido como válido, pode ser dissolvido em vida dos cônjuges, que retomam a sua independência recíproca, ficando livres para voltarem a se casar. • Família Este termo, utilizado sem qualquer outra qualificação, designa habitualmente um grupo social que compreende, no mínimo, um homem e uma mulher unidos pelos laços socialmente reconhecidos e mais ou menos duradouros do casamento, e um ou vários filhos nascidos desta união ou adotados. No sentido lato, a família, ao contrário do grupo doméstico, não implica necessariamente a coabitação, continua a existir mesmo que os seus membros residam separadamente. • Resenha • Parentesco e filiação Filiação direta: constata-se que dois indivíduos são parentes pelo fato de um descender do outro, esta relação é possível ver nas nossas casas, o que acontece conosco e nossos pais, dá- se também o caso de dois ou mais indivíduos afirmarem que descendem de um antepassado comum e nesta situação o parentesco entre os indivíduos pode ser real ou fictício. Parentesco real: o laço social que se estabelece está sobre um laço biológico de consanguinidade. Parentesco fictício: afirmam que são parentes, comportam0se como tal, mas não contém uma ligação biológica. Parentesco mítico: esse tipo de filiação existe apenas na consciência dos homens, e isso é bom na medida que determina e mostra um certo tipo de comportamento afetivo. • Parentesco e consanguinidade Parentesco: é a relação que une duas ou mais pessoas por vínculos genéticos e sociais. Se a união for por um laço de sangue dominam-se parentes consanguíneos, e se for por uma relação de proximidade sem um vínculo consanguíneo são parentes por afinidade. Filiação unilinear: a que se considera apenas uma linha de ascendência excluindo as outras, essa linha pode ser paterna ou materna. Dupla filiação unilinear: a que consideram as duas linhas, mas atribuindo-lhes funções distintas. Filiação indiferenciada ou bilateral: a que se reconhece ao mesmo tempo as duas linhas e são tratadas de modo igual. • Linhagem Linhagem: é um grupo de filiação unilinear em que todos os membros se consideram como descendentes de um antepassado em comum, quer em linha agnática que é a patrilinhagem quer em linha uterina que é a matrilinhagem. Unidade de residência: bairro, aldeia, grupos vizinhos. Unidade de posse de terra: direito de uso coletivo sobre uma parte do território do clã. Unidade de entreajuda: cooperação nos trabalhos coletivos e também no casamento. Unidade política e jurídica: existência da autoridade dos mais velhos, solidariedade, assistência mútua e também responsabilidade coletiva em caso de conflito ou de delito praticado por um dos membros. Unidade religiosa: culto do antepassado ou dos antepassados da linhagem, ofertas, rituais, feitas pelo patriarca em nome de todos. Segundo Auge (p.30), “Linhagem é uma unidade social, econômica, religiosa, expressa por uma genealogia precisa em que as tensões internas que antecedem as clivagens e as segmentações estão sempre presentes. • Linhagens e linhas de filiação Muitas vezes uma linhagem em expansão demográfica pode dividir-se em vários ramos que também são conhecidos como linhas de filiação, não existe uma separação mas acaba surgindo uma distinção entre elas, que surge da necessidade de constituir unidades mais fáceis de controlar na vida do dia-a-dia, quer pela necessidade de definir diferenças estatutárias no interior da linhagem; nesta situação apesar de continuarem a se referir ao mesmo antepassado, quando se trata de cooperar entre as diferentes linhas de filiação exprimem, por outro lado, a sua relativa autonomia se referindo ao ascendente mais próximo que originou cada uma delas. Os domínios do parentesco Marc Augé Parentalidade 2020.1-1° período Antônio Rafael Barbosa