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O Malho e o cinzel Temas maçônicos Luiz Caramaschi Luiz Caramaschi Editora Sociedade Filosófica Luiz Caramaschi Praça Arruda, 54 - Caixa Postal 44 - 18800-000 - Piraju - SP Fone (14) 3351.1900 1 O Malho e o Cinzel Temas maçônicos "O túmulo vazio de Jesus não é a interpretação sacerdotal da ressurreição do corpo; é o símbolo da ressurreição do pensamento e do Espírito" "Trata, pois, de cinzelar teu caráter, abrilhantando de virtudes essa alma que deverá refletir, em algum dia da eternidade, a imagem e semelhança do seu Criador" PIRAJU - SP - 2006 - 2 PREFÁCIO Luiz Caramaschi é considerado pela comunidade maçônica de Piraju como uma fonte poderosa de luz que, por uma graça do Grande Arquiteto do Universo, por aqui transitou, espargindo seus raios de luz e sabedoria. Foi iniciado na Loja Maçônica "Cavalheiros do Sul", de Piraju, em 29 de novembro de 1947, tendo sido elevado ao Grau 33 em 7 de outubro de 1982. Permaneceu na Maçonaria toda a sua vida e, enquanto habitava entre nós, espargiu sua sabedoria através de palestras pronunciadas em diversas Lojas Maçônicase e em trabalhos publicados na imprensa e em livros. Sua temática, com pequenas exceções, é a filosofia, onde, com grande erudição e laborioso trabalho de pesquisa, procura demonstrar a natureza do nosso Criador e o comportamento dos seres humanos entre si e em face do mesmo Criador. Todavia, a maior parte da obra de Caramaschi foi deixada em manuscrito. Para tornar possível a edição e difusão das obras foi fundada a Associação Filosófica Luiz Caramaschi que, embora Entidade autônoma, funciona em anexo à Loja Maçônica Cavalheiros do Sul, de Piraju. E dois membros dessa Loja, os irmãos Antonio Arruda e Caleb Caramaschi, este, irmão carnal do filósofo, tomaram para si a árdua tarefa de editar as obras, aí incluindo desde a transposição dos manuscritos, trabalho difícil e demorado, pois além da caligrafia, que praticamente tem de ser decifrada, há diversos asteriscos indicando que no lugar deve entrar um texto escrito posteriormente. Nessas condições, era impossível digitar os escritos, diretamente dos originais, sendo necessário transcrevê-los primeiro. Esse trabalho era feito unicamente por D. Odila Prestes Caramaschi, esposa de Luiz Caramaschi. Após o falecimento de D. Odila esse serviço continuou sendo feito por Caleb Caramaschi. A feliz idéia de reunir em um livro os artigos de Caramaschi versando especificamente sobre a maçonaria foi dos abnegados irmãos acima mencionados. Como foi dito, a obra é extensa e o tema, sempre Filosofia. Considera Caramaschi que a Maçonaria é, no seio da humanidade, uma das poucas instituições que, pela pregação do amor e da fraternidade, contribui de maneira decisiva, para frear a degenerescência por que passa a humanidade, bem como ser capaz de leva-la a um porvir de paz e concórdia. Toda a sua obra é embasada por sólidos argumentos e por princípios universalmente aceitos e debatidos por intelectuais de diversas tendências e opções. Nesta obra os artigos selecionados têm por foco especificamente a Maçonaria que é esmiuçada sob uma ótica inédita, revelando aspectos impensados, só visíveis a uma inteligência arguta e preparada como a de Luiz Caramaschi. A Coletânea é composta por treze artigos que analisam a Maçonaria nos aspectos mais profundos e humanos, focalizando-a sob ângulos novos e surpreendentes, enriquecendo-a com as luzes do seu saber, com a riqueza e originalidade poucas vezes encontradas na literatura maçônica. Assim, no decorrer da leitura aprendemos que nem todas as pedras brutas são trabalháveis; sentimos um certo desalento quando discorre sobre a unificação da maçonaria, afirmando ser um problema simples, mas de solução complexa; ficamos surpresos ao depararmos com a lógica irretocável de que o enunciado do ternário maçônico Liberdade, Igualdade, Fraternidade deve ser corretamente enunciado como Fraternidade, Igualdade, Liberdade; sentimos a verdadeira dimensão do pavimento de mosaico ao vê-lo relacionado com o homem unitivo, qualidade inerente ao homem maçom, em contraposição ao homem sectário; aprendemos novos e profundos significados do salmo 133; descobrimos que podemos ter toda a ciência sem contudo, sermos sábios; vemos a variada gama de ensinamentos advindos de um instrumento chamado compasso e sua colocação sobre o coração durante os rituais; conscientizamo-nos de que devemos “nos cinzelarmos a nós mesmos para que possamos entrar como parte no edifício social da humanidade"; concordamos que o passado, ao contrário do que pregam os manuais de auto ajuda, “não desaparece, e antes, pervive em cada momento do presente”; ficamos convencidos do acerto do aforismo “não há penas nem recompensas, e sim conseqüências”; tomamos ciência da síntese entre o Criacionismo e o Evolucionismo e, finalmente, nos leva a um mergulho profundo sobre a nossa existência ao expor sua filosofia sobre o grau 18. Embora versando sobre altos graus da Maçonaria em alguns dos seus escritos, podem eles, e até seria conveniente, que fossem analisados pelos profanos. Caramaschi não desce aos assuntos privativos da Ordem, mas trata tão somente do seu pensamento filosófico, onde o tema principal não é a Maçonaria em si, mas a angústia da humanidade em seu caminhar atribulado. O autor procura mostrar o caminho ideal a ser seguido pelo ser humano, perante si mesmo, perante Deus e perante os seus semelhantes. Com a presente obra está a Ordem Maçônica cumprindo com um de seus postulados mais importantes: o de ser uma instituição filosófica, que prima pela investigação constante da Verdade, conforme preceitua o artigo primeiro de nossa Lei maior. Mário Felipe 3 Índice I - O que é a Maçonaria? II - Unificação da Maçonaria III - Inversão da Ordem do Ternário IV - Unitivos e facciosos V - Fraternidade VI - Sabedoria e ciência VII - As pontas do compasso sobre o coração VII - O malho e o cinzel VIII - Ampulheta IX - Aforismo X - Grandes pontífices XI - Minha filosofia e a linha do Grau 18 XII - Faça-se a luz XIII – Religiões e Crença XIV – Homem, Mundo e Deus XV – O que é o Espírito XVI – Conflito de Gerações 4 I - O que é a Maçonaria? A Maçonaria é uma instituição iniciática, como as muitas que existiram no passado. Sua simbologia e liturgia remontam-se a eras sem quantia. Quando, a partir do século 19, a arqueologia começou a fazer descobertas de civilizações desaparecidas das quais os homens haviam perdido todo o contato, foram desenterrados objetos em que figuravam símbolos maçônicos. A imutabilidade dos símbolos torna possível guardarem-se puros os preceitos e as práticas maçônicos que seriam deturpados se fossem expostos em longas dissertações. Além disso, a linguagem simbólica é uma linguagem sintética que condensa toda uma longa narrativa num simples símbolo. Pretendendo a Maçonaria ser a síntese de todo o progresso humano, não teve outro recurso senão condensar todo esse desenvolvimento na concisão dos símbolos. Eis, pois que a simbologia e a liturgia maçônicas são antiguíssimos, embora a forma moderna em que a Maçonaria se apresenta, date apenas de uns dois séculos ou seja, a partir de 1717. No entanto, recuando mais no tempo, podemos deparar com uma Maçonaria medieval, formada por pedreiros livres, isto é, não escravos, sendo esta uma corporação como as muitas outras vigentes então. Pode dizer-se franco-maçons ao invés de maçons, e a palavra "franco" vem de franquia, ou seja, do maçon que tinha trânsito livre, franco, para viajar de uma cidade para outra a serviçoda sua Arte Real, isto é, a arte dignificada pelos reis, em virtude de, por ela, se construírem palácios, catedrais, obeliscos e túmulos. Já no Egito antigo os arquitetos eram agraciados com o título de nobreza, passando a pertencer à casa do faraó. Este prestígio não declinou, visto como sempre houve palácios, catedrais, monumentos comemorativos e mausoléus por construir. Todavia, quando todas as corporações medievais principiaram a declinar, igualmente as agremiações de pedreiros livres deram sinal de enfraquecimento. Por causa disto, essas agremiações começaram a admitir nobres e pessoas prestigiosas em seus quadros, fazendo que surgissem duas ordens de maçons que eram os operativos e os aceitos. Com o correr do tempo, o número dos aceitos sobrepujou o dos operativos, até que estes cessaram de existir, ficando só os aceitos. Os maçons aceitos, então, fizeram a transposição de significado dos objetos ou utensílios dos pedreiros para o plano moral e social, nascendo, deste modo, a Maçonaria moderna. Maçom, logo, é sinônimo de pedreiro, ou seja aquele que trabalha com o maço e com o cinzel ou escopro sobre pedras. Do maço saiu o ofício de mação ou maçom. Hoje a Maçonaria deixou de ser operativa no sentido de construções materiais, para ser construtora do edifício social. Para conseguir este objetivo, ela precisa congregar, como sempre o fez, homens unitivos. Já escrevemos sobre estes homens, mas é preciso insistir um pouco mais sobre este assunto, porque é só com tais homens que se pode construir o edifício social. Antes de encetar a edificação do social é preciso edificar o próprio homem fazendo-o passar de pedra bruta a pedra trabalhada, o que se faz com o maço e com o cinzel. Nem todas as pedras brutas se prestam ao trabalho do maço e do cinzel; umas porque moles (caráter humano frouxo, mole, acomodado, moluscóide), outras porque excessivamente duras (caráter obstinado, insubmisso, intransigente, com tendência ao fanatismo irracional). Quais, logo, são as pedras brutas trabalháveis? Ei-los: Todo homem unitivo é um pensador, porque, como diz Gusdorf, "o filósofo é o homem da totalidade, da composição global onde todas as significações são retomadas e arbitradas em 5 função da pessoa"1. "Tal como o rei Midas, que ao simples contato transformava em ouro os objetos mais vulgares, o metafísico (que é o mesmo que filósofo) eleva ao absoluto tudo aquilo em que toca"2. O parentese é nosso. Huberto Rohden afirma que "a inteligência humana é filosófica por natureza"3, e é certo isto, porque ela busca o nexo que tudo interliga na unidade até o absoluto. Falando de Smuts, diz Toynbee que "a «totalidade» era a chave de sua grandeza, assim como o era a da de Einstein. Einstein fez suas descobertas que marcaram época reunindo coisas que espíritos menores tinham deixado separadas. Sir Winston Churchill é outro grande homem do mesmo filão não-moderno. A amplidão de vistas destes três grandes homens é um elo entre si que transcende as diferenças de suas personalidades e suas carreiras. Todos três ter-se-iam sentido à vontade se tivessem nascido no mundo de Políbio, Catão, o Censor, e Arquimedes"4. Mais: "Tal como o filósofo da história islâmica do século XIV Ibn Khaldum e o filósofo ocidental da história do século XVIII Vico, Freeman tinha o dom de «ver o mundo em um grão de areia»"5. Sem esta característica de homem da totalidade, de homem unitivo a Maçonaria se enche de nulos com os quais nada se poderá construir. Em contrapartida, o homem só de fé, não de razão, abdica de sua inteligência para se pôr no cabresto daquele que o sugestionou. Como, voluntariamente, se fez destituído de razão, nem usa sua inteligência, está impedido de pensar, de argumentar; daí porque suas reações são desabafos emocionais agressivos, próprios dos fanáticos, exclusivistas, separatistas e irracionais. Ora, a Maçonaria não poderá contar com homens desta espécie para construir o edifício social. Já os que usam a razão acabam concluindo que todos possuem a verdade e que apenas estiveram falando da mesma coisa por palavras diferentes. Então, que é a verdade? Pois não pode ela ser senão aquilo que há de comum em todas as diferentes afirmações. Mas fica isto para o próximo artigo. II - Unificação da Maçonaria Solução complexa para um problema simples O problema é muito simples. É só unificar. Não há óbices grandes a vencer. A Doutrina é a mesma. O patrimônio é de todos os maçons que se amam, que se respeitam, que se visitam, que se consideram irmãos. A ritualística e a liturgia são meios, e, não, um fim, sendo, portanto, de somenos importância. Embora, como se vê, o problema seja simples, sua resolução se faz dificílima, porque os maçons agem como quase a maioria dos seguidores de Cristo, os quais se abstinham em questionar, por exemplo, sobre se o batismo deve ser por imersão, ou se apenas se deve pôr água sobre a cabeça. Esta e outras questiúnculas foram condenadas pelo próprio Cristo ao dizer: "pagais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, e desprezais os pontos mais importantes da lei"6. Por causa de os maçons, em sua maioria, serem misólogos, tal qual os divisionistas de Cristo, ficam ocupados com miuçalhas farisaicas que separam. Portanto, a solução do problema vai só depender de os maçons se tornarem em homens unitivos, de mentes abrangentes, capazes, por conseguinte, de grandes idéias, as só que unificam. 1 Georges Gusdorf, Tratado de Metafísica, 122 2 Georges Gusdorf, Tratado de Metafísica, 123 3 Huberto Rohden, Filosofia Universal, 1, 21 4 Arnold J. Toynbee, Experiências, 125 5 Arnold J. Toynbee, Experiências, 125 6 Mat 23, 23 6 Deste modo, o problema é muito simples, visto como, o que une é o ideal maior; pela recíproca, o que separa são as questiúnculas que são o regalo da gente filosoficamente miúda, quer dizer, sem nenhuma ofensa, não possuidoras de mentes abrangentes. O problema da unificação fica na dependência de os maçons serem homens de mentes abertas, totalizantes, que só nisto se resume o ser filósofo. Ora, isto só pode acontecer ao longo do tempo, e tem que começar na Loja de Aprendiz, pela aquisição de candidatos, seguindo-se um critério de seleção não só na base de livres e de bons costumes, mas também, e sobretudo, levando-se em conta a CAPACIDADE DE ABRANGÊNCIA MENTAL dos candidatos. Se os filósofos não entrarem pela porta dos Aprendizes, ninguém se admire de os maçons continuarem misóssofos, mesmo tendo chegado ao grau 33. Não se trata de encher as Lojas de doutores, porque um doutor, qualquer que seja sua especialidade, pode não ser filósofo, e, no entanto, um operário, sim, pode. Espinosa era polidor de lentes. Como a filosofia não dá de comer a ninguém, segue-se que todo o filósofo tem de ocupar-se com algo para ganhar o seu pão. E o doutor? Qualquer doutor pode ser um filósofo também; não raro, porém, ele não vai além de um homem de ciência, o qual, no dizer de Ortega, é um "sábio-ignorante". Não pode ele ser classificado como ignorante, porque é um homem de ciência, e conhece muito bem sua "porciúncula de universo"; não obstante, é um ignorante, porque "se comportará em todas as questões que ignora, não como um ignorante, mas com toda a petulância de quem na sua questão especial é um sábio"7. Tais doutores não servem para a Maçonaria, embora sejam, como se exige, livres e de bons costumes, porque, como não são filósofos, e são doutores em alguma coisa, suas doutorices serão postas no lugar da filosofia, pelo que farão realçar as bagatelas que esses homens- massas, apesar de doutores, têm nas cabeças. Eis, pois, que não se pode perder de vista o dito por John Dewey: "A memória é a grande simuladora da inteligência", e o maçom tem que ser inteligente para não ficar ocupadocom nadas como: forma de administração, observância meticulosa deste ou daquele ritual havido por verdadeiro, dando azo a infindáveis discussões como as medievais em que os escolásticos se propunham questões quais esta: quantos espíritos caberiam numa cabeça de alfinete? Modernamente: como fazer com o patrimônio?, se as Constituições não autorizam fundi-los num único? Quem vai aceitar o ritual e liturgia de quem?, e quais vão depor seus malhetes nas mãos de um único homem? E visto que se propõe haja um único mandante, como sofrerei eu não ser esse único? Tudo isto são o que chamamos miuçalhas! Sabedoria, portanto, não há de ser erudição, nem maçônica, nem profana, nem ambas juntas, mas capacidade de ver em globo, só indo para os pormenores, depois de apreendida a totalidade. Todo o mal, por conseguinte, consiste em querermos fazer grandes coisas, por exemplo: salvar a Maçonaria do divisionismo que a matará, como já matou outras instituições; salvar a civilização da sua queda iminente; fazer a Maçonaria constituir-se na CRISÁLIDA de que surgirá a nova civilização, a Jerusalem Celeste antevista nos graus 19 e 29, que, espera-se, estará acontecendo no terceiro milênio, a exemplo do que foi o Cristianismo em relação à nossa atual civilização ocidental, depois que a civilização greco-romana se esboroou nas mãos dos bárbaros; etc. Todo o mal consiste em ter pela frente tais grandes projetos, e contar, apenas, com homens pequenos quanto à abrangência mental. Serão homens boníssimos, amáveis, adoráveis, dignos de todo o respeito, e, por azar, ardorosos defensores de sua idéias miúdas, mas não serão filósofos capazes de integrar uma sociedade que é, primeiro que tudo, "essencialmente filosófica" (Const.) ... Por causa de não serem naturalmente, isto é, por natureza, filósofos, suas reuniões são monótonas, descoloridas, apartadas dos grandes problemas que o nosso tempo colocou, e que afligem, hoje, a humanidade inteira. Apesar disto, eles não se darão por achados, continuando a considerar-se como "líderes da sociedade", ou então, farão coro com um escritor que afirma ser a 7 J. Ortega y Gasset, A Rebelião das Massas, 174 7 Maçonaria uma escola de líderes, esquecendo-se, ou não sabendo que o líder não se faz: ele é, do berço. Qualquer bando de moleques, assim como uma tropa de macacos, de zebras, ou de outros mamíferos quaisquer de grande porte, tem um líder; pois bem: pegue-se um liderado qualquer, animal ou homem, e faça-se dele um líder! Isto só se torna exeqüível, se banalizarmos o termo líder, fazendo-o confundir-se com chefia, como ocorre com os líderes das assembléias legislativas, eleitos por votos, pelo que, de cambulhada, também, se escolhe qualquer um para ser o vice-líder. Igualmente, numa "escola de líderes" qual se diz ser a Maçonaria, poder-se-ia forjicar líderes de nada como os das assembléias, que ora lideram, ora não lideram, como se isto fosse possível in natura; uma espécie de Moisés que ora é Moisés, ora é outro qualquer que lhe ocupa o cargo, assumindo-lhe a missão de ser o "libertador do povo"(?!), e isto, por eleição duma maioria embaída por politicalhos. Datã, Coré e Abirão tiveram o topete, a insolência, o descaramento de pretender ocupar o posto de Moisés. Cuidaram fosse viável fazerem-se líderes eleitos por maioria, antecipando o que agora se faz nas assembléias. E que lhes sucedeu a eles? Foram todos mortos com seus familiares e sequazes, e tudo, deles, tendas, pertences, enterrados nas areias do deserto, exceto os sequazes, duzentos e cinqüenta, que foram queimados com fogo8. Tal é o líder, e ele não se forja em escolas! Tudo, então, tem que começar na Loja de Aprendiz pela seleção de candidatos, não servindo para a Maçonaria os bonacheirões, os pacíficos de gênio9, os amodorrados, os que não se exaltam por nada, os que não brigam por um ideal distante que não enxergam, mas que sempre estão atentos à execução cuidadosa das liturgias e rituais... Não serão estes que formarão a Maçonaria do futuro, porque, se houver Maçonaria no futuro, tais homens não estarão nela, e, se estiverem, ela já não será mais Maçonaria. Escreve Bertrand Russell: "A maioria dos homens prefere deixar-se matar a pensar. A história o atesta". Pois a Maçonaria do futuro, se ela existir no futuro, não será constituída de tais misóssofos. O Ir∴ Theobaldo Varoli está equivocado quando escreve: "Não se pretenda, com isso, fazer da Maçonaria um presunçoso cenáculo de sábios. Não, pois a Instituição se firma em três colunas: SABEDORIA, FORÇA E BELEZA. O que está faltando à Ordem é mais sabedoria e mais ação ou força, pois a Maçonaria jamais perdeu a própria beleza"10. Varoli não disse o que entende por sábios, e bem pode ser que, os dele, sejam os mesmos sábios-ignorantes de Ortega, visto que tais, sim, são sábios presumidos, ou que têm a pretensão de sábios. Todavia, se ser sábio é possuir mente abrangente, totalizante, então, sim senhor!, as Lojas devem ser cenáculos de sábios! Se ocorrer o contrário disto, ninguém se admire de que a unificação possa ser tão impossível como a resolução matemática da quadratura do círculo, ou, a mecânica, do moto contínuo. Se o enchermos as Lojas de misóssofos continuar sendo a regra, para o futuro será assim: um Grão Mestre fará a unificação, em parte; depois dele, as coisas correrão, algum tempo, mais ou menos bem, até que tudo retorna ao estado anterior. Aí, então, outro Grão Mestre fará nova unificação, em parte ainda menor, e assim por diante, até que a Sublime Instituição que, como disse o Ir∴Varoli, já perdeu muito da sua força e da sua sabedoria, se esfacele por crescentes divisões, a exemplo do Protestantismo fragmentário, até que se extinga para sempre, como se extinguiram outras respeitáveis instituições iniciáticas do passado, como o Baquismo, o Orfismo, o Pitagorismo, sem lhes valer de nada quanto tinham em si de Belas! E não se trata de "presunçoso cenáculo de sábios", como o afirma o Ir∴Varoli, porque o presunçoso é o que presume, que supõe, que imagina, e o caso é de ser, de fato, de possuir, por 8 Num 16 a 35 9 O pacifismo tem que ser uma opção voluntária, e ser adquirido às duras penas, semelhante ao que disse Cristo do reino de Deus. "Desde os dias de João Batista até agora, o reino dos céus adquire-se à força, e são os violentos que o arrebatam" (Mat 11, 12). Quer dizer: Não há lugar para os frouxos. "Eu sei as tuas obras, que nem és frio nem quente: oxalá foras frio ou quente! Assim, porque és morno, e não é frio nem quente, vomitar-te-ei da minha boca" (Apc 3, 15 e 16). 10 Theobaldo Varoli Filho, Curso de Maçonaria Simbólica, Grau de Aprendiz, 45 8 natureza, mente abrangente, totalizante, o que é uma característica do homem filosófico o qual, como o poeta, nasce, e não se faz. O filósofo está transitando por aí, angustiado e confuso, afligido por mil questões que não existem para o povoléu, e precisa ser despertado pela Maçonaria, como foi despertado Descartes pelo sábio holandês Beeckman, ocorrendo este despertar como um "Pentecostes da razão" como escreve Maritain. Daí a necessidade das Sessões Brancas de estudos mensais, para o fim destes despertamentos. Outros despertam-se sozinhos, tal como ocorreu com Nietzsche, com Pascal, com Kierkegaard, com Rousseau, com Malebranche. Este último "folheia, numa livraria, o Tratado do homem de Descartes, e exclama: «tambem eu sou filósofo...»"11. Tudo isto nada tem a ver com a presunção de sábio, de que fala Varoli; trata-se de um como batismo filosófico, de uma visitação, de um relâmpago fugacíssimo, de uma iluminação subtânea que os gregos chamavam de alétheia, antes de Pitágoras trocar este termo por filosofia, e que pode acontecer a qualquer homem, e a qualquer momento. "Kierkegaard e Nietzsche, querendo caracterizar esse momento, falaram também do «sismo»que faz vacilar em suas bases mais profundas o universo pessoal"12. De tais homens filosóficos é que se hão de encher as Lojas, uns de maior, outros de menos alcance, e é certo que eles jamais se embriagarão com os fumos do poder, se este, um dia, lhes cair nas mãos. Pelo contrário, a aceitação do mando por tais homens, é um ato de obediência, de renúncia, de humildade, imposto pela consciência de que alguém tem que mandar. O cargo ser-lhes-á encargo e carga, e, não motivo gratificante de fúteis honrarias e incensamentos. Por causa disto estariam em condições de jogar tudo, TUDO!, para manter a UNIDADE, vindo, como agora, a UNIFICAÇÃO em primeiríssimo lugar, pela imediata eleição de um só mandante, vindo o resto, porque é resto mesmo, em segundo lugar. Portanto, como devia ter sido conduzida a UNIFICAÇÃO que ainda está, em parte, por fazer-se? Muito simplesmente, UNINDO-SE AS CÚPULAS, do mesmo modo como lá se deu a DESUNIÃO. Tinha-se (agora se sabe claramente) de ter agido como Alexandre Magno: cortando o nó górdio. Por acaso, quando foi para separar, alguém foi consultar o Povo Maçônico? Não! E não se fez tudo ao arrepio da vontade soberana desse Povo? Sim! Não é fato que, apesar das recomendações de que os de ambas alas não se deviam visitar, cada maçom mandou essas recomendações às urtigas? É verdade também isso! Pois, então, o que manda é o Povo Maçônico, o único que está acima da Lei, e tanto, que se esta o atrapalhar, ele a muda. Coerente com esta verdade inexpugnável que a história atesta em todo o seu curso, a UNIFICAÇÃO havia-se de ter sido feita pelos dois Grãos Mestres, entre si somente, sem mais aquelas. Eles, sozinhos, haveriam feito aquilo para o que foram eleitos por vontade do Povo. Haviam de ter deposto seus malhetes nas mãos de um terceiro, e se postarem ao lado deste para o ajudar nas reformas, assessorados por aqueles só que, intransigentemente, desejassem essa UNIFICAÇÃO. Nada de unificar ouvindo as bases... que foram alguns, os das comissões, dando azo a que estes micrólogos ficassem interpondo nadas, como, reforma da Constituição, Mútua Maçônica e outras mais coisas que não diziam com o caso. Tais miudeiros nunca quiseram unificação nenhuma, mas apenas evidenciar suas minuscularias separatistas. Eis aí: uma solução complexa, dificílima, impossível até, para o momento, para um problema simples! Contudo, este é o caminho e única saída para uma sociedade que se diz, entre outras coisas, "essencialmente filosófica". Daqui não há fugir: a Maçonaria tem que ser o que promete ser: uma associação de filósofos... de fato, e não isto para ser entendido só "ritualisticamente"... como soem ser outras coisas dela. III - Inversão da Ordem do Ternário 11 Georges Gusdorf, Tratado de Metafísica, 44 12 Georges Gusdorf, Tratado de Metafísica, 44 9 Em nossa obra "Grandes Pontífices", defendemos a tese de que o Ternário Maçônico Liberdade, Igualdade e Fraternidade (dado que são os FINS SUPREMOS da Maçonaria – Constituição) deve ter sua ordem invertida, ficando a Fraternidade em primeiro lugar, e, em último, a Liberdade. O princípio de razão suficiente alegado por nós, é o da existência de Deus... o qual, como tem que ser, como não pode ser de outro jeito, fundamenta e hierarquiza tudo, estando Ele no tope supremo de todas as hierarquias, e para cuja UNIDADE se convergem todas as perspectivas. Não são permissíveis quaisquer violações a estes princípios preliminares de que tudo vai depender, e é deles que emana a autoridade com que falamos e escrevemos. O princípio de hierarquia rege todo o Universo, subpondo-se (quer dizer, pondo-se por debaixo, como fundamento) ao outro princípio imediato que é o de decorrência. Não há isso de se dizer que os três enunciados do Ternário se igualam entre si, e que a ordem não altera, sendo cada um deles um enunciado à parte, sem interdependência entre os três. Foi exatamente assim que pensaram os industrialistas do século XIX, para ficarem só com a Liberdade, mandando às urtigas tanto a Igualdade como a Fraternidade. A mesma Liberdade do Ternário que andou encabeçando as flâmulas revolucionárias do maçom Maximiliano Robespierre, apareceu, depois, no nefando Liberalismo Econômico do século XIX do qual saiu o slogan laissez-faire (deixar fazer)... Existe, pois, nos enunciados, uma ordem de importância, uma ordem de valor, uma hierarquia, pelo que não se pode inverter a seqüência nas fórmulas sacramentais e dizer: em nome do Espírito Santo, do Filho e do Pai. Quem diz: Deus, Pátria, Família, Indivíduo, declara exatamente o oposto do que dá primazia ao indivíduo, e afirma: Indivíduo, Família, Pátria, Deus! Isto posto, vem a primeira pergunta que é: que base tem dizer-se que todos somos irmãos? Todos somos irmãos porque Fraternidade se baseia num Criador que é o Pai comum de todos os homens, ao qual, maçônicamente, se dá o nome de G∴A∴D∴U∴. Quem negar a existência e a essência desse Pai comum, não tem no que se alicerçar para dizer que todos os homens são irmãos. Logo, na hierarquia de valores, vem primeiro a Fraternidade. Certa feita um Ir∴ nosso escreveu que deveríamos nos tratar por "amigos", em vez de por "irmãos", porque a palavra amigo é mais autêntica que irmão, dado que até entre irmãos de sangue há inimizades. Pondo de lado a constatação indubitável de que a palavra amigo13 se acha tão deturpada quanto a de irmão, queremos propor um problema filosófico ao Ir∴ que sustentou essa tese; perguntamo-lhe: de que base o Ir∴ deduziu a Amizade, supondo-a superior à Fraternidade? Acaso do dado empírico? Acaso, do fato de que Caim matou Abel, seu irmão? E desde quando, um dado empírico serve de base a conclusões filosóficas, que, por sua natureza são abrangentes? O que?, a experiência pode ocupar o lugar de Deus? Por desventura, tornou-se, então, o Deus-Pai numa "hipótese desnecessária", como o declarou a Napoleão o maçom Laplace? Embora Aristóteles tenha dito que o amigo é o outro eu (alter ego), Aristóteles não é Deus. Afora isto, nem sempre um homem se mostra amigo de si mesmo; os suicidas são exemplos dos que se querem anular para sempre, pelo que desejariam ser outros. Cristo propõe ao pecador que "se negue a si mesmo", antes de o seguir. Quem se nega, deixa com o si negado as amizades perniciosas que tinha. Por causa disto é que o Diabo tem muitos amigos, mas não tem nenhum irmão, dado que nega a paternidade de Deus. Aceita, portanto, a Grande Premissa de que Deus é nosso Pai, vem a primeira decorrência de que todos somos irmãos, tirando-se disto, que todos somos iguais. A Igualdade, por conseguinte, deflui da Fraternidade. Aos olhos onividentes de nosso Pai14, todos somos livres, porque todos somos irmãos. 13 Cristo disse a Judas, depois do beijo de traição: "amigo a que viestes?" - Mat 26, 50 14 E não há outros olhos além dos d ' Ele autorizados e indiscutíveis para este julgamento. 10 Pois é muito claro que entre filhos iguais, entre irmãos iguais, uns não podem exaltar-se sobre outros, estabelecendo-se a divisão dragontina, satânica, de senhores e de servos. Se o Pai não tolera isto, quem outro pode autorizar? Não havendo servidão autorizada pelo ÚNICO que o poderia fazer, todos, então, somos livres. Eis de onde nasce, emana, a Liberdade. Quando aconteceu "A Declaração dos Direitos do Homem", a Assembléia, antes de afirmar que "os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos", havia declarado no preâmbulo: "a Assembléia Nacional reconhece e declara diante e sob os auspícios do Ser Supremo, os seguintes direitos do homem e do cidadão". Já se vê, então, que os homens não nascem livres porque sim, sem mais aquela; nascem-no, porque Deus fundamentou essa afirmação. Portanto, se esta é a verdade incontestável,esta tem que prevalecer numa Instituição que, entre outras coisas, tem isto de Sublime: "a investigação constante da verdade"(Constituição); e é por esta razão que "a Maçonaria não impõe limite à investigação da verdade e é para garantir a todos a amplitude desse liberdade, que ela exige a tolerância"(Doutrina do grau 33). A Liberdade, pois, só pode existir, se apoiada sobre a Igualdade que, por sua vez, se fundamenta (e não há mais nada em que se fundamentar) na Fraternidade que decorre de ser Deus o Pai comum de todos os homens. Esta ordem hierárquica do Ternário é moralmente fecunda, no passo que a outra, a tradicional, não o é; provemos esta conseqüência: Estando a Liberdade na cabeça do Ternário, ela, como primaz, não decorre de nada, tornando-se num postulado, completamente apartado e independente de Deus. Esta é a primeira imoralidade. Não dependendo de nada, esse postulado se torna num absoluto..., pelo que substitui Deus o qual, portanto, se torna numa "hipótese desnecessária", como já o disse Laplace. Se isto não é uma segunda imoralidade, alguém apareça para nos dizer por que o não é? E foi como absoluta que tal Liberdade norteou o execrável Industrialismo do século XIX na Inglaterra, Alemanha, Itália, etc. Essa Liberdade, em se fazendo absoluta, pariu um filho abominável, o Liberalismo Econômico, cujas garras de Satanás se evidencia no aforismo "laissez-faire"– deixa fazer. Deixa o homem livre para satisfazer o seu egoísmo que, em o satisfazendo, trabalha para o bem geral. E daí? Daí que contra a peste do Industrialismo capitalista do século XIX, surgiu, por reação, outra peste igual e oposta que é o Comunismo antiliberal, ditatorialista e ateu. Por que aconteceu isto? Aconteceu, simplesmente, porque a Liberdade era livre e autônoma em si mesma, não decorria de nada e não precisava prestar contas a ninguém. A Maçonaria, então, precisa evitar futuros desastres, não permitindo que seu dístico saia de novo nas bandeiras e estandartes de outras revoluções, como saiu na francesa, antes de ir-se enrodilhar, como serpente, nas fábricas desumanas da época do Industrialismo. É tempo de alguém acordar, sacudindo, a todos os Irmãos, para que exijam a correção do Ternário, não mais permitindo a que Lúcifer se aproprie dele, como já aconteceu, pelo que se massacrou crianças de dez anos para cima, sobretudo dos asilos, que viveram em pocilgas, alimentando-se do lixo dos poderosos, e trabalhando dezesseis horas por dia, sem direito a nada, e sem NENHUM status de pessoa humana! Esta é a terceira imoralidade. Se ninguém, NINGUÉM !, pode demonstrar o contrário disto que afirmamos, e isto é um desafio, perguntamos: por que não se põe de lado a tradição bissecular, e não se muda a ordem do Ternário? Ou então, para que serve a "investigação constante da verdade", e em que sentido a Maçonaria, entre outras coisas, é essencialmente progressista? Esta é a nossa posição da qual só arredaremos o pé, se alguém, com a mesma proficiência, nos demonstrar que o Ternário, como está, deve ser mantido. Do contrário, teimamos na nossa... de que ele deve ser mudado, ficando: Fraternidade, Igualdade e Liberdade. 11 IV - Unitivos e facciosos Os homens podem classificar-se em unitivos e sectários. Enquanto que estes últimos são intransigentes, sempre prontos a apegar-se a um fragmento da verdade geral, os unitivos têm sempre as vistas voltadas para a totalidade. Os grandes mestres da humanidade são todos, sem nenhuma exceção, unitivos, entendendo-se todos eles muito bem entre si. Já a maioria dos adeptos desses mesmos mestres são intransigentes, faccionários, dispostos a criar seitas que tomam a parte pelo todo, isto é, elevam o fragmento à categoria de absoluto. Por que há tantas seitas cristãs a se hostilizarem entre si dentro do cristianismo? Que sentido tem as recentes lutas fratricidas entre irlandeses católicos e protestantes? Quantas seitas há do budismo? Por que são os homens propensos a fragmentar a verdade única, quando os próprios mestres se mostram unitivos formando todos eles uma fraternidade que não conhece tempo nem espaço? Ia, Cristo, um dia, de um lugar para outro, quando vieram os discípulos dizer-lhe que haviam proibido a um homem de expulsar demônios em seu nome, porque, como afirmavam, ele "não nos segue"15. Aí está o espírito de intolerância, de separatismo, de exclusivismo. Porém, Cristo, que era unitivo, advertiu: "Não lho proibais; porque ninguém há que faça milagres em meu nome e possa logo falar mal de mim". E acrescentou: "Porque quem não é contra nós é por nós". E noutro lugar: "Quem não é comigo é contra mim; e quem comigo não ajunta espalha"16. Eis aí as duas classes: a dos que se ajuntam na unidade, e a dos que se espalham pela diversidade; a dos homens cósmicos e a dos acósmicos. Pondo Cristo o ato caridoso do samaritano por modelo de conduta para com o próximo 17, não declarou qual fosse a religião ou a fé do samaritano. Igualmente, no Juízo Final18, a separação entre bodes e ovelhas 19, não diz Cristo que há de ser feita tendo em vista as fés, as crenças, os sectarismos intransigentemente separatistas. A estes, que sempre existiam no mundo, brada Cristo: "Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que dizimais a hortelã, o endro e o cominho, e desprezais o mais importante da lei, o juízo, a misericórdia e a fé; deveis, porém, fazer estas coisas, e não omitir aquelas. Condutores cegos! Que coais um mosquito e engolis um camelo"20. "Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que edificais os sepulcros dos profetas e adornais os monumentos dos justos, e dizeis: Se existíssemos no tempo de nossos pais, nunca nos associaríamos com eles para derramar o sangue dos profetas. Assim, vós mesmos testificais que sois filhos dos que mataram os profetas. Enchei vós pois a medida de vossos pais"21. Tendo de ir Jesus a Jerusalém, resolveu pernoitar em Samária, para o que mandou alguns irem adiante arranjar-lhe pousada. Os enviados foram e vieram com a notícia de que os samaritanos se recusavam receber o Mestre. Afrontados com isto, Tiago e João já queriam, a exemplo de Elias, fazer cair fogo do céu sobre os samaritanos22. É sempre assim com o faccionário: ou crê ou morre pela espada ou pelo fogo (Elias, Maomé, Tiago e João e a "Santa" (!) Inquisição). Aí está que os homens se dividem em unitivos e sectários, em justos e injustos, em ovelhas e cabritos, em homens que trazem em si o princípio de integração (amor, sabedoria), e em 15 Marc 9, 38 16 Luc 11, 23 17 Luc 10, 30 a 37 18 Seleção planetária a fim de ver quais os que hão de continuar habitando a Terra que mudará de categoria: passará de planeta de expiação, como agora é, para planeta regenerador. 19 Mat 25, 34 a 46 20 Mat 23, 24 e 26 21 Mat 23, 29 a 32 22 Luc 9, 54 12 homens cujo princípio interno é o do egoísmo ignorante separatista que desintegra produzindo o espalhamento. E nada terá que se fazer com estes últimos, e sim só poderá contar com o unitivos. Todavia, se houve sempre, por parte dos involuídos egoístas e desamorosos, um esforço para dividir e separar até o ponto máximo de cada um se ver sozinho, por outro lado, igualmente, sempre existiram aqueles cujo trabalho é de ajuntar, de reunir, de conectar as partes divididas, fazendo do caos um mundo. E isto se torna, então, o ponto de convergência de todos os unitivos que já pertencem às instituições já, de si, unitivas tais como: a Sociedade Brasileira de Eubiose, a Igreja Seicho-no-ie, a Associação Rosa-Cruz (Amorc), a Fundação Alvorada, o Espiritismo Kardequiano, as várias sub- divisões da Yoga, a Maçonaria, fora outras que ainda virão. O chão da Loja de Aprendiz moçom é um mosaico axadrezado, feito de quadrados brancos e negros. Esse "pavimentomosaico" simboliza a união de todas as crenças e ideologias religiosas, filosóficas e políticas. A argamassa que prende as consciências é o reconhecimento, primeiro, de que ninguém é dono da verdade em regime de exclusividade; segundo, consequentemente, de que há uma parcela de verdade em toda a afirmação ou negação; e terceiro: destas duas verdades axiomáticas resulta o enunciado de que a VERDADE TOTAL só pode ser achada no ponto de convergência de todas as linhas, ou no ponto em que todas as varetas do leque universal se reúnem na unidade do cabo. Daí que a tolerância ou indulgência é a virtude suprema que se identifica com a sabedoria-amor. Este é o fundamento precípuo da Maçonaria. Segue-se disto que a Loja de Aprendiz (que é por onde se começa na Maçonaria) aspira ser um modelo da futura sociedade humana em que reinará a irrestrita fraternidade. Esta é a razão por que a Loja de Aprendiz é dedicada à fraternidade universal simbolizada no "pavimento mosaico" que possui, nos seus bordos, uma "orla denteada" que representa a irradiação daquela fraternidade. Por tais motivos a Loja de Aprendiz se chama "Fortaleza do Silêncio e da Paz" ou "Reino da Harmonia". Aí os maçons trabalham pela futura comunhão (comum + união) universal. Como se vê, a Maçonaria já é um ponto de encontro dos homens unitivos de todas as religiões, filosofias e partidos políticos; por tal motivo é vedado aos obreiros discutirem, quer em Loja, quer nas dependências do Templo, quaisquer assuntos capazes de promover a desunião tais como sectarismo religioso e filosófico, e política partidária. V – Fraternidade Hoje encerro o primeiro ternário maçônico composto pelas três palavras: liberdade, igualdade e fraternidade. Não é que ele seja só isso; há vários grupos de três palavras sempre representando os três lados do triângulo em cujo centro se acha o olho onividente da Divindade. O tema de hoje é de quantos o mais importante, e tanto que se acha expresso na oração, no Salmo 133, lido sempre no início dos trabalhos, ao ser aberto o Livro da Lei. "Oh! Quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em união! É como o óleo precioso sobre a cabeça, que desce sobre a barba, a barba de Aarão, e que desce à orla dos seus vestidos. Como o orvalho de Hermom, que desce sobre os montes de Sião; porque ali o Senhor ordena a benção e a vida para sempre". Oh! Quão bom e quão suave que os irmãos vivam em fraternidade, em amorosa confiança! É como o óleo precioso que, à ordem de Deus, ungiu e sagrou o primeiro sacerdote hebreu, Arão, irmão de Moisés. Estava Moisés no monte; e apareceu-lhe um fogo envolvendo umas salsas, de modo que as salsas não se consumiam. Quero gozar esta vista monologou Moisés. E qual não foi seu espanto quando, ao chegar perto, uma voz de trovão lhe disse: – "tira tuas sandálias, porque o chão que pisas é santo. Quem me fala? Interrogou Moisés, e veio-lhe do meio do fogo a resposta: – Eu sou o que sou! E prosseguiu: – Vá ter com o povo meu, e liberta-o do jugo de Faraó. Mas como, 13 Senhor, posso falar ao povo, se sou gago? E do meio da salsa ardente veio-lhe a ordem: – Fala pela boca de Aarão, teu irmão! Dize ao povo que o que é, te envia! Então desceu Moisés do monte, assustado da visão, mas disposto a cumprir a ordem divina, e logo pega da ânfora de óleo e unge Arão, em nome de Deus, e o constitui seu auxiliar imediato. E a benção de Deus, no óleo precioso, derramou-se sobre a cabeça de Arão, pingou-lhe da barba, ensopou-lhe os vestidos, escorreu por todo seu corpo gotejando pelas orlas das vestes sobre a terra. Tal é a benção de Deus! Tal, a suavidade e a bondade de viverem os irmãos em união, em amorosa fraternidade! E quando já o povo de Israel estava em sua terra, tão portentosamente tirado por Deus dos barreiros egípcios, o orvalho de Hermom descia sobre todos os montes de Sião e também pelas campinas e valados, abençoando a vida vegetal que crescia como uma exalação. E rebanhos pululantes de ovelhas se viam pelas encostas, pastando ao som mavioso da flauta do pastor. A natureza em festa, as árvores engalanadas de flores perfumosas, o balido das greis ao longe se ouvia, porque ali Deus, com sua benção, ordenava a vida para sempre. Vendo esta maravilha, o cantor de Deus, Davi, escreveu o seu verso: – Oh! Quão bom e quão suave é que vivam os irmãos em amorosa fraternidade! É como o óleo precioso sobre a cabeça de Arão, ou como o orvalho bendito sobre frondes vegetais! Deus é amor, diz São João Evangelista, e onde houver amor, aí Deus está presente. Os gregos divinizavam o amor em Eros, e o mestre Esíodo dizia que o amor é o princípio de integração dos elementos. Onde houver união aí está Eros, e Platão já dizia que o universo está cheio de Eros. O universo está cheio de amor, foi criado por um ato de amor, e onde houver união aí está Deus, porque Deus é amor. Os elétrons e prótons se buscam e, amorosamente se unem no átomo, e o amor, no nível atômico, se chama eletromagnetismo. Os átomos contrariamente polarizados se procuram numa ânsia de união, e esse amor unitivo, no nível atômico se chama afinidade. As moléculas se irmanam, se fundem num amplexo amoroso, e o amor nesse nível se chama coesão. Assim nasce a molécula, o cristal, os amontoados siderais, o universo. As estrelas, planetas e satélites se entrosam, e o amor, nesse nível se chama gravitação. As moléculas de compostos protéicos se unem nas células, nos tecidos, nos órgãos, e surgem então os seres vivos que se amam, que se irmanam, que se confraternizam na família, na sociedade, na humanidade inteira. A própria palavra inteligência vem de inter-legere que quer dizer ler entre as coisas o nexo que as liga. A inteligência busca o nexo unitivo, e por esta razão, como diz Ortega, ela vai conduzida por Eros donde vem que a inteligência é de natureza erosóide ou erótica. Quem cuidara que na própria inteligência tão fria e discursiva está imperando o amor? a união? A inteligência em que falta o nexo unitivo de Eros, a inteligência que não pode ou não sabe ler entre, não é inteligência, é loucura, estupidez. A sociedade que não vai conduzida por Eros, pelo amor, se desfaz. A família onde não impera o amor se desintegra, se reduz a nada. Quando cessa a integração harmoniosa e amorosa dos órgãos, nós ficamos doentes. Quando as células do nosso corpo trocam o amor colaboracionista pelo egoísmo destruidor, então chamamos a essa rebelião celular câncer. Se as moléculas reciprocamente não se buscassem numa loucura de amor, de eros, não haveria a coesão do aço de vídia que corta o aço mais duro, não haveria a coesão do diamante, do carborundo que desgastam e comem o mesmo aço de vídia. Se os átomos eletricamente contrários não estivessem ansiosos por união, não se formariam as moléculas, não haveria a afinidade química. Se os elétrons não buscassem os prótons, ou se os prótons não procurassem os elétrons para amorosamente se unirem, não haveria o eletromagnetismo. Se não houvesse a gravitação que enlaça o universo num amplexo de amor, tudo reverteria ao caos primeiro donde tudo veio. É por isso que Aristóteles primeiro, e depois, Santo Agostinho e Dante disseram "que o amor de Deus move o Sol!". É do nosso conhecimento que há alguns irmãos maçons que não se afinam. Pois saibam esses irmãos que sem o amor nada se constrói; que Cristo disse: – vá, e reconcilia-te com teu 14 adversário enquanto estás em caminho com ele, para que ele não te entregue ao juiz que te encerrará na prisão, até que pagues o último ceitil, o último centavo. Esquecei as vossas desavenças, enchei-vos de tolerância, de perdão, de amor, que se não, a ordem que vos congrega alijará para longe, e estareis fora da benção do Altíssimo, porque é da sua vontade que os irmãos vivam em união. Oh! Quão bom e quãosuave é que os irmãos se unam pelo amor fraterno. Isso é como a benção derramada com o óleo sobre a cabeça de Arão, ou como o orvalho bendito com que o Grande Arquiteto do Universo afaga e vivifica a natureza toda. Viam os gregos esta benção do Alto Deus, e daí lhe deram a ela o nome de Pã. Então o Pã era imaginado como um fauno, metade homem, metade bode, que nada mais era do que a natureza bruta unida à racional. E toda a beleza e harmonia da natureza era supostamente ouvida na extasiante flauta de Pã. "Oh! Quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em união! É como o óleo precioso sobre a cabeça, que desce sobre a barba, a barba de Arão, e que desce à orla dos seus vestidos; como o orvalho de Hermom, que desce sobre os montes de Sião; porque ali o Senhor ordena a benção e a vida para sempre". VI – Sabedoria e ciência Apareceu Deus em sonho a Salomão, e lhe perguntou: – que queres que te dê?23 Então lhe respondeu Salomão: – Senhor! eu sou ainda um menino, e no entanto já me acho sentado no trono do meu pai, o teu grande servo Davi. Dá-me, então, um coração reto e justo, para que possa eu julgar este teu grande povo. Deus, contente da resposta, assim lhe fala: já que me não pediste para aniquilar os teus inimigos, nem me pediste riqueza, nem honra, dar-te-ei o que me pedes, e serás o mais sábio de quantos homens houve no mundo, e no futuro não haverá outro que te iguale. Ora, Salomão pediu um coração reto e justo; e disse Deus que lhe ia atender o pedido, e lhe deu sabedoria. Segue-se, logo, que sabedoria é ter coração reto e justo. A sabedoria, por conseguinte, é uma dádiva de Deus. Não é uma conquista do homem. A cultura pode ser adquirida, a erudição pode ser alcançada, mas a sabedoria tem de vir do Alto. A sabedoria é a consciência de retidão, cujo símbolo é o fio de prumo; é mais que a retidão da régua, porque é retidão vertical, orientada para Deus, o Oriente de todas as coisas, do qual todas derivam, todas dependem, e sem o qual nenhuma é ser. Eu disse orientar, e não, nortear, porque o guiar-se pelo norte é posterior ao guiar-se pelo oriente. A bússola é de ontem, no passo que a orientação pelo Sol, é de todos os tempos. As abelhas (dizem os apicultores) se orientam pelo Sol. E se acontece de as aprisionarmos nos seus destinos, durante algumas horas, elas, ao se verem livres, voam para a colmeia, guiadas pela posição do Sol; mas como o Sol andou, elas se transviam. Vendo-se perdidas, elas voltam ao ponto de origem, ao lugar em que estiveram presas, e de aí, principiam a fazer giros circulares cada vez maiores, até que uma das circunferências passe por sobre sua colmeia. Eis aqui sabedoria e ciência: primeiro o vôo reto, orientado, da colmeia ao objetivo; depois, por causa da desorientação, vôos circulares. Ora, a circunferência se traça com o compasso que serve, também, para aquilatar distâncias, avaliar espaços. Assim, se o fio de prumo representa a sabedoria que avança para Deus, o Ser, em altura, e também desce em profundidade rumo ao não-ser, no extremo oposto de Deus, o compasso não sai da superfície da razão, onde traça círculos do pensamento, das definições, medindo, avaliando, perquirindo como faz a ciência. 23 I Reis 3, 9 15 Deste modo, o compasso simboliza o pensamento discursivo, a razão analítica próprios da ciência. Fio de prumo e compasso, eis simbolicamente representados sabedoria e ciência. Sabedoria não é ciência; por isso é que se fala da sabedoria da Natureza, da sabedoria que Deus pôs nos átomos, nas moléculas, nos cristais, nas flores, nas abelhas, nas formigas. E o próprio Salomão, em Provérbios diz: "vai ter com a formiga, ó preguiçoso, olha para os seus caminhos, e sê sábio"24. Se, pois, o preguiçoso pode ir ter com a formiga a fim de aprender, segue- se que a formiga é a mestra, e ele, o aprendiz. Porque a formiga mostra, ao preguiçoso, uma lição de sabedoria, não de ciência. Por isto, sabedoria não é ciência. A formiga nos ensina a lição do trabalho! A abelha, além de nos ensinar a ser laboriosos, ainda nos dá lições de civismo, mostrando-nos como devemos lutar pela nossa Pátria, assim como ela morre pela sua colméia. Vieira, que também procurava aprender da Natureza, assim escreve num sermão: "as abelhas em picando, morrem, e maior é o dano que sofrem que o que causam". A sabedoria está, aí, no grande livro do Universo, e o cientista, o estudioso vai investigar, a fim de aprender, porque a Natureza é a mestra, e ele, o discípulo. A diferença entre sabedoria e ciência está em que a primeira vê o geral, o universal, o todo em que quaisquer partes se encaixam. Já a ciência olha o pormenor, a minudência, o fragmento que cada vez mais se pulveriza no particular. A sabedoria contempla o Ser, no passo que a ciência volta as vistas para o extremo oposto ao Ser, no rumo do não-ser. Esta diferença entre sabedoria e ciência, podemos observar na fala de Sócrates, escrita por Platão. Na Apologia, diz Sócrates que o Oráculo de Delfos revelava ser ele, Sócrates, o homem mais sábio da Grécia. No entanto, Sócrates sabia que não sabia; eu só sei que não sei, dizia ele. Por ventura, em saber que não se sabe, nisto reside a sabedoria? Sim. Porque sábio é o homem que chegou a ter idéia do quanto ignora. Saber que ignora, e quanto ignora, é já saber, porque o verdadeiro ignorante nem que não sabe não sabe. Um animal inferior desconhece que haja medicina, engenharia, direito; já qualquer homem comum sabe que ignora estas disciplinas. Pois Sócrates declarava saber que conhecia a extensão da sua ignorância, e esta consciência o fazia o mais sábio da Grécia, porque o resto dos gregos do seu tempo, nem que não sabia não sabia. Mas Sócrates quis por a limpo a sentença do Oráculo, e por isso saiu a verificar se havia, na Grécia, algum homem que soubesse mais que ele. E assim, entra em discussão com os poetas, e em disputa com os artesãos; depois de tudo, chega a este resultado: os artesãos padeciam do mesmo defeito dos poetas: porque são peritos em seus ofícios, por isso cuidam que tudo sabem, e com isto mostram-se ignorantes. Assim, um especialista em qualquer disciplina, porque conhece bem sua profissão, sente-se autorizado a opinar sobre aquilo de que não entende. Esta mesma fala de Sócrates, temos em Ortega y Gasset que diz assim: antigamente os homens podiam-se classificar em sábios e ignorantes, em mais ou menos sábios, e mais ou menos ignorantes. Mas hoje apareceu uma classe de homens que não podem ser enquadrados nem como sábios, nem como ignorantes, e estes são os cientistas. O cientista é um senhor que conhece muito bem sua porciúncula do universo, e sua especialidade; por conseguinte não pode ser considerado um ignorante. No entanto, ele opina sobre as questões que ignora, não como um ignorante, mas com toda a petulância de quem, na sua especialidade é um sábio. Então Ortega dá para estes cientistas a designação de sábios-ignorantes; sábios, porque conhecem bem a sua matéria; e ignorantes, porque se saem dela para aventurar-se em campos que eles não conhecem, e assim, mostram-se ignorantes. A mesma coisa diz Garcia Morentes com outras palavras: diz que nada há tão desanimador do que o que se tem verificado nestes trinta ou quarenta anos, quando homens sem nenhum preparo de filosofia, se põem, de repente, a filosofar. Só porque o indivíduo adquiriu cultura, erudição, conhecimentos técnicos, científicos, só porque descobriu uma nova estrela no firmamento, ou uma nova teoria da gravitação, só por isso, sem nenhuma preparação e exercitação prévias, se põe a fazer filosofia, e por isto, de maneira pueril e quase selvagem. Um matemático de sempre, um físico de toda a vida, diz ele, sem mais delongas, se põem a fazer filosofia. 24 Provérbios 6, 6 16 Por que acontece isso? Pois acontece porque ciência não é sabedoria,ou sabedoria não é ciência. A ciência pode ser haurida nos livros; pode ser adquirida pela observação e pela experimentação. Porém, a sabedoria é uma dádiva de Deus a quem busca andar nos seus caminhos. Como Salomão pediu a Deus que lhe desse sabedoria, então podemos saber que Deus lhe deu um coração reto e justo, e assim pode muito acontecer de um homem não possuir ciência, e ser até iletrado, e no entanto, possuir sabedoria; pode sim, porque ela existe na Natureza, como nos casos da formiga e da abelha já referidos. E é muito preferível que se tenha só sabedoria, a ter somente ciência. Por que? Porque a ciência pode inchar e envaidecer o homem; mas a sabedoria o torna humilde. A ciência pode fazer que o homem cuide que sabe; a sabedoria faz que ele saiba que não sabe. A ciência pode fazer que o homem se volte contra Deus, como fez Lusbel no empíreo; a sabedoria, jamais, faria o homem afrontar Deus, porque o sábio sabe que sua mesma sabedoria emana de Deus, e sabe ainda que, mantendo-se fiel a Deus, terá de luz ondas sobre ondas, e, de sábio, passará a sapientíssimo. O sábio sabe que a ciência luciferina torna o homem cego e que sua cegueira se faz cada vez mais cega, na proporção em que se afasta da Fonte única de todo saber que é Deus. Quereis exemplos? Ei-los: Quando Laplace estava expondo a Napoleão Bonaparte sua teoria da formação do universo, perguntou-lhe o imperador onde ficava Deus no seu sistema, ao que Laplace respondeu: "Sir, essa hipótese se tornou desnecessária"25. Assim, inflamado da vaidade científica, o cientista Laplace julga Deus, primeiro, como mera hipótese, e segundo, como desnecessária. Quando Yuri Gagarin, primeiro astronauta soviético que deu voltas à Terra em sua nave espacial, foi interrogado pelo centro de controle terrestre, se ele, lá nas alturas, tinha encontrado Deus, ele respondeu que não, que não tinha achado Deus. Deste modo, fica evidenciado que não adianta o progresso técnico-científico, porque tal progresso, se não acompanhado pela sabedoria, leva ao rumo oposto ao em que Deus está. A ciência e a técnica fizeram do alemão o maior povo do mundo; no entanto, é de ontem que Mengele, "o anjo da morte", fazia criminosas experiências científicas, usando os prisioneiros do campo de concentração de Auschwitz, como cobaias! É de ontem que Irma, "a mulher monstro", amarrava as pernas ambas das mulheres que iam parir, para que morressem de um parto impossível. Nietzsche dizia assim: "Se existe Deus, como posso suportar não ser Deus? "... Com muito mais razão poder-se-ia gritar a Nietzsche o que Festo disse a Paulo: "Estás louco, Paulo; as muitas letras te fazem delirar"26. Estás louco, Nietzsche! a muita ciência encheu-te o coração de orgulhosa rebeldia, e, como Lúcifer, não te conformas com menos que com ser Deus! Quem, pois, tem coração reto e justo, quem tem sabedoria, quem tem amor, esse pode ser um sábio; todavia, aquele que só possui ciência, erudição, cultura, esse não pode ser considerado sábio, pelo menos no conceito maçônico. Lá fora, no mundo profano, pode ser que haja confusão, e a um cientista especializado em ramificação que se vai cada vez mais filamentando em capilares cada vez mais finos, esse homem pode, no mundo, ser considerado um sábio; não aqui! Porque o nosso conceito de sabedoria é o de Salomão: a sabedoria promana do coração, e é uma dádiva de Deus. Cultivemos as virtudes da sabedoria; sejamos sábios. E depois, em segundo plano, porfiemos por ser cultos, eruditos, capazes. Oxalá todos nos compenetremos desta consciência para a glória da nossa Ordem Venerável, para a grandeza da nossa Pátria, para o bem da Humanidade, para que, em vivendo no agrado do Grande Arquiteto do Universo, possamos ter nossos nomes anotados pelo escriba do universo, no Grande Livro da Vida. 25 Politzer, Princípios Fundamentais de Filosofia, 114 26 Atos 26 e 24 17 VII – As pontas do compasso sobre o coração No decorrer da iniciação ao grau de Aprendiz, sobretudo no momento em que vai pronunciar o juramento, e também na elevação de grau de Aprendiz a Companheiro, o iniciando coloca as pontas de um compasso sobre o próprio coração. Este é o nosso tema de hoje: as pontas do compasso sobre o coração. A noção do círculo nasceu, no homem, da simples observação, da simples experiência visual, daquilo que os filósofos modernos chamam de intuição sensível. O seccionamento transversal do tronco de uma árvore, mostrou-se ao homem como um círculo. As flores e os frutos seguem, mais ou menos, um plano circular. Olhando para o Sol e para a Lua, o homem os vê como círculos. Nos eclipses da Lua, a Terra aparece nela projetada numa sombra circular, o mesmo ocorrendo com os eclipses do Sol, quando a Lua, interposta entre a Terra e o Sol, encobre a este, em parte, como um disco preto. Os trajetos, no céu, do Sol, da Lua e das estrelas são metades de um grande círculo, e não foi difícil conceber que a outra metade se achava na parte oculta aos olhos. Daí a idéia primeira de que as trajetórias de todos os astros são circulares. Da observação destes círculos, das evidências espontâneas, o homem chegou a compreender que o sistema planetário solar é curvo, circular, e que o mesmo Sol gira, com sua família planetária, em círculo, ao redor de um ponto, no centro da Via-Láctea, donde vem que esta é também circular, como todas as demais que compõem o Universo, e que o próprio Universo é curvo e finito, como o demonstrou Einstein. Se, de um salto, passarmos do macro ao micro- universo, verificaremos que é circular a molécula, circular o átomo, circular o elétron. Há o ciclo das chuvas: em caindo elas do céu, fazem os rios que se encaminham ao mar donde se evaporam para formar outras nuvens das quais decorrem novas chuvas. Há o ciclo do carbono: os vegetais absorvem o gás carbônico do ar, decompõem-no em carbono e oxigênio, fixam o carbono na celulose do tronco e das folhas; com parte deste carbono formam os frutos. Na outra metade do ciclo, os animais comem as folhas e os frutos, transformam-nos em açúcares que se queimam no interior das células, e o carbono havido da alimentação se combina ao oxigênio, recompondo o gás carbônico que é expelido na atmosfera, pela respiração. Animais e plantas, deste modo, são máquinas vivas entre si invertidas, e o gás carbônico que o vegetal decompõe, recompõem-no os animais. A luz solar fixada na fotossintese, vai para o alimento que produz o calor animal. Assim, todos os animais e plantas vivem da luz, são lucífagos. E a mesma luz é onda, e as ondas todas são círculos desdobrados, e assim, quando não podemos enxergar os ciclos diminutos que rápidos se formam, podemos vê-los na luz, e ouvi-los no som, na música. A idéia do círculo, pois, faz parte da nossa vida espontânea, da nossa vida pré-racional, da nossa intuição sensível, e ainda de nossas últimas concepções científicas do universo, da molécula, do átomo, do elétron e de toda a mecânica ondulatória. O círculo, portanto, está no começo e no fim da nossa vida racional, e a mesma vida física é um meio ciclo do berço ao túmulo, e se completa com nosso retorno, pela morte, ao lugar de onde viemos a este mundo. * * * Quis, então, o homem, desenhar o círculo, e, para tanto, inventou o compasso. Do círculo traçado com o compasso surgiram as relações matemáticas da circunferência e seu diâmetro, o pi, já conhecido dos egípcios. Reparou o homem que, com o compasso, podia traçar círculos maiores e menores, e ainda comparar distâncias. Verificou que a capacidade do compasso se esgota 18 quando atinge 90°, que é quando ele se transforma num esquadro, por isso chamado, maçônicamente, de "esquadrojusto e perfeito". Pois bem: Que representa o compasso, na Maçonaria? Pois representa o pensamento. E por que? Porque o pensamento é circular, gira em torno de um centro que é o tema, e o círculo pode ser menor, se o assunto é pequeno, ou maior, se o assunto é mais largo. Todavia, em chegando o compasso do pensamento a 90°, esgota-se a capacidade racional, e tentar ir por diante, é cair nas antinomias de Kant. Deste modo, a razão não é infinita; ela atinge o seu limite a 90° do compasso mental, e simboliza, tal abertura, os graus maçônicos que vão do 14 ao 18. No grau de Mestre, o compasso simbólico se abre a 45°, e no grau 5 sua abertura vai para 60°. A 90° o compasso se torna num esquadro, como ficou dito, e por isso chamado "esquadro justo e perfeito". O compasso lembra ainda a pessoa humana que também possui cabeça e duas pernas, estas que se movem, que dão passos, e estes passos, em Loja, são dados pelo Aprendiz de modo a formarem um esquadro, o "esquadro justo e perfeito", que também o Companheiro executa, com passos, se bem que de modo diferente do Aprendiz. * * * Do que ficou dito já podemos tirar uma lição prática: se cada assunto é um círculo que se abre e se fecha ao redor de um ponto que é o tema, anda muito errado quem não encerra cada assunto, para se passar a outro. Deste vício intelectual padecem todas as pessoas dentre as quais algumas de cultura. Alguém nos formula uma questão, ou faz uma pergunta e quando estamos desenvolvendo o círculo do nosso pensamento em torno do tema proposto, eis que nosso interlocutor, em certo ponto, faz outra pergunta, embora do assunto, mas que nos obriga a fazer outro círculo. Assim, de pergunta em pergunta nenhum círculo se fecha. É o caso da briga de lavadeiras: sai, na discussão, o diabo; porém nada se resolve. As digressões infindas não levam a resultado nenhum. Muitos oradores prolixos padecem deste vício. Como não se mantêm no assunto, como fogem ao tema básico, como que numa conversa que um tema puxa outro, podem falar o dia inteiro. Por que? Porque nenhum círculo se fecha. Nossas conversas ao pé do fogo são assim: começamos por uma coisa, e no fim estamos a falar de outras muito diferentes. Ora, quem não obedece à lei do círculo, ao tratar de um assunto, é porque pensa por esse modo caótico. E aí vai a diferença entre um pensador e um homem comum. Todos pensamos sem interrupção o dia inteiro; quando não é um pensamento, é outro que ocupa a nossa mente. Logo, como todos pensamos sem parar, somos todos pensadores? Não. O pensador ou filósofo se fixa num tema, e traça completamente seu círculo; nós, em nossas imaginações, abrimos mil e um círculos, e não fechamos nenhum. Quem muda mais de idéia que de roupas, não pode fazer nada, não pode realizar coisa nenhuma na vida. Aqui também se aplica a lição já estudada da vigilância e da perseverança. Vigiar para não fugir ao círculo; perseverar na construção dele até o fim. Vede que abrimos e fechamos um círculo, explicando a significação do compasso na Maçonaria. Agora vamos abrir outro círculo, e depois mais outro, e fechar os três dentro de um outro círculo maior; vede: Dado que o compasso significa o pensamento, o raciocínio discursivo, como nasce este no homem? No começo da nossa vida mental, quando ainda somos crianças tenras, nosso compasso mental é zero; ele é ainda apenas cabeça (cabeça do compasso) sem os ramos ou pernas. Com as primeiras experiências da vida, os ramos começam a crescer, e já podemos traçar pequeninos círculos, e tratar de assuntos muito simples. As experiências vão-se acumulando, os ramos do compasso, crescendo, e os círculos já podem ser maiores, abarcando assuntos mais complexos. Quem, pelo crescimento de seu compasso mental, pode abarcar círculos imensos, chegou a ser um sábio. Aqui, outra vez, a diferença entre um sábio e um ignorante; o ignorante possui compasso mental diminuto, no passo que o sábio o possui grande. É assim que os homens se classificam em sábios e ignorantes, mais ou menos sábios, e mais ou menos ignorantes; quem possui compasso mental grande, pode traçar círculos grandes; quem o possui de ramos curtos, só 19 pode traçar círculos pequenos. Sócrates, Platão, Aristóteles, Einstein, porque possuem compassos mentais de ramos longos, puderam traçar os círculos do Universo. Já os círculos traçados pelo compasso mental de uma pobre lavadeira, não vão além de sua casinha, de seus filhos, de seus netinhos. Eis que a soma de conhecimentos amplia os ramos do compasso, e é assim que, de ignorantes, nos tornamos sábios. Está fechado este outro círculo; vamos agora a outro, porque nosso tema é o compasso posto sobre o coração. O coração é, figurativamente, a sede dos sentimentos bons e maus. O homem não age segundo razões, e sim, de acordo com os pendores sentimentais e emocionais. O homem sente primeiro, e depois é que vai forjar razões para seus atos. Por isso é que Pascal já dizia que "o coração tem razões que a razão não alcança". O avarento, o cobiçoso, o adulador, o glutão, o beberrão, o fumante, todos apresentam suas justificativas, todos racionalizam suas ações, todos possuem suas razões. O homem chega ao cúmulo de pensar de um modo e agir de outro, como os exemplos, aqui já citados, num de nossos estudos, de Bernard Shaw e Schopenhauer. O homem é um esquizoide, um ser contraditório, que pensa uma coisa e faz outra. Por isso é que São Paulo a si mesmo se chamava miserável e dá o porquê: porque, como dizia, o bem que quero fazer, não faço; mas o mal que não quero, esse eu faço! Eis, aí, a força do sentimento sobre o raciocínio, a força do coração sobre o pensamento, sobre o compasso que devia traçar círculos ao coração, e, no entanto, é o coração que impõem seus círculos ao compasso. A razão dita isto; mas o sentimento arrasta a fazer aquilo. Eu quero fazer o bem, porque minha razão, meu raciocínio, meu compasso traçou tal círculo; todavia, de repente, dou comigo fazendo aquilo que minha consciência reprova. Vigilância e perseverança, pois, sobre nossas impulsões egoísticas, animalescas, sobre nossos pendores e atrações baixas. Está fechado este outro círculo cujo centro ou tema é o coração. Agora o círculo maior que envolve os três anteriores e menores. Que nos ensina a Sublime Instituição? Pois ensina-nos que o compasso deve estar com suas pontas sobre o coração; que o compasso é que deve medir e delimitar os sentimentos, e não, o coração impor suas normas à razão. Quem vive só ao sabor dos sentimentos, como estes são vários e discordantes, se mostra contraditório, apresentando sempre atitudes dúbias, confusas, medindo sempre tudo com dois pesos e duas medidas. Tal sujeito apresenta-nos reações imprevisíveis, porque caóticas. Como, em tal sujeito, a razão é desnecessária às ações, o compasso do seu entendimento se atrofia, os ramos dele, em vez de se estenderem, encurtam-se, até que tal homem cai na irracionalidade animal. O compasso, então, passa ser guiado pelo coração, pelos sentimentos; e que estes fossem bons, ainda bem; mas ocorre sempre que os piores sentimentos, os de egoísmo, de avareza, de luxúria são os que passam a guiar o compasso, forçando-o a traçar círculos e a apresentar razões que são sofismas, que são sem-razões, que são absurdos. Eis que temos desenvolvido nosso tema com quatro círculos, sendo que este último mais geral e maior, envolve os três primeiros. VII – O malho e o cinzel Por ocasião da realização de uma sessão de iniciação na minha Loja, fiquei incumbido de discorrer sobre assuntos que dizem respeito ao Grau de Aprendiz. Os instrumentos do Aprendiz são o malho e o cinzel, o avental e o par de luvas brancas. O malho simboliza a vontade; o cinzel,o julgamento; o avental, o trabalho; o par de luvas brancas a pureza; uma luva é para o Aprendiz, e a outra, para a mulher eleita do seu coração. Mas nem porque o assunto é particular e nosso, é pequeno. Eu pretendo hoje discorrer somente sobre o malho e sobre o cinzel. O malho, como já vos disse, representa a vontade. E que é a vontade? Na esperança de colher informações sobre nosso tema, andei folheando aqui e ali livros sobre o poder da vontade, 20 um da Editora do Pensamento e outro da autoria de Orison Swett Marden. Todavia, nem uma nem outra obra me satisfizeram; a do Pensamento, porque pretende que a vontade se desenvolva pela auto-sugestão, e a de Marden porque se atém quase só a biografia de homens célebres. Então resolvi andar com minhas próprias pernas, ou voar com minhas asas próprias. Ora vede: O malho da vontade se aplica sobre a cabeça do cinzel que tem sua ponta assentada contra a matéria bruta que se tem a desbastar. O cinzel é o julgamento, e por isso é ele que determina o momento da pancada, e ainda se deve ela ser forte ou fraca. Não há vontade potencial ou inativa, porque ela pela sua própria natureza é cinética, ativa, executiva. Eu já disse nestes nossos estudos que há uma virtude e um vício maiores dos quais nascem todos os outros. A virtude mor é o amor, e, o vício, tronco de que nascem todos os galhos, é o egoísmo. Pois bem: o amor concentrado a uma coisa move o amante à ação. E proporcionalmente ao seu amor será sua vontade em atender ao objeto do seu amor. Eu, que vos falo, passei a maior parte da vida estudando. E quando eu era estudante muitos me consideravam como um sujeito possuidor de força de vontade. Pois minha força de vontade era galho do amor que sempre tive pelo saber. Meu juízo, meu julgamento, escolhia qual matéria a me aplicar, e depois o malho da vontade não cessava de golpear até à saciedade. Como a vontade é energia moral, por isso ela não se gasta nem se cansa, e antes, pelo contrário, quanto mais se aplica mais se reforça. O cansaço vinha e vem sempre pelo lado do físico, e é com desgosto que deixamos o trabalho vencidos pela exaustão. Edison, inventor destas lâmpadas que nos iluminam, resolveu, certo dia, tirar umas férias. Perguntado sobre onde iria gozá-las, respondeu que no lugar do seu maior agrado. E no outro dia, Edison, em férias, foi achado trabalhando na sua oficina de todos os dias. Sua vontade poderosa nascia do amor que tinha pelo seu trabalho de inventor. Quem quiser ter vontade forte que arranje alguma grande coisa a fazer, e depois poderá verificar que Santo Agostinho tinha razão quando dizia: "meu amor é meu peso; por ele vou a toda parte que vou". Reparai que os fracos da vontade são sempre aqueles que mudam mais de idéias do que de roupas. Pedro Chagas já dizia que "só vencerão na vida, os que forem fanáticos por um ideal". A decisão inabalável em fazer alguma coisa determina a vontade de gigante, e a decisão nasce do juízo que julga, que decide, e assim o cinzel dirige o malho. Assim, a vontade-malho tem de estar guiada pelo julgamento-cinzel, e nada há pior do que uma vontade bruta desorientada. Acaso imaginais que um Lampião, um Al Capone não tinham vontade poderosa? Pois que cada um considere o que eles fizeram no mal, e verão que suas vontades tinham a mesma força das vontades dos mártires, seja os da Pátria, seja os de alguma idéia. Salomão, o grande Salomão que edificou o templo do qual este nosso templo é cópia grosseira, disse "que o amor é mais forte que a morte". E como vos tenho demonstrado, a vontade nasce do amor, donde vem que a vontade é mais forte que a morte. Cristo, embora sabendo que ia morrer numa Cruz, quis, e foi a Jerusalém, porque sua vontade, com ser mais forte que a morte, o impeliu a ela, e nela teve o seu fim terreno. Sócrates é outro que teve morte linda, ei-la: "... Já se avizinhava então a hora do pôr do sol... Em pouco entrou o servidor dos Onze... e se postou junto dele, dizendo: – A vós, Sócrates, que reconheço ser o mais delicado e o melhor de todos os que têm estado neste lugar, não atribuirei os sentimentos de outros homens, que se encolerizam e praguejam contra mim, quando, em obediência às autoridades, mando-os beber o veneno; tenho a certeza de que não vos enraivecereis, já que cabe a outros, não a mim, a culpa deste ato... Este homem é cativante – disse Sócrates – , desde que estou preso vem sempre ver-me e agora mostra-se generosamente condoído de minha sorte... Que tragam logo a taça de veneno. 21 ... Criton respondeu: – Mas os raios do sol ainda iluminam os cimos dos montes e muitos houve que tomaram a bebida mais tarde; e, depois de a mandarem tomar, ainda os deixaram comer e beber e entregar-se aos prazeres do amor; não vos apresseis, portanto; ainda não chegou a hora. Replicou-lhe Sócrates: – Sim, Criton; esses a quem vos referis andaram bem procedendo assim, já que achavam proveitosa a demora; quanto a mim, tenho razão de não me portar desse modo, pois não julgo que lucre alguma coisa bebendo um pouco mais tarde o veneno; estaria a preservar uma vida que já perdi; com isso, apenas me enganaria a mim próprio. Peço-vos, pois, que façais o que digo. Ouvindo estas palavras, Criton fez sinal a um carrasco que se achava perto; o escravo afastou-se; em seguida voltou com o carcereiro a trazer a taça de veneno. – Disse-lhe Sócrates – meu bom amigo, como tendes experiência destas coisas, dizei-me como devo proceder, – o carcereiro respondeu – ponde-vos a andar até sentirdes as pernas fracas; deitai-vos após e o veneno produzirá seu efeito. Ao mesmo tempo oferecia a taça a Sócrates, que, do modo mais natural e gentil, sem o menor medo, nem mudança de cor ou de expressão, olhando fixamente o carcereiro conforme era seu costume olhar os homens, tomou a taça e disse: Que achais da idéia duma libação a algum deus, derramando um pouco desta bebida? Poço ou não fazê-la. O carcereiro respondeu: Nós, Sócrates, preparamos apenas a quantidade que julgamos necessária. Compreendo, volveu o filósofo: mesmo assim devo pedir aos deuses que favoreçam minha viagem deste mundo para o outro – e possa este meu desejo, que será minha prece, ser atendido por eles. Então, levando a taça aos lábios, bebeu rápida e corajosamente a cicuta"27 Todos vós, ó respeitáveis aprendizes, tendes vontades poderosas. Mas sobre que matéria deveis aplicar vossos cinzéis? Pois deveis aplicar sobre as pedras brutas de vós mesmos, desbastando-as aqui e ali nos defeitos e vícios, até que ela possa ser utilizada no edifício social E nós outros que aqui estamos, conquanto mestres, também possuímos arestas a desbastar, pelo que nossa mestria é só simbólica. Em verdade, seremos eternos aprendizes, visto que sempre temos o que fazer sobre nós mesmos com o malho e com o cinzel. E para que serve o nosso trabalho em desbastar a pedra bruta que somos? Para que isto? Para que, proximamente possamos ajudar, com nossas pessoas, a construir o edifício social simbolizado neste templo que Deus mandou Salomão construir. Se as pedras não forem trabalhadas uma a uma, o edifício arquitetônico não se levantará da terra. Deus mandou Salomão edificar o templo, vede bem! Por isto a Maçonaria, conquanto obra humana, tem suas origens nos Céus. Daqui decorre o porque remoto, o porque devemos nos desbastar das pétreas asperezas! Isto nos cumpre a nós fazer, para que possamos, após a morte física, sermos recebidos no Oriente Eterno, na Maçonaria extra-terrena. Lembrai-vos de que numa de nossas sessões, um boletim nos informava que certo poderoso Irmão se tinha passado para o Oriente Eterno. É esta mística que deve ser o primeiro objetivo do Maçonaria, e deste decorre o outro, o secundário e próximo, que é nos cinzelarmos a nós mesmos para que possamos entrar como parte no edifício social da humanidade.
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