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MATERIAL DIDÁTICO DIDÁTICA I E II CREDENCIADA JUNTO AO MEC PELA PORTARIA Nº 1.282 DO DIA 26/10/2010 0800 283 8380 www.ucamprominas.com.br Impressão e Editoração 2 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 3 UNIDADE 1 – DIDÁTICA ............................................................................................ 5 1.1 Definições e conceitos .......................................................................................... 6 1.2 Os pilares necessários à formação pedagógica .................................................... 9 1.3 Diferenças entre Didática e Metodologia ............................................................. 10 UNIDADE 2 – A TRAJETÓRIA DA DIDÁTICA ........................................................ 12 2.1 A didática de Comenius....................................................................................... 13 2.2 Rousseau, Pestalozzi e a criança ....................................................................... 15 2.3 Herbart e a educação pela instrução ................................................................... 17 2.4 A didática na e pós Primeira República ............................................................... 20 2.4.1 A Pedagogia Tradicional .................................................................................. 21 2.4.2 A Pedagogia Libertária ..................................................................................... 22 2.4.3 A Pedagogia Nova ........................................................................................... 24 UNIDADE 3 – A DIDÁTICA E AS TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS ......................... 27 3.1 Tendências liberais ............................................................................................. 29 3.2 Tendências progressistas.................................................................................... 35 3.3 Tendências pedagógicas pós-LDB ...................................................................... 38 UNIDADE 4 – REQUISITOS BÁSICOS DO PROFESSOR PARA A TAREFA DOCENTE ................................................................................................................. 40 4.1 Objetivos primordiais para o trabalho docente .................................................... 40 4.2 Planejamento do trabalho docente ...................................................................... 41 UNIDADE 5 – CONTEÚDOS CENTRAIS DA DIDÁTICA ......................................... 45 5.1 Objetivos do trabalho docente e de ensino ......................................................... 45 5.2 Conteúdos escolares ........................................................................................... 47 5.3 Metodologia de ensino ........................................................................................ 49 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 53 ANEXOS ................................................................................................................... 55 3 INTRODUÇÃO Era uma vez uma tribo pré-histórica que se alimentava de carne de tigres de dentes de sabre. A educação nesta tribo baseava-se em ensinar a caçar tigres de dentes de sabre, porque disto dependia a sobrevivência de todos. Os mais velhos eram os responsáveis pela tarefa educativa. Passado algum tempo, os tigres de dentes de sabre extinguiram-se. Criou-se um impasse: o apego à tradição dos mais velhos exigia que se continuasse a ensinar a caçar tigres de dentes de sabre; os mais jovens clamavam por uma reforma no ensino. O impasse perdurou por muito tempo. Mais precisamente até um dia que, por falta de alimento, a tribo extinguiu-se também (BELLO, 1993). Vamos começar nosso módulo de Didática com o seguinte pensamento em mente: se o aluno não está aprendendo, é necessário repensar os modos como se está ensinando, pois, grosso modo, a meta de toda ação do ensino deve ser o aprendizado do aluno. Segundo Dalben e Eiterer na apresentação da Coleção “Didática e Práticas de Ensino: convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente” (2010), a busca pela qualidade do ensino, tão propagada pelas políticas públicas, pelos educadores em seus discursos e pela sociedade em geral, é o compromisso da Didática desde sua criação. Parte/Ramo da Pedagogia, ciência que estuda a educação como prática social, a Didática estuda o ensino, como parte constitutiva dessa prática social. Essa perspectiva justifica a fala de Candau (1986, p.14) quando diz que o processo de ensino é multidimensional, situado num contexto político-social que acontece numa cultura específica, trata com pessoas concretas que têm posição de classe definida na organização social em que vivem. Pois bem, veremos ao longo do módulo: conceitos, definições, a evolução da Didática desde a primeira vez que Comenius usou a palavra e seu sentido. Didática, História da Educação e Prática Pedagógica parecem se confundir e se entrelaçam é verdade, mas temos sim diferenças e perspectivas sutis como irão perceber ao longo dos estudos. Iremos abordar a didática como disciplina pedagógica, campo de investigação e de exercício profissional, dentre outros motivos, porque ela é disciplina presente na maioria dos cursos, seja pedagogia, sejam as demais licenciaturas. 4 Enquanto Didática significa ensinar, instruir, “arte de transmitir conhecimentos”, a palavra Pedagogia significa “direção ou educação de crianças”. Ambas trazem o sentido de transmissão, orientação, condução, correto? Sim! Então podemos inferir que ambas buscam soluções para os problemas de aprendizagem e educacionais. Enveredar por esse caminho nos leva a analisar também as principais diferenças entre a Escola Tradicional, a Escola Nova e a Escola Tecnicista. Sabemos que ensinar é uma tarefa prazerosa e árdua ao mesmo tempo, que a conjuntura social não coopera em muitos momentos, que a estrutura da escola e dos cursos de formação vem procurando se adequar às necessidades que o mundo globalizado nos impinge, tanto por isso, a intenção é levá-los a refletirem sobre o trinômio: sociedade/pedagogia/prática educativa numa perspectiva crítica, portanto a didática e a formação profissional do educador permeiam todas as falas, mas deixamos claro que não há intenção de levantar questões políticas que envolvem a qualidade da educação, seja ela básica ou do ensino superior. Ao final do módulo encontram-se dois quadros a título de enriquecimento e que sintetizam de maneira clara e objetiva as tendências pedagógicas e o papel da didática ao longo de sua evolução. Mais duas observações se fazem necessárias antes de iniciarmos nosso caminhar: Em primeiro lugar, sabemos que a escrita acadêmica tem como premissa ser científica, ou seja, baseada em normas e padrões da academia. Pedimos licença para fugir um pouco às regras com o objetivo de nos aproximarmos de vocês e para que os temas abordados cheguem de maneira clara e objetiva, mas não menos científicos. Em segundo lugar, deixamos claro que este módulo é uma compilação das ideias de vários autores, incluindo aqueles que consideramos clássicos, não se tratando, portanto, de uma redação original. Ao final do módulo, além da lista de referências básicas, encontram-se muitas outras que foram ora utilizadas, ora somente consultadas e que podem servir para sanar lacunas que por ventura surgirem ao longo dos estudos. 5 UNIDADE 1 – DIDÁTICA O ato de ensinar é fundamental para que nós seres humanos vivamos em sociedade, portanto, temos como objetivo compreender a Didática como um dos ramos de estudo da Pedagogia, justificar a subordinação do processo didático a finalidades educacionaise indicar os conhecimentos teóricos e práticos necessários para orientar a ação pedagógico-didática na escola. Perrenoud et al. (2008), ao refletirem sobre questões que envolvem a formação de professores profissionais pontuam que estes devem ser capazes de: analisar situações complexas, tomando como referência diversas formas de leitura; optar de maneira rápida e refletida por estratégias adaptadas aos objetivos e às exigências éticas; escolher, entre uma gama de conhecimentos, técnicas e instrumentos, os meios mais adequados, estruturando-os na forma de um dispositivo; adaptar rapidamente seus projetos em função da experiência; analisar de maneira crítica suas ações e seus resultados; aprender, por meio dessa avaliação contínua, ao longo de toda sua carreira. Esperamos que ao final do módulo tenham o suporte teórico básico para que sejam capazes de organizar situações de aprendizagem, contribuindo com o processo ensino-aprendizagem sob o qual centram-se as instituições de ensino. E concordando com Piletti (1995), ao inferir que antes de estudar os aspectos didáticos propriamente ditos, o professor deve se fazer duas perguntas básicas: - Para quê o ensino? - Para quê serve o que estou fazendo? Respostas estas que também esperamos obtê-las ao final do módulo. 6 1.1 Definições e conceitos O vocábulo didática deriva da expressão grega Τεχνή διδακτική (techné didaktiké), que se traduz por arte ou técnica de ensinar. Enquanto adjetivo derivado de um verbo, o vocábulo referido origina-se do termo διδάςκω (didásko) cuja formação linguística indica a característica de realização lenta através do tempo, própria do processo de instruir (MAZINI FILHO et al., 2009). Antolí (1998) explica a necessidade de voltar às raízes, à origem da didática, porque a etimologia sempre tem uma considerável dose de sentido. E nesse caso, justifica ele que apesar de a evolução do significado tem sido grande, é positivo não perder de vista suas origens. O “didático” era, primeiramente, um subgênero da epopeia grega junto com o heroico e o histórico. Os poemas didáticos “Os trabalhos e os dias” de Hesíodo, e sua Teogonia, são exemplos típicos da epopeia didática grega. O termo didactika é o nominativo e acusativo plural, neutro, do adjetivo didaktikós. Derivado do verbo didasko (ensinar, ensino), que significa literalmente o relativo ao ensino, a atividade instrutiva. Portanto, de acordo com essa acepção, poder-se-ia definir a didática como a ciência ou a arte do ensino. Esse termo é introduzido na Espanha no final do século XVIII e aparece pela primeira vez no Diccionario castellano con las voces de ciências y artes y sus correspondientes en tres lenguas: Francesa, latim e italiana, de Esteban Terreros, publicado entre 1788 e 1792. Entretanto, outros estudos apontam que foi instituído por Comenius1 (Jan Amos Komensky) em sua obra Didática Magna (1657), originalmente significa “arte de ensinar”, tanto que durante séculos, a didática foi entendida como técnicas e métodos de ensino, sendo a parte da pedagogia que respondia somente por “como” ensinar. Os manuais de didática traziam detalhes sobre como os professores deveriam se portar em sala de aula. Tradicionalmente, os elementos da ação 1 Bispo protestante na Moravia (República Tcheca), nascido em 1592, criador da Didática Moderna e um dos maiores educadores do século XVII, para ele, a didática seria a arte de ensinar tudo a todos. Comenius defendia a ideia de que a aprendizagem se iniciava pelos sentidos, pois as impressões sensoriais obtidas através da experiência com objetos seriam internalizadas e, mais tarde, interpretadas pela razão. Seu método didático constituiu-se basicamente de três elementos: compreensão, retenção e práticas. Através delas, pode-se chegar a três qualidades fundamentais: erudição, virtude e religião, as quais correspondem três faculdades que é preciso adquirir: intelecto, vontade e memória. 7 didática são: professor, aluno, conteúdo, contexto e estratégias metodológicas (PACIEVITCH, 2010). Com o estudo dos paradigmas educacionais nos cursos de pedagogia e de formação de professores, amplia-se o conhecimento em relação à didática. Em cada tendência pedagógica diferem visão de homem e de mundo e modifica-se a finalidade da educação, mudam o papel do professor, do aluno, a metodologia, a avaliação, e, consequentemente, muda-se a forma de ensinar. Atualmente, a didática é uma área da Pedagogia, uma das matérias fundamentais na formação dos professores, denominada por Libâneo (1994) como “teoria do ensino” por investigar os fundamentos, as condições e as formas de realização do ensino. Segundo este autor, cabe à Didática converter objetivos sócio- políticos e pedagógicos em objetivos de ensino, selecionar conteúdos e métodos em função desses objetivos, estabelecer os vínculos entre ensino e aprendizagem, tendo em vista o desenvolvimento das capacidades mentais dos alunos. Segundo Piletti (1995), enquanto a didática geral estuda os princípios, as normas e as técnicas que devem regular qualquer tipo de ensino, para qualquer tipo de aluno, dando uma visão geral da atividade docente, a didática especial estuda aspectos científicos de uma determinada disciplina ou faixa de escolaridade. Ela analisa os problemas e as dificuldades que o ensino de cada disciplina apresenta e organiza os meios e as sugestões para resolvê-los. Por isso temos a didática especial das línguas, das ciências, entre outras. A disciplina de didática deve desenvolver a capacidade crítica dos professores em formação para que os mesmos analisem de forma clara a realidade do ensino. Articular os conhecimentos adquiridos sobre o “como” ensinar e refletir sobre “para quem” ensinar, “o que” ensinar e o “por que” ensinar é um dos desafios da didática. A didática é uma das disciplinas da Pedagogia que estuda o processo de ensino através de seus componentes – os conteúdos escolares, o ensino e aprendizagem – para, com o embasamento numa teoria da educação, formular diretrizes orientadoras da atividade profissional dos professores (LIBÂNEO, 1994). Esse mesmo autor indica que a didática investiga as condições e formas que vigoram no ensino e, ao mesmo tempo, os fatores reais (sociais, políticos, culturais, psicossociais) condicionantes das relações entre docência e aprendizagem. 8 A didática, fundamentada na dialética, é um campo em constante construção/reconstrução, de uma práxis que não tem como objetivo ficar pronta e acabada. Numa vertente mais prática, a didática é uma disciplina que estuda o processo de ensino no seu conjunto, no qual os objetivos, conteúdos, métodos e formas organizativas da aula se relacionam entre si de modo a criar as condições e os modos de garantir aos alunos uma aprendizagem significativa. Ela ajuda o professor na direção e orientação das tarefas do ensino e da aprendizagem, fornecendo-lhe segurança profissional. De certo modo, podemos dizer que a Didática é uma ciência cujo objetivo fundamental é ocupar-se das estratégias de ensino, das questões práticas relativas à metodologia e das estratégias de aprendizagem e, nos dizeres de Vasconcellos (2011), é um dos campos teóricos (ou teórico-metodológicos) mais específicos da função docente, pois dominar bem uma área de conhecimento não nos faz professores, mas especialistas naquela área; se adicionarmos saberes éticos e de cultura geral, passamos a ser pessoas interessantes especialistas em determinada área de conhecimento. Guarde... A didática é uma disciplina técnica e que tem como objeto específico a técnica de ensino. Essa disciplina estuda, portanto, a técnica de ensino em todos os seus aspectos práticos e operacionais, podendo ser definida como a técnica de estimular, dirigir e encaminhar, no decurso da aprendizagem, a formaçãodo homem. Em resumo, a didática veio se construindo com os seguintes qualificativos: a) A didática é: ciência, teoria, tecnologia, técnica, arte. b) O conteúdo semântico da didática é: ensino, aprendizagem, instrução, comunicação de conhecimentos; sistema de comunicação; processo de ensino- aprendizagem. c) A finalidade da didática é: formação, instrução, instrução formativa – desenvolvimento das faculdades, criação de cultura. 9 1.2 Os pilares necessários à formação pedagógica Piletti (1995) citando Mialaret (1978) discorre sobre quatro pilares principais que sustentam a formação pedagógica dos professores. São eles: a) Uma reflexão de ordem histórico-filosófico-sociológica a respeito da instituição escolar, seu papel na sociedade e as finalidades atuais da educação. b) Um conjunto de conhecimentos científicos acerca da estrutura, e do funcionamento psicológico dos alunos, seja como indivíduos, seja como pequenos grupos. c) A iniciação na prática dos diferentes métodos e técnicas pedagógicas que permitam estabelecer a comunicação educativa eficaz. d) Estudo psicológico e pedagógico da didática das disciplinas escolares. As interações desses pilares que estão intimamente relacionados são indicados no esquema a seguir, sobre os quais discorreremos ao longo do módulo. O quê? Conteúdos e programas A quem? Problemas psicológicos Por quê? Objetivos Como? Métodos e técnicas Que resultados? Avaliação Esse quadro também vai de encontra à definição simples proposta por Nérici (1989) para didática: estudo dos procedimentos destinados a orientar a aprendizagem do educando de maneira mais eficiente possível, em direção a objetivos predeterminados. 10 Quando falamos em objetivos, estamos nos reportando de antemão a resultados e processos esperados do trabalho conjunto do professor e dos alunos, expressando conhecimentos, habilidades e conteúdos a serem assimilados de acordo com as exigências metodológicas. Exigências estas que se reportam ao nível de preparo prévio dos alunos, peculiaridades das matérias de ensino e características do processo de ensino e aprendizagem. Os conteúdos formam a base objetiva da instrução, referidos aos objetivos e viabilizados pelos métodos de transmissão e assimilação. O currículo expressa os conteúdos da instrução, nas matérias de cada grau do processo de ensino. Em torno das matérias se desenvolve o processo de assimilação dos conhecimentos e habilidades. Os métodos, por sua vez, são determinados pela relação objetivo-conteúdo e dão a forma pela qual se concretiza esta relação em condições didáticas específicas, ao mesmo tempo, pelo fato de caber aos métodos a dinamização das condições e modos de realização do esino, eles influem na reformulação ou modificação dos objetivos e conteúdos (LIBÂNEO, 1994). 1.3 Diferenças entre Didática e Metodologia Existe alguma confusão entre a didática e a metodologia que precisamos desfazer antes de prosseguirmos nossos estudos. Vamos lá? Ambas estudam os métodos de ensino, é verdade, mas cada uma com um ponto de vista diferente, ou seja: enquanto a Metodologia estuda os métodos de ensino, classificando-os e descrevendo-os sem fazer juízo de valor, a Didática, por sua vez, faz um julgamento crítico. Ela critica o valor dos métodos de ensino. Como diz Piletti (1995), a Metodologia nos dá juízos de realidade que são juízos descritivos e constatativos e a Didática nos dá juízo de valor, isto é, estabelecem valores ou normas. Ele cita como exemplos: Juízo de realidade Juízo de valor Dois mais dois são quatro. Acham-se presentes na sala, 50 alunos. A democracia é a melhor forma de governo. Os velhos merecem nosso respeito. 11 Daí, pode-se inferir que a Metodologia é importante porque ela nos leva a escolher o método mais adequado de ensino, entre os métodos existentes. 12 UNIDADE 2 – A TRAJETÓRIA DA DIDÁTICA Muitos autores colocam como embrião ou nascimento da didática atual, as concepções de Comenius, que aconteceram na transição do século XVII, época em que a burguesia atuava como classe emergente, apesar de já termos visto que na Grécia antiga o termo teve seu lugar de destaque. Pois bem, desde os primeiros tempos existem indícios de formas elementares de instrução e aprendizagem. Sabe-se, por exemplo, que nas comunidades primitivas os jovens passam por um ritual de iniciação para ingressarem nas atividades do mundo adulto. Pode-se considerar esta uma forma de ação pedagógica, embora aí não esteja presente o “didático” como forma estruturada de ensino (LIBÂNEO, 1994). Como diz Castro (2001, p. 15), a situação didática foi vivida e pensada antes de ser objeto de sistematização e de constituir referencial do discurso ordenado de uma das disciplinas do campo pedagógico, a Didática. Na longa fase que se poderia chamar de didática difusa, ensinava-se intuitivamente e/ou seguindo-se a prática vigente. De alguns professores, conhecemos os procedimentos, podendo-se dizer que havia uma didática implícita em Sócrates quando perguntava aos discípulos: “pode-se ensinar a virtude?” ou na lectio e na disputatio medievais. Mas o traçado de uma linha imaginária em torno de eventos que caracterizam o ensino é fato do início dos tempos modernos, e revela uma tentativa de distinguir um campo de estudos autônomos. Até esse período, Libâneo (1994) pondera que não podemos falar de didática como teoria do ensino, que sistematize o pensamento didático e o estudo científico das formas de ensinar. Mas voltemos ao século XVII, passada a idade das trevas, a nova classe dos burgueses comerciantes, apesar de controlar o mundo da produção e impulsionar o avanço das forças produtivas, não detinha, de forma completa, o poder político. A monarquia sobreviveu através do apoio dos burgueses e tornaram-se concretas as possibilidades de criação dos Estados Nacionais. Mas isso não significava que a burguesia tivesse conseguido participação decisiva no aparelho do Estado a ponto de assumir o poder na política econômica. As monarquias absolutistas que outrora 13 proporcionaram grandes lucros à burguesia comercial, haviam-se tornado um entrave ao progresso (ALBUQUERQUE, 2002). 2.1 A didática de Comenius Em meados do século XVII, Comenius escreve a “Didática Magna”, que expressa as duas principais características do seu pensamento. De um lado, forte preocupação com a reforma da fé cristã e, do outro, a influência do surgimento do tempo moderno se expressando pela aproximação à realidade concreta das coisas do mundo, principalmente à natureza e a nova abordagem a respeito dela, isto é, das Ciências Naturais modernas. A meta principal da “Didática Magna” de ensinar tudo a todos com economia de tempo e de fadiga, com agrado e com solidez, deve ser vista a partir do pensamento escatológico; o fim do mundo está próximo e, por isso, é necessária a conversão verdadeira de todos os homens, para a volta gloriosa de Jesus no Juízo Final (ALBUQUERQUE, 2002). A Didática que se baseava, para Comenius, numa piedade profunda, servia, por outro lado, para a consolidação do projeto de uma burguesia como classe em ascendência. Racionalidade, eficiência e procedimentos seguros para atingir metas propostas são princípios norteadores do modo de produção burguês. Assim, a burguesia abandonou a fundamentação teológica da “Didática Magna” e se apropriou dos seus procedimentos didático-metodológicos, para atingir suas próprias finalidades. Libâneo (1994) pontua os seguintes princípios que assentavam a Didática de Comenius: 1) A finalidade da educação é conduzir à felicidade eterna com Deus, pois é uma força poderosa de regeneração da vida humana. Todos os homens merecem a sabedoria, a moralidade e a religião, porque todos, ao realizarem sua própria natureza, realizam os desígniosde Deus. Portanto, a educação é um direito natural de todos. 2) Por ser parte da natureza, o homem deve ser educado de acordo com o seu desenvolvimento natural, isto é, de acordo com as características de idade e capacidade para o conhecimento. Consequentemente, a tarefa principal da Didática 14 é estudar essas características e os métodos de ensino correspondentes, de acordo com a ordem natural das coisas. 3) A assimilação dos conhecimentos não se dá instantaneamente, como se o aluno registrasse de forma mecânica na sua mente a informação do professor, como o reflexo num espelho. No ensino, ao invés disso, tem um papel decisivo a percepção sensorial das coisas. Os conhecimentos devem ser adquiridos a partir da observação das coisas e dos fenômenos, utilizando e desenvolvendo sistematicamente os órgãos dos sentidos. 4) O método intuitivo consiste, assim, da observação direta, pelos órgãos dos sentidos, das coisas, para o registro das impressões na mente do aluno. Primeiramente as coisas, depois as palavras. O planejamento de ensino deve obedecer o curso da natureza infantil; por isso as coisas devem ser ensinadas uma de cada vez. Não se deve ensinar nada que a criança não possa compreender. Portanto, deve-se partir do conhecido para o desconhecido. Apesar da grande novidade destas ideias, principalmente dando um impulso ao surgimento de uma teoria do ensino, Comenius não escapou de algumas crenças usuais na época sobre ensino. Embora partindo da observação e da experiência sensorial, mantinha-se o caráter transmissor do ensino; embora procurando adaptar o ensino às fases do desenvolvimento infantil, mantinha-se o método único e o ensino simultâneo a todos. Além disso, sua ideia de que a única via de acesso dos conhecimentos é a experiência sensorial com as coisas não é suficiente, primeiro porque nossas percepções frequentemente nos enganam, segundo, porque já há uma experiência social acumulada de conhecimentos sistematizados que não necessitam ser descobertos novamente. Entretanto, Comenius desempenhou uma influência considerável, não somente porque empenhou-se em desenvolver métodos de instrução mais rápidos e eficientes, mas também porque desejava que todas as pessoas pudessem usufruir dos benefícios do conhecimento. Libâneo (1994) nos lembra que, na história, as ideias, principalmente quando são muito inovadoras para a época, costumam demorar para terem efeito prático. 15 No século XVII, em que viveu Comenius, e nos séculos seguintes, ainda predominavam práticas escolares da Idade Média: ensino intelectualista, verbalista e dogmático, memorização e repetição mecânica dos ensinamentos do professor. Nessas escolas não havia espaço para ideias próprias dos alunos, o ensino era separado da vida, mesmo porque ainda era grande o poder da religião na vida social. Enquanto isso, porém, foram ocorrendo intensas mudanças nas formas de produção, havendo um grande desenvolvimento da ciência e da cultura. Foi diminuindo o poder da nobreza e do clero e aumentando o da burguesia. Na medida em que esta se fortalecia como classe social, disputando o poder econômico e político com a nobreza, ia crescendo também a necessidade de um ensino ligado às exigências do mundo da produção e dos negócios e, ao mesmo tempo, um ensino que contemplasse o livre desenvolvimento das capacidades e interesses individuais. 2.2 Rousseau, Pestalozzi e a criança No século XVIII, período em que a burguesia atuava como classe revolucionária, encontra-se em Rousseau uma crítica radical tanto à Didática que se estabeleceu a partir de Comenius, como à adaptação dessa Didática à ideologia burguesa. Podemos dizer que Rousseau foi o autor da segunda grande revolução didática, dando origem a um novo conceito de infância. Ele dá um grande passo quando atenta para a natureza da criança que deixa de ser um adulto em miniatura e transforma o método num procedimento natural, exercido sem pressa e sem livros. Rousseau (1712-1778) foi um pensador que procurou interpretar essas aspirações, propondo uma concepção nova de ensino, baseada nas necessidades e interesses imediatos da criança. As ideias mais importantes de Rousseau são as seguintes: 1) A preparação da criança para a vida futura deve basear-se no estudo das coisas que correspondem às suas necessidades e interesses atuais. Antes de ensinar as ciências, elas precisam ser levadas a despertar o gosto pelo seu estudo. Os verdadeiros professores são a natureza, a experiência e o sentimento. O contato 16 da criança com o mundo que a rodeia é que desperta o interesse e suas potencialidades naturais. Em resumo: são os interesses e necessidades imediatas do aluno que determinam a organização do estudo e seu desenvolvimento. 2) A educação é um processo natural, ela se fundamenta no desenvolvimento interno do aluno. As crianças são boas por natureza, elas têm uma tendência natural para se desenvolverem. Rousseau não colocou em prática suas ideias e nem elaborou uma teoria de ensino. Essa tarefa coube a Pestalozzi (1746-1827), que viveu e trabalhou até o fim da vida na educação de crianças pobres, em instituições dirigidas por ele próprio. Deu uma grande importância ao ensino como meio de educação e desenvolvimento das capacidades humanas, como cultivo do sentimento, da mente e do caráter (LIBÂNEO, 1994). Em seus escritos e atuação, Pestalozzi deixa transparecer as dimensões sociais dadas à problemática educacional. O aspecto metodológico da Didática encontra-se, sobretudo, em princípios, e não em regras, transportando-se o foco de atenção às condições para o desenvolvimento harmônico do aluno (CASTRO, 2001). A crítica falada no primeiro parágrafo faz parte de uma crítica real das relações sociais e culturais que termina num conceito de educação individual como plano de superação dessas relações corrompidas, recuperando a verdadeira natureza do homem que é boa. Para Rousseau, a educação nos deve dar tudo o que não temos ao nascer e de que necessitamos quando adultos, nunca ultrapassando ou antecipando o desenvolvimento natural do homem. Essa educação vem da natureza, dos homens e das coisas. A educação da natureza, que é o desenvolvimento interno de nossos órgãos e faculdades, independe de nós. A dos homens é o uso que nos ensinam a fazer desse desenvolvimento. E a nossa própria experiência sobre os objetos que nos afetam é a educação das coisas (CASTRO, 2001; ALBUQUERQUE, 2002). Daí os seguintes princípios didáticos: respeitar o desenvolvimento natural dos indivíduos; controlar as influências dos homens, interferindo o mínimo possível; não impor conteúdos, mas arranjar situações em que o aluno tenha possibilidade de descobrir por conta própria. 17 Partindo para o século XIX, consolidou-se o modo de produção capitalista em sua forma avançada, consubstanciada em grandes empresas fabris. A burguesia se deparou com uma árdua tarefa: instalar-se nos aparelhos do Estado e governar uma sociedade industrial complexa. As pedagogias de Comenius e Rousseau não mais atendiam às necessidades do momento. A primeira pertencia a um mundo onde a produção manufatureira era dominante, período já superado. A segunda atendia a um período revolucionário, também superado. As ideias de Comenius, Rousseau e Pestalozzi influenciaram muitos outros pedagogos. O mais importante deles, porém, foi Johann Friedrich Herbart (1766- 1841), pedagogo alemão que teve muitos discípulos e que exerceu influência relevante na Didática e na prática docente. Foi e continua sendo inspirador da pedagogia conservadora – conforme veremos – mas suas ideias precisam ser estudadas por causa da sua presença constante nas salas de aula brasileiras. Junto com uma formulação teórica dos fins da educação e da Pedagogia como ciência, desenvolveu uma análise do processo psicológico-didático deaquisição de conhecimentos, sob a direção do professor (LIBÂNEO, 1994). 2.3 Herbart e a educação pela instrução No entendimento de Castro (2001), Herbart (1776-1841) deseja ser o criador de uma Pedagogia Científica, fortemente influenciada por seus conhecimentos de Filosofia e da Psicologia da época. Situa-se no plano didático ao defender a ideia da “Educação pela Instrução”, bem como pela relevância do aspecto metodológico em sua obra. O método dos passos formais celebrizou o autor, que o considerava próprio a toda e qualquer situação de ensino. Partindo da concepção de “massas aperceptivas” constituídas por conhecimentos anteriores, graças aos quais se aglutinam os novos, seguia ordem e sequência invariáveis. Teve sucesso na Europa, onde suas ideias foram defendidas e adaptadas por discípulos; e nos Estados Unidos, onde foi reconhecida sua influência sobre Thorndike, também associacionista. Libâneo (1994, p. 61) elenca os seguintes pensamentos de Herbart: 18 educar o homem significa instruí-lo para querer o bem, de modo que aprenda a comandar a si próprio; a principal tarefa da instrução é introduzir ideias corretas na mente dos alunos; o professor é um arquiteto da mente. Ele deve trazer à atenção dos alunos aquelas ideias que deseja que dominem suas mentes; controlando os interesses dos alunos, o professor vai construindo uma massa de ideias na mente, que por sua vez vão favorecer a assimilação de ideias novas; o método de ensino consiste em provocar a acumulação de ideias na mente da criança Herbart tem o mérito de tornar a Pedagogia o ponto central de um círculo de investigação próprio. No entanto, a Psicologia ainda não havia deixado o caminho do empirismo sensualista de origem filosófica e não ainda experimental. Seu propósito tinha futuro, mas os meios para realizá-lo eram ainda inadequados (CASTRO, 2001). Segundo Ghiraldelli Jr (1994), tanto Pestalozzi como Herbart incentivaram a tendência de psicologizar a educação. Para este último, a psicologização da educação aparecia como uma das condições para tornar a pedagogia uma ciência. De fato isso aconteceu, tanto que propunha uma aprendizagem consubstanciada nos cinco passos formais de instrução. Herbart escalonou o desenvolvimento do caráter em três estágios. No estágio inicial predominaria a sensação e a percepção, onde a emotividade seria forte e a impulsividade e o capricho da criança deveriam ser contidos. Posteriormente, o ser humano atingiria o estágio onde se privilegiaria a memória e a imaginação; e seria nessa época que a criança já poderia começar a responder a uma educação sistemática. Finalmente, no último estágio, o ser humano estaria apto a julgamentos e conceitos universais; nessa fase, a instrução formaria e conformaria a vontade. A estes estágios corresponderiam os passos formais do ensino. 19 A pedagogia herbartiana, não sem razão, foi chamada de intelectualista pelos seus críticos. Na verdade, ela partia do princípio da indissolução dos termos educação e instrução. Para Herbart, o que existia era a instrução educativa, ou seja, a formação do caráter e da mente pela instrução, pelo contato com modelos literários, artísticos, científicos e filosóficos que, uma vez no papel de conteúdos escolares, deveriam educar as novas gerações, colocando-as em contato com o patrimônio cultural das gerações passadas. O princípio da psicologia de Herbart dizia que “desejo” e “vontade” não são autônomos, mas que são resultados da atividade intelectual responsável pelas ideias e representações – “a volição tem suas raízes no pensamento” – enfatizou a psicologia herbartiana. Tais princípios, que priorizavam a apreensão de conteúdos científicos, literários e filosóficos na formação dos educandos, acabaram forjando um dos mais poderosos métodos de ensino: “os cinco passos formais”, facilmente transformados no “modo natural de ministrar aulas” – o “método expositivo”. Os “cinco passos”: 1) preparação; 2) apresentação; 3) associação; 4) generalização e 5) aplicação – indicavam um modo razoavelmente simples e fácil de conduzir o processo de aprendizagem, e esta foi uma das condições técnicas essenciais para o seu sucesso e disseminação entre os professores. Assim: a lição do dia deveria começar pela recordação dos tópicos anteriormente estudados (preparação); em seguida, o professor poderia apresentar o conteúdo da nova lição (apresentação); o terceiro passo do processo se daria pela comparação entre os conteúdos novos e velhos (associação) a partir das percepções, sensações e associações iniciais; o penúltimo passo consistiria na formação de conceitos abstratos e gerais (generalização); por fim, caberia ao professor propor alguns exercícios para verificação de aprendizagem e treinamento (aplicação). 20 Acoplado ao culto do rigor, à disciplina e também à forma de organização curricular oriunda do positivismo, a pedagogia herbartiana forneceu o corpo principal da Pedagogia Tradicional no Brasil (GHIRALDELLI JR, 1994). Enfim, as ideias pedagógicas de Comenius, Rousseau, Pestalozzi e Herbart, além de muitos outros formaram as bases do pensamento pedagógico europeu, difundindo-se depois por todo o mundo, demarcando as concepções pedagógicas que hoje são conhecidas como Pedagogia Tradicional e Pedagogia Renovada (LIBÂNEO, 1994). 2.4 A didática na e pós Primeira República Chegamos ao Brasil, mais precisamente Primeira República, momento em que o cenário de lutas político-pedagógicas passou a ser formado por três correntes: a Pedagogia Tradicional, a Pedagogia Nova e a Pedagogia Libertadora. Essas vertentes podem ser associadas, grosso modo, a três diferentes setores: a Pedagogia Tradicional associava-se às aspirações dos intelectuais ligados às oligarquias dirigentes e à Igreja; a Pedagogia Nova emergiu no interior de movimentos da burguesia e das classes médias que buscavam a modernização do Estado e da sociedade no Brasil; a Pedagogia Libertária, ao contrário das duas primeiras, não teve origem nas classes dominantes; vinculou-se aos intelectuais ligados aos projetos dos movimentos sociais populares, principalmente aos desejos de transformação social contidos nas propostas do movimento operário de linha anarquista e anarco-sindicalista (GHIRALDELLI JR, 1994). Todas as pedagogias que se organizaram na República tiveram de enfrentar ou assimilar os preceitos de uma herança pedagógica constituída pela Pedagogia Jesuítica. 21 2.4.1 A Pedagogia Tradicional A pedagogia de cunho religioso-católico reproduzia, ainda, em muitos aspectos, os preceitos educacionais dos jesuítas, que foram os responsáveis pelo ensino no Brasil por mais de duzentos anos. As diretrizes educacionais dos jesuítas foram dadas pelo Ratio Studiorum, promulgado em 1599, que continuou a influenciar os educadores do país mesmo após a expulsão da Companhia de Jesus do Brasil, em 1759. Boa parte do professorado na Primeira República, religiosos ou leigos, tinha suas linhas pedagógicas dirigidas pelos princípios gerais do Ratio Studiorum. Um século depois da expulsão dos jesuítas do Brasil, ainda permanecia, incrustado nas cabeças dos professores, um regrário didático com origem no Ratio, o que mostra, de certa forma, a incapacidade do pensamento laico em superar a organização da cultura forjada pelo catolicismo no Brasil (GHIRALDELLI JR, 1994). A pedagogia do Ratio Studiorum baseava-se na unidade de matéria, unidade de método e unidade de professor. Ou seja, a unidade de professor significava que cada turma deveria seguir seus estudos, do começo ao fim, com o mesmo mestre. Todos os professores deveriam se utilizar da mesma metodologia. E o assunto a ser estudado deveria contemplar poucos autores, principalmente aqueles ligados ao pensamento oficial da Igreja, como Tomás de Aquino. Além disso,o Ratio determinava uma disciplina rígida, o cultivo da atenção, da perseverança nos estudos – traços de caráter considerados essenciais para o cristão leigo e, mais ainda, para o futuro sacerdote. O princípio pedagógico fundamental era a emulação, tanto individual como coletiva, aliada a uma hierarquização do corpo discente baseada na obediência e na meritocracia. A Pedagogia Tradicional brasileira muito deve a esses princípios do jesuitismo, mas não é correto afirmar identidade entre Pedagogia Tradicional e Pedagogia Jesuítica. A Pedagogia Tradicional compôs-se, na verdade, das teorias pedagógicas modernas americanas e alemãs, com substrato comum no herbartismo (GHIRALDELLI JR, 1994). Vários educadores americanos que estiveram na Alemanha tomando contato com o herbartismo publicaram extensa literatura educacional que, em parte, chegou ao Brasil da Primeira República, ou por intermédio de intelectuais que as liam no original, ou então por traduções (Rui Barbosa conhecia os textos de Pestalozzi e 22 Herbart; os textos de Francis Parker, educador herbartiano, foram traduzidos e publicados no Brasil antes dos anos 20) (GHIRALDELLI JR, 1994). 2.4.2 A Pedagogia Libertária A Pedagogia Libertária está associada às primeiras organizações do proletariado urbano no Brasil. Os primeiros congressos operários e as agitações em torno de greves, boicotes, entre outras, propiciaram todo um clima para a proliferação de uma imprensa operária, ligada aos recém-criados sindicatos. Tal imprensa foi a grande responsável pela divulgação de teorias pedagógicas vinculadas a pensadores europeus socialistas e anarquistas. Foram esses mesmos sindicatos responsáveis pela criação de “escolas operárias”, de “escolas modernas”, onde se tentavam experiências no sentido da Pedagogia Libertária. Entre as várias concepções de Pedagogia Libertária que aportaram no Brasil, sem dúvida o pensamento do educador Francisco Ferrer y Guardia (1859- 1909) foi o que mais ganhou adeptos, escapando dos círculos operários e conquistando educadores das classes médias militantes do ensino oficial. Segundo Ghiraldelli Jr (1994), a Pedagogia Libertária não esteve, obviamente, comprometida com a sociedade existente. Pelo contrário, desenvolveu- se no sentido da transformação da ordem socioeconômica vigente, procurando moldar o ensino para a construção de um novo homem e de uma nova sociedade. Para o pensamento libertário, a tríade capitalismo, Estado e Igreja representava a velha sociedade que deveria sucumbir para dar lugar à sociedade anarquista- comunista, sem divisão de classes, sem hierarquia burocratizada, sem centralização do poder. O lema era a conquista do “homem livre sobre a terra livre”, que se refletia no ideal pedagógico de Ferrer: “a infância livre e feliz”. Segundo a Pedagogia Libertária, a educação oficial, fosse ela laica ou religiosa, baseava-se no dogmatismo, o que impedia as crianças de poderem pensar de maneira diferente às conveniências das instituições capitalistas. Combatendo tal sistema educativo, a Pedagogia Libertária propôs diretrizes firmadas em quatro pontos: 23 a) educação “de base científica e racional” no sentido de “retirar da criança interpretações inísticas ou sobrenaturais”; b) dicotomia entre instrução e educação, sendo que a educação deveria compreender, de um lado, a “formação da inteligência” e, de outro, a preparação de um ser “moral e fisicamente equilibrado”; c) a “educação moral, menos teórica do que prática, deveria resultar do exemplo e da lei natural da solidariedade”; d) “adaptação do ensino ao nível psicológico das crianças”. Tais princípios se uniam a outros que emergiram da organização das chamadas “escolas modernas”, que existiram em algumas cidades do país nos anos 10 do século XX, na busca de imitar a Escola Moderna de Barcelona, fundada pelo próprio Ferrer. A escola moderna não era gratuita, não recebia contribuição de instituições oficiais e adotou o princípio de receber o sustento diferenciado de cada família – cada família pagava em proporção aos seus meios. De acordo com Ghiraldelli Jr (1994, p. 24), a escola moderna: procurava desenvolver a coeducação em amplo sentido, ou seja, o convívio de meninos e meninas, garantindo a coeducação dos sexos, e também o convívio de elementos de distintas classes sociais, garantindo a coeducação social; era laica; mas não se contentava com o “laicismo neutro das escolas oficiais republicanas”, desejava sim um “laicismo combativo”, capaz de dirigir críticas contundentes aos princípios religiosos, principalmente católicos; primava por um ensino de “base racional e científica”, que deveria se desenvolver através do contato com a natureza, com ênfase na criatividade, na livre expressão, na produção de textos críticos, no contato com métodos experimentais. Enfim, a Pedagogia Libertária veio ao Brasil pelas mãos dos trabalhadores imigrantes – italianos, espanhóis, portugueses, franceses, entre outros – que chegaram ao país para dar continuidade ao trabalho na lavoura do café e que, 24 posteriormente, deram origem ao proletariado urbano nas grandes cidades do início do século. Duas vertentes da Pedagogia Libertária foram divulgadas no Brasil pela imprensa ligada ao Movimento Operário da Primeira República; a Educação Integral, ligada ao nome do anarquista Paul Robim (1837-1912) e a Educação Racionalista, ligada às obras de Ferrer. A Educação Integral não chegou a se efetivar em experiências concretas, ao contrário da Educação Racionalista que deu origem às escolas modernas no Rio, São Paulo, Porto Alegre, Belém do Pará, entre outras. A Pedagogia Libertária sofreu um sério revés a partir do final dos anos 10, com a intensificação da repressão aos movimentos sindicalistas encetada pelo governo oligárquico da Primeira República. 2.4.3 A Pedagogia Nova Diferentemente da Pedagogia Tradicional, que se caracterizou por conter um corpo teórico relativamente homogêneo, a Pedagogia Nova, desde seus primórdios, pautou-se por refletir indicações teóricas provindas de experiências distintas. No final do século XIX e início do século XX, inúmeras experiências educacionais, em solo europeu e americano, registraram o aparecimento do escolanovismo (GHIRALDELLI JR, 1994). Dentro desse movimento, desenvolveu-se nos Estados Unidos uma de suas mais destacadas correntes, a Pedagogia Pragmática ou Progressivista, cujo principal representante é John Dewey (1859-1952). As ideias desse brilhante educador exerceram uma significativa influência no movimento da Escola Nova na América Latina e, particularmente, no Brasil (LIBÂNEO, 1994). Em 1896, nos Estados Unidos, o professor universitário John Dewey (1859- 1952) criou a University Elementary School, acoplada à Universidade de Chicago. Dewey foi, sem dúvida, o maior filósofo da educação dos EUA. Seus textos causaram grande impacto na sociedade americana; sua psicologia, distinta da psicologia tradicional, provocou um súbito estancamento na divulgação da pedagogia herbartiana. Dewey e seus seguidores reagem à concepção herbartiana da educação pela instrução, advogando a educação pela ação. Para eles: a escola não é uma preparação para a vida, é a própria vida; 25 a educação é o resultado da interação entre o organismo e o meio através da experiência e da reconstrução da experiência; a função mais genuína da educação é a de prover condições para promover e estimular a atividade própria do organismo para que alcance seu objetivo de crescimento e desenvolvimento. Por isso, a atividade escolar deve centrar-se em situações de experiência onde são ativadas as potencialidades, capacidades, necessidades e interesses naturais da criança; o currículo não se baseia nas matérias de estudo convencionais que expressam a lógica do adulto, mas nas atividades e ocupações da vida presente,de modo que a escola se transforme num lugar de vivência daquelas tarefas requeridas para a vida em sociedade; o aluno e o grupo passam a ser o centro de convergência do trabalho escolar (LIBÂNEO, 1994). Com a liderança de Anísio Teixeira e outros educadores, formou-se no início da década de 1930, o Movimento dos Pioneiros da Escola Nova, cuja atuação foi decisiva na formulação da política educacional, na legislação, na investigação acadêmica e na prática escolar. O Movimento da Escola Nova enfatizou os “métodos ativos” de ensino- aprendizagem, deu importância substancial à liberdade da criança e ao interesse do educando, adotou métodos de trabalho em grupo e incentivou a prática de trabalhos manuais nas escolas; além disso, valorizou os estudos de psicologia experimental e, finalmente, procurou colocar a criança (e não mais o professor) no centro do processo educacional (GHIRALDELLI JR, 1994). Guarde... A Pedagogia Tradicional, em suas várias correntes, caracteriza as concepções de educação onde prepondera a ação de agentes externos na formação do aluno, o primado do objeto de conhecimento, a transmissão do saber constituído na tradição e nas grandes verdades acumuladas pela humanidade e uma concepção de ensino como impressão de imagens propiciadas ora pela palavra do professor ora pela observação sensorial. 26 A Pedagogia Renovada agrupa correntes que advogam a renovação escolar, opondo-se à Pedagogia Tradicional. Entre as características desse movimento destacam-se: a valorização da criança, dotada de liberdade, iniciativa e de interesses próprios e, por isso mesmo, sujeito da sua aprendizagem e agente do seu próprio desenvolvimento; tratamento científico do processo educacional, considerando as etapas sucessivas do desenvolvimento biológico e psicológico; respeito às capacidades e aptidões individuais, individualização do ensino conforme os ritmos próprios de aprendizagem; rejeição de modelos adultos em favor da atividade e da liberdade de expressão da criança. 27 UNIDADE 3 – A DIDÁTICA E AS TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS Inicialmente, a escola foi concebida para transmitir cultura e valores ao indivíduo, visando resgatá-lo da marginalidade social, pois vivia nessa condição por ser ignorante. Foi então instituída a escola e a pedagogia tradicional para desempenharem esta função, centrada no professor, como transmissor ativo do saber, enquanto o aluno comportava-se como receptor passivo dos ensinamentos do mestre. A memorização e reprodução de conceitos pelo aluno era o foco principal desta tendência pedagógica (SAVIANI, 2000). Por haver malogrado em sua função, pois não resgatou o indivíduo da marginalidade social, a escola tradicional foi substituída pela escola nova, na qual se desviou o foco do professor para o aluno, que por ser rejeitado vivia na condição de excluído, não sendo, portanto, a ignorância a causa dessa sua condição. A escola deveria então incluir socialmente o aluno por meio de sua valorização humana. Entretanto, a escola nova também não logrou promover a inclusão social do indivíduo, surgindo, então, outro modelo pedagógico e de escola, o tecnicismo, com o intuito de combater a marginalidade do educando. Neste aspecto, concluiu-se que a causa deste problema não era a ignorância e nem a rejeição do indivíduo, mas sim sua incompetência, sendo o tecnicismo, por conseguinte, capaz de resgatá-lo desta situação, tornando-o competente (SAVIANI, 2000). Luckesi (2003) e Saviani (2000) nomeiam estes modelos pedagógicos como pertencentes às tendências liberais de educação, que advoga a meritocracia como condição para ascensão social e econômica do indivíduo. Luckesi (2003, p. 54) ressalta que a educação brasileira, pelo menos nos últimos cinquenta anos, tem sido marcada pelas tendências liberais, nas suas formas ora conservadora, ora renovada. Evidentemente, tais tendências se manifestam, concretamente, nas práticas escolares e no ideário pedagógico de muitos professores, ainda que estes não se deem conta dessa influência. Luckesi (2003) divide a tendência pedagógica nova ou renovada em duas categorias: a renovada progressivista e a renovada não diretiva. 28 Estudos de Silva (2012) e outros apontam que a prática escolar está sujeita a condicionantes de ordem sociopolítica que implicam diferentes concepções de homem e de sociedade e, consequentemente, diferentes pressupostos sobre o papel da escola e da aprendizagem. Devido ao modo como os professores realizam o seu trabalho na escola, geralmente baseando-se nesses pressupostos teóricos, seja de maneira explícita ou implicitamente, torna-se mister discorrer sobre eles, afinal de contas é a partir das tendências pedagógicas que começamos a compreender esse modus operanti e podemos optar por esta ou aquela tendência. Isto é, ao conhecer essas tendências pedagógicas e os seus pressupostos de aprendizagem, o professor terá condições de avaliar os fundamentos teóricos empregados na sua prática em sala de aula. Embora se reconheçam as dificuldades do estabelecimento de uma síntese dessas diferentes tendências pedagógicas, cujas influências se refletem no ecletismo do ensino atual, usaremos, como diversos outros estudos usaram, a teoria de José Carlos Libâneo (1990, 1994), que as classifica em dois grupos: “liberais” e “progressistas”. No primeiro grupo, estão incluídas a tendência “tradicional”, a “renovada progressivista”, a “renovada não-diretiva” e a “tecnicista”. No segundo grupo, o das tendências progressistas, falaremos sobre a tendência “libertadora”, a “libertária” e a “crítico-social dos conteúdos”. 29 Vejamos a ilustração a seguir: Tradicional Renovada progressista Tendências liberais Renovada não diretiva – Escola Nova Tendências pedagógicas brasileiras Tecnicista Libertadora Tendências progressistas Libertária Crítico-social Silva (2012) nos lembra que devido aos avanços no campo da Psicologia da Aprendizagem, bem como a revalorização das ideias de psicólogos interacionistas, como Piaget, Vygotsky e Wallon, e a autonomia da escola na construção de sua Proposta Pedagógica (o que se deu a partir da LDB nº 9394/96), daremos algumas pinceladas nas tendências pós-LDB. 3.1 Tendências liberais Segundo Libâneo (1990), as correntes liberais sustentam a ideia de que a escola tem por função preparar os indivíduos para o desempenho de papéis sociais, de acordo com as aptidões individuais. Isso pressupõe que o indivíduo precisa adaptar-se aos valores e normas vigentes na sociedade de classe, através do desenvolvimento da cultura individual. Devido a essa ênfase no aspecto cultural, as diferenças entre as classes sociais não são consideradas, pois, embora a escola passe a difundir a ideia de igualdade de oportunidades, não leva em conta a desigualdade de condições. 30 Sob esta ótica, o indivíduo é tido como único responsável pelo seu sucesso ou fracasso, independentemente das condições proporcionadas para sua inserção no âmbito cultural ou acadêmico. a) Pedagogia tradicional Na Pedagogia Tradicional, a Didática é uma disciplina normativa, um conjunto de princípios e regras que regulam o ensino. A atividade de ensinar é centrada no professor que expõe e interpreta a matéria. Às vezes são utilizados meios como a apresentação de objetos, ilustrações, exemplos, mas o meio principal é a palavra, a exposição oral. Supõe-se que ouvindo e fazendo exercícios repetitivos, os alunos “gravam” a matéria para depois reproduzi-la, seja através das interrogações do professor, seja através das provas. Para isso, é importante que o aluno “preste atenção”, porque ouvindo facilita-se o registro do que se transmite, na memória. O aluno é, assim, um recebedor da matéria e sua tarefa é decorá-la. Os objetivos, explícitosou implícitos, referem-se à formação de um aluno ideal, desvinculado da sua realidade concreta. O professor tende a encaixar os alunos num modelo idealizado de homem que nada tem a ver com a vida presente e futura. A matéria de ensino é tratada isoladamente, isto é, desvinculada dos interesses dos alunos e dos problemas reais da sociedade e da vida. O método é dado pela lógica e sequência da matéria, é o meio utilizado pelo professor para comunicar a matéria e não dos alunos para aprendê-la. É ainda forte a presença dos métodos intuitivos, que foram incorporados ao ensino tradicional. Baseiam-se na apresentação de dados sensíveis, de modo que os alunos possam observá-los e formar imagens deles em sua mente. Muitos professores ainda acham que “partir do concreto” é a chave do ensino atualizado. Mas esta ideia já fazia parte da Pedagogia Tradicional porque o “concreto” (mostrar objetos, ilustrações, gravuras, entre outros) serve apenas para gravar na mente o que é captado pelos sentidos. O material concreto é mostrado, demonstrado, manipulado, mas o aluno não lida mentalmente com ele, não o repensa, não o reelabora com o seu próprio pensamento. A aprendizagem, assim, continua receptiva, automática, não mobilizando a atividade mental do aluno e o desenvolvimento de suas capacidades intelectuais. 31 A Didática tradicional tem resistido ao tempo e continua prevalecendo na prática escolar. É comum nas nossas escolas atribuir-se ao ensino a tarefa de mera transmissão de conhecimentos, sobrecarregar o aluno de conhecimentos que são decorados sem questionamento, dar somente exercícios repetitivos, impor externamente a disciplina e usar castigos. Trata-se de uma prática escolar que empobrece até as boas intenções da Pedagogia Tradicional que pretendia, com seus métodos, a transmissão da cultura geral, isto é, das grandes descobertas da humanidade, e a formação do raciocínio, o treino da mente e da vontade. Os conhecimentos ficaram estereotipados, insossos, sem valor educativo vital, desprovidos de significados sociais, inúteis para a formação das capacidades intelectuais e para a compreensão crítica da realidade. O intento de formação mental, de desenvolvimento do raciocínio, ficou reduzido a práticas de memorização. b) Pedagogia renovada A Pedagogia Renovada inclui várias correntes: a progressivista (que se baseia na teoria educacional de John Dewey), a não-diretiva (principalmente inspirada em Carl Rogers), a ativista-espiritualista (de orientação católica), a culturalista, a piagetiana, a montessoriana e outras. Todas, de alguma forma, estão ligadas ao movimento da pedagogia ativa que surge no final do século XIX como contraposição à Pedagogia Tradicional. Entretanto, segundo estudo feito por Castro (1984), os conhecimentos e a experiência da Didática brasileira pautam-se, em boa parte, no movimento da Escola Nova, inspirado principalmente na corrente progressivista. Vamos destacar seguindo o pensamento de Libâneo apenas a Didática ativa inspirada nessa corrente e a Didática Moderna de Luís Alves de Mattos, que será incluída na corrente culturalista. c) Escola Nova A Didática da Escola Nova ou Didática ativa é entendida como “direção da aprendizagem”, considerando o aluno como sujeito da aprendizagem. O que o professor tem a fazer é colocar o aluno em condições propícias para que, partindo das suas necessidades e estimulando os seus interesses, possa buscar por si mesmo conhecimentos e experiências. A ideia é a de que o aluno aprende melhor o que faz por si próprio. Não se trata apenas de aprender fazendo, no sentido de trabalho manual, ações manipulação de objetos. Trata-se de colocar o 32 aluno em situações em que seja mobilizada a sua atividade global e que se manifesta em atividade intelectual, atividade de criação, de expressão verbal, escrita, plástica ou outro tipo. O centro da atividade escolar não é o professor nem a matéria, é o aluno ativo e investigador. O professor incentiva, orienta, organiza as situações de aprendizagem, adequando-as às capacidades de características individuais dos alunos. Por isso, a Didática ativa dá grande importância aos métodos e técnicas como o trabalho de grupo, atividades cooperativas, estudo individual, pesquisas, projetos, experimentações, entre outros, bem como aos métodos de reflexão e método científico de descobrir conhecimentos. Tanto na organização das experiências de aprendizagem como na seleção de métodos, importa o processo de aprendizagem e não diretamente o ensino. O melhor método é aquele que atende as exigências psicológicas do aprender. Em síntese, a Didática ativa dá menos atenção aos conhecimentos sistematizados, valorizando mais o processo da aprendizagem e os meios que possibilitam o desenvolvimento das capacidades e habilidades intelectuais dos alunos. Por isso, os adeptos da Escola Nova costumam dizer que o professor não ensina; antes, ajuda o aluno a aprender. Ou seja, a Didática não é a direção do ensino, é a orientação da aprendizagem, uma vez que esta é uma experiência própria do aluno através da pesquisa, da investigação. Em paralelo à Didática da Escola Nova, surge a partir dos anos 50 a Didática Moderna proposta por Luís Alves de Mattos. Seu livro “Sumário de Didática Geral” foi largamente utilizado durante muitos anos nos cursos de formação de professores e exerceu considerável influência em muitos manuais de Didática publicados posteriormente. A Didática Moderna é inspirada na pedagogia da cultura, corrente pedagógica de origem alemã. Mattos identifica sua Didática com as seguintes características: 33 o aluno é o fator pessoal decisivo na situação escolar; em função dele giram as atividades escolares, para orientá-lo e incentivá-lo na sua educação e na sua aprendizagem, tendo em vista desenvolver-Ihe a inteligência e formar-lhe o caráter e a personalidade; o professor é o incentivador, orientador e controlador da aprendizagem, organizando o ensino em função das reais capacidades dos alunos e do desenvolvimento dos seus hábitos de estudo e reflexão; a matéria é o conteúdo cultural da aprendizagem, o objeto ao qual se aplica o ato de aprender, onde se encontram os valores lógicos e sociais a serem assimilados pelos alunos; está a serviço do aluno para formar as suas estruturas mentais e, por isso, sua seleção, dosagem e apresentação vinculam-se às necessidades e capacidades reais dos alunos; o método representa o conjunto dos procedimentos para assegurar a aprendizagem, isto é, existe em função da aprendizagem, razão pela qual, a par de estar condicionado pela natureza da matéria, relaciona-se com a psicologia do aluno. Mattos (1967) destaca como conceitos básicos da Didática, o ensino e a aprendizagem, em estreita relação entre si. O ensino é a atividade direcional sobre o processo de aprendizagem e a aprendizagem é a atividade mental intensiva e propositada do aluno em relação aos dados fornecidos pelos conteúdos culturais. Em suas palavras: A autêntica aprendizagem consiste exatamente nas experiências concretas do trabalho reflexivo sobre os fatos e valores da cultura e da vida, ampliando as possibilidades de compreensão e de interação do educando com seu ambiente e com a sociedade. (...) O autêntico ensino consistirá no planejamento, na orientação e no controle dessas experiências concretas de trabalho reflexivo dos alunos, sobre os dados da matéria ou da vida cultural da humanidade (1967, p. 72-73). Definindo a Didática como disciplina normativa, técnica de dirigir e orientar eficazmente a aprendizagem das matérias, tendo em vista os seus objetivos educativos, Mattos propõe a teoria do Ciclo docente, que é o método didático em ação. O ciclo docente, abrangendo as fases de planejamento, orientação e controle 34 da aprendizagem e suas subfases, é definido como o conjunto de atividadesexercidas, em sucessão ou ciclicamente, pelo professor, para dirigir e orientar o processo de aprendizagem dos seus alunos, levando-o a bom termo. É o método em ação. d) Tecnicismo Libâneo (1994) explica que quanto ao tecnicismo educacional, embora seja considerada como uma tendência pedagógica, inclui-se, em certo sentido, na Pedagogia Renovada. Desenvolveu-se no Brasil na década de 1950 (PABAEE – Programa Brasileiro-Americano de Auxílio ao Ensino Elementar), à sombra do progressivismo, ganhando nos anos 1960 autonomia, quando constituiu-se especificamente como tendência, inspirada na teoria behaviorista da aprendizagem e na abordagem sistêmica do ensino. Esta orientação acabou sendo imposta às escolas pelos organismos oficiais ao longo de boa parte das décadas de 1970 e 1980, por ser compatível com a orientação econômica, política e ideológica do regime militar então vigente. Com isso, ainda hoje predomina nos cursos de formação de professores, o uso de manuais didáticos de cunho tecnicista, de caráter meramente instrumental. A Didática instrumental está interessada na racionalização do ensino, no uso de meios e técnicas mais eficazes. O sistema de instrução se compõe das seguintes etapas: a) Especificação de objetivos instrucionais operacionalizados. b) Avaliação prévia dos alunos para estabelecer pré-requisitos para alcançar os objetivos. c) Ensino ou organização das experiências de aprendizagem. d) Avaliação dos alunos relativa ao que se propôs nos objetivos iniciais. O arranjo mais simplificado dessa sequência resultou na fórmula: objetivos, conteúdos, estratégias, avaliação. O professor é um administrador e executor do planejamento, o meio de previsão das ações a serem executadas e dos meios necessários para se atingir os 35 objetivos. Boa parte dos livros didáticos em uso nos anos 1990 nas escolas foram elaborados com base na tecnologia da instrução. 3.2 Tendências progressistas As tendências de cunho progressista interessadas em propostas pedagógicas voltadas para os interesses da maioria da população foram adquirindo maior solidez e sistematização por volta dos anos 80. São também denominadas teorias críticas da educação. Não é que não tenham existido antes esforços no sentido de formular propostas de educação popular. Já no começo do século, formaram-se movimentos de renovação educacional por iniciativa de militantes socialistas. Muitos dos integrantes do movimento dos pioneiros da Escola Nova tinham real interesse em superar a educação elitista e discriminadora da época. No início dos anos 60, surgiram os movimentos de educação de adultos que geraram ideias pedagógicas e práticas educacionais de educação popular, configurando a tendência que veio a ser denominada de Pedagogia Libertadora (LIBÂNEO, 1994). Na segunda metade da década de 70, com a incipiente modificação do quadro político repressivo em decorrência de lutas sociais por maior democratização da sociedade, tornou-se possível a discussão de questões educacionais e escolares numa perspectiva de crítica política das instituições sociais do capitalismo. Muitos estudiosos e militantes políticos se interessaram apenas pela crítica e pela denúncia do papel ideológico e discriminador da escola na sociedade capitalista. Outros, no entanto, levando em conta essa crítica, preocuparam-se em formular propostas e desenvolver estudos no sentido de tornar possível uma escola articulada com os interesses concretos do povo. Entre essas tentativas, destacam-se a Pedagogia Libertadora e a Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos. A primeira retomou as propostas de educação popular dos anos 60, refundindo seus princípios e práticas em função das possibilidades do seu emprego na educação formal em escolas públicas, já que inicialmente tinham caráter extraescolar, não-oficial e voltadas para o atendimento de clientela adulta. A segunda, inspirando-se no materialismo histórico dialético, constituiu-se como movimento pedagógico interessado na educação popular, na valorização da escola pública e do trabalho do professor, no ensino de qualidade para o povo e, especificamente, na acentuação da importância do domínio sólido por parte de 36 professores e alunos dos conteúdos científicos do ensino como condição para a participação efetiva do povo nas lutas sociais (na política, na profissão, no sindicato, nos movimentos sociais e culturais). Trata-se de duas tendências pedagógicas progressistas, propondo uma educação escolar crítica a serviço das transformações sociais e econômicas, ou seja, de superação das desigualdades sociais decorrentes das formas sociais capitalistas de organização da sociedade. No entanto, diferem quanto a objetivos imediatos, meios e estratégias de atingir essas metas gerais comuns. a) Pedagogia Libertadora A Pedagogia Libertadora não tem uma proposta explícita de Didática e muitos dos seus seguidores, entendendo que toda didática resumir-se-ia ao seu caráter tecnicista, instrumental, meramente prescritivo, até recusam admitir o papel dessa disciplina na formação dos professores. No entanto, há uma didática implícita na orientação do trabalho escolar, pois, de alguma forma, o professor se põe diante de uma classe com a tarefa de orientar a aprendizagem dos alunos. A atividade escolar é centrada na discussão de temas sociais e políticos; poder-se-ia falar de um ensino centrado na realidade social, em que professor e alunos analisam problemas e realidades do meio socioeconômico e cultural, da comunidade local, com seus recursos e necessidades, tendo em vista a ação coletiva frente a esses problemas e realidades. O trabalho escolar não se assenta, prioritariamente, nos conteúdos de ensino já sistematizados, mas no processo de participação ativa nas discussões e nas ações práticas sobre questões da realidade social imediata. Nesse processo em que se realiza a discussão, os relatos da experiência vivida, a assembleia, a pesquisa participante, o trabalho de grupo, entre outros, vão surgindo temas geradores que podem vir a ser sistematizados para efeito de consolidação de conhecimentos. É uma didática que busca desenvolver o processo educativo como tarefa que se dá no interior dos grupos sociais e, por isso, o professor é coordenador ou animador das atividades que se organizam sempre pela ação conjunta dele e dos alunos. A Pedagogia Libertadora tem sido empregada com muito êxito em vários setores dos movimentos sociais, como sindicatos, associações de bairro, comunidades religiosas. Parte desse êxito se deve ao fato de ser utilizada entre 37 adultos que vivenciam uma prática política e onde o debate sobre a problemática econômica, social e política pode ser aprofundado com a orientação de intelectuais comprometidos com os interesses populares. Em relação à sua aplicação nas escolas públicas, especialmente no ensino de 1º grau, os representantes dessa tendência não chegaram a formular uma orientação pedagógico-didática especificamente escolar, compatível com a idade, o desenvolvimento mental e as características de aprendizagem das crianças e jovens. b) Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos Para a Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos, a escola pública cumpre a sua função social e política, assegurando a difusão dos conhecimentos sistematizados a todos, como condição para a efetiva participação do povo nas lutas sociais. Não considera suficiente colocar como conteúdo escolar a problemática social cotidiana, pois somente com o domínio dos conhecimentos, habilidades e capacidades mentais podem os alunos organizar, interpretar e reelaborar as suas experiências de vida em função dos interesses de classe. O que importa é que os conhecimentos sistematizados sejam confrontados com as experiências socioculturais e a vida concreta dos alunos, como meio de aprendizagem e melhor solidez na assimilação dos conteúdos.Do ponto de vista didático, o ensino consiste na mediação de objetivos-conteúdos-métodos que assegure o encontro formativo entre os alunos e as matérias escolares, que é o fator decisivo da aprendizagem. A Pedagogia Crítico-Social dos conteúdos atribui grande importância à Didática, cujo objeto de estudo é o processo de ensino nas suas relações e ligações com a aprendizagem. As ações de ensinar e aprender formam uma unidade, mas cada uma tem a sua especificidade. A Didática tem como objetivo, a direção do processo de ensinar, tendo em vista finalidades sócio-políticas e pedagógicas e as condições e meios formativos; tal direção, entretanto, converge para promover a autoatividade dos alunos, a aprendizagem. Com isso, a Pedagogia Crítico-Social busca uma síntese superadora de traços significativos da Pedagogia Tradicional e da Escola Nova. Postula para o ensino a tarefa de propiciar aos alunos o desenvolvimento de suas capacidades e habilidades intelectuais, mediante a transmissão e assimilação ativa dos conteúdos escolares, articulando, no mesmo processo, a aquisição de 38 noções sistematizadas e as qualidades individuais dos alunos que lhes possibilitam a autoatividade e a busca independente e criativa das noções. Mas trata-se de uma síntese superadora. Com efeito, se a Pedagogia define fins e meios da prática educativa a partir dos seus vínculos com a dinâmica da prática social, importa um posicionamento dela face a interesses sociais em jogo no quadro das relações sociais vigentes na sociedade. Os conhecimentos teóricos e práticos da Didática medeiam os vínculos entre o pedagógico e a docência; fazem a ligação entre o “para quê” (opções político- pedagógicas) e o “como” da ação educativa escolar (a prática docente). A Pedagogia Crítico-Social toma o partido dos interesses majoritários da sociedade, atribuindo à instrução e ao ensino, o papel de proporcionar aos alunos o domínio de conteúdos científicos, os métodos de estudo e habilidades e hábitos de raciocínio científico, de modo a irem formando a consciência crítica face às realidades sociais e capacitando-se a assumir no conjunto das lutas sociais a sua condição de agentes ativos de transformação da sociedade e de si próprios (LIBÂNEO, 1994). 3.3 Tendências pedagógicas pós-LDB Após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9394/96, revalorizam-se as ideias de Piaget, Vygotsky e Wallon. Um dos pontos em comum entre esses psicólogos é o fato de serem interacionistas, porque concebem o conhecimento como resultado da ação que se passa entre o sujeito e um objeto. De acordo com Aranha (1998), o conhecimento não está, então, no sujeito, como queriam os inatistas, nem no objeto, como diziam os empiristas, mas resulta da interação entre ambos. Essa é a tendência atual. Na atualidade, a perspectiva fundamental da didática é assumir a multifuncionalidade do processo de ensino-aprendizagem e articular suas três dimensões: técnica, humana e político-social no centro configurador de sua temática. A teoria e a prática são duas faces que se complementam. Assim sendo, a Didática implica no desenvolvimento cognitivo intelectual, com progressos na afetividade, moralidade ou sociabilidade, por condições que são do desenvolvimento humano integral, pois com a Didática, como disciplina e campo de estudos, tende 39 acelerar o progresso no sentido de uma autoconsciência de sua identidade, encontrada no seu núcleo central e de sua necessária interdisciplinaridade. Talvez o diferencial seja equacionar a oscilação entre uma tendência psicológica das relações escola-sociedade, familiarizando-se com teorias de origem epistemológicas e sociais, sem perder, no entanto, seu compromisso com a prática de ensino. Isso tudo, depende tanto de um esforço teórico e reflexivo, quanto de um avanço no campo experimental (TONIAZZO, 2009). 40 UNIDADE 4 – REQUISITOS BÁSICOS DO PROFESSOR PARA A TAREFA DOCENTE No decorrer da experiência social, o homem vai acumulando e fixando formas de realizar determinadas atividades, de entender a realidade, de se comunicar e expressar seus sentimentos, criando e fixando, pois, modos de agir, pensar, falar, escrever e sentir que se transformam com o desenvolvimento das relações sociais estabelecidas entre os homens para a produção de sua sobrevivência. No caso dos professores, o significado de seu trabalho é formado pela finalidade da ação de ensinar, isto é, pelo seu objetivo e pelo conteúdo concreto efetivado através das operações realizadas conscientemente pelo professor, considerando as condições reais e objetivas na condução do processo de apropriação do conhecimento pelo aluno (BASSO, 1998). Vejamos então alguns requisitos básicos para realização do trabalho docente que vai de encontro com os objetivos da Didática. 4.1 Objetivos primordiais para o trabalho docente São objetivos primordiais do trabalho docente, aqui entendido como atividade pedagógica do professor: assegurar aos alunos o domínio mais seguro e duradouro possível dos conhecimentos científicos; criar as condições e os meios para que os alunos desenvolvam capacidades e habilidades intelectuais de modo que dominem métodos de estudo e de trabalho intelectual visando a sua autonomia no processo de aprendizagem e independência de pensamento; orientar as tarefas de ensino para objetivos educativos de formação da personalidade, isto é, ajudar os alunos a escolherem um caminho na vida, a terem atitudes e convicções que norteiem suas opções diante dos problemas e situações da vida real. 41 Esses objetivos se ligam uns aos outros, pois o processo de ensino é ao mesmo tempo um processo de educação. A assimilação dos conhecimentos e o domínio de capacidades e habilidades somente ganham sentido se levam os alunos a determinadas atitudes e convicções que orientem a sua atividade na escola e na vida, que é o caráter educativo do ensino. A aquisição de conhecimentos e habilidades implica a educação de traços da personalidade (como caráter, vontade, sentimentos); estes, por sua vez, influenciam na disposição dos alunos para o estudo e para a aquisição dos conhecimentos e desenvolvimento de capacidades (LIBÂNEO, 1994). 4.2 Planejamento do trabalho docente Para que o professor possa atingir efetivamente os objetivos, é necessário que realize um conjunto de operações didáticas coordenadas entre si. São o planejamento, a direção do ensino e da aprendizagem e a avaliação, cada uma delas desdobrada em tarefas ou funções didáticas, mas que convergem para a realização do ensino propriamente dito, ou seja, a direção do ensino e da aprendizagem. Para o planejamento, requer-se do professor: compreensão segura das relações entre a educação escolar e os objetivos sócio-políticos e pedagógicos, ligando-os aos objetivos de ensino das matérias; domínio seguro do conteúdo das matérias que leciona e sua relação com a vida e a prática, bem como dos métodos de investigação próprios da matéria, a fim de poder fazer uma boa seleção e organização do seu conteúdo, partindo das situações concretas da escola e da classe; capacidade de desmembrar a matéria em tópicos ou unidades didáticas, a partir da sua estrutura conceitual básica; de selecionar os conteúdos de forma a destacar conceitos e habilidades que formam a espinha dorsal da matéria; conhecimento das características sociais, culturais e individuais dos alunos, bem como o nível de preparo escolar em que se encontram; 42 conhecimento e domínio dos vários métodos de ensino e procedimentos didáticos, a fim de poder escolhê-los conforme temas a serem tratados, características dos alunos; conhecimento dos programas oficiais para adequá-los às necessidades reais da escola e da turma de alunos; consulta a outros livros didáticos da disciplina e manter-se bem informados
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