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Filosofia política A filosofia é um amplo movimento intelectual que atua nas bases conceituais do pensamento, sempre estabelecendo as perguntas ditas radicais: “O que é?”, “Como é?”, “Por quê é?”. Assim, a filosofia foi descrita pelo filósofo francês contemporâneo Gilles Deleuze como a arte de criar conceitos. A filosofia busca o entendimento, a movimentação e a constante criação de novos conceitos, sempre questionando e problematizando o que advém do senso comum, da opinião, da tradição e da religião. Com a filosofia política não é diferente, pois os filósofos desse campo do pensamento sempre buscaram estabelecer críticas e fomentar novas ideias que dessem movimento ao campo intelectual que se atreve a pensar e questionar o campo da organização política. A filosofia política, ao diferenciar-se da ciência política por não haver uma pretensão metódica e científica, permitiu aos vários pensadores elaborar diferentes teorias sobre a organização política, mas sempre questionando e dialogando com o conhecimento anterior e estabelecendo novos conceitos acerca dos problemas políticos. Nesse sentido, os filósofos (e também teóricos) da política dedicaram-se a entender questões relacionadas a elementos políticos, como governo, Estado, as noções de público e privado, os diferentes tipos e formas de governo, além de noções éticas e econômicas estritamente relacionadas à política. Governo e Estado Questão antiga para a filosofia política, as noções de governo e Estado são essenciais para a formação de qualquer pensamento, teoria, técnica ou doutrina política e econômica. Desde os estudos de política empreendidos por filósofos clássicos, como Platão e Aristóteles, há um consenso na determinação mais básica desses conceitos, mudando apenas as atribuições de cada um no âmbito político. Podemos assim conceituá-los: Estado O Estado consiste no conjunto da máquina pública, ou seja, é o conjunto de mecanismos que compõem o organismo público e delimita aquilo que pertence à coletividade, que é diferente do que pertence ao âmbito privado. O Estado é delimitado pelo que é do conjunto público e é expresso e reconhecido como legítimo a partir de um sentimento que une pessoas (geralmente compatriotas que convivem no mesmo território) em torno de um sentimento patriótico comum e de uma cultura comum, que nutrem entre si um sentimento de solidariedade e coesão. O Estado, enquanto máquina pública, é fixo e, quando passa por mudanças, ou estas devem ser consenso entre os cidadãos ou devem ser graduais e acompanhar as demandas da sociedade. Governo Ao contrário do Estado, que é fixo, o governo é transitório. Nas sociedades democráticas, a transição deve ser constante. Nas sociedades governadas por governos autoritários, a transitoriedade pode ser lenta. De qualquer modo, o governo é passível de mudanças repentinas, pois cada governante tem seu modo de comandar a máquina pública, aliás, este é o principal atributo dos governos – governar os Estados, gerir a máquina pública, exercer o poder no âmbito estatal. Principais pensadores da filosofia política Assim como a própria filosofia, que é vasta de pensadores e suas diferentes teorias a respeito dos mais variados temas, com a filosofia política não poderia ser diferente. Desse modo, temos, ao longo dos mais de dois mil anos de tradição filosófica, diversos autores que formularam diferentes pensamentos acerca do modo como governo, Estado, âmbito público, direitos, deveres e liberdade devem ser organizados. Listamos abaixo os principais pensadores da filosofia política e suas respectivas ideias: Platão Autor da primeira obra de filosofia política (e também a primeira utopia política) – A República –, o filósofo grego antigo desenvolveu uma complexa organização política para o que ele chamou de cidade perfeita. Em sua república ideal, a educação deveria ficar totalmente a cargo do Estado desde a idade de 7 anos das crianças, que deveriam ser criadas e receber a educação de acordo com as suas aptidões. Os mais aptos à intelectualidade estariam também mais aptos ao governo da cidade, tornando-se o que Platão chamou de “Reis Filósofos”. Estes receberiam a educação formal e a instrução política e filosófica até passarem dos 40 anos de idade, época em que poderiam ser testados enquanto governantes. Platão era avesso à democracia como forma de governo e acreditava que a aristocracia chefiada pelo melhor e mais apto (o rei filósofo) deveria ser o governo adotado na cidade perfeita. Aristóteles O filósofo grego clássico responsável pela sistematização do conhecimento filosófico dividiu os campos de atuação do pensamento geral e filosófico em três grandes áreas: técnico (responsável pela ação prática e técnica das artes e das técnicas, como a medicina); teorética (responsável pelo entendimento científico e filosófico de questões relacionadas ao pensamento puro, como a matemática, a lógica e a metafísica); prática (campo que proporcionava a práxis, que, para os gregos, era a ação embasada na reflexão). Participavam dessa práxis filosófica a política e a ética, pois são áreas filosóficas em que a ação humana é suportada por um pensamento filosófico (teórico). Para Aristóteles, o governo democrático reformulado (diferente da democracia ateniense) deveria tomar espaço para construir uma sociedade mais justa. O filósofo já falava de separação do Poder Legislativo e do Executivo (separação entre rei que governa e cidadãos legisladores), tal como propunha o modelo democrático ateniense, mas com a diferença de eleger uma Constituição como o conjunto de leis essenciais que não poderiam ser quebradas. Aristóteles entendia que o ser humano trazia na sua natureza a sociabilidade, pois para sobreviver precisa relacionar-se com os seus semelhantes. Para realizar este fim, surge a pólis, ou seja, a cidade. A polis, portanto, não é algo externo ao ser humano, mas vai-se construindo conforme o ser humano vai se relacionando com o outro, por isso, que por natureza, o homem é um animal político, pois naturalmente também é voltado a justiça, ao bem comum e a felicidade. Maquiavel Pensador renascentista, o filósofo e teórico político florentino Nicolau Maquiavel é um dos principais filósofos políticos de todos os tempos. Apesar da aparente rispidez de suas teorias, o pensador é considerado referência em teoria política até hoje. Maquiavel defende uma estranha separação entre ética e política. Acontece que Maquiavel está pensando na teoria política como um suporte à manutenção do governo por parte do governante em seu livro O Príncipe. Para Maquiavel, o líder político deveria ser uma espécie de estadista estratégico e populista, procurando sempre o apoio político por parte do povo. Ele acreditava que era melhor que o governante fosse amado pelo povo do que temido. No entanto, quando o amor não viesse ou quando a situação não permitisse que o povo nutrisse sentimentos positivos por seu governo, o governante poderia usar o temor como forma de garantir a submissão do povo e a sua conseguinte governabilidade. Como medida de governabilidade, Maquiavel defendia, por exemplo, que ações boas e positivas do governante deveriam ser tomadas aos poucos e gradativamente, assim ele manteria sempre boas lembranças ao seu povo. Ações negativas e ruins (se necessário fossem) deveriam ser feitas de uma vez, pois assim o povo esqueceria logo o que se passou. Foi um dos principais filósofos do Absolutismo! Formação do Estado absolutista A criação do Estado Absolutista está usualmente vinculada às transformações que marcaram a Europa durante o fim da Idade Média e o início da Idade Moderna. Nesse sentido, diversos historiadores apontam a crise do poder nobiliárquico e os interesses da burguesia comercial enquanto dados fundamentais que viabilizaram a ascensão dessa nova experiência política. No entanto,não são apenas as questões políticas e econômicas que unicamente sustentaram os poderes exercidos pelo rei. Diversos pensadores se esforçaram em refletir sobre esse novo tipo de governo. Entre outras questões, se preocuparam em arquitetar quais medidas, comportamentos e valores seriam mais bem empregados na manutenção do poder real. De fato, pensar a estabilidade de um governo concentrado nas mãos de um indivíduo exigiu resposta a uma gama de problemas. De forma geral, os teóricos do absolutismo surgiram em um momento posterior à formação de diversas monarquias nacionais. Geralmente, ou teciam suas perspectivas com base em experiências e conflitos vividos no interior de determinadas monarquias ou legitimavam o poder real por meio de uma análise comparativa entre as diferentes formas de governo já experimentadas. Além disso, contaram com a ascensão da imprensa para que tivessem suas ideias lançadas ao público. Ao mesmo tempo, lembrando que a Idade Moderna ainda estava fortemente marcada por valores religiosos, notamos que alguns pensadores absolutistas buscaram justificativas religiosas para o reconhecimento do poder real. O princípio do “direito divino dos reis” defendeu a ideia de que a ascensão de um monarca ao poder, na verdade, refletia os anseios divinos com relação ao destino da nação. Em certa medida, o rei se transformava em um representante de Deus. Entre os principais pensadores do absolutismo, podemos dar destaque à obra do italiano Nicolau Maquiavel, autor de “O príncipe”; do pensador britânico Thomas Hobbes, autor de “Leviatã”; o jurista francês Jean Bodin, criador de “Os seis livros da República”; e Jacques-Bénigne Bossuet, teólogo francês autor de “Política Segundo a Sagrada Escritura”. A filosofia de Hobbes, assim como de outros filósofos de seu tempo, é uma reação à filosofia escolástica. O filósofo queria dar um fim às controvérsias estéreis e intermináveis da Idade Média e criar um sistema de pensamento sólido, tanto quanto às conclusões da nova ciência. O modelo de conhecimento sólido de Hobbes vem sobretudo da geometria e da ciência. Da primeira ele admira o método rigoroso de dedução de verdades a partir de princípios básicos. Da segunda, o materialismo. Apesar de ser um admirador da ciência, Hobbes não via com bons olhos o método indutivo proposto por Francis Bacon. A base da filosofia política de Hobbes é uma visão pessimista sobre a natureza humana e a vida em sociedade. Segundo o autor, os seres humanos são bastante imperfeitos. Estão constantemente sujeitos ao erro de julgamento, movidos por ideias falsas, influências de terceiros mal intencionados, não poucas vezes agem de forma egoísta, impulsiva e com uma preocupação excessiva com ninharias como a honra. Por tudo isso, a paz no convívio social é algo frágil. Hobbes vê a guerra civil que atingiu a Inglaterra de seu tempo como o resultado dessa natureza humana intratável. Para ele, sempre que o Governo de uma sociedade deixa de existir, se retorna ao chamado estado de natureza. E sendo o homem o que é, um ser egoísta, medroso e preocupado com a própria imagem diante da sociedade, o único resultado pode ser uma “guerra de todos contra todos”. Citando uma expressão latina, Hobbes afirma que “o homem é o lobo do homem”. Com isso quer dizer que, na ausência de um governo poderoso que obrigue a população a respeitar uma série de normas de convivência, o homem destrói o próprio homem. O contrato social Para Hobbes, a sociedade política é uma criação humana para resolver o problema da guerra de todos contra todos que prevalece no estado de natureza. A única forma de acabar com esse conflito generalizado é todos os homens concordando em transferir seus direitos, através de um contrato social, para uma única pessoa ou grupo que tenha poderes absolutos. Esse será o governo, responsável por garantir a paz na sociedade. Hobbes foi um defensor da monarquia de seu tempo, que vinha sofrendo com os ataques dos parlamentaristas defensores da limitação do poder do rei. Porém, ao contrário de outros pensadores que defendiam a monarquia absolutista, Hobbes não apela a um suposto direito divino dos reis governar. Ao contrário, baseia sua defesa no fato alegado de que a única forma de garantir uma paz duradoura é através de um governo com poderes absolutos. John Locke e a visão Iluminista John Locke foi um importante filósofo inglês. É considerado um dos líderes da doutrina filosófica conhecida como empirismo e um dos ideólogos do liberalismo e do iluminismo. Locke criticou a teoria do direito divino dos reis. Para Locke, a soberania não reside no Estado, mas sim na população. Embora admitisse a supremacia do Estado, Locke dizia que este deve respeitar as leis naturais e civis. Locke também defendeu a separação da Igreja do Estado e a liberdade religiosa, recebendo por estas ideias forte oposição da Igreja Católica. Locke, assim como Montesquieu, defendia que o poder deveria ser dividido em: Executivo, Legislativo e Judiciário. De acordo com sua visão, o Poder Legislativo, por representar o povo, era o mais importante e, portanto, os outros dois deveriam estar subordinados a ele. O Estado liberal seria fruto de um pensamento liberal, pensamento este discutido por vários intelectuais nos últimos cinco séculos. Mas, para muitos filósofos, o pensamento liberal teria suas bases nas teses de John Locke (1632-1704), considerado o pai do liberalismo principalmente por conta de suas ideias em “Dois tratados do governo civil”, obra publicada no final do século XVII. Para Locke, o homem é anterior à sociedade e a liberdade e a igualdade fazem parte de seu Estado de natureza. No entanto, elas não são vistas de forma negativa como nas ideias de Thomas Hobbes (o qual afirma que os sentimentos de liberdade e igualdade conduzem a guerra constante), mas sim dizem respeito a uma situação de relativa paz, concórdia e harmonia. No estado natural do homem, ele possuiria direitos naturais que não dependeriam de sua vontade (um estado de perfeita liberdade e igualdade). Locke afirma que a propriedade é uma instituição anterior à sociedade civil (criada junto com o Estado) e por isso seria um direito natural ao indivíduo, que o Estado não poderia retirar. Contudo, apesar de John Locke acreditar no lado positivo da liberdade e da igualdade no estado de natureza, tal situação não estava isenta de inconvenientes como a violação da propriedade. Para contornar esses inconvenientes era preciso fazer um contrato social, que unisse os homens a fim de passarem do estado de natureza para a sociedade civil. Seria necessário instituir entre os homens um contrato social ou um pacto de consentimento. Neste “pacto” o Estado seria constituído como “dono” do poder político para assim preservar e consolidar ainda mais os direitos individuais de cada homem. Direitos estes que eles já possuíam desde o estado de natureza. Assim, “é em nome dos direitos naturais do homem que o contrato social entre os indivíduos que cria a sociedade é realizado, e o governo deve, portanto, comprometer-se com a preservação destes direitos.” Hegel Hegel busca entender o homem em sua totalidade, ou seja, tenta compreender todos os aspectos do ser humano e explicar tudo que o ser humano vive e é através de um único sistema. Todo o universo, tudo que existe, existiu ou vai existir, inclusive a história e o tempo, são vistos como um único organismo em constante mudança e o ser humano é somente parte desse organismo e provavelmente não a mais importante. Esse todo, essa totalidade, em seu desenvolvimento, segue princípios do que ele chama de espírito racional, que é infinito. O espírito racional é o que direciona a vida da totalidade do mundo. Conhecer esse espírito racional é o grande objetivo da filosofia. Essa racionalidade não é algo separada da realidade, ao contrário, são a mesma coisa:"o que é real é racional e o que é racional é real", nas palavras de Hegel. A racionalidade cria a multiplicidade através da criação de conceitos e a criação de conceitos opostos é que gera o movimento dialético, a dialética é, portanto, a vida da racionalidade. Em outras palavras, a razão cria a realidade quando conceitua essa realidade e cria a mudança da realidade quando cria conceitos diferentes ou opostos para a realidade, esses conceitos opostos ou diferentes vão interagir entre si e criar algo que pode ser novo, esse é o movimento dialético. Além disso, a dialética é especulativa, ou seja, ela busca a construção de novos conhecimentos por meio de novas teorizações, de indagações e da criação de novos conceitos. Todavia, a realidade só existe como conceito racional, seja em que parte da dialética ela estiver. Conceituamos quando trazemos para a razão o mundo dos fatos, mas tudo o que está em nós são conceitos, dessa forma a realidade é conceituação racional. A dialética tem três momentos, o primeiro é o "ser em si", o segundo é o "ser outro ou fora de si" e o terceiro é o "retorno a si ou ser em si e para si", num exemplo do próprio Hegel: "A semente é em si a planta, mas ela deve morrer como semente e, portanto, sair fora de si, a fim de poder se tornar, desdobrando-se, a planta para si (ou em si e para si)". A construção da realidade e da verdade é um constante processo entre o ser e o não ser. A conceituação, a construção da realidade pela nossa racionalidade, é algo que vem do nada e tem a possibilidade de ir para o nada no processo dialético. Ou nas palavras do autor: "o ser e o nada são uma só e mesma coisa". O espírito racional trabalha ainda como pano de fundo da história, que é uma série de ações e criações irreversíveis que visam um objetivo buscado pelo espírito racional, objetivo esse que nós, enquanto indivíduos isolados, não temos como perceber na história. Para o ser humano a história pode parecer um conjunto de acontecimentos não necessários, inconstantes e sem significado, mas isso acontece porque buscamos nela os nossos interesses isolados e não os objetivos do espírito racional que é o que forma e dá sentido à história. Os homens tem a ilusão de que comandam e constroem a história, mas o que acontece é o contrário, os homens são elementos descartáveis para que se possa cumprir na história os objetivos do espírito racional. Os homens não colhem os frutos do seu trabalho que ficam sempre para as gerações seguintes. Søren Kierkegaard e Karl Marx são os filósofos mais relevantes que criticaram o pensamento hegeliano. O alvo da crítica desse último é, inicialmente, a perspectiva política de Hegel, em especial a noção de Estado, mas, na sequência de seu desenvolvimento intelectual, acaba por colocar em questão a dialética hegeliana e invertê-la. Marxismo Marx e Engels perceberam que o trabalho é o conceito chave da sociedade. Desta forma, toda a história da humanidade passaria pela tensão entre os donos dos meios de produção e quem apenas poderia realizar a tarefa. Assim, para a teoria marxista a luta de classes seria “o motor da história”. Já a produção dos bens materiais seria o fator condicionante da vida social, intelectual e política. Marx e Engels refletiram sobre as relações humanas e as instituições que regulavam as sociedades, como a propriedade privada, a família, o governo, etc. Daí surgem os princípios que fundamentaram o marxismo, também conhecido como “socialismo científico”. Por outro lado, o “socialismo utópico” já teorizava sobre os meios capazes de solucionar a diferença entre os membros do proletariado e da classe burguesa dominante. Suas ideais inspiraram várias correntes de pensamento que desejavam mudar as estruturas capitalistas como o anarquismo, o socialismo e o comunismo, entre outros. Portanto, para os marxistas, é necessário atrelar o pensamento à prática revolucionária, unindo conceito à práxis como forma de transformar o mundo. Contudo, aqueles pensadores superestimaram a previsibilidade das sociedades humanas. Afinal, muitos dos países que se autoproclamavam seguidores das ideias marxistas não seguiram à risca os seus preceitos. Desenvolvida em quatro níveis fundamentais, a teoria marxista se agrupa nos níveis filosófico, econômico, político e sociológico, segundo a ideia de “transformação permanente”. Fica explicito, nessa abordagem, que o ser humano e a sociedade só podem ser compreendidos através das forças que produzem e reproduzem as condições de existência. Nessa perspectiva, torna-se basilar a análise das condições materiais da existência humana em sociedade. Por outro lado, o marxismo foi gestado a partir de três tradições intelectuais desenvolvidas na Europa do século XIX a saber: o idealismo alemão de Hegel; a economia-política de Adam Smith; a teoria política do socialismo utópico, de autores franceses. A partir destas concepções, foi possível elaborar um estudo da humanidade através do materialismo. Sobre o “Estado”, Marx percebeu que não seria um ideal de moral ou de razão, mas sim uma força externa da sociedade que se colocaria acima da mesma. Apesar disso, isso seria, na realidade, uma forma de garantir a dominação da classe dominante, mediante a manutenção da propriedade. Assim, o Estado teria surgido concomitantemente a propriedade privada, como uma forma de protegê-la, o que torna qualquer Estado, por mais democrático que seja, uma ditadura. Karl Marx e Friedrich Engels acreditam que o Estado se utiliza de várias ferramentas para efetivar sua dominação. Alguns exemplos seriam a burocracia, a divisão territorial dos cidadãos e o monopólio da violência, garantida por um exército permanente. A filosofia, assim como a sociologia, recebeu influência do pensamento de Karl Marx. O conceito de materialismo histórico dialético, por exemplo, parte de um pressuposto da filosofia de Hegel, que remonta a uma noção de dialética ampliada da dialética platônica. No entanto, as dialéticas platônica e hegeliana são concepções ideais baseadas na obtenção de conhecimento a partir de ideias contrárias. Marx, que no início de sua carreira foi um discípulo intelectual das ideias de Hegel, subverteu a filosofia desse idealista e deixou de ver sentido em qualquer tipo de idealismo que não promovesse a mudança social. Dessa maneira, passou a entender que a sociedade deveria mudar e que qualquer filosofia estabelecida deveria lutar pela mudança social. A dialética seria, nesse caso, a expressão da mudança radical da sociedade a partir de elementos práticos baseados na igualdade socialista. Muitos filósofos posteriores foram influenciados por Marx. Podemos destacar, como nomes que continuaram os estudos marxistas ou que se embasaram na filosofia marxista para desenvolver suas próprias teorias, filósofos da Escola de Frankfurt, como Adorno, Horkheimer e Marcuse; existencialistas franceses, como Sartre e Simone de Beauvoir; filósofos chamados de pós-modernos ou pós-estruturalistas, como Foucault e Deleuze. Ética x moral De modo geral, a ética é uma área da filosofia, também chamada de Filosofia Moral. Nela, são estudados os princípios fundamentais das ações e do comportamento humano. Já a moral é uma construção social formada pelo conjunto dessas ações e comportamentos através do entendimento sobre quais são bons e quais são maus, visando criar normas que orientem as ações dos indivíduos pertencentes a um mesmo grupo. Entretanto, como todos os temas filosóficos, não há um consenso relativo a essa diferença. Alguns autores tratam ética e moral como sinônimos. Isso se dá porque as raízes etimológicas das palavras são semelhantes. Etimologicamente, os termos derivam da mesma ideia: Ética vem do grego ethos, que significa “costumes”, “hábitos” e, em última instância, “o lugar em que se habita”. Moral tem origem nolatim mores, que significa “costumes”, “hábitos” e é raiz também de nossa palavra “morada”, o lugar em que se mora (do verbo morar). Ética, ou filosofia moral, é uma área do conhecimento dedicada à investigação dos princípios das ações humanas. Em outras palavras, a ética é o estudo sobre as bases da moral. Ela desenvolve teorias sobre o desenvolvimento do comportamento humano e a construção de valores compartilhados socialmente, que orientam as ações. A reflexão sobre conceitos-chave como "o bem", "a justiça" e "a virtude", constroem o saber ético, iniciado no período antropológico da filosofia grega marcado pela tríade Sócrates-Platão-Aristóteles. Principalmente no texto Ética a Nicômaco, de Aristóteles, o filósofo define a ética como uma disciplina da filosofia e busca definir a relação entre os comportamentos humanos, a virtude e a felicidade. Atualmente, a ética se ocupa da teorização e construção de princípios que fundamentem diversas atividades. A deontologia, por exemplo, é uma área que visa estabelecer as bases éticas para o desenvolvimento profissional. Assim como a bioética - um ramo dedicado a refletir sobre quais princípios a ciência deve se desenvolver, tendo como foco o respeito à vida. A moral tem como característica fundamental atuar como uma norma que orienta os comportamentos humanos. Ainda que se pressuponha a liberdade dos indivíduos e a impossibilidade de prever todas as ações, a moral vai desenvolver valores nos quais as ações devem estar submetidas. Diferente das teorias éticas, que buscam as características universais do comportamento humano, a moral estabelece uma relação particular com os indivíduos, com sua consciência e a ideia do dever. A moral assume um caráter prático e normativo, em que a forma como se deve agir está diretamente relacionada aos valores morais construídos socialmente. Assim, enquanto a ética propõe questões como: "O que é o bem?", "O que é a justiça?", "O que é a virtude?"; a moral se desenvolve a partir da aprovação ou reprovação de uma conduta. "Esta ação é justa?", "É correto agir de determinada maneria?" Por exemplo, a moral cristã que serviu de base para a construção da cultura ocidental, considera a liberdade humana em sua relação com o livre-arbítrio. Mesmo assim, a liberdade para agir vai estar condicionada aos valores descritos nos textos sagrados. Sobretudo no evangelho do Novo Testamento, nos ensinamentos de Cristo e em todo o seu desdobramento histórico e cultural. Assim, a construção do pensamento de uma vida virtuosa toma como base os bons exemplos e a construção de um hábito social. Por isso, a moral, diferente da ética, vai estar sempre inserida em um contexto particular. Cada grupo social em diferentes momentos históricos possuirá valores morais também distintos. Ética kantiana Segundo Kant, a capacidade que o homem tem de diferenciar o certo do errado é inata, ou seja, já nasce com ele. Sendo assim, a moral humana independe da experiência, pois já nascemos com ela. Sendo anterior à experiência, ela é “formal”, ou seja, vale para todas as pessoas, onde quer que elas estejam e em qualquer tempo. No tocante às quatro perguntas básicas que norteiam a filosofia kantiana, a questão moral diz respeito à segunda: “Como agir?”. Em seus livros Fundamentação da metafísica dos costumes e crítica da razão prática, Kant procura responder a ela de maneira a constituir uma ética que parte da ideia de que o homem não escapa do imperativo categórico, ou seja, uma ordem válida para agir em relação a tudo. Esse imperativo é definido da seguinte forma: devemos sempre agir de modo a podermos desejar que a regra a partir da qual agimos se transforme numa lei geral. Quando faço uma escolha e ajo de determinada maneira, preciso estar convicto de que posso desejar que todas as outras pessoas façam a mesma coisa na mesma situação. Afinal, não posso desejar aos outros aquilo que não quero para mim! Quando tento ser justo com os outros a fim de que eles me reconheçam como uma pessoa “legal”, então não estou agindo de acordo com a lei moral. Uma ação só pode ser considerada moral quando seu resultado vier do esforço em superar-se a si mesmo. Trata-se de uma questão de dever, ou seja, é dever do ser humano agir moralmente, faz parte de sua natureza. Tal procedimento visa a estabelecer uma ética de responsabilidade, da qual o homem até consegue escapar, já que possui o livre-arbítrio, mas aos homens conscientes isso não é possível. A Genealogia da moral de Nietzsche A genealogia do alemão Friedrich Nietzsche (1844 – 1900) consiste em fazer um estudo detalhado da morfologia das palavras bem e mau. Ele fez sua pesquisa nas línguas alemã (sua língua de origem) e latina. Em seus estudos, ele descobre que palavra alemã schlecht (mau) é idêntica à schlicht (simples). Daí, ele chega ao schlichtsweg (simplesmente) e schlechterding (absolutamente), o que traz, desde suas origens, a função de designar o homem simples, plebeu. Isso revela que a classe dominante acabou associando a classe plebeia ao conceito daquilo que é mau – o oposto, a antítese da classe nobre. Por isso, os homens que se sentem e são privilegiados (classe nobre) é quem espelham o conceito de ‘bom’. Já na língua latina, Nietzsche faz outra analogia com a palavra malus, relacionada com melas (negro) e usada para designar o homem plebeu, de cor morena e de cabelos pretos (hic niger est). O “bom”, o “nobre”, o “puro” é o de cabelos loiros. Isso faz oposição com o individuo de cabelos negros. Com isso, a conceituação ganha um caráter estritamente político. Você já deve estar percebendo, portanto, que este resgate histórico feito por Nietzsche, o fez perceber que este conceito de bom e mau estão com uma interpretação ligada as classes dominantes da época. Nietzsche concluiu que as concepções morais são elaborada pelos homens, a partir dos seus interesses, isto é, são produtos histórico-culturais. Mas, segundo Nietzsche quem é responsável pela propagação desses conceitos? As religiões cristãs e o judaísmo. Essa é a resposta dele. Mas como essas religiões fazem isso? Você sabe que toda religião tem um ser superior que é o criador de tudo e que tudo sabe e que em tudo está presente. Então, a vida também é um dom de Deus e segundo estas religiões, para agradá-Lo devemos viver segundo a vontade dele. Por isso que a resposta a esta pergunta se fundamenta na vontade de Deus. Isto é. Com medo de perderem uma recompensa na vida posterior, o céu como é chamado, as pessoas acabam sendo submissas e esta “moral de rebanho”, termo usado por Nietzsche. Diante disso tudo o que Nietzsche propõe? Uma transvaloração dos valores, isto é, ultrapassar esta interpretação do bom e do mau, em outras palavras significa buscar novos modos de valoração por sob os quais se possam assentar um novo homem, que vá além do Homem.
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