Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE Prof. Domingos de Oliveira Personalidade é o conjunto de características psicológicas, de certa forma estáveis, que determinam a maneira como o indivíduo interage com o seu ambiente. Também podemos definir “personalidade” como “a organização integral e dinâmica do contexto formado pelos atributos físicos, mentais e morais do indivíduo, compreendendo as características hereditárias e as adquiridas durante a vida: hábitos, interesses, inclinações, complexos, sentimentos e aspirações. A formação da personalidade tem início a partir do nascimento. Assim, os primeiros anos de vida de uma pessoa são decisivos para a gênese de sua futura personalidade. Neste período, são delineadas as principais características psíquicas, a partir da relação da criança com os pais, pessoas próximas, objetos e meio ambiente. Por isso, estas relações devem suprir todas as necessidades físicas e psicológicas da criança. A não satisfação das mesmas pode causar sérios prejuízos à formação da personalidade. Outrossim, é preciso acalentar o desenvolvimento de uma ampla gama de virtudes desde os primeiros anos de vida, em especial a temperança, que propicia a conquista de um sentido de equilíbrio, evitando-se a exacerbação de necessidades, por um lado, e, por outro, a insatisfação de outras consideradas fundamentais. Neste contexto, além das necessidades de manutenção da vida, todos os indivíduos possuem necessidades de aprovação, independência, aprimoramento pessoal, segurança e auto realização, onde serão desenvolvidos os valores existenciais, estéticos, intelectuais e morais. A qualidade das relações entre pais e filhos exerce uma influência determinante na formação psicológica destes. A partir dos primeiros meses de vida, os pais e responsáveis pela criação e educação das crianças devem dedicar toda a atenção ao desenvolvimento de sua autoestima. É imprescindível oferecer muito afeto e carinho, estimular, elogiar, motivar, para que as crianças construam sua personalidade com base em elevado amor próprio. Da mesma forma, os pequenos devem ter toda a liberdade para expressar emoções: alegria, afeto, tristeza, medo e raiva, as chamadas emoções autênticas. Se a criança for levada a reprimir suas emoções, desenvolverá uma personalidade combalida, neurótica, plena de tensão, ansiedade, angústia, depressão. Desta forma, os adultos responsáveis pela formação dos futuros cidadãos devem evitar, a todo custo, dirigir-lhes palavras e tomar atitudes que possam desenvolver um baixo nível de 2 autoestima. Assim, não devem se valer de severidade, críticas exageradas, exigências exacerbadas. Inclusive olhares e gestos que possam produzir efeitos negativos. A mania de perfeição é outra característica que pode ser considerada doentia e resulta certamente em prejuízo à formação dos indivíduos. Por outro lado, são igualmente nocivas: a indiferença, a rejeição as desqualificações (chacotas, gozações). Por todos estes motivos, não devem ser proferidas frases como: “qualquer idiota faria melhor que você”; “homem que é homem não chora”; “não seja fraco”; “você é burro”; “seja perfeito”; “faça como seu irmão; ele, sim, é legal”; “está sonhando alto demais”; “só gosto de você quando é obediente”. E assim por diante… A seu turno, os pais e responsáveis devem imprimir, clara e objetivamente, certos limites e regras fáceis e simples de serem cumpridas, desde a mais tenra idade. Não se pode deixar uma criança agir de forma totalmente desregrada e livre, sem qualquer fronteira. Inúmeros livros já foram escritos sobre o assunto, com títulos assemelhados a “Limites na medida certa”, “Colocando regras, com afeto”; ou, “Seu filho precisa conhecer as regras do jogo da vida”. Outro aspecto é a coerência entre palavras e atitudes. Não é possível conciliar uma regra enunciada verbalmente com uma atitude oposta. Por exemplo: afirmar o acerto de hábitos de higiene e, depois, deixar objetos pelo chão, não recolher roupas sujas, ou varrer o pó para debaixo dos tapetes. Agora, outra questão de suma importância. Para que o desenvolvimento das crianças ocorra de forma natural e saudável: é absolutamente necessário que elas se entreguem, em grande parte de seu tempo ativo, às brincadeiras próprias de sua idade, individual ou coletivamente. Os folguedos coletivos proporcionam o relacionamento interpessoal, de extrema importância para a formação do caráter social do indivíduo. A livre expressão da alegria, própria das atividades lúdicas, é fundamental para a saudável formação da personalidade. Desta forma, podemos compreender a importância de brincadeiras adequadas para cada faixa etária. Os brinquedos, até os seis meses de idade devem ser relacionados ao tato, ao sentir os objetos em suas formas e texturas. Além do contato físico com as mãos, o contato visual, o gustativo, o olfativo, o auditivo, são de suma importância. A partir desta primeira fase, é preciso oferecer às crianças brinquedos com certas características: cores vivas, formas interessantes, sons refinados, aromas adequados. Após o primeiro ano de vida, o que ganha importância são os carrinhos, os bonecos que se movem e também a música – sequência de sons harmônicos e melodiosos, sendo que em seguida vêm todos os objetos e ações que adestram a imaginação e despertam o senso de criatividade. 3 A criatividade é uma característica de imenso valor no contexto humano. Ela deve ser exercida de forma livre, sem qualquer limitação. Na infância, desempenha um papel de extrema importância na formação da personalidade. Assim, os pais e os professores devem ter o máximo cuidado para não bloquear a capacidade das crianças neste contexto, mas eles precisam fornecer os elementos e devem permitir às crianças que descubram por si mesmas os procedimentos para chegar ao objetivo final: a satisfação, a alegria, o desenvolvimento do lúdico. Não é admissível que os adultos mostrem ou determinem às crianças a maneira como devem fazer as coisas. Isto tolhe a oportunidade que elas têm de exercitar a imaginação, a criatividade, a curiosidade, a enorme satisfação em descobrir, por si próprias, a melhor maneira de agir e brincar. Outro fator que influencia a formação da personalidade é a movimentação física da criança, principalmente através dos esportes praticados por prazer, não por competição. A movimentação física saudável, prazerosa, melhora o estado geral do organismo, tanto físico quanto psicológico. O esporte propicia à criança, além do saudável prazer e alegria, o descobrimento de seus limites, suas reais capacidades. O esporte, praticado com sabedoria, sob a supervisão de profissionais competentes, proporciona o gradual desenvolvimento do indivíduo, a partir desta idade. Neste contexto, a criança consegue superar o medo, de qualquer espécie: de se machucar, de se enfrentar com outras crianças, do ridículo, de perder a competição. Assim, o esporte mostra o caminho da superação. Este processo proporciona um aprendizado de imenso valor, onde se encontram fracassos e sucessos, mas, com certeza, também a ampliação dos limites, da real capacidade, em todos os sentidos. Assim, formado o embasamento sólido e saudável da personalidade, nos primeiros anos, pode o indivíduo, no decorrer de sua existência, ampliar suas capacidades e habilidades, enriquecer seu caráter, e, num processo permanente de desenvolvimento pessoal, experimentar uma vida plena de sentido e felicidade. O conjunto de características psicológicas que afetam a maneira com que o indivíduo interage com o ambiente chama-se personalidade, moldada desde a concepção e sendo construída pelas situações que o indivíduo enfrenta. Tudo que ocorre na vida de uma pessoa influencia as características de sua personalidade. Os primeiros anos de vida são fundamentais para o formação da personalidade do indivíduo, pois nessa fase ocorre em grande intensidade a relação com os pais e com o meio. Cabe destacar a importância da mãe, pois o relacionamento entremãe e filho será fundamental para a formação da mentalidade do futuro adulto. Dessa maneira, qualquer 4 falha na relação entre mãe e filho poderá causar graves consequências na formação da personalidade. Devemos compreender que os mecanismos de relação entre as pessoas não são perfeitos, portanto uma relação equilibrada é a ideal. “O comportamento do indivíduo é regido pela busca da satisfação das necessidades, sendo que o excesso ou falta de alguma dessas necessidades é uma doença”. Constituindo o início do desenvolvimento do indivíduo, a fase oral, caracteriza-se pela busca do prazer através da parte superior do aparelho digestivo. A mãe é fundamental, pois através dela o bebê confia no mundo. Na fase anal, o prazer se concentra na fase posterior do aparelho digestivo e com isso a criança testa a confiança que adquiriu na fase anterior. A fase fálica é marcada pelo prazer nos órgãos genitais, desenvolvendo a culpa e a iniciativa. Na fase latente, o professor é importante e o indivíduo recebe mais conhecimentos. A adolescência é marcada pela busca da identidade própria. A vida adulta é a fase madura, com o amadurecimento das relações interpessoais. As características desenvolvidas ao longo desses períodos se manifestarão quando houver a interação da pessoa com o meio. Podemos sintetizar essa teoria num exemplo: um edifício, ao ser construído necessita de uma fundação, que fica oculta quando o prédio termina de ser construído. Porém é essa fundação que sustenta o edifício e possíveis falhas nessa fundação podem abalar todo o prédio. O mesmo ocorre na vida das pessoas, pois as relações delas com os demais indivíduos dependerá da estrutura psíquica dessa pessoa e das experiências por ela vivenciadas. “Portanto, personalidade é o conjunto de características psicológicas, de certa forma estáveis, que determinam a maneira como o indivíduo interage com o seu ambiente. Também podemos definir “personalidade” como “a organização integral e dinâmica do contexto formado pelos atributos físicos, mentais e morais do indivíduo, compreendendo as características hereditárias e as adquiridas durante a vida: hábitos, interesses, inclinações, complexos, sentimentos e aspirações”. 5 FORMAÇÃO DO APARELHO PSÍQUICO Ao nascer, o indivíduo possui apenas o Id. Nas primeiras experiências, o bebê vai aprendendo e adquirindo conhecimento do mundo começando assim a estruturar seu ego. Enquanto o Id é uma estrutura inata, o ego e o superego são estruturas adquiridas. O ego está relacionado a fatos reais, concretos e é capaz de controlar, conter o desejo sem reprimi-lo. Já o superego está relacionado a fatos morais e pode recriminar o ego, no que é denominado auto recriminação. Ao se estruturarem, o ego e o superego recebem energias libidinais e agressivas, assim, todas as estruturas apresentam os dois tipos de energia. ID: Constitui o reservatório de energia psíquica, é onde se localizam as pulsões de vida e de morte. As características atribuídas ao sistema inconsciente. É regido pelo princípio do prazer (Psiquê que visa apenas o prazer do indivíduo). Assim sendo, ao Id foi atribuída a parte primitiva da mente, ou seja, o instinto irracional que se manifesta sem a preocupação com princípios morais, éticos, etc. O Id é mais evidenciado na infância do que na fase adulta, pois na infância a mente é dominada pelo desejo de ter seus pedidos atendidos imediatamente. Na fase adulta, o Id é influenciado pelo Ego e Superego. EGO: É o sistema que estabelece o equilíbrio entre as exigências do id, as exigências da realidade e as ordens do superego. A verdadeira personalidade, que decide se acata as decisões do (Id) ou do (Superego). Ao Ego foi atribuída a parte de equilibrar os anseios do Id e do Superego de forma racional e consciente. O Ego possui elementos conscientes e inconscientes que se conflitam para que uma decisão seja tomada. No Ego também se alojam os mecanismos de defesa, as manifestações que o Ego apresenta para se livrar de forma inconsciente de situações que provoque dor psíquica, angústia. SUPEREGO: Origina-se com o complexo do Édipo, a partir da internalização das proibições, dos limites e da autoridade. (É algo além do ego que fica sempre te censurando e dizendo: Isso não está certo, não faça aquilo, não faça isso, ou seja, aquela que dói quando prejudicamos alguém, é o nosso "freio".). Ao Superego foi atribuída a função de impedir a realização dos instintos e desejos do Id. Influencia o Ego de forma a castigá-lo por se influenciar pelo Id provocando os sentimentos de culpa e recompensá-lo quando é influenciado por atitudes aceitáveis. Utiliza regras, éticas, valores e moralidades para agir no Ego de forma a censurar o Id. Id: fonte de energia psíquica e o aspecto da personalidade relacionado aos instintos. Ego: aspecto racional da personalidade responsável pelo controle dos instintos. 6 Superego: o aspecto moral da personalidade, produto da internalização dos valores e padrões recebidos dos pais e da sociedade. Dessa forma, pode-se perceber que o Id e o Superego são elementos inconscientes geradores de conflitos no Ego, elemento consciente responsável pela tomada de decisões e pela liberação do pensamento na realidade externa. O Ego quando influenciado pelo Id torna um indivíduo agressivo, dependente, escandaloso, histérico, impaciente, mal-humorado, rebelde, falso, egoísta, etc. Enquanto que quando influenciado pelo Superego torna o mesmo crítico, acusador, exigente, preconceituoso, prepotente, autoritário, invalidando ideias, etc. mostrando que os elementos da estrutura mental são interdependentes não podendo ser considerados isoladamente. Nesse processo o Ego atua para obter influências do Id e do Superego de forma com que a influência seja racional. NEUROSE X PSICOSE As manifestações psicopatológicas podem ser classificadas de diversas maneiras, por etiologia a exemplo das orgânicas e psicológicas por tipo de alteração a exemplo da neurose e psicose que considera a relação com a consciência perda de contato com a realidade na concepção psicanalítica desta, etc. A categoria de classificação possui fins estatísticos ou seja de tabulação de prontuários médicos, atestados, declarações de óbito entre as mais conhecidas estão o CID Classificação Internacional das Doenças e de Problemas relacionados à Saúde que está na 10ª revisão e se inciou em 1893 e o DSM referente ao Manual Diagnóstico e Estatístico de Desordens Mentais, uma publicação da American Psychiatric Association, Washington D.C., sendo a sua 4ª edição conhecida pela designação “DSM IV”. Psicose é um termo psiquiátrico genérico que se refere a um estado mental no qual existe uma "perda de contacto com a realidade". Ao experienciar um episódio psicótico, um indivíduo pode ter alucinações ou delírios, assim como mudanças de personalidade e pensamento desorganizado. Tal é frequentemente acompanhado por uma falta de "crítica" ou de "insight" que se traduz numa incapacidade de reconhecer o carácter estranho ou bizarro do seu comportamento. Desta forma surgem também dificuldades de interação social e em cumprir normalmente as atividades de vida diária. Uma grande variedade de stressores do sistema nervoso, tanto orgânicos como funcionais, podem causar uma reacção psicótica. Muitos indivíduos têm experiências fora 7 do comum ou mesmo relacionadas com uma distorção da realidade em alguma altura da sua vida sem necessariamente sofrerem consequências para a sua vida. Em alguns casos, as pessoas adaptam-se a estas experiências; por exemplo depois de ter alucinações uma pessoa pode encontrar inspiração ou senti-la como uma revelação religiosa. Muitos dos atuais "santos" seriam, na verdade, psicóticos que conviviam com delírios frequentes e os interpretavam como epifanias. Como tal, alguns autores afirmam que não se pode separar a psicose da consciência normal, mas deve-se encará-la como fazendo parte de um continuum de consciência. Na prática médica, adopta-seuma abordagem discritiva da psicose (assim como para todas as doenças mentais), que se baseia em observações comportamentais e clínicas. Isto permite a adopção de um guia de diagnósticos muito usado nos EUA, o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM), ou mesmo o CID. De acordo com o DSM a psicose é um sintoma de uma doença mental, mas não é uma doença em si mesma. Como tal, a psicose pode ser causada por predisposição genética, fatores exógenos orgânicos mas desencadeados por fatores ambientais, psicossociais, com acentuadas falhas no desempenho de papéis, na comunicação, no autocontrole, no comportamento da afetividade, na percepção sensorial, na memória, no raciocínio, no pensamento e linguagem. Há perda do senso da realidade e da capacidade de testá-la e, em casos extremos, do autoconhecimento, deixando o paciente de cuidar-se no aspectos mais triviais, como a alimentação e a higiene pessoal. Na psicanálise, a psicose causou dificuldades teóricas para Freud, mas não para Lacan. Se o primeiro demonstrou-se hesitante em enquadrá-la teoricamente, concentrando-se na neurose, Lacan, tomando-a constantemente em suas conferências, associou-a à forclusão do nome-do-pai. As definições de psicose em geral descrevem as classes de eventos que configuram sua natureza ou essência, apontam-lhe as causas e variações. Assim, haverá importantes distinções quanto ao conceito; caso venha a ser formulado no campo das Ciências da Saúde terão diferentes conotações das formuladas no campo Religioso, Poético dou das Ciências Humanas. Michel Foucault em seu texto A história da Loucura aponta que a loucura (posteriormente chamada de psicose) poderia ser entendida como uma aberração da conduta em relação aos padrões ou valores dominantes numa certa sociedade; neste sentido, entender a psicose é também buscar entender quais os padrões dominantes e quais as reações do grupo social à tais condutas estranhas e aos seus agentes. 8 O termo neurose foi criado pelo médico escocês William Cullen em 1769 para indicar "desordens de sentidos e movimento" causadas por "efeitos gerais do sistema nervoso". Na psicologia moderna, é sinônimo de psiconeurose ou distúrbio neurótico e se refere a qualquer desordem mental que, embora cause tensão, não interfere com o pensamento racional ou com a capacidade funcional da pessoa. Essa é uma diferença importante em relação à psicose, desordem mais severa. A palavra deriva de duas palavras gregas: neuron (nervo) e osis (condição doente ou anormal). A neurose, na teoria psicanalítica, é uma estratégia ineficaz para lidar com sucesso com algo, o que Sigmund Freud propôs ser causado por emoções de uma experiência passada causando um forte sentimento que dificulta reação ou interferindo na experiência presente. Por exemplo: alguém que foi atacado por um cachorro quando criança pode ter fobia ou um medo intenso de cachorros. Porém, ele reconheceu que algumas fobias são simbólicas e expressam um medo reprimido. Na teoria da psicologia analítica, de Carl Jung, a neurose resulta do conflito entre duas partes psíquicas, das quais uma deve ser inconsciente. Há muitas formas específicas diferentes de neurose: piromania, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), ansiedade, histeria (na qual a ansiedade pode ser descarregada como um sintoma físico), e uma variedade sem fim de fobias. Todas as pessoas têm alguns sintomas neuróticos, freqüentemente manifestados nos mecanismos de defesa do ego que as ajudam a lidar com a ansiedade. Mecanismos de defesa que resultam em dificuldades para viver são chamados "neuroses" e são tratados pela psicanálise, psicoterapia/aconselhamento, ou outras técnicas psiquiátricas. Apesar de sua longa história, o termo "neurose" não é mais de uso comum. Os atuais sistemas de classificação abandonaram a categoria "neurose". O DSM IV eliminou a categoria por completo. Desordens primeiramente chamadas de neuroses agora são descritas sob os títulos de ansiedade e desordens depressivas. O uso do termo "neurose" continua controverso, e já se discutiu que é necessário um termo mais apropriado para substituí-lo. 9 IDENTIFICAÇÃO DOS TRANSTORNOS MENTAIS Entendem-se como Transtornos Mentais e Comportamentais as condições clinicamente significativas caracterizadas por alterações do modo de pensar e do humor (emoções), ou por comportamentos associados com angústia pessoal e/ou deterioração do funcionamento (segundo a Organização Mundial de Saúde – OMS - ONU). Os Transtornos Mentais e Comportamentais não constituem apenas variações dentro da escala do "normal", sendo antes, fenômenos claramente anormais ou patológicos. Uma incidência de comportamento anormal ou um curto período de anormalidade do estado afetivo não significa, em si, a presença de distúrbio mental ou de comportamento. Para serem categorizadas como transtornos, é preciso que essas anormalidades sejam sustentadas ou recorrentes, e que resultem em certa deterioração ou perturbação do funcionamento pessoal, em uma ou mais esferas da vida. Os Transtornos Mentais e Comportamentais se caracterizam também por sintomas e sinais específicos e, geralmente, seguem um curso natural mais ou menos previsível, a menos que ocorram intervenções. Nem toda deterioração humana denota distúrbio mental. Os indivíduos podem sofrer angustia em virtude de circunstâncias pessoais ou sociais e, a menos que sejam satisfeitos todos os critérios pertinentes a determinado distúrbio, essa angustia não constitui distúrbio mental. Há diferença, por exemplo, entre estado afetivo deprimido e depressão diagnosticável. Diferentes modos de pensar e se comportar, entre diferentes culturas podem influenciar a maneira pela qual se manifestam os Transtornos Mentais, embora não constituam, em si, indicações de distúrbio. Assim, as variações normais determinadas pela cultura não devem ser rotuladas como Transtornos Mentais, da mesma forma como, também, não podem ser tomadas como indicações de distúrbio mental as crenças sociais, religiosas e/ou políticas. A classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento CID.10: Descrições clínicas e normas de diagnóstico (OMS, 1992) contém uma lista completa de todos os Transtornos Mentais e Comportamentais. Há também outros critérios de diagnóstico disponíveis para a pesquisa, para uma definição mais precisa desses transtornos (OMS, 1993). Toda classificação de Transtornos Mentais classifica síndromes e condições, mas não indivíduos. Estes podem sofrer um ou mais transtornos durante um ou mais períodos da vida, mas não se deve usar uma etiquetas diagnósticas para descrever um indivíduo. Uma pessoa nunca deve ser igualada a um distúrbio físico ou mental. 10 DIAGNÓSTICO DOS TRANSTORNOS Os Transtornos Mentais e Comportamentais são identificados e diagnosticados através dos métodos clínicos semelhantes aos utilizados para os transtornos físicos. Esses métodos incluem uma cuidadosa anamnese colhida com o indivíduo, e com outras pessoas, incluindo sua família; um exame clínico sistemático para definir o estado mental; e os testes e investigações especializadas que forem necessários. Nas últimas décadas, avanços na padronização da avaliação clínica e no aumento da confiabilidade dos diagnósticos. Graças aos esquemas estruturados e padronizados de entrevistas, às definições uniformes de sinais, aos sintomas e aos critérios padronizados de diagnóstico, é possível atingir alto grau de confiabilidade e validade no diagnóstico de Transtornos Mentais atualmente. Os esquemas estruturados e as listas de verificação de sinais e sintomas permitem aos profissionais de saúde mental levantar informações usando perguntas padronizadas e respostas codificadas. Os sinais e sintomas foram definidos detalhadamente para permitir uma aplicação uniforme no mundo todo. Finalmente, os critérios de diagnóstico para Transtornos Mentais foram padronizados internacionalmente e, atualmente, é possível diagnosticar Transtornos Mentais de formatão confiável e precisa, como a maioria dos transtornos físicos comuns. A concordância entre dois especialistas em diagnóstico de Transtornos Mentais apresenta médias de 70 a 90% (Wittchen et al. 1991; Wing et al. 1974; WHO 1992; APA 1994; Andrews et al. 1995). Essas cifras estão na mesma faixa da concordância de diagnóstico pertinente aos transtornos físicos como, por exemplo, a diabetes mellitus, a hipertensão ou a doença coronariana. Como um diagnóstico preciso é requisito essencial para uma intervenção apropriada, bem como para a epidemiologia precisa e a monitorização ao nível da comunidade, os avanços nos métodos de diagnóstico vieram facilitar, consideravelmente, a aplicação de princípios clínicos e de saúde pública na área da saúde mental. 11 TRANSTORNOS OBSERVADOS NO CONTEXTO DA ATENÇÃO PRIMÁRIA DE SAÚDE Os Transtornos Mentais e Comportamentais são comuns entre pacientes que buscam serviços de atenção primária de saúde. E útil uma avaliação do grau e do padrão desses transtornos nesse contexto, por causa do potencial para identificar pessoas com distúrbios e proporcionar a atenção necessária naquele nível. Os estudos epidemiológicos na atenção primária têm sido baseados na identificação de Transtornos Mentais pelo uso de instrumentos de triagem, no diagnóstico clínico por profissionais de atenção primária ou mediante entrevistas para diagnóstico psiquiátrico. O estudo transcultural realizado pela OMS em 14 locais (Ustün e Sartorius 1995; Goldberg e Lecrubier 1995) usou três diferentes métodos de diagnóstico: um instrumento breve de triagem, uma entrevista detalhada estruturada e um diagnóstico clínico pelo médico de atenção primária. Embora houvesse consideráveis variações na prevalência de Transtornos Mentais em diferentes locais, os resultados demonstram claramente que uma proporção substancial (cerca de 24%) de todos os pacientes naqueles contextos acusava transtorno mental. Em contextos de atenção primária, os diagnósticos mais comuns são depressão, ansiedade e transtornos do uso de substâncias. Esses transtornos estão presentes isoladamente ou conjuntamente com um ou mais transtornos físicos. Não há diferenças constantes na prevalência entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. IMPACTO DOS TRANSTORNOS Os Transtornos Mentais e Comportamentais exercem considerável impacto sobre os indivíduos, as famílias e as comunidades. Os indivíduos não só apresentam sintomas inquietadores de seu distúrbio como sofrem também por estarem incapacitados de participar em atividades de trabalho e lazer, muitas vezes em virtude de discriminação. Eles se preocupam pelo fato de não poderem arcar com suas responsabilidades para com a família e os amigos, e temem ser um fardo para os outros. Segundo estimativas, uma em quatro famílias tem pelo menos um membro que sofre atualmente um transtorno mental ou comportamental. Essas famílias veem-se obrigadas não só a proporcionar apoio físico e emocional, como também a arcar com o 12 impacto negativo da estigmatização e da discriminação, presentes em todas as partes do mundo. Embora o ônus da atenção a um familiar com distúrbio mental ou de comportamento não tenha sido adequadamente estudado, indicações disponíveis parecem mostrar que essa carga é realmente substancial (Pai e Kapur 1982; Fadden et al. 1987; Winefield e Harvey 1994). Os encargos que recaem sobre a família vão desde as dificuldades econômicas até as reações emocionais às doenças, ao estresse em face de um comportamento perturbado e ao comprometimento da rotina doméstica e restrição das atividades sociais (OMS 1997). Os gastos com o tratamento de doenças mentais recaem, muitas vezes, sobre a família, seja por não haver seguro social disponível, seja porque o seguro não cobre os Transtornos Mentais. Além da carga diretamente relacionada aos Transtornos Mentais e Comportamentais, é preciso levar em conta as oportunidades perdidas. As famílias que têm um membro que sofre um distúrbio mental fazem diversos ajustes e assumem compromissos que impedem outros membros da família atingir o seu pleno potencial no trabalho, nas relações sociais e no lazer (Gallagher e Mechanic 1996). Esses são os aspectos humanos do ônus dos Transtornos Mentais difíceis de avaliar e quantificar, não obstante, são muito importantes. As famílias se vêm na contingência de dedicar uma parcela considerável do seu tempo para cuidar de um parente mentalmente enfermo, sofrem privações econômicas e sociais por não ser esse membro familiar inteiramente produtivo. Há ainda o constante temor de que a recorrência da doença possa causar perturbação repentina e inesperada na vida dos membros da família. Portanto, é grande e com múltiplos aspectos o impacto dos Transtornos Mentais sobre as comunidades. Há o custo da provisão de atenção, a perda de produtividade e certos problemas legais, incluindo a violência, associados com alguns Transtornos Mentais, embora a violência seja causada muito mais frequentemente por pessoas "normais" do que por indivíduos com Transtornos Mentais. IMPACTO NA QUALIDADE DE VIDA Os Transtornos Mentais e Comportamentais causam tremendos distúrbios na vida daqueles que são afetados e de suas famílias. Embora não seja possível medir toda a gama de sofrimento e infelicidade, um dos métodos de aferir o seu impacto é usar instrumentos 13 que medem a qualidade da vida (QDV) (Lehman et al. 1998). As medidas de QDV usam classificações subjetivas do indivíduo em diversas áreas, procurando avaliar o impacto dos sintomas e dos transtornos sobre a vida (Orley et al. 1998). Neste sentido, há diversos estudos sobre a qualidade da vida das pessoas que sofrem distúrbios mentais, os quais concluem que o impacto negativo, embora não seja substancial, é sustentado (UK700 Group 1999). Já se demonstrou que a qualidade da vida continua sendo baixa, mesmo depois da recuperação de Transtornos Mentais, em virtude de fatores sociais que incluem a persistência do estigma e da discriminação. Resultados de estudos de QDV indicam também que os indivíduos com Transtornos Mentais graves que vivem em hospitais psiquiátricos de atenção prolongada, têm uma qualidade de vida mais baixa do que os que vivem na comunidade. Um estudo recente demonstrou claramente que o não atendimento das necessidades sociais e de funcionamento básicas foram os mais importantes em uma baixa qualidade de vida entre pessoas com Transtornos Mentais graves (UK700 Group 1999). O impacto sobre a qualidade da vida não fica limitado aos transtornos mentais graves. Os transtornos da ansiedade e do pânico também têm efeito significativo, especialmente no que se refere ao funcionamento psicológico (Mendlowicz e Stein 2000; Orley e Kuyken 1994). PREVALÊNCIA DE TRANSTORNOS Os Transtornos Mentais não são um domínio exclusivo deste ou daquele grupo especial de pessoas; eles são verdadeiramente universais. Observam-se Transtornos Mentais e Comportamentais em pessoas de todas as regiões, todos os países e todas as sociedades. Assim sendo, os Transtornos Mentais estão presentes em mulheres e homens em todos os estágios da vida. Eles estão presentes entre ricos e pobres e entre pessoas que vivem em áreas urbanas e rurais. É muito errônea a ideia de que os Distúrbios Mentais são problemas das áreas industrializadas e relativamente mais ricas. Igualmente é incorreta a crença de que as comunidades rurais, relativamente não afetadas pelo ritmo rápido da vida moderna, não sofrem distúrbios mentais. Análises efetuadas recentemente pela OMS mostram que as condições neuropsiquiátricas que abrangiam certo número desses Distúrbios Mentais acusaram uma prevalência em cerca de 8 a 12% dos adultos. Estima-se em 450 milhões o número de pessoas, no mundo todo, que sofriam afecções neuropsiquiátricas. Tais afecções neuropsiquiátricas compreendiam os Transtornos Depressivos Unipolares, Transtornos 14 Afetivos Bipolares, Esquizofrenia, Epilepsia, Transtornos Devidos ao Uso de Álcool e OutrasDrogas, Doença De Alzheimer e outras demências, Estado de Estresse Pós- Traumático, Transtorno Obsessivo-Compulsivo, Transtornos de Pânico e Insônia Primaria. CLASSIFICAÇÃO DOS TRANSTORNOS MENTAIS E COMPORTAMENTAIS DO CID-10 Encontra-se uma lista completa de todos os Transtornos Mentais e Comportamentais na Classificação de Transtornos Mentais e de comportamento CID-10: descrições clínicas e normas de diagnóstico. Estão também disponíveis outros critérios de diagnóstico para uma definição mais precisa desses transtornos. Esse material, que é aplicável em diferentes culturas, foi desenvolvido a partir do Capítulo V (e F) da Décima Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), com base numa revisão internacional da bibliografia científica, consultas, descrições clínicas e consenso mundiais. O Capítulo V da CID-10 dedica exclusivamente aos Transtornos Mentais e Comportamentais. Além de dar os nomes de doenças e distúrbios, como os demais capítulos, ele inclui também descrições clínicas e critérios de diagnóstico para pesquisa. As categorias amplas de Transtornos Mentais comportamentais cobertos na C!D-10 são as seguintes: 1. Transtornos mentais orgânicos, inclusive os sintomáticos - por exemplo, demência na doença de Alzheimer, delírio. 2. Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de substância psicoativa - por exemplo, uso prejudicial de álcool, síndrome de dependência de opiáceos. 3. Esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e transtornos delirantes - por exemplo, esquizofrenia paranóide, transtornos delirantes, transtornos psicóticos agudos e transitórios. 4. Transtornos do humor (afetivos) – por exemplo, transtorno afetivo bipolar, episódios depressivos. 15 5. Transtornos neuróticos, transtornos relacionados com o “stress” e transtornos somatoformes - por exemplo, ansiedade generalizada, transtornos obsessivo-compulsivos. 6. Síndromes comportamentais associadas a disfunções fisiológicas e a fatores físicos - por exemplo, transtornos da alimentação, transtornos não-orgânicos do sono. 7. Transtornos da personalidade e do comportamento do adulto - por exemplo, transtornos paranóicos da personalidade, transexualismo. 8. Retardo mental - por exemplo, retardo mental leve. 9. Transtornos do desenvolvimento psicológico - por exemplo, transtornos específicos da leitura, autismo infantil. 10. Transtornos do comportamento e transtornos emocionais que aparecem habitualmente durante a infância e a adolescência - por exemplo, transtornos hipercinéticos, distúrbios de conduta, tiques. 11. Transtorno mental não especificado O relatório concentra-se numa seleção de distúrbios que geralmente causam incapacidade grave quando não tratados adequadamente e que impõem pesados encargos à comunidade. São eles os transtornos depressivos, os transtornos do uso de substâncias, a esquizofrenia, epilepsia, a doença de Alzheimer, o retardo mental os transtornos da infância e da adolescência. A inclusão da epilepsia é explicada mais adiante neste capítulo. Alguns Transtornos Mentais e Comportamentais são incluídos em "transtornos neuropsiquiátricos" no anexo estatístico deste relatório. Esse grupo inclui o transtorno afetivo bipolar, as psicoses, a epilepsia, a dependência de álcool, a doença de Alzheimer e outras demências, a doença de Parkinson, a esclerose múltipla, a dependência de drogas, o distúrbio da dependência pós-traumática de drogas, os transtornos obsessivo- compulsivos, os transtornos de pânico e os distúrbios do sono. Para se entender melhor essa questão de prevalência, vejamos que: as taxas de prevalência diferem conforme se refiram a pessoas que apresentam dada afecção em certo ponto da vida (prevalência de ponto), a qualquer tempo durante um período (prevalência de período) ou a qualquer tempo durante a sua vida (prevalência vitalícia). Embora sejam frequentemente citadas cifras de prevalência de ponto, inclusive neste relatório, as cifras de prevalência em períodos de um ano são mais úteis para dar uma indicação do número de 16 pessoas que podem necessitar de serviços em um ano. As cifras de prevalência variam também com base nos conceitos e nas definições dos transtornos incluídos no estudo. Quando se consideram todos os transtornos incluídos na CID-10 (ver Caixa 2.1), têm sido anunciadas taxas de prevalência maiores. Pesquisas realizadas em países, tanto desenvolvidos como em desenvolvimento, mostraram que durante a vida inteira, mais de 25% das pessoas apresentam um ou mais Transtornos Mentais e Comportamentais (Regier et al. 1988; Wells et al. 1989; Almeida Filho et al. 1997). A maioria dos estudos chegaram à conclusão de que a prevalência geral de Transtornos Mentais é, aproximadamente, a mesma no sexo masculino e no feminino, sendo que as diferenças porventura existentes são explicadas pela distribuição diferencial dos transtornos. Os Transtornos Mentais graves são também mais ou menos igualmente comuns, com exceção da depressão, que é mais comum no sexo feminino, e dos transtornos devidos ao uso de substâncias, que ocorrem mais frequentemente no sexo masculino. A relação entre pobreza é também examinada mais adiante, neste capítulo.
Compartilhar