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ser '1C gente criando o futuro Presidente do Conselho de Administração Janguiê Diniz Diretor-presidente Jânyo Diniz Diretoria Executiva de Ensino Adriano Azevedo Diretoria Executiva de Serviços Corporativos Joaldo Diniz Diretoria de Ensino a Distância Enzo Moreira Autoria Fabiana Gonçalves Felix Projeto Gráfico e Capa DP Content DADOS DO FORNECEDOR Análise de Qualidade, Edição de Texto, Design lnstrucional, Edição de Arte, Diagramação, Design Gráfico e Revisão. © Ser Educacional 2021 Rua Treze de Maio, nº 254, Santo Amaro Recife-PE - CEP 50100-160 *Todos os gráficos, tabelas e esquemas são creditados à autoria, salvo quando indicada a referência. Informamos que é de inteira responsabilidade da autoria a emissão de conceitos. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem autorização. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela Lei n.0 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal. Imagens de ícones/capa:© Shutterstock o \ 1 ASSISTA Indicação de filmes, vídeos ou similares que trazem informações comple mentares ou aprofundadas sobre o conteúdo estudado. 1 CITANDO Dados essenciais e pertinentes sobre a vida de uma determinada pessoa relevante para o estudo do conteúdo abordado. 1 CONTEXTUALIZANDO Dados que retratam onde e quando aconteceu determinado fato; demonstra-se a situação histórica do assunto. 1 CURIOSIDADE Informação que revela algo desconhecido e interessante sobre o assunto tratado. 1 DICA Um detalhe específico da informação, um breve conselho, um alerta, uma informação privilegiada sobre o conteúdo trabalhado. 1 EXEMPLIFICANDO Informação que retrata de forma objetiva determinado assunto. 1 EXPLICANDO Explicação, elucidação sobre uma palavra ou expressão específica da área de conhecimento trabalhada. Unidade 1 - O campo da Psiquiatria e as grandes síndromes psiquiátricas Objetivos da unidade ........................................................................................................... 12 O campo da Psiquiatria ....................................................................................................... 13 Epistemologia psiquiátrica ............................................................................................. 14 Causalidade psíquica versus determinismo biológico .............................................. 17 A avaliação psiquiátrica ..................................................................................................... 20 Entrevista e anamnese ................................................................................................... 21 O Exame do Estado Mental ............................................................................................ 24 As grandes síndromes psicopatológicas ........................................................................ 28 Síndromes ansiosas ........................................................................................................ 28 Síndromes depressivas e maníacas ............................................................................ 29 Síndromes neuróticas ..................................................................................................... 31 Síndromes psicóticas ..................................................................................................... 32 Síndromes relacionadas ao comportamento alimentar ........................................... 32 Síndromes relacionadas às substâncias psicoativas ............................................... 34 Síndromes relacionadas à sexualidade ...................................................................... 34 Síndromes psicorgânicas .............................................................................................. 35 Sintetizando ........................................................................................................................... 36 Referências bibliográficas ................................................................................................. 37 Unidade 2 - As síndromes psiquiátricas Objetivos da unidade ........................................................................................................... 39 Transtornos de humor: um breve histórico ...................................................................... 40 O que os transtornos de humor contemplam? ........................................................... 42 Transtorno afetivo bipolar (TAS) ................................................................................... 45 Transtornos depressivos ................................................................................................ 47 Transtornos de ansiedade ................................................................................................... 49 Fobia social e fobias específicas .................................................................................. 51 Transtorno de pânico e agorafobia .............................................................................. 52 Transtorno de ansiedade generalizada (TAG) ............................................................ 54 Ansiedade de separação e mutismo seletivo ............................................................. 54 Transtornos psicóticos e mentais orgânicos .................................................................. 57 Esquizofrenia .................................................................................................................... 57 Transtornos neurocognitivos (TNC) ............................................................................. 59 Transtornos relacionados ao uso de substância psicoativa ........................................ 60 Fases da mudança de comportamento ....................................................................... 61 Sintetizando ........................................................................................................................... 63 Referências bibliográficas ................................................................................................. 64 Unidade 3 - Principais transtornos psiquiátricos e deficiência intelectual Objetivos da unidade ........................................................................................................... 66 Os transtornos de personalidade ...................................................................................... 67 Transtornos de personalidade do grupo A .................................................................. 70 Transtornos de personalidade do grupo 8 .................................................................. 71 Transtornos de personalidade do grupo C .................................................................. 73 Os transtornos dissociativos .............................................................................................. 75 Transtorno dissociativo de identidade ......................................................................... 76 Amnésia dissociativa ...................................................................................................... 77 Transtorno de despersonalização/desrealização ...................................................... 77 Os transtornos alimentares e os transtornos relacionados ao controle de impulsos ........ 78 Anorexia e bulimia nervosa ........................................................................................... 90 Pica e transtorno de ruminação ................................................................................... 81 Transtorno restritivo/evitativo e compulsão alimentar ............................................. 81 Deficiência intelectual ....................................................................................................... 83 Sintetizando ...........................................................................................................................87 Referências bibliográficas ................................................................................................. 88 Unidade 4 - Urgências psiquiátricas, reforma psiquiátrica, psicofarmacologia e psiquiatria infantil Objetivos da unidade ........................................................................................................... 90 Urgências psiquiátricas ...................................................................................................... 91 Comportamento agressivo ............................................................................................. 91 Suicídio .............................................................................................................................. 93 Quadros orgânicos com alterações no estado mental ............................................. 95 Uso ou abstinência de substâncias psicoativas ........................................................ 95 Psicose aguda .................................................................................................................. 96 Psiquiatria comunitária e reforma psiquiátrica ............................................................. 97 Noções básicas de psicofarmacologia ........................................................................... 99 Fundamentos da neurotransmissão ............................................................................. 99 Os neurotransmissores ................................................................................................ 103 Medicamentos antidepressivos ................................................................................. 105 Medicamentos ansiolíticos .......................................................................................... 107 Medicamentos psicóticos ............................................................................................ 109 Introdução à psiquiatria infantil e da adolescência ................................................... 111 Avaliação, exame e testagem psicológica ............................................................... 111 Depressão infantil ......................................................................................................... 113 Sintetizando ......................................................................................................................... 115 Referências bibliográficas ............................................................................................... 116 Queira ou não queira, goste ou não da ideia, os psicólogos precisam ter o co nhecimento mínimo de como a psiquiatria atua, pois sempre iremos nos deparar com pacientes que são acompanhados por essa especialidade médica. Algumas vezes necessária e fundamental, em outras não. Sempre nos deparamos com os mais diversos tipos de profissionais: aqueles que encaminham para psicólogos, que valorizam nossa intervenção, assim como aqueles que desconhecem, des prezam e usam de fórmulas químicas para silenciar o paciente. A disciplina de Psiquiatria básica seria muito melhor escrita por um médico psiquiatra. Mas o olhar de um psicólogo faz grande diferença, pois pode trazer consigo a experiência prática de quem já vivenciou trocas valiosas com exce lentes profissionais médicos, com pacientes crônicos e de situações de grande confusão e sofrimento, que não há como não ter o suporte medicamentoso. Como lidar? Todas as práticas de cuidado são aliadas. Reforço: práticas de cuidado. Pas samos por momentos difíceis na história, onde não era cuidado e respeito, mas castigo, isolamento, preconceito, medo e exclusão. Então é ético e fundamental o conhecimento sobre psicopatologia e a atuação da psiquiatria na integralida de do cuidado. PSIQUIATRIA BÁSICA • A professora Fabiana Gonçalves Felix é formada em em Psicologia Cogniti va Comportamental pelo Instituto WP (2017), especialista em Saúde da famí lia e comunidade (UNIASSELVI, 2013), especialista em Psicologia e Saúde mental (UNERJ, 2002) e graduada em Psicologia pela Universidade Regional de Blumenau (FURB, 2002). É psicóloga na Prefeitura Municipal de Blumenau e atualmente atua na assistência à saúde da mulher e fissurados de lábio e palato. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9487271956195456 Minha vivência como psicóloga e minha árdua luta em manter-me crítica não teria sentido sem a presença de cada pessoa que acolhi e atendi. Sendo assim, dedico a cada um deles o esforço aqui colocado para que futuros profissionais possam ter o mesmo cuidado que tenho ao acolher o sofrimento do outro. PSIQUIATRIA BÁSICA • UNIDADE ser educacional Objetivos da unidade Compreender o campo epistemológico da psiquiatria; Conhecer os princípios da avaliação psiquiátrica, desde a avaliação da história do paciente, sintomas clínicos e técnicas de entrevista; Conhecer as grandes síndromes psiquiátricas e suas categorias. Tópicos de estudo O campo da Psiquiatria Epistemologia psiquiátrica Causalidade psíquica versus determinismo biológico A avaliação psiquiátrica Entrevista e anamnese O exame do estado mental As grandes síndromes psicopatológicas Síndromes ansiosas Síndromes depressivas e maníacas Síndromes neuróticas Síndromes psicóticas Síndromes relacionadas ao comportamento alimentar Síndromes relacionadas às substâncias psicoativas Síndromes relacionadas à sexualidade Síndromes psicorgânicas PSIQUIATRIA BÁSICA . O campo da Psiquiatria Relato de experiência •• No meu último ano de graduação em Psicologia, iniciei minha especializa ção em Psicologia e saúde mental. Eu sabia que queria atuar com pacientes psiquiátricos e que estávamos em plena força no movimento da luta antimani comial. Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) eram recentes e a militância era contra a institucionalização da loucura e exclusão dos pacientes psiquiátri cos na sociedade. Meu primeiro trabalho foi em uma unidade de internação psiquiátrica em hospital geral. Na primeira semana pude aprender as rotinas da unidade e co nhecer os pacientes com quem eu iria atuar, auxiliando no processo de alta. Lembro de um paciente catatônico que não apresentava melhora com os me dicamentos, estando há três semanas internado e sem qualquer resposta. Foi quando o psiquiatra me perguntou se eu já havia presenciado o tratamento de eletroconvulsoterapia (eletrochoque). Claro que não, disse eu, perplexa. Foi então que ele me chamou para presenciar como era feita a aplicação e acom panhar o paciente catatônico. Lembro de estar imensamente incomodada, eu não tinha força alguma de opinar contra, até porque nem poderia, pois eu não conhecia a terapia, apenas os castigos destinados antigamente da forma per versa com que era feita essa prática. O psiquiatra me explicou sobre os cuidados de sedação, de certa forma eu estava muito curiosa (e angustiada) em ver o reestabelecimento daquele pa ciente. Assisti o processo de aplicação e não vi manifestação de dor, ele estava devidamente sedado. Mas eu vi em uma semana a resposta de um paciente to talmente imóvel, que não se comunicava nem com o olhar, para um mesmo pa ciente comendo sozinho, chorando suas dores e verbalizando suas angústias. Naquele momento entendi que eu precisava me abrir para aprender mais. Eu estava decidida a abrir mão dos meus ideais de humaniza ção do cuidado e de luta pela inclusão daquelas pessoas, mas o hospital não era o lugar ideal para minhas lutas. Ali recebíamos pessoas em crise e tão logo que me- lhoravam, recebiam alta e mantinham o cuidado am- bulatorial. Era do outro lado que eu queria estar. PSIQUIATRIA BÁSICA • Por três anos trabalhei no hospital na unidade psiquiá trica até que fui chamada no concurso do meu municí pio, para atuar no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps Ad). Foi então que eu pude trabalharda forma como eu acreditava, no hospital aprendi e passei a respeitar muitas outras formas de cuidado, a compreender a função importante da medicalização e do trabalho integrado com outras categorias, como a terapia ocupacional, a enfermagem, a assistência social, entre outras. Esse depoimento introdutório não é para dizer a vocês que apoio eletro choque, mas sim para dizer que é importante fazermos as pazes com a psiquia tria, que é importante sim conhecer a psicopatologia, até porque há um certo preconceito de alguns médicos em relação aos psicólogos, visto que muitos destes também não conhecem o mínimo para saber interagir com uma equipe multidisciplinar. Os pacientes muitas vezes chegam sabendo mais do que nós sobre medicamentos e sobre doenças. Quantos colegas já vi desconhecer uma condição que era fundamental saber para lidar com o paciente com transtorno de personalidade e paciente em crise, inclusive psicólogos com medo da loucu ra! É importante conhecer para saber o que enfrentar. •• Epistemologia psiquiátrica A epistemologia é uma palavra composta pelos radicais "episteme", que sig nifica conhecimento, e "logos" que significa estudo ou ciência. Dessa forma, pode-se dizer que epistemologia é um campo da filosofia que se encarrega de estudar o conhecimento, as crenças ou sistema de crenças. Ampliando a compreensão para a epistemologia psiquiátrica, conclui-se que estamos aqui falando da compreensão do campo da psiquiatria, por onde anda suas crenças, seu conhecimento e seu estudo. A psiquiatria deriva do grego e seu significado é: "a arte de curar a alma". É uma área da medicina responsável pelo estudo, diagnóstico e tratamento dos transtornos mentais e do comportamento. O psiquiatra trabalha tanto na prevenção quanto no diagnóstico e na reabilitação de pessoas em diferentes formas de sofrimento psíquico, como a depressão, as ansiedades, os transtor nos psicóticos, as demências, entre outros. PSIQUIATRIA BÁSICA • Registra-se que a psiquiatria surgiu ainda no século V (a.C.) e os hospitais psiquiátricos na Idade Média. Mas foi no século XVIII que a medicina avançou enquanto um saber médico. Ao longo dos tempos o número de pacientes pas sou a crescer intensamente e as internações em hospitais passaram a aumen tar. Foi no século XX que os transtornos mentais passaram a ser estudados a partir do contexto biológico, com o surgimento de classificação dos sofrimen tos e dos transtornos, bem como os medicamentos psiquiátricos. Por haver todo um estudo descritivo de tais doenças, elas passaram a ser diferenciadas por suas características biológicas e psicopatológicas, a possibilidade de cura, duração e curso de cada uma delas e a diferenciação do tratamento. Passamos então a estar diante de uma nova forma de categorização das pessoas: como elas reagem ao sofrimento. Desde o século XIX passa-se a "com preender" a forma como algumas delas vão se posicionar diante da vida, sen do que estamos diante de uma época que ferve a categorização, a divisão, o julgamento e a avaliação. Podemos imaginar quantas "cobaias humanas" pa deceram, quantas mulheres foram silenciadas numa sociedade altamente pa triarcal, quantos pensadores foram silenciados. Na Figura 1 podemos observar um paciente amarrado em um colete de força, geralmente usado para conter pacientes agitados. Figura 1. Paoente em isolamento utilizando um colete de força para conter agitação. Fonte: Adobe Stock. Acesso em: 20/06/2021. PSIQUIATRIA BÁSICA . Hoje nós compreendemos que a saúde mental de uma pessoa é influencia da por uma série de fatores, como a condição biológica, a condição familiar, so cial e cultural. Esses por sua vez, influenciam a nossa forma de enfrentamento, de superação ou de padecimento. No entanto, passamos por um período da história onde o sofrimento era usado de forma ideológica e desumana. Certa mente, estamos falando do início também de todo o conceito que trazemos até hoje em relação à medicina psiquiátrica, o medo de muitas pessoas de serem consultadas por "médicos de louco", de como esses profissionais irão realizar o tratamento, dando choque ou dopando, criando um afastamento e impedi mento do trabalho interdisciplinar. A psiquiatria tem mudado e os no vos psiquiatras também. Os espaços de formação hoje são diferentes de outrora, pois antes os residentes ti nham apenas o hospital psiquiátrico como referência de espaço de forma ção e, portanto, levavam essa prática para o consultório. A compreensão do sofrimento se reduzia aos sintomas e a medicalização buscava o silenciamento dos pacientes. Todo o movimento da reforma psiquiátrica foi fundamental para essa mudança de paradigma. Hoje temos os Caps, os tratamentos ambulato- riais e uma lei que impede a internação psiquiátrica sem qualquer justificativa. Todo esse contexto promoveu uma mudança na grade curricular e os antigos professores foram saindo de cena. Claro que não podemos afirmar que todos são humanizados, mas não é uma questão de serem psiquiatras ou não, mas da condição de valores de cada profissional, independente da categoria. Psiquiatras são médicos, cuidam do sofrimento psíquico a partir do modelo biomédico, com uso de medicamentos. Isso não é considerado um problema na saúde mental, ao contrário, é bem importante. Erro é não haver o traba lho inter e multidisciplinar. Os psiquiatras realizam exames físicos, interpretam exames laboratoriais e de imagem e investigam condições clínicas que interfe rem na saúde mental, visto que há desordens que ocorrem por uma condição clínica e desordens emocionais ou neurológicas que podem ser melhor obser vadas através da avaliação neuropsicológicas, com testes. PSIQUIATRIA BÁSICA . A terapêutica envolve alguns protocolos, onde o mais comum, inclusive, e o motivo de maior procura, é a prescrição de medicamentos, que geralmente é reco- mendada por associar com psicoterapia. Psiquiatras também realizam psicoterapia, onde o ideal é que eles façam uma formação em uma abordagem clínica (embora há os que não façam atendimentos de psicoterapia com seus pa cientes ou façam sem formação, infelizmente, como alguns psicólogos). A inter nação em unidades psiquiátricas de hospital geral (ou até mesmo internação na clínica médica), também ocorrem por seu encaminhamento. Antigamente havia os hospitais psiquiátricos, que deixaram de existir no País a partir da Lei Paulo Delgado (Lei 10.216, de 2001) e as internações eram longas, até mesmo viravam depósito de pessoas desprezadas por seus familiares. Atualmente o tratamento é realizado de forma ambulatorial e, quando necessário, encami nha-se para a internação. Os encaminhamentos para atendimento psiquiátrico podem ser feitos por outros profissionais médicos e podem ocorrer de forma judicial ou por demanda espontânea. Apesar da psiquiatria ser um dos ramos mais antigos da medicina, sua sig nificância surgiu a partir do surgimento da neurociência, lembrando que a me dicina é uma ciência de tamanha relevância e impacto social, sendo assim, o estudo de fenômenos neuroquímicos deram validação e credibilidade . •• Causalidade psíquica versus determinismo biológico Sobre o sofrimento psíquico, o dever do profissional de saúde é avaliar se o sofrimento tem uma causa de base emocional ou de causa biológica. É muito comum ouvirmos uma queixa e rapidamente associarmos a questões emocio nais (pois somos psicólogos e desconhecemos questões clínicas). Muitos mé dicos, independente da área, encaminham para o psicólogo um paciente que permanece com queixas após vários exames médicos. Certamente ocorrem erros de alguns psicólogos que descartam uma condição clínica interferindo no afeto e comportamento, bem como de médicos que não escutam melhor a queixa do paciente e desconsideram outros caminhos para a avaliação clínica, julgando a queixa como de fundo psicológico. PSIQUIATRIABÁSICA • Essa questão envolve uma postura ética do profissional de saúde, pois é neces sário trabalhar de forma interdisciplinar e quando não for possível, no mínimo de forma multidisciplinar. É necessário estudar a queixa, a situação em que o pacien te se encontra (luto, perdas, adaptações, mudanças de rotina) e, principalmente, ter uma boa capacidade de escuta. É um treino diário do profissional, mesmo com anos de atuação. Nos primeiros debates da antropologia para explicar a existência das diferen ças raciais entre os homens, surgiram doutrinas estereotipadas em relação à evo lução humana. Uma delas ficou conhecida como determinismo biológico, onde as características físicas e comportamentais eram condicionadas a uma herança genética. Apesar de essas doutrinas terem sido refutadas há quase um século, ainda persistem preconceitos na atualidade. Quando nos referimos ao determinismo biológico, estamos dizendo que uma condição já é predeterminada, não havendo chances de mudança. No caso dos aspectos psicológicos, o determinismo biológico afirmava que o comportamento ou afeto de determinada pessoa estava condicionada pelas suas características hereditárias. Por esse viés, era a condição biológica da pessoa que explicava de terminados eventos e que teriam grande diferença na escolha de um tratamento. O que precisamos ter em mente é que a genética tem um fator determinante, porém este fator pode ser transformado por todas as condições culturais, sociais, religiosas ou políticas, enfim, o ser humano não está condicionado a sua marca biológica. Vejamos o exemplo de uma criança com Síndrome de Down, que tendo um ambiente saudável de crescimento pode muitas vezes alcançar um desenvol vimento melhor do que uma criança sem a síndrome em condições precárias de alimentação e demais fatores de proteção. No entanto, sabendo de toda condição biológica que a caracteriza, precisamos entender seus limites e suas necessidades. Dessa forma, voltamos para a situação discutida no início, onde a condução ética do profissional será marcante no sucesso do tratamento. Quando falamos em causalidade psíquica, estamos nos referindo às condições somáticas de natureza puramente emocional ou psíquica e que não tenha qualquer relação com uma disfunção clínica de base biológica. A causalidade psíquica pode ser explicada de variadas formas, dependendo da abordagem filosófica na qual a explicação está fundamentada. A psicanálise e a abordagem comportamental po derão apresentar explicações diferentes sobre a enurese infantil, por exemplo. PSIQUIATRIA BÁSICA . Cardoso e Massimi (2017), apre sentam algumas ideias sobre esse tema pela perspectiva de Edith Stein. As autoras explicam que, no início do século XX, a causalidade psíquica esta va sendo muito discutida, em virtude das diversas teorias psicológicas que emergiam naquele período. De certa forma a discussão era: qual a natureza das situações psicológicas que originavam doenças físicas e qual o tratamento específico? A complexidade de respostas e alternativas terapêuticas é estuda- da até hoje. O que as autoras concluem é que o tema da "casualidade psíquica" requer problematizar as teorias psicológicas atuais, que têm se deparado com questionamentos de natureza filosófica e epistemológica, apesar de mais de um século de estudos. Afirmam que quando a ciência psicológica se separa da filosofia, corremos o risco de reduzi-la ao naturalismo cientificista (representa- do pela neurociência e medicina psicossomática) ou relativista das ciências humanas em geral. As autoras explicam que Edith Stein defendia que somente uma elaboração filosófica rigorosa é que pode integrar todas as explicações legais do fenômeno psíquico analisado, sem reduzir um fator ou outro, garan tindo um diálogo adequado entre as ciências naturais e culturais. Essa afirmação é muito rica e corrobora com a condição de uma postura ética do profissional psicólogo: conhecer os determinantes bioló- gicos, saber o que é e como se comunicar com o psiquiatra, en- tender qual é a hora de encaminhar para um outro profissional (médico, nutricionista etc.) e conhecer as doenças psiquiátricas. EXPLICANDO Você já ouviu falar na medicina psicossomática? A ciência, através da neurociência, da biologia celular e molecular e outros estudos em gené tica, percebeu múltiplas conexões do sistema nervoso com os sistemas imunológicos e endócrinos, o que possibilitou o desenvolvimento da medicina psicossomática. Conclui-se que mente e corpo estão integrados em todos os aspectos da vida humana, inclusive no adoecimento. A medi cina psicossomática não é uma nova modalidade da medicina, mas uma habilidade de compreensão da condição do ser humano que deveria estar presente na prática de todos os médicos. PSIQUIATRIA BÁSICA . •• A avaliação psiquiátrica A avaliação psiquiátrica é uma avaliação médica que envolve tanto o exame da condição geral do paciente, quanto o Exame do Estado Mental (EEM) e a sua história clínica psiquiátrica. Os médicos podem recorrer aos exames laboratoriais, de ima gem, testes psicológicos, neurológicos e psiconeurológicos como auxiliares na ava liação. O diagnóstico tem como referência as psicopatologias, baseadas nas referên cias do Código Internacional de Doenças - 1 O (CID-1 O) e no Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - 5 (DSM-5). Em geral as pessoas procuram um psiquiatra e não diretamente (ou apenas) o psicólogo por questões culturais e clínicas. Culturais, pois muitos ainda acham que o médico é o centro do tratamento e é quem pode melhor indicar a alternativa de cui dado para o sofrimento, e clínicas pois há situações onde a avaliação médica para o uso de psicofármacos se torna necessária. Há de considerarmos ainda, que o acesso ao profissional psicólogo, infelizmente, é limitado. O medicamento psiquiátrico é um dos principais instrumentos terapêuticos do psiquiatra, podendo também ser realizada a psicoterapia, embora haja críticas aos profissionais que não têm formação em alguma abordagem e se arriscam a atender os pacientes por psicoterapia além de medicar. Há médicos que além de formação em uma abordagem psicoterápica também usam das práticas integrativas, como auriculoterapia, aromaterapia, florais, entre outros. A avaliação inicial do paciente que procura o atendimento psiquiátrico passa pela condição física e mental. Há várias situações de desorganização mental que tem um fundamento orgânico, como a confusão mental em idosos que pode ser causada por uma infecção, por exemplo. A entrevista psiquiátrica é a forma de se obter in formações importantes como ponto de partida e, quando necessário, outras fontes são consultadas, como familiares e equipes de saúde, assim como na psicologia. Em relação aos serviços psiquiátricos, há a atuação ambulatorial, que incluem as consultas e psicoterapia ou internações, em hospital geral e hospital dia. Há duas formas de internação: a voluntária e a compulsória. A internação voluntária, como está dito, é aquela em que o paciente está de acordo com essa forma de tratamento, está ciente de sua internação.Já a internação compulsória necessita de critérios que a justifiquem, para que seja uma internação legal, mas no geral é quando o paciente não está ciente nem de acordo, mas está colocando em risco sua vida e a de outras PSIQUIATRIA BÁSICA • pessoas. A Figura 2 mostra uma avaliação psiquiátrica, que pode acontecer tanto no espaço ambulatorial, quanto no hospital ou outros espaços de internação e tem o objetivo de realizar o psicodiagnóstico e planejar o tratamento, que pode ser medi camentoso ou não. Figura 2. Avaliação psiquiátrica. Fonte: Adobe Stock. Acesso em: 20/06/2021 . •• Entrevista e anamnese Primeiramente é importante reafirmar que estamos apresentando confor me orientação bibliográfica, o que necessariamente não acontece ipsislitteris, pois a rotina e a prática de consultório, somando às demandas e experiência profissional, permitem e exigem novas formas de intervenção. De qualquer forma, o roteiro para entrevista e anamnese é bem rico de informações para os profissionais conseguirem se apropriar do máximo de informações pertinentes no diagnóstico de pessoas com transtorno mental. Ter habilidade e conhecer a técnica para realizar entrevistas é uma condição fundamental e insubstituível para os profissionais de saúde. Um pouco dessa habilidade é intuitiva, parte do profissional, da sua personalidade e da sua sensi bilidade nas relações pessoais, segundo afirma Dalgalarrondo (2000). Tão impor tante quanto saber das técnicas de medicalização ou intervenção psicoterápicas, é a condição do profissional de acolher o paciente no seu sofrimento, de conse guir ouvi-lo para além de seus delírios e desconexões. Necessita-se de paciência, respeito e habilidade para lidar com pacientes mais invasivos e agressivos. PSIQUIATRIA BÁSICA • O objetivo da entrevista é poder acolher o paciente, criar v ínculo para o tratamento e estabelecer uma relação de confiança, colher o máximo de in formações possíveis para conhecer a condição psicopatológica do paciente, bem como sua vida e sua cultura, para poder identificar o seu diagnóstico e estabelecer o plano de tratamento. Dalgalarrondo (2000) sugere, sem pre que possível, evitar: 1) Posturas rígidas e estereotipa das: o profissional deve ser flexível, pois não há como achar que uma forma de intervir deve ser a mesma para todos; 2) Atitude excessivamente neutra ou fria: o profissional deve evitar pas sar a ideia de distanciamento afetivo; 3) Reações exageradamente emotivas: o profissional não deve produzir uma falsa intimidade, que é o contrário da condição anterior. Não é ser frio nem muito caloroso, é ser acolhedor e respeitoso; 4) Comentários valorativos: ou seja, que tragam juízos de valor sobre a vida e a condição do paciente, sua família e sua cultura; 5) Reações de pena ou compaixão: esse tipo de reação não ajuda na con dição de acolhimento nem na explicação de fatos importantes na entrevista; 6) Responder com hostilidade e agressão: o profissional não deve agir dessa forma, pois não gera empatia com o paciente, infelizmente é fato a pre sença dessa reação em muitos profissionais; 7) Entrevista excessivamente prolixa: a entrevista não deve ser muito longa, onde o paciente fala muito, mas não diz nada, que pode ser por negação ou mesmo falta de condições de se manter na entrevista. Cabe ao entrevista dor saber manter o foco. Alguns aspectos são importantes também de estar atento para executar bem a entrevista, chamada por Dalgalarrondo (2000) como "as três regras de ouro da entrevista psiquiátrica", segundo mostra o Quadro 1. PSIQUIATRIA BÁSICA . QUADRO 1 . AS TRÊS REGRAS DE OURO DA ENTREVISTA PSIQUIÁTRICA � Primeiros contatos Para pacientes muito tímidos, ansiosos e paranoides é interessante iniciar com perguntas neutras, (como nome, profissão, onde mora) para aos poucos fazer perguntas mais fortes e que podem ser constrangedoras ou dolorosas. É a famosa sabedoria popular "comer a sopa quente pelas beiradas". Pacientes organizados mentalmente Para estes pacientes, com nível intelectual capaz de boa compreensão, boa/razoável escolaridade, fora de um estado ps1cót1co, a entrevista pode ser de forma mais aberta, onde lhe é perm1t1da uma expressão mais fluente e espontânea. Pacientes desorganizados mentalmente Paciente que estão desorganizados mentalmente, que apresentam pouca compreensão e comprometimento intelectual, precisam que a entrevista seja mais estruturada, de perguntas mais simples e dirigidas. Fonte: DALGALARRONDO, 2000, p. 51 . A anamnese é a verificação dos sinais e características de uma complicação ou comorbidade, realizada através da entrevista clínica. Apesar de cada pro fissional de saúde ter um olhar mais específico para determinadas situações, no contexto da saúde mental, ela pode ser feita por várias categorias para ob servar o maior número de detalhes possíveis. É uma etapa bem importante do tratamento, pois orienta a ordem de prioridade de intervenção de cuidados, assim como a identificação de fatores que estão interferindo no quadro que se apresenta. A anamnese pode ser trabalhada em etapas, organizando o trabalho da equi pe ou do profissional executante. No Quadro 2 estão as principais situações que devem estar presentes na anamnese e a descrição de cada uma delas. QUADRO 2. INFORMAÇÕES PARA ANAMNESE Função Identificação Queixa principal História da enfermidade atual Pré-natal - nascimento Descrição Nome, sexo, idade, estado civil, grupo étnico, procedência, religião. Motivo do atendimento, acrescentar a descrição na linguagem do paciente. Início dos sintomas e sua frequência, duração e flutuações. Descrever na sequência cronológica dos sintomas e eventos. Gestação, parto, condições do nascimento (incluindo peso, anoxia, icterícia, distúrbio metabólico). PSIQUIATRIA BÁSICA • Desenvolvimento na infância, adolescência e idade adulta. História médica e psiquiátrica Histórico familiar Personalidade pré-mórbida Situação socioeconõmica Condições de habitação (moradia) Estrutura e funcionamento familiar Grau de sociabilidade Escolaridade Trabalho Tabagismo, alcoolismo e outras drogas Atenção a situações especiais Condições de saúde, desenvolvimento motor, da linguagem e o controle esfincteriano, vida escolar, relacionamentos, sexualidade. relacionamento conJugal etc. Internações, cirurgias, doenças, tratamentos, medicamentos utilizados. Fazer genograma e ecomapa, descrever histórico de doenças, histórias de suicíd io, violação da lei, funcionamento social. Atitudes e padrões de comportamento (exemplo: competitividade, preocupações com limpeza, humor habitual, capacidade de expressar sentimentos etc.) Classe alta, média alta, média baixa, baixa, pobreza absoluta. Água encanada, energia elétrica, esgoto sanitário e coleta de lixo. Equilibrada, conflitos frequentes, apoio. Lazer e atividades soc1a1s. Alfabetizado, analfabeto, ensino fundamental, médio ou superior. Ocupação ou profissão. Tipo, quantidade, início, motivação para parar, quando parou. Luto: Tristeza por uma perda importante. Tem curso previsível (cerca de um ano) no ser humano saudável. Transtornos de adaptação: angústia, desconforto emocional, depressão e estresse reativos à necessidade de adaptação por mudanças importantes e impactantes de vida (exemplo: divórcio, separação dos filhos, mudança de casa, escola, país etc.). São mais intensos nas crianças, adolescentes e idosos, pessoas adultas intolerantes às frustrações e imaturas. Tem início em até 30 dias após o evento perturbador/modificador da vida da pessoa. Cursa com humor lábil, impaciência, irritabilidade, desgaste emocional, sensação de desânimo. Pode causar alterações na atividade laboral. Fonte: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-USP, (s.d.). (Adaptado) •• O Exame do Estado Mental O Exame do Estado Mental (EEM) é a avaliação clínica do aspecto geral do comportamento, humor, cognição e outras características, que identificam as condições mentais de uma pessoa. É realizado nos pacientes que apresentam alterações em seu comportamento e afeto e avalia as diferentes condições da função mental. É importante que a pessoa a ser avaliada esteja com sua atenção preser- vada, por exemplo: uma pessoa que esteja medicada de forma que não consiga se atentar às perguntas do examinador de certo sairá prejudicada. PSIQUIATRIA BÁSICA • Ao realizar o EEM é importante que o profissional esteja focado na avaliação geral da pessoa, como está sua aparência (modo de andar, seus adornos, cuidados com higiene pes soal), suas atitudes e postura durante a consulta ou atendimento- está coo perativo, indiferente, amedrontado, histriônico? Além da avaliação geral, o EEM avalia as funções mentais, ou seja, a forma como a pessoa está proces sando seus pensamentos e racionalidade. O Quadro 3 demonstra quais os parâmetros são avaliados no EEM e a forma como pode ser feita. QUADRO 3. O EXAME DAS FUNÇÕES MENTAIS � Funções mentais avaliadas no Exame do Estado Mental (EEM) 1) Nível de consciência O que avalia? Observações e sugestões Vígil: apresenta abertura ocular, estado alerta e responsivo; Sonolência: lent1f1cação das 1de1as; Torpor: está dormindo, mas responde a estímulos; Coma: não pode ser acordado. 2) Estado cognitivo O que avalia? A orientação Avalia a orientação autopsíquica, ou seja, se a pessoa se reconhece como sujeito, se reconhece sua condição familiar ou as pessoas próximas; e a orientação alopsíquica, que diz respeito ao tempo e ao espaço. A atenção Avalia a capacidade para centrar-se em uma atividade. O seu exame envolve observar: a vigilância, a tenacidade e a concentração. Memória Avalia a capacidade de registrar, fixar, reter, evocar, reconhecer objetos, pessoas, experiências ou estímulos sensoriais. Observações e sugestões Autopsíquica: perguntar dados sobre sua vida, como seu nome, nome de familiares, se reconhece as pessoas que a acompanham. Alopsíquica: em que ano está? Cidade, estado ou país ou lugar daquele momento, como hospital ou consultório. Vigilância: necessita observar se a pessoa compreende a manutenção de um foco de atenção para estímulos externos. Pode estar aumentada (hipervigilante) e diminuída (hipovigilante). Tenacidade: é a capacidade de manter-se em uma tarefa específica, termina até alcançar o objetivo. Concentração: é a capacidade de manter a atenção voluntária, em processos internos de pensamento ou em alguma atividade mental. Um exemplo é pedir que se subtraia, consecutivamente o número 7, a partir do 100. Desenvolve-se atividades capazes de avaliar as memórias imediatas (últimos minutos), recente (situações dos últimos dias) e remota (de tempos antigos vividos, como a infância, por exemplo). PSIQUIATRIA BÁSICA • Inteligência Avalia o conjunto de habilidades cognitivas de diferentes processos intelectivos, como o raciocínio, planejamento, resolução de problemas, pensamento abstrato, compreensão de ideias complexas, aprendizagem rápida e aprendizagem a partir da experiência. É importante considerar a média esperada para o grupo sociocultural e a faixa etária da pessoa avaliada. Sugere-se a aval iação do raciocínio lógico; a capacidade de fazer contas; a capacidade de abstração (capacidade de formular conceitos e ideias, compará-los e relacioná-los). Observar se o paciente se util iza de analogias e metáforas (pode ser avaliada a compreensão de provérbios); Sugere-se também avaliar a capacidade de generalização, por exemplo, perguntar sobre grupos de coisas, animais. O juízo crítico é a capacidade de perceber e aval iar adequadamente a realidade externa e separá la dos aspectos do mundo interno ou subjetivo. 3) Pensamento O que avalia? Avalia as funções que conseguem associar conhecimentos novos e antigos, integrando, estímulos, analisando, abstraindo, julgando, concluindo, sintetizando e criando. O pensamento é avaliado, por meio da linguagem, nos seguintes aspectos: forma, fluxo e conteúdo. Observações e sugestões Forma: É a relação e nexo das ideias entre si, com coerência (construção das frases em relação à sintaxe), logicidade (pensamento fundado na realidade), circunstancialidade (alteração na qual há expressão do pensamento por meio de detalhes irrelevantes e redundantes, porém paciente consegue chegar ao objetivo), tangencialidade (o objetivo nunca é alcançado, ou não é claramente definido, embora o paciente fique sempre próximo ao que seria sua meta) e fuga de ideias (associações tênues ou livres). Fluxo: é a velocidade com que as ideias passam pelo pensamento (acelerado, lentificado, adequado ou bloqueado). Conteúdo: avalia os conceitos emitidos pelo paciente e sua relação com a realidade, como conteúdo predominante, preocupações, obsessões, ideação suicida ou homicida, presença de delírios (falsa crença não compartilhada por membros do grupo sociocultural). 4) Linguagem O que avalia? É o modo de se comunicar. Envolve linguagem verbal, gestos, olhar, expressão facial e escrita. A linguagem falada é o principal ponto de observação. Observações e sugestões Observar a quantidade (mutismo, monossilábico, prolixo, não espontâneo etc.), a velocidade (pode ser rápida, lenta, hesitante), a qualidade (conteúdo do discurso (pobre ou elaborado), alterações na articulação das palavras, . neologismo (criação de novas palavras), ecolalla (repetição da última ou das últimas palavras dirigidas ao paciente) e o volume (alto ou baixo). S) Sensopercepção O que avalia? Designa qual a capacidade de perceber e interpretar os estímulos que se apresentam aos órgãos dos cinco sentidos. Quando alterada pode manifestar-se através das ilusões, alucinações, despersonalização e desrealização. Observações e sugestões As ilusões ocorrem quando os estímulos sensoriais reais são confundidos ou interpretados erroneamente, por exemplo: achar que a cadeira é um carrinho de bebê. As alucinações ocorrem quando há percepção sensorial na ausência de estimulo externo (percepção sem objeto), por exemplo: ouvir vozes sem que haja estimulo auditivo. A despersonalização é a alteração na percepção de si próprio, manifestada por sentimentos de estranheza ou irrealidade e a desrealização é a alteração na percepção do meio ambiente. PSIQUIATRIA BÁSICA • 6) Humor/Afeto O que avalia? O humor diz respeito ao estado emocional de longa duração, interno, não dependente de estímulos externos e pode influenciar a percepçao de si mesmo e do mundo ao seu redor. O afeto é a experiência imediata e subjetiva das emoções sentidas em relação à situação: Inclui a manifestação externa da resposta emocional do paciente a eventos. Observações e sugestões Avalia-se o humor/afeto pela expressão facial, gestos, tonalidade afetiva da voz, con_te_údo do discurso e psicomotricidade, choro fac1I, nsos imotivados etc. Observar a qualidade do afeto: tristeza, culpa, alegria, vergonha, etc.; a modulação do afeto: hipermodulação, hipomodulação, embotamento, rigidez; e a_ tonalidade afetiva: hipotimia (sintomas depressivos), hipertimia (euforia), disforia (tonalidade afetiva desagradável, mal-humorada), (7) Psicomotricidade O que avalia? A integração das funções de motricidade e mental sob o efeito da educação e do desenvolvimento do sistema nervoso. Observações e sugestões Observar a velocidade e intensidade da mobilidade geral na marcha, quando sentado e na gesticulação; a agitação ou retardo, a acatisia (movimento de "amassar barro"), os maneirismos _ (movimentos involuntários estereotipados), os tiques (movimentos involuntários e espasmódicos) e a presença de sinais de catatonia (obediência automática, flexibilidade cérea). Fonte: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-USP, (s.d,). (Adaptado) Algumas observações são impor tantes para refletir: o EEM é uma ava liação médica, mas psicólogos devem saber, especialmente os profissionais que estiverem atuando diretamente com pacientes psiquiátricos. Ainda as sim, há observações e avaliações feitas nos quais não nos atemos. Muitas vezes nem os médicos se atêm com detalhes, a não ser que a situação exija um olhar mais apurado para um diagnóstico diferencial. Quando o paciente é avaliado na sua aparência, nos seus adornos, nas suas vestimentas ou cuidados com a higiene, deve-se sempre levar em conta sua cultura, seu acesso, mas principalmente a forma como ele se apresentava antes. ASSISTA O vídeo O exame do estado mental: avaliando funções afinal -sacoplimcapj-Ep. 15 (epílogo) mostra a aplicação do Exa me do Estado Mental (EEM), apresentado por um psicólogo. PSIQUIATRIA BÁSICA • •• As grandes síndromes psicopatológicas As síndromes psiquiátricas são conjuntos de sinais e sintomas, menciona dos pelos pacientes e familiares e observados pelos profissionais de saúde, que possibilitam elaborar as hipóteses diagnósticas dos transtornos mentais. Sintomas e sinais não necessariamente são doenças. É ne cessário um conjunto de critérios que irão definir o diag- nóstico, prognóstico e curso da doença. Uma análise breve dos principais grupos de síndromes psicopata- lógicas ou psiquiátricas nos ajudaram a compreender as principais síndromes psicopatológicas. Síndromes ansiosas •• A ansiedade é uma condição patológica que apresenta um sentimento de temor acompanhado de outros sintomas e sinais de hiperatividade do sis tema nervoso central. Geralmente os pacientes costumam mencionar preo cupação, no entanto, há de se diferenciar a ansiedade normal da ansiedade patológica. A ansiedade normal é aquela relativa a uma condição adaptativa, que prepara o ser humano para uma ameaça, como: um emprego novo ou uma prova de vestibular. Já a ansiedade patológica traz grande sofrimento à pessoa, a ponto de prejudicar suas rotinas diárias e relacionamentos. Atual mente, as referências técnicas para os transtornos de ansiedade dividem-se da seguinte forma: a) Transtorno de ansiedade de separação; b) Mutismo seletivo; c) Fobia específica; d) Transtorno de ansiedade social; e) Transtorno de pânico; f) Agorafobia; h) Transtorno de ansiedade generalizada; i) Transtorno de ansiedade induzido por substância; j) Transtorno de ansiedade devido à outra condição médica; h) Outro transtorno de ansiedade não especificado. PSIQUIATRIA BÁSICA • Antigamente, o transtorno de estresse pós-traumático e o transtorno ob sessivo compulsivo estavam incluídos nas síndromes ansiosas, mas com o DSM-5 esses foram incluídos em outra categoria. Os transtornos de ansiedade têm sido as causas mais comuns de sofrimento e procura de tratamento. De todos listados acima, os mais comuns são: • Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG): preocupação excessiva e abrangente sobre vários assuntos cotidianos, gerando muitos sintomas somá ticos, como fadiga, irritabilidade, dificuldade de concentração, insônia e prejuí zo funcional; • Fobia específica: é quando a pessoa apresenta um medo acentuado de um objeto, animal ou situação, como pavor de um pássaro, de voar de avião, de injeção, entre outros, o que pode gerar muitos prejuízos sociais; • Fobia social: é um medo excessivo de humilhação, de exposição em con textos sociais, que pode inclusive gerar ataques de pânico. A pessoa apresen ta medo de falar em público, de usar espaços comuns, até mesmo de ir para escola e trabalho, o que gera grandes perdas, pois ela faz de tudo para evitar situações que a exponha. • Transtorno de pânico: a pessoa sofre com ataques que ocorrem de forma inesperada, com a presença de grande medo de perder o controle ou morrer, com sintomas somáticos como taquicardia, sufocamento, tontura, formiga mentos, aperto ou dor no peito. Há sempre a presença do medo de que novos ataques aconteçam, por isso a pessoa passa a evitar sair sozinho. •• Síndromes depressivas e maníacas As síndromes depressivas são um grande problema de saúde pública e por muitos anos se mantém como a principal causa de incapacidade en tre todos os problemas de saúde. Do ponto de vista psicopatológi co, a síndrome depressiva é caracterizada pelo humor triste, mas apresenta também uma multiplicidade de sintomas, inclusive os sintomas psicóticos e fe- nômenos biológicos associados. Dalgalarrondo (2000) distribui os sintomas nas seguintes cate- gorias, conforme Quadro 4. PSIQUIATRIA BÁSICA • QUADRO 4. SINTOMAS PRESENTES NA SÍNDROME DEPRESSIVA Sintomas Afetivos Alterações instintivas e neurovegetativas Alterações ideativas Alterações cognitivas Alterações da autovalorização Alterações da volição e psicomotricidade Psicóticos Fonte: DALGALARRONDO, 2000, p. 1 90. � Características Tristeza, melancolia, choro fácil e/ou frequente, apatia, sensação de falta de sentimento, tédio, irritabilidade, angústia, desespero, desesperança. Fadiga, cansaço, desânimo, insônia ou hipersonia, perda ou aumento do apetite, constipação, palidez, diminuição de libido e anedon1a. Pessimismo, culpa, arrependimento, ruminação, 1de1as de morte, 1deação ou plano suicida. Déficit de atenção e concentração, déficit de memória, dificuldade de tomar decisões e pseudodemência depressiva. Sentimento de baixa autoestima, insuficiência, incapacidade, vergonha e autodepreciação. Lentificação psicomotora, diminuição da fala, mutismo, tendência a permanecer na cama e recusas. Ideias delirantes de cunho negativo, delírio de ruína, delírio de culpa, hipocondria, alucinações e ilusões auditivas. As síndromes depressivas podem ser desencadeadas por diversos fato res: biológicos, genéticos, ambientais e neuroquímicos. Os subtipos de síndro mes depressivas podem ser: a) episódio ou fase depressiva e transtorno depres sivo recorrente; b) distimia; c) depressão atípica; d) depressão psicótica; e) estu por depressivo; f) depressão ansiosa; g) depressão secundária. As síndromes maníacas dizem respeito à condição de euforia e "alegria pato lógica", geralmente presente no transtorno de humor bipolar. Apresenta-se quase sempre agitação psicomotora, exaltação, logorreia e pensamento acelerado. De modo geral, os sintomas presentes nas síndromes maníacas são: aumento da au toestima, insônia, muita produção verbal e de forma rápida, agitação psicomotora, irritabilidade, arrogância, heteroagressividade, desinibição social e sexual, tendên cia exagerada para compras ou dar presentes (fazer doações), ideias de grandeza, de poder, alucinações. Os subtipos de mania são especificados no Quadro 5. PSIQUIATRIA BÁSICA • QUADRO 4. SUBTIPOS DE SÍNDROMES MANÍACAS Subtipo Mania franca ou grave Mania irritada ou disfórica Mania mista Hipomania Ciclotimia � Característica Forma mais intensa de mania, agitação psicomotora importante, heteroagress1v1dade, fuga de ideias, delírios de grandeza. Predominância da 1mtab1lidade, mau humor, hostilidade, podendo ocorrer heteroagressiv1dade e destruição de Objetos. Presença de sintomas maníacos e depressivos ocorrendo ao mesmo tempo ou alternando-se rapidamente. É uma forma leve de episódio maníaco que muitas vezes passa despercebido pois a pessoa está mais disposta que o normal, fala muito, conta piadas e tanto a pessoa quanto seu meio social não saem muito prejudicadas. Frequentes períodos com a presença de poucos e leves sintomas depressivos com discreta elevação do humor. Ocorre sem que o indivíduo apresente um episódio completo de depressão ou mania. Fonte: DALGALARRONDO, 2000, p. 1 94. •• Síndromes neuróticas Neurose é um termo abandonado na atualidade, mas na psicopatologia ele é bem colocado para as situações patológicas associado a algum transtorno somatoforme. As principais são: 1. Síndromes fóbicas: que também estão no grupo das síndromes ansio sas e são caracterizadas pelo medo irracional e de grande sofrimento para a pessoa; 2. Síndromes obsessivo-compulsivos: quadro caracterizado por ideias, fantasias e imagens obsessivas e/ou com atos, rituais e comportamentos ob sessivos. É uma condição de extremo sofrimento onde a pessoa não consegue ter controle sobre os pensamentos; 3. Síndromes histéricas: apresentam alterações tanto físicas (alterações motoras e sensoriais) quanto psíquicas (alterações de consciência, memória e percepção). Pode ser dissociativa, onde o paciente tem crises que se asseme lham a crises epiléticas, como também conversivas, onde o paciente apresenta alterações sensoriais e motoras,como não conse guir enxergar ou andar. 4. Síndromes hipocondríacas: quadros onde a pes soa apresenta a ideia de doença grave, sentindo sinais inexistentes ou hipervalorizando os sinais insignificantes. PSIQUIATRIA BÁSICA • •• Síndromes psicóticas As síndromes psicóticas são as popularmente chamadas de loucura. Os sintomas típicos são os delírios, as alucinações, pensamento desorganizado e comportamento bizarro. Sintomas paranoides são muito comuns, com a sen sação de perseguição através de alucinações auditivas e visuais. A principal forma de psicose é a esquizofrenia. A esquizofrenia apresenta sintomas bem significativos, chamados de "sin tomas de primeira ordem, que apresentam uma distorção entre o eu e o mun do". Os sintomas de primeira ordem são, segundo Dalgalarrondo (2000): • Percepção delirante: uma percepção normal, mas que recebe uma sig nificação delirante, como se fosse uma "revelação"; • Alucinações auditivas características: vozes de comando ou que co mentam coisas pejorativas ou ofensivas; · Eco ou sonorização dos pensamentos: o paciente ouve seus próprios pensamentos, como uma voz ressoando; • Roubo de pensamento: sensação que o paciente experimenta que seu pensamento foi extraído ou roubado; • Vivências de influência: pode ser corporal, quando o paciente sente que algo controla seu corpo ou ideativa, sensação que o controle dos seus pensamentos. Os sintomas de segunda ordem são os de menor importância no diagnós tico, ou seja, não é necessário que haja sua presença para que seja confirma da a esquizofrenia. São eles: perplexidade, alterações sensoriais, empobreci mento do campo afetivo, intuição delirante, alterações do ânimo. •• Síndromes relacionadas ao comportamento alimentar As síndromes relacionadas ao comportamento alimentar são perturbações nesse comportamento que pode levar desde o emagrecimento extremo, por deixar de ingerir alimentos ou reduzir de forma inadequada, até a obesidade, por excesso na ingestão de comida. Muito se percebe que os transtornos ali mentares estão relacionados com a cultura de determinadas sociedades, o que demonstra a maior prevalência entre mulheres jovens de países ocidentais. PSIQUIATRIA BÁSICA • Os principais tipos de síndromes relacionadas ao comportamento alimentar são a anorexia nervosa e a obesidade. A causa é multifatorial e está associada principalmente com a condi ção sócio cultural, mas também conta com fato res genéticos e da estrutura psicológica. A anorexia é a perda de peso autoinduzida por abstenção de alimentos ou por comportamentos como vô mitos, exercício excessivo e uso de medicamentos diuréticos, laxativos e anorexígenos. Há a distorção da imagem corporal e um medo excessivo de ganhar peso, portanto a pessoa começa a desenvolver uma série de com portamentos compulsivos como pesar-se, medir-se, começam a disfarçar a magreza e a evitar se alimentar para fugir de comentários e observações de familiares e amigos. Em função da perda de peso excessiva, começam a sur- gir alterações endócrinas, metabólicas e eletrolíticas, como a amenorreia, secreção anormal da insulina, infecções, desnutrição, entre outros. A bulimia é caracterizada por compulsões alimentares periódicas segui das de métodos compensatórios inadequados como o vômito autoinduzido, laxantes, diuréticos e prática de exercícios em excesso para evitar o ganho de peso. Na bulimia, a pessoa apresenta sofrimento pela forma corporal, mas seu sofrimento é compensado na compulsão alimentar. Como a perda de peso não é perceptível como no caso da anorexia, é mais difícil para a família perceber o transtorno. O transtorno do comer compulsivo também está no quadro desta sín drome e consiste em episódios de compulsão alimentar, no entanto, sem os métodos purgativos de eliminação dos alimentos ingeridos, assim como não há a preocupação irracional com a forma corporal. A pessoa com esse transtorno começa a comer compulsivamente e só para quando fica descon fortável fisicamente, a maioria apresenta obesidade ou sobrepeso, outras características que está associada é a velocidade que comem, geralmente mais rápido do que o normal e sentem-se culpados após o consumo. Existe também o transtorno de Pica, que é caracterizado pela ingestão de substâncias não comestíveis, como sabonete, cabelo, cinzas de cigarro, argila etc. PSIQUIATRIA BÁSICA . •• Síndromes relacionadas às substâncias psicoativas Os transtornos relacionados às substâncias psicoativas referem-se ao abu so e dependência de substâncias psicoativas, que ativam a região de recom pensa do cérebro, gerando excitação e prazer. As síndromes são: intoxicação, fissura, tolerância, síndrome de abstinência, abuso, dependência e as psicoses induzidas. A intoxicação, o uso nocivo e o abuso são padrões de uso que trazem danos tanto à saúde física quanto danos às relações familiares e sociais. A fissura é o desejo intenso de uso da substância. A tolerância é quando o efeito da droga acaba ficando menor após repetidas vezes, sendo que o organismo necessita cada vez de quantidades maiores para causar o mesmo efeito. A síndrome de abstinência é o conjunto de sinais e sintomas que se apresentam horas ou dias após a cessação do uso da substância que vinha consumindo continuamente. A dependência química é o padrão mal adaptativo do uso de substâncias químicas que traz grande repercussão na vida da pessoa dependente. No caso da interrupção do uso da substância, o corpo manifesta sintomas de depen dência, refletido como ansiedade, desconforto, irritabilidade e sintomas de abstinência. As psicoses tóxicas são os quadros psicóticos induzidos pelo uso de subs tância que podem durar horas, dias ou semanas, dependendo da substância, da quantidade e da condição do indivíduo. •• Síndromes relacionadas à sexualidade As síndromes relacionadas à sexualidade exigem bastante cautela, pois se torna necessário avaliar um arcabouço de situações que são tabus e conse quentemente geram um impacto psicossocial significativo. A sexualidade sem pre foi foco de atenção, portanto muitos dos transtornos surgiram ao longo dos tempos. As categorias de transtornos considerados são: o desejo sexual inibido, disfunção erétil, ejaculação precoce, vaginismo (dor na penetração), as chamadas perversões sexuais (pedofilia, zoofilia e necrofilia) e outros proble mas relacionados ao ato sexual, como abusos ou estupros que ocorrem por distorções da realidade ou pensamento do abusador. PSIQUIATRIA BÁSICA • •• Síndromes psicorgânicas As síndromes psicorgânicas são aquelas resultantes uma lesão cerebral, que podem ter múltiplos fatores, como uma degeneração ou uma lesão vas cular, por exemplo. As síndromes demenciais, o delirium e outras de origem psicorgânicas são de origem biológica, no entanto estão entre as condições clínicas que tem manifestações mentais e comportamentais. O delirium não é o delírio comumente visto e falado. Trata-se de sintomas como o delírio da psicose, portanto de causa orgânica. As causas mais comuns do delirium são a abstinência de drogas, as intoxicações, os traumas físicos, a hipoglicemia, as infecções do sistema nervoso central (SNC), tumores, epilep sia, enxaqueca, infecções pelo HIV, entre outros. As demências são caracterizadas pela perda das múltiplas habilidades cognitivas e funcionais, como a memória, a função cognitiva (contas, reconhecimento, linguagem), alteração das funções executivas e curso progressivo. 1 DICA O filme Nise: o Coração da Loucura retrata todo o movimento dessa médi ca no tratamento de pacientes psicóticos. PSIQUIATRIA BÁSICA • Sintetizando • Esta unidade procurou discutir os assuntos mais introdutórios à psiquiatria, como uma ideia do campo, seu conceito, espaços de atuação, as condições or gânicas e psicossomáticas, assim como algumas reflexões sobre a atuação do psiquiatrae a intersecção com a psicologia. Foram apresentados conceitos da avaliação psiquiátrica, procurando trazer alguns aspectos da entrevista, posturas, condutas e habilidades, bem como apre sentar os principais tópicos examinados na anamnese. Foi apresentado também o que é o Exame do Estado Mental (EEM) e o significado de cada esfera analisada. Outro conceito introdutório da psiquiatria é a apresentação das grandes sín dromes psicopatológicas (psiquiátricas), que é o conjunto de doenças que estão dentro do espectro de atuação do psiquiatra. Foi apresentado aqui as principais patologias, pois novas categorias são incluídas devida a complexidade. PSIQUIATRIA BÁSICA . Referências bibl iográficas • CARDOSO, C.R.D.; MASSIMI, M. Causalidade psíquica e a fundamentação da psi cologia científica segundo Edith Stein. Teocomunicação. Porto Alegre, n. 1, p. 26-38, 2017, v.47. Disponível em:<https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/ teo/article/view/25913/15912>. Acesso em: 20 jun. 2021. DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed, 2000. ESCOLA DE ENFERMAGEM DE RIBEIRÃO PRETO-USP. Centro de simulação de prá ticas de enfermagem. Orientações para o Exame Psiquiátrico. [s.d.]. Disponí vel em: <https://ed isci pli nas.usp. br/pl ugi nfile.ph p/3596396 /mod_resou rce/ content/1/ORIENTACOES_PARA_EXAME_PSIQUITRICO.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2021. NISE - Coração da loucura. Direção de Roberto Berliner. Rio de Janeiro: Imagem Filmes, 2016. (106min.), son., calor. O EXAME do estado mental: avaliando funções afinal - sacoplimca pj - Ep. 15 (epílogo). Postado por Breno Sanvicente-Vieiral. (22min. 57s.). son. calor. port. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=rlJEjLZkgiA>. Acesso em: 20 jun. 2021. PSIQUIATRIA BÁSICA . UNIDADE ser educacional Objetivos da unidade Conhecer os principais transtornos psiquiátricos e suas características mais relevantes; Conhecer os detalhes de cada diagnóstico, dados epidemiológicos, características clínicas e tratamento. Tópicos de estudo Transtornos de humor: um breve histórico O que os transtornos de humor contemplam? Transtorno afetivo bipolar (TAB) Transtornos depressivos Transtornos de ansiedade Fobia social e fobias específicas Transtorno de pânico e agorafobia Transtorno de ansiedade generalizada (TAG) Ansiedade de separação e mutismo seletivo Transtornos psicóticos e mentais orgânicos Esquizofrenia Transtornos neurocognitivos (TNC) Transtornos relacionados ao uso de substância psicoativa Fases da mudança de comportamento PSIQUIATRIA BÁSICA . •• Transtornos de humor: um breve histórico Os sentimentos de dor e vazio na alma são quase universais. Ao longo da história, grandes mentes se debruçaram sobre essas sensações, tão naturais e humanas. Em sua tese de doutorado, Almeida (2018) apresenta a história dos transtornos de humor. Resumidamente, Hipócrates os formula no período co nhecido como Antiguidade Clássica. A mania e a melancolia, por exemplo, são os quadros clínicos embrionários da história da medicina. Aristóteles associa o temperamento melancólico às capacidades artística e intelectual. Para o filóso fo, tal aspecto era um sinal de transtorno mental causado pelo excesso da bile negra. Já Areteu caracteriza a tristeza dentro da melancolia e chama atenção para uma preocupação mórbida de caráter delirante. Dessa maneira, ele es tabelece um vínculo entre mania e melancolia, sentimentos diferentes dentro de uma mesma doença. Vale a pena notar que, dentro desse grande e antigo período, já existia a ideia de uma doença provocar desequilíbrio não apenas no cérebro, mas no corpo inteiro. Entrando na Idade Média, marcada pela visão religiosa sobre os transtornos mentais, inicia-se a fase de "demonologia" do sofrimento psíquico. Por exem plo, a apatia, considerada como preguiça, entra para o rol dos sete pecados capitais. Justifica-se, portanto, o preconceito sobre a depressão, que dura até hoje: algumas pessoas ainda pensam que a doença nada mais é do que "coisa de gente fraca e preguiçosa" ou, simplesmente, "falta do que fazer". O movimento renascentista recuperou as perspectivas filosófica, biológica e psicológica do sofrimento e voltou a vê-lo como uma doença. Em 1621 , Ro bert Burton diferencia a melancolia da loucura. Entretanto, reconhe ce momentos em que elas ocorrem concomitantemente, como no caso da mania. Finalmente, a ciência moderna constrói a teoria dos humores sobre a ideia de um desequilíbrio entre as partes do cérebro. Segundo Souza e Lacerda (2013 apud Almeida, 201 8, p. 29), o termo "depressão" apareceu pela primeira vez em 1 680; o objetivo era designar um estado de desâ- nimo ou perda de interesse. Vale a pena considerar a contribuição de Philippe Pinel nesse processo, um marco na psiquiatria. Ele defendeu que • PSIQUIATRIA BÁSICA . esse ramo da medicina deveria ter um processo de observação rigoroso, além de se aproximar mais das ciências médicas e se afastar de cenários ideológicos. In ic ia-se, portanto, a doença institucionalizada, em outras palavras, passa-se a descrever quadros clínicos de maneira adequada e medica-se o sofrimento. Além disso, a internação surge como medida terapêutica. De volta às alterações de humor, o século XIX começa a descrever melhor as alterações entre mania e depressão. Apesar de o debate sobre as questões mentais tender para o aspecto moral, nunca se deixou de lado a h ipótese de lesões cerebrais ou disfunções físicas. Freud e Kraepelin mantiveram discursos opostos sobre a origem dos transtornos mentais; a famosa rivalidade entre de terminismo biológico e causalidade psíquica. Em 1905, Adolf Meyer sugere que se substitua o termo "melancolia" por "depressão". Graças à sua concepção de que o transtorno psiquiátrico é uma disfunção na capacidade de reagir aos problemas cotidianos, os postulados do psiquiatra suíço influenciaram signi ficativamente o primeiro Manual Diagnóstico de Transtornos Mentais (DSM). A visão da medicina sobre os transtornos de humor evoluiu da seguinte maneira: a. Ideia determinista, hereditária e "biologicista": do fim do sécu lo XIX até meados de 1 940, essa visão reinou sobre a maneira com que se tratava o comportamento depressivo. O coma insulínico, as terapias convulsivas e a lobotomia são alguns exemplos de terapia durante esse período; b. Teorias morais: preocupadas com a dignidade do paciente, elas sur gem na década de 1 950. Destacam-se as teorias psicanalíticas e da antipsiquiatria, que já falavam sobre como as influências psicológicas e sociais moldavam os quadros clínicos; c. Psicofarmacologia: esse ramo surge como uma esperança de se so lucionar os transtornos mentais da mesma forma que os antibióticos atuavam contra i nfecções; d. Depressão como desequilíbrio químico do cérebro: a perspectiva biológica da condição retoma os holofotes em função dos avanços nas pesquisas farmacológicas; e e. "Década de ouro do cérebro": a partir dos anos 1 990, o congres so americano considera este órgão como central na explicação dos transtornos. PSIQUIATRIA BÁSICA . Essa lógica perdura até os dias de hoje. As medicações são peças chaves na adequação das pessoas ao trabalho e ao convívio social e familiar. Tal relação é fruto de uma sociedade que vive em função de trabalho, tempo, praticidade e produção. Em outras palavras, trata-se de um contexto social. Não sabemos mais "como sofrer" e, como consequência, poupamos nossos filhos de frus trações, o que apenas lhes causa uma série de sofrimentos futuros. Enquanto isso, profissionais da psicologia e da educação buscam humanizar as relações sociais e o próprio sofrimento. •• O que os transtornos de humor contemplam? O humor é o estado emocional de uma pessoa, isto é, a forma de expres sar emoções. Frente às situações da rotina diária,é normal que ele oscile ao longo do dia. Quando tal oscilação prejudica relações, compromissos e a vida laboral, torna-se patológica. Os termos mais comuns às condições patológi cas do humor são: • Disforia: mudança repentina e transitória do humor, com sentimentos de angústia, pesar, luto e ansiedade; • Eutimia: humor normal ou estável; • Hipertimia: felicidade exagerada ou doentia; • Hipotimia: humor "mais baixo" ou triste. A Organização Mundial de Saúde (OMS) classifica os transtornos mentais e do comportamento por meio do Código Internacional de Doenças (CID). Em 1993, o CID-10 relacionou os transtornos de humor entre os códigos F30 a F39. Obviamente, cada classificação apresenta suas próprias especificidades. To memos o exemplo da depressão grave. É possível descrevê-la como: CID F33.2 - depressão grave sem sintomas psicóticos. O CID-1 O considera esses transtornos como situações em que há alteração do humor ou afeto de forma que afete o nível global de atividade do indi víduo. Além disso, é comum observar depressão nesses ca sos, seja ela associada à ansiedade ou não. A maioria dos transtornos tende a ser recorrente e geralmente ocorre por situações estressantes. O Quadro 1 resume a forma como o CID-10 classifica e qualifica tais transtornos. PSIQUIATRIA BÁSICA . QUADRO 1 . TRANSTORNOS DO HUMOR � F30 - Episódio maníaco F30.0 H1poman1a F30.1 Mania sem sintomas ps1cót1cos F30.2 Mania com sintomas psicóticos F30.8 Outros episódios maníacos F30.9 Episódio maníaco não especificado F30.0 Hipomania F31 - Transtorno afetivo bipolar F31.0 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual hipomaníaco F31.1 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual maníaco sem sintomas psicóticos F31.2 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual maníaco com sintomas psicóticos F31.3 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual depressivo leve ou moderado F31.4 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual depressivo grave sem sintomas psicóticos F31.5 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual depressivo grave com sintomas psicóticos F31.6 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual misto F31.7 Transtorno afetivo bipolar, atualmente em remissão F31.8 Outros transtornos afetivos bipolares F31.9 Transtorno afetivo bipolar não espec1f1cado F32 - Episódio depressivo - Ep1sód10 depressivo leve 32.00 - Sem sintomas ps1cót1cos 32.01 - Com sintomas ps1cót1cos Ep1sód10 depressivo grave sem sintomas ps1cót1cos Ep1sód10 depressivo grave com sintomas ps1cót1cos PSIQUIATRIA BÁSICA . Outros episódios depressivos Episódio depressivo não especificado F33 - Transtorno depressivo recorrente - - Transtorno depressivo recorrente, episódio atual leve 33.00 - Sem sintomas somáticos 33.01 - Com sintomas somáticos Transtorno depressivo recorrente, episódio atual moderado 33.10 - Sem sintomas somáticos 33.1 1 - Com sintomas somáticos Transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave, sem sintomas psicót1cos Transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave, com sintomas psicót1cos Transtorno depressivo recorrente, atualmente em remissão Transtorno depressivo recorrente não especificado F34 - Transtornos persistentes do humor (afetivos) C1clotimia Distim1a Outros transtornos persistentes do humor (afetivos) Transtorno persistente do humor (afetivo) não especificado F38 - Outros transtornos do humor (afetivos) - - Outros transtornos únicos do humor (afetivos) 38.00 - Episódio afetivo misto Outros transtornos recorrentes do humor (afetivos) 38.1 O - Transtorno depressivo breve recorrente Outros transtornos especificados do humor (afetivos) F39 - Transtorno do humor afetivo não especificado Fonte: OMS, 1 993, [s.p.J. (Adaptado). Percebe-se que a instituição atribuiu todas as medidas possíveis à triste za, seja ela com agitação, inatividade, irritabilidade, choro ou, até mesmo, a ausência dele. PSIQUIATRIA BÁSICA . •• Transtorno afetivo bipolar (TAB) Em sexto lugar dentre as maiores causas de incapacitação para o trabalho e demais atividades da rotina diária, o transtorno afetivo bipolar (TAB) é uma doença crônica e incapacitante, que acomete 1% da população mundial. Des taca-se pela presença de dois extremos de humor: deprimido e expansível ou irritável. O TAB se divide em dois tipos: • Tipo 1: mais raro, com maior taxa de suicídios e um pior prognóstico. Os sintomas demoram mais para se estabilizarem; • Tipo l i : comum e mais leve, não apresenta episódios de mania, apenas de hipomania. Estudos indicam que 1/4 de todos os casos de suicídio apresenta diagnósti co de TAB. Portanto, é uma doença com alto risco. O diagnóstico e os sintomas podem se confundir com os de outros transtornos, como os de: personalidade borderline; déficit de atenção e hiperatividade; e impulso. O Quadro 2 apresen ta as principais diferenças e características diagnósticas do TAB tipo I e l i . QUADRO 2. CARACTERÍSTICAS DIAGNÓSTICAS DO TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR ::=:::::::=:::: Transtorno afetivo bipolar 1 Transtorno afetivo bipolar li Ao menos um episódio de mania ao longo da vida. Ao menos um episódio hipomaníaco ao longo da vida. Quadro de mania persiste por, pelo menos, uma semana. Dura de dias a meses com humor irritável ou impaciência. Mais difícil de diagnosticar. Possibilidade de sintomas ps1cóticos. Não há sintomas psicóticos. Quando em mania, sem crítica de sintomas. Quadro mais grave. Paciente apresenta crítica dos sintomas. Ge ralmente, quadro menos grave. Em ambos Autoestima elevada Diminuição do sono Mais falante Fuga de ideias Distração Aumento de atividade dirigida Atitudes compulsivas PSIQUIATRIA BÁSICA . O TAB se manifesta clinicamente por meio de quadros depressivos com a presença de anedonia, que os torna mais duradouras; geralmente, ocorrem no TAB tipo l i . Também se observa casos de mania ou de hipomania. Em algumas situações, inclusive, eles se misturam e há uma superposição de pelo menos três sintomas. Esse é um estado delicado, com mais índices de internações e maior risco de suicídio quando comparado às condições "puras" ou não mistas. Os fatores de risco para a bipolaridade incluem: histórico familiar; manifes tação de sintomas antes dos 20 anos; maior número de ocorrências depres sivas no histórico de vida; e depressão pós-parto. Carneiro e Moreno (2020) afirmam que filhos de pais com TAB têm maior probabilidade de desenvolver a doença. Seus estudos apontam uma concordância entre 40% a 70% de chan ces para filhos e 5% a 10% em parentes de primeiro grau. Fatores ambientais também podem influenciar, seja gerando mudanças a nível biológico ou contri buindo para o desenvolvimento da doença. Episódio maníaco Dentro do transtorno bipolar do tipo 1, esse episódio se caracteriza por um humor elevado, expansível ou irritado e por um aumento anormal da energia, que dura por, pelo menos, uma semana e se mantém na maior parte do dia. Ge ralmente, o indivíduo acometido pela condição apresenta: autoestima elevada; diminuição da necessidade do sono; eloquência; fuga de ideias; pensamentos acelerados; agitação; aumento da atividade social ou sexual; e envolvimento em situações de risco, como investimentos financeiros precipitados. EXPLICANDO Você sabe qual é a diferença de humor e afeto? O primeiro diz respeito ao estado emocional interno do indivíduo. Normalmente, é descrito de forma subjetiva, como: calmo; feliz; triste; ou impaciente. Já o afeto é a manifestação do humor ou da emoção. A forma como o médico ou o psicólogo descreve o humor segue os seguintes elementos: qualidade; quantidade; variação; adequação; congruência; plano; normal; ou lábil. Por exemplo: um paciente catatônico encontra-se com o humor embotado; um paciente em mania, com o humor expansível, inadequado; e um paciente deprimido, com o humor lábil. O leitor pode perguntar: tanta disposição é ruim? Deve-se entender
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