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ANALÍSE LITERÁRIA FUVEST

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CLARO ENIGMA – Carlos Drummond de Andrade 
Professor: Flávio Brito 
 
 
 
A década de 1930 acontece o forte impacto da crise iniciada com a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, seguida pelo 
colapso do sistema financeiro internacional. 
 No Brasil, 1930 marca o fim da República Velha, do domínio das velhas oligarquias ligadas ao café e o início do longo 
período em que Vargas permaneceu no poder. 
 A Revolução de 30, que levou Getúlio Vargas a um governo provisório, contava com o apoio da burguesia industrial, dos 
setores médios e dos tenentes responsáveis pelas revoltas na década de 1920 (exceção feita a Luís Carlos Prestes, que, no exílio, 
havia optado claramente pelo comunismo). Desenvolve-se, assim, uma política de incentivo à industrialização e à entrada de 
capital norte-americano, em substituição ao capital inglês. 
 Getúlio Vargas, auxiliado pelos integralistas, inicia sua ditadura em 10 de novembro de 1937. O chamado Estado Novo 
será um longo período antidemocrático, anticomunista, baseado num nacionalismo conservador e na idolatria de um chefe único: 
Getúlio Vargas. Essa situação se prolongará até 29 de outubro de 1945, quando, pressionado, Getúlio renuncia. 
 
CARACTERÍSTICAS MODERNISTAS – II FASE (POESIA) 
• Iniciou com o livro Alguma Poesia, de Carlos Drummond de Andrade. 
• Aprofundou os ideais e propostas da 1ª fase. 
• Verso livre. 
• Poesia sintética. 
• Questionamento da Realidade. 
• Busca o “eu-indivíduo” e o seu “estar no mundo”. 
• Investigação do papel do artista. 
• Metalinguagem. 
• Corrente mais intimista e espiritualizada. 
• Evidencia-se a fragilidade do Eu. 
 
Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira do Mato Dentro - MG, em 31 de outubro de 1902. De uma família de 
fazendeiros em decadência, estudou na cidade de Belo Horizonte e com os jesuítas no Colégio Anchieta de Nova Friburgo RJ, de 
onde foi expulso por "insubordinação mental". De novo em Belo Horizonte, começou a carreira de escritor como colaborador 
do Diário de Minas, que aglutinava os adeptos locais do incipiente movimento modernista mineiro. Ante a insistência familiar 
para que obtivesse um diploma, formou-se em farmácia na cidade de Ouro Preto em 1925. Fundou com outros escritores A 
Revista, que, apesar da vida breve, foi importante veículo de afirmação do modernismo em Minas. Ingressou no serviço público, 
em 1934, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde foi chefe de gabinete de Gustavo Capanema, ministro da Educação, até 1945. 
Passou depois a trabalhar no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e se aposentou em 1962. Desde 1954 colaborou 
como cronista no Correio da Manhã e, a partir do início de 1969, no Jornal do Brasil. O modernismo não chega a ser dominante 
nem mesmo nos primeiros livros de Drummond, Alguma poesia (1930) e Brejo das almas (1934), em que o poema-piada e a 
descontração sintática pareceriam revelar o contrário. A dominante é a individualidade do autor, poeta da ordem e da 
consolidação, ainda que sempre, e fecundamente, contraditórias. Torturado pelo passado, assombrado com o futuro, ele se detém 
num presente dilacerado por este e por aquele, testemunha lúcida de si mesmo e do transcurso dos homens, de um ponto de vista 
melancólico e cético. Mas, enquanto ironiza os costumes e a sociedade, entrega-se com empenho e requinte construtivo à 
comunicação estética desse modo de ser e estar. Vem daí o rigor na forma do poema, que beira a obsessão. O poeta trabalha 
sobretudo com o tempo, em sua cintilação cotidiana e subjetiva. Em Sentimento do mundo (1940), em José (1942) e sobretudo 
em A rosa do povo(1945), Drummond lançou-se ao encontro da história contemporânea e da experiência coletiva, participando, 
solidarizando-se social e politicamente, descobrindo na luta a explicitação de sua mais íntima apreensão para com a vida como um 
todo. A surpreendente sucessão de obras-primas, nesses livros, indica a plena maturidade do poeta, mantida sempre. 
Drummond foi seguramente, por muitas décadas, o poeta mais influente da literatura brasileira em seu tempo, tendo também 
publicado diversos livros em prosa. Alvo de admiração irrestrita, tanto pela obra quanto pelo seu comportamento como 
escritor, Carlos Drummond de Andrade morreu no Rio de Janeiro RJ, no dia 17 de agosto de 1987, poucos dias após a morte de 
sua filha única, a cronista Maria Julieta Drummond de Andrade. 
 
O estilo literário de Carlos Drummond de Andrade A produção poética de Drummond pode ser dividida em quatro fases: 
 
A fase gauche (1930-1940): - Eu maior que o mundo - poema, humor, piada. Período marcado pelo isolamento, individualismo, 
reflexões metapoéticas e existenciais, humor e ironia. Principais obras: Alguma poesia (1930) e Brejo das Almas (1934). 
 
A fase social (1940-1945): - Eu menor que o mundo - poesia de ação. Representa as contradições entre o ser e o mundo. Há o 
abandono do individualismo e a tomada de postura histórico-engajada. Vale lembrar que falamos de um período de guerras e 
conturbação política nacional e mundial: Segunda Guerra Mundial, Ditadura de Getúlio Vargas, Nazifacismo. Principais obras: 
Sentimento do mundo (1940), José (1942) e A rosa do povo (1945). 
 
A fase do não (1950-1960) - Eu igual ao mundo - poesia metafísica. Período marcado pelo desencanto político. O poeta se lança 
numa poesia reflexiva, filosófica e metafísica. Claro Enigma introduz essa vertente filosófica, pessimista e reflexiva, abordando 
morte e vida, infância e velhice, o amor e o tempo. Principais obras: Claro Enigma (1951), Fazendeiro do ar (1955), Vida passada 
a limpo (1959) e Lição de coisas (1962). 
 
A fase da memória (1970-1980): compreende o período de lembranças da infância na cidade natal Itabira, além de reflexões 
universais sobre o tempo e a memória. Principal obra: a série Boitempo (1973). 
 
CLARO ENIGMA (1951) 
O livro é constantemente marcado pela presença do conflito eu X mundo. As contradições permeiam a obra: o eu poético ora 
aparece recluso, fechado em si mesmo, ora se desnuda, aparece com ares mundanos. O fusionismo, característica barroca, se 
mostra desde o título: a tentativa de união entre claro e escuro, o encontro e o desencontro, a aceitação e a negação. Enigma: o 
incompreensível, de difícil explicação, o mistério. Estamos, assim, diante de um eu lírico de sentimentos indecifráveis, obscuros. 
Claro: ausência de mistério, clareza. Ou seja, a negação do enigma. Desse modo, tem-se um eu que procura solucionar os 
mistérios do mundo, resolvê-los, pois entende assim a função do poeta. No entanto, após a leitura da obra, percebe-se que o 
enigma permanece sem resolução. Em A Máquina do Mundo, pertencente à última parte do livro, o poeta recusa as respostas 
propostas, levando consigo as respostas ausentes. 
 
A epígrafe: LÉS ÉVÉNEMENTS M’ENNUIENT “Os acontecimentos me entediam”: a frase, tomada de empréstimo a Paul 
Valéry, poeta simbolista, encontra-se como epígrafe do livro de poemas Claro enigma, de Carlos Drummond de Andrade, 
publicado em 1951. Já aqui a postura desencantada de um eu lírico que precisa enfrentar a vida sem falseamentos, sem ilusões. O 
sujeito quer escancarar para si e para o mundo tudo o que a vida traz, buscando a essência das coisas. “Os acontecimentos me 
entediam”: é a resposta do sujeito cansado do aparente, do meramente visível. É a tentativa drummondiana de romper com a 
poesia engajada. Ao usar tal frase, o poeta confessa seu asco perante a história, já que essa é feita de acontecimentos. Porém, 
pode-se questionar se esse desgosto frente a vida é contra a História ou a própria história do poeta mineiro. Se é um desabafo para 
penetrar no mais íntimo do seu ser, para se proteger do caos mundano ou para encontrar uma esperança para a vida. 
O leitor atento tem que perceber, no entanto, que Claro enigma também abriga uma série de poemas que parece desmentir a 
epígrafe tomada de Valéry. Trata-se, no caso, daquela série reunida numa seção nomeada “Selo de Minas”, que, com os versos de 
“Morte das casasde Ouro Preto”, “Museu da Inconfidência” ou “Os bens e o sangue”, registraram, a partir de diversos 
acontecimentos, algo muito específico: a percepção de feitos que, na história de Minas, antes de entediarem, terminaram 
provocando o espanto diante da frágil identidade entre o presente e o passado. 
 
Recursos literários e de linguagem Formas clássicas: Uso do soneto; tercetos e versos dísticos; Intertextualidade com poetas 
clássicos e mitos greco-romanos; Influência da poesia classicista e simbolista. 
Recursos modernistas: Uso do verso livre; Períodos longos e prosaicos; Metapoesia; metalinguagem; Influência do Surrealismo 
(universo onírico, imaginativo). 
 
Análise das partes O livro está organizado em seis partes, nas quais vê-se reflexões sobre o “estar no mundo”. São ao todo 42 
poemas. 
 
Parte I: Entre Lobo e Cão: É a mais extensa parte do livro. Lobo, animal predador, avesso ao convívio social, tal como o 
gauche de Drummond. Cão, o animal doméstico, amigo do homem. Aqui há a oscilação entre os dois extremos: a solidão e a 
companhia. Os substantivos comuns escritos com iniciais maiúsculas tornam-se próprios fazendo supor também uma relação com 
as constelações, inscritas na bandeira nacional, representativas dos estados nacionais. 
 
1- Dissolução: a imagem da noite, a decomposição, a desagregação. Poema de tom crepuscular, no qual o eu lírico aceita 
passivamente a escuridão, a ação demolidora do tempo. Esse poema insere o leitor na temática filosófica, existencial que 
permanecerá ao longo da obra. 
 
2- Remissão: Já no primeiro verso a presença da metalinguagem “Tua memória, pasto de poesia”. Poema em tom de luto, 
pessimismo. É a memória o único alimento da poesia, essa que aparece às vezes como inútil. O poeta perdoa-se, é a sua remissão 
o ato de escrever, nada mais. 
 
3- A ingaia ciência: negação do conhecimento e inutilidade do mesmo. A madureza/conhecimento é um presente assustador, pois 
tira o sabor da vida, a ingenuidade, a inocência, a surpresa de viver. Poema de tom melancólico, desiludido. 
 
4- Legado: um dos mais importantes poemas dessa parte. É a reflexão do eu no mundo. Que fatos merecem ser lembrados no 
porvir? Eis o questionamento desse poema. No poema “Legado”, pode-se perceber com evidência o que se quer dizer com 
“contribuição para a construção ou o reforço de uma identidade coletiva”, ou a presença de um elemento novo acrescentado 
ao edifício da chamada “mineiridade”. Nesse poema o poeta faz alusão a outro, o famoso “No meio do caminho” (Alguma 
poesia, 1930), escândalo da época e que, segundo Drummond, dividiu as pessoas em duas categorias mentais, ficando, nas 
palavras do Poeta, como um legado seu. No fecho de “Legado”, o Poeta, aludindo no último verso ao polêmico poema publicado 
21 anos antes, dá resposta às perguntas iniciais sobre o que restaria de seu para a posteridade: Que lembrança darei ao país que 
me deu tudo o que lembro e sei, tudo quanto senti? (...) De tudo quanto foi meu passo caprichoso na vida, restará, pois o resto se 
esfuma, Uma pedra que havia em meio do caminho. 
 
5- Confissão: Desde os primeiros versos desse poema, o eu lírico confessa sua ação fria diante do outro. O único afeto que deixou 
escapar de si foi destinado a um “aquele pássaro – vinha azul e doido –/ que se esfacelou na asa do avião”. O intenso pessimismo 
é marcado pela recorrência de palavras negativas: não, nem, sem. 
 
6 - Perguntas em forma de cavalo marinho: poema metalinguístico, o poeta questiona a forma, a métrica e o conteúdo do homem, 
seguindo-se a possibilidade de estarmos contidos em algo ou até mesmo se estamos de fato vivos. 
 
7- Os animais do presépio: poema com forte tom bucólico, mas sem o elemento árcade do pastoralismo. 
 
8 - Sonetilho do falso Fernando Pessoa: Temática da duplicidade. Presença de dois “eus”: um que vive no presente da escrita e 
outro que, “morto”, vive nas recordações da infância em Itabira. 
 
9 - Um boi vê os homens: prosa poética: o olhar manso do boi gera a compaixão e a perplexidade diante do mundo do homem. O 
poeta segue assim a linha pessimista frente ao existencialismo humano. 
 
10 - Memória: poema de conscientização da necessidade de amar tudo aquilo que se perde ou se vai no atrito do tempo. Somente 
as recordações ficarão e terão morada certa em nós. 
 
11 - A tela contemplada: Poema metalinguístico. O poeta associa o poema às artes plásticas. Como num poema parnasiano, 
repleto de descritivismo. 
 
12 - Ser: poema com forte presença biográfica, já que fala de um filho que seria homem no tempo presente, não houvesse a morte 
o tragado. Drummond teve um filho, Carlos Flávio, que morreu logo após nascer. 
 
13 - Contemplação do branco: poema dividido em três partes. Um eu angustiado por não viver para contemplar a flor que brota 
num chão, talvez humanizado, no qual todos pisam. 
 
14 - Sonho de um sonho: atmosfera onírica, um sonho dentro do outro (construção em abismo). Os sonhos, no entanto, se 
apresentam falsos, desiludidos, o pessimismo próprio do mundo. 
 
15 - Cantiga de enganar: poema longo, de negação, de um mundo onde o poeta não se encontra. Poema de desabafo do eu 
oprimido para um interlocutor chamado de “meu bem”. A saída para a frustração é construir um mundo de palavras, de utopia. O 
“Mundo”, grafado com letra maiúscula no final do poema, representa o lugar ideal, produto do engano da “cantiga de enganar”. 
 
16 - Oficina irritada: poema metalinguístico. O poema como produto do trabalho, como pregavam os parnasianos. O último verso 
traz a nomeação do livro “claro enigma”. 
 
17 - Opaco: o leitor é colocado dentro da noite, mas o poeta não pode contemplá-la, já que o “edifício barra-me a vista”. A 
paisagem é urbana, com seus edifícios e motores. 
 
18 - Aspiração: poema que encerra a primeira parte. Escrita de recusas, desencantado. Intertextualidade com o poeta tcheco Rilke, 
de vertente existencialista. 
 
 
Parte II: Notícias amorosas Parte dedicada à temática amorosa. Contudo, o amor descrito é o do desencontro, reflexões 
sobre o amor que é sinônimo do eu ˖ tu. Amores de contemplação e de sofrimento. 
 
1 - Amar: amor como condição humana, da qual não se pode correr, mesmo em face daquilo que parece não seduzir “e amar o 
inóspito, o áspero/um vaso sem flor, um chão de ferro”. 
 
2 - Entre o ser e as coisas: no cenário poético, o eu se divide entre a contemplação do mar e do amor. Logo, o amor que encanta 
também faz sofrer, restando a melancolia do fim do dia (mais uma cena de crepúsculo). 
 
3 - Tarde de maio: poema prosaico: na presença de uma chuva que traz vida, o eu poético dialoga com a tarde de maio sobre o 
fracasso de um encontro amoroso. O amor como sinônimo de dor, de desgosto. 
 
4 - Fraga e sombra: a noite aparece aqui como matéria para a arte. O amor, entre sombras e despenhadeiros, belo e paradoxal, é 
dor e beleza, que o mundo não entende. 
 
5 - Canção para álbum de moça: poema única estrofe. O eu lírico divide sei bom dia a uma moça distante e espera uma resposta 
dela. No entanto, a moça permanece indiferente. O amor tímido está envolto em um estado de escuridão, prenunciado pela 
imagem da noite. 
 
6 - Rapto: poema que demonstra “outra forma de amor”; amor homoerótico. Representa o mergulho da águia sobre sua presa. O 
poema pode se referir ao mito grego do rapto de Ganimedes pela águia de Zeus, desejoso de possuir o rapaz. 
 
7 - Campo de flores: poema do amor maduro. O amor descrito “talhado em penumbra”, luz e escuridão se fundem diante desse 
amor maduro, repleto de esperanças, tal como a imagem das flores. 
 
 
Parte III: O menino e os homens Aqui, o que permeia a escrita Drummondiana são os poemas memorialísticos: é a 
lembrança de entes falecidos, amigos e irmãos. Permanece o tom pessimista, negativo. 
 
1 - A um varão que acaba de nascer: o poema traz a imagem de um menino que nasce e de um amigo que morre. A vida e a morte, 
duas faces antagônicas da vida. Aquele que vem ao mundo é Pedro, a quem o eu líricochama de irmão. 
 
2 - O chamado: poema dedicado à Manuel Bandeira. Referências à Pasárgada, por exemplo, marcam esse apontamento. O eu 
poético, observador, vê o poeta caminhar. Há um rápido diálogo entre os dois, quando o eu lírico questiona para aonde vai o poeta 
e Bandeira responde: “Ao meu destino”. 
 
3 - Quintana’s bar: poema prosaico, no qual o eu lírico encontra Mário Quintana num bar. Há uma teia de aranha sendo 
desenhada, a qual pode remeter ao próprio trabalho literário, profissão dos dois autores. Há referência intertextual através da 
citação de autores famoso. 
 
4 - Aniversário: aniversário de morte e não de nascimento. É a lembrança da morte de Mário de Andrade, poeta com quem 
Drummond trocou cartas durante bom tempo. 
 
 
Parte IV: Selo de Minas Parte autobiográfica. Traça o percurso pelos caminhos mineiros, especialmente a Minas do 
período colonial. Duas temáticas predominantes: Minas e família Drummond. 
 
1 - Evocação Mariana: o poema é uma memoração de um rito religioso, com a descrição da cidade mineira Mariana. 
 
2 - Estampa de Vila Rica: poema dividido em cinco partes, numeradas por algarismos romanos. Parte I: Carmo: representa o 
desejo de preservar os elementos da Igreja Nossa Senhora do Carmo. Parte II: São Francisco: o poeta se deslumbra frente a beleza 
das obras de Aleijadinho e Mestre Athayde, representantes da arte barroca da época. Parte III: Mercês de cima: contraste entre o 
profano e o sagrado, o sensual e o espiritual, isso na imagem da prostituta posta em frente a igreja. Parte IV: Hotel Toffolo: 
necessidade de saciar a fome interior, referência à antropofagia. Parte V: tentativa de reconstruir, por meio da memória, o passado 
da cidade de Ouro Preto, palco de cenas tão importantes para a história nacional. 
 
3 - Morte nas casas de Ouro Preto: lamento sobre a destruição que o tempo e os fenômenos naturais operam sobre as casas 
(monumentos e valores) de Ouro Preto. A chuva aqui traz a ruína, a demolição das casas é uma metáfora da própria história. Há 
uma referência à poética de Claudio Manoel da Costa no verso: “Sobre a ponte, sobre a pedra/sobre a cambraia de Nize” (Nize, 
musa inspiradora do poeta árcade). 
 
4 - Canto negro: mostra o tempo de infância, tempo escravocrata, em que fora amamentado pelas negras. O eu lírico se encontra 
com vários “pretos” que marcaram sua trajetória. 
 
Os bens e o sangue: dividido em oito partes, o poema mistura narração e poesia, para falar da decadência financeira da família. 
Poema explicitamente autobiográfico, pois relata uma patilha de bens realmente ocorrida em 1847. O título remete à riqueza e dor. 
Tem-se um sujeito preso à um passado familiar maldito, o que ecoará em toda a sua vida de poeta esquerdo, gauche. 
 
 
Parte V: Lábios cerrados Parte que trata da memória da família Drummond. Cerrar os lábios é sinônimo de silêncio, mudez. 
É o silêncio da memória, especialmente nas lembranças do pai. Há também uma reflexão sobre o tempo e a aceitação da morte. 
 
1 - Convívio: poema prosaico. Discorre sobre a memória: aqueles que se foram, mas que sobrevivem nas lembranças. A 
presença/ausência dos mortos. 
 
2 - Permanência: também em tom prosaico, segue o mesmo tema do anterior: os mortos que sobrevivem na lembrança dos vivos. 
 
3 - Perguntas: o eu lírico pergunta a seu fantasma q razão de estar um preso ao outro. O presente preso ao passado. 
 
4 - Carta: o poeta deseja escrever uma carta, em tom confessional, dizendo que ama, que deseja rever o destinatário... Mas o 
tempo passa e o eu lírico ainda espera resposta. 
 
5 - Encontro: o sujeito lírico se encontra com o pai já morto, o ente que se perdeu na vida, mas que foi resgatado no sonho pela 
imaginação. 
 
6 - A mesa: poema longo, de uma única estrofe. Assim como Encontro, é uma homenagem ao pai morto. O poeta planeja uma 
festa para o pai, em que todos os parentes de uma mesa, comemorariam os noventa anos do velho pai. Vê-se a descrição da 
família patriarcal mineira, onde a mãe é emudecida. O poema termina com o fim da cena imaginária: o vazio da alma, presente só 
a lembrança. 
 
Parte VI: A Máquina do mundo Parte final da obra, fala sobre o homem e seu estar no mundo. As interrogações de toda a 
obra estão aqui presentes, sendo oferecidas as soluções, as quais o poeta recusa: afinal, são os questionamentos que movem a vida. 
 
1 - A máquina do mundo: Um dos maiores poemas de Carlos Drummond de Andrade é "A Máquina do Mundo". A ideia de que o 
mundo era uma máquina esteve em voga desde a Antiguidade até a Renascença. No poema de Drummond, a máquina do mundo 
abre-se para o poeta em determinado momento, oferecendo-lhe uma "total explicação da vida". Quando isso ocorre, ele, que por 
longo tempo havia buscado exatamente essa explicação, enigmaticamente a desdenha. Por quê? O poeta não só não acredita mais 
na possibilidade de tal explicação como não mais a deseja. Se, na Idade Média, a máquina do mundo ainda parecia capaz de se 
abrir, é porque era tida como finita e fechada. Camões, na Renascença, no canto X, ainda a descreve como um rotundo globo 
cercado por Deus. Se o poeta desdenha "colher a coisa oferta/que se abria gratuita" a seu engenho, é que a razão já lhe mostrou 
que a aceitação de uma "total explicação do mundo" não pode ser senão o mergulho em mais uma ilusão, que inevitavelmente lhe 
custará mais uma desilusão. É, pois, com ironia que chama de "gratuita" a "coisa oferta", no momento mesmo em que explica 
havê-la desdenhado, "incurioso e lasso". Segundo ele, um dom tão dúbio e tardio -não apenas em relação à idade individual do 
poeta, mas, principalmente, em relação à época moderna do mundo- já não lhe era "apetecível, antes despiciendo". Sem abrir mão 
da sua liberdade e ironia, avaliando o que perdeu ao abandonar o mundo fechado, o poeta segue o seu caminho "de mãos pensas" 
ou, como se lê no poema "Legado", "a vagar taciturno entre o talvez e o se". 
 
2 - Relógio do rosário: esse poema se liga diretamente ao anterior. O relógio da igreja remete ao tempo e o olho do poeta, a 
consciência. É o choro do mundo misturado ao seu próprio choro. São as dores de existir e de amar em suas diversas vertentes: o 
social, a memória, a morte, a condição humana. 
 
http://letrabydani.blogspot.com.br/2012/10/carlos-drummond-de-andrade-nasceu.html 
 
SELEÇÃO DE POEMAS 
 
A INGAIA CIÊNCIA 
 
A madureza, essa terrível prenda 
que alguém nos dá, raptando-nos, com ela, 
todo sabor gratuito de oferenda 
sob a glacialidade de uma estela, 
 
a madureza vê, posto que a venda 
interrompa a surpresa da janela, 
o círculo vazio, onde se estenda, 
e que o mundo converte numa cela. 
 
A madureza sabe o preço exato 
dos amores, dos ócios, dos quebrantos, 
e nada pode contra sua ciência 
 
e nem contra si mesma. O agudo olfato, 
o agudo olhar, a mão, livre de encantos, 
se destroem no sonho da existência. 
 
UM BOI VÊ OS HOMENS 
 
Tão delicados (mais que um arbusto) e correm 
e correm de um para outro lado, sempre esquecidos 
de alguma coisa. Certamente, falta-lhes 
não sei que atributo essencial, posto se apresentem nobres 
e graves, por vezes. Ah, espantosamente graves, 
até sinistros. Coitados, dir-se-ia não escutam 
nem o canto do ar nem os segredos do feno, 
como também parecem não enxergar o que é visível 
e comum a cada um de nós, no espaço. E ficam tristes 
e no rasto da tristeza chegam à crueldade. 
Toda a expressão deles mora nos olhos - e perde-se 
a um simples baixar de cílios, a uma sombra. 
Nada nos pêlos, nos extremos de inconcebível fragilidade, 
e como neles há pouca montanha, 
e que secura e que reentrâncias e que 
impossibilidade de se organizarem em formas calmas, 
permanentes e necessárias. Têm, talvez, 
certa graça melancólica (um minuto) e com isto se fazem 
perdoar a agitação incômoda e o translúcido 
vazio interior que os torna tão pobres e carecidos 
de emitir sons absurdos e agônicos: desejo, amor, [ciúme 
(que sabemos nós?), sons que se despedaçam e tombam no 
campo 
como pedras aflitas equeimam a erva e a água, 
c difícil, depois disto, é ruminarmos nossa verdade". 
 
OFICINA IRRITADA 
 
Eu quero compor um soneto duro 
como poeta algum ousara escrever. 
Eu quero pintar um soneto escuro, 
seco, abafado, difícil de ler. 
 
Quero que meu soneto, no futuro, 
não desperte em ninguém nenhum prazer. 
E que, no seu maligno ar imaturo, 
ao mesmo tempo saiba ser, não ser. 
 
Esse meu verbo antipático e impuro 
há de pungir, há de fazer sofrer, 
tendão de Vênus sob o pedicuro. 
 
Ninguém o lembrará: tiro no muro, 
cão mijando no caos, enquanto Arcturo, 
claro enigma, se deixa surpreender. 
 
AMAR 
 
Que pode uma criatura senão, 
entre criaturas, amar? 
https://www.youtube.com/watch?v=gon3RjbA6Wo
amar e esquecer, 
amar e malamar, 
amar, desamar, amar? 
sempre, e até de olhos vidrados, amar? 
 
Que pode, pergunto, o ser amoroso, 
sozinho, em rotação universal, senão 
rodar também, e amar? 
amar o que o mar traz à praia, 
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha, 
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia? 
 
Amar solenemente as palmas do deserto, 
o que é entrega ou adoração expectante, 
e amar o inóspito, o cru, 
um vaso sem flor, um chão de ferro, 
e o peito inerte, e a rua vista em sonho,
 e uma ave de 
rapina. 
 
Este o nosso destino: amor sem conta, 
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas, 
doação ilimitada a uma completa ingratidão, 
e na concha vazia do amor a procura medrosa, 
paciente, de mais e mais amor. 
 
Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa, 
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita. 
 
O CHAMADO 
 
Na rua escura o velho poeta 
(lume de minha mocidade) 
já não criava, simples criatura 
exposta aos ventos da cidade. 
 
Ao vê-lo curvo e desgarrado 
na caótica noite urbana, 
o que senti, não alegria, 
era, talvez, carência humana. 
 
E pergunto ao poeta, pergunto-lhe 
(numa esperança que não digo) 
para onde vai — a que angra serena, 
a que Pasárgada, a que abrigo? 
 
A palavra oscila no espaço 
um momento. Eis que, sibilino, 
entre as aparências sem rumo, 
responde o poeta: Ao meu destino. 
 
E foi-se para onde a intuição, 
o amor, o risco desejado 
o chamavam, sem que ninguém 
pressentisse, em torno, o chamado. 
 
EVOCAÇÃO MARIANA 
 
A igreja era grande e pobre. Os altares, humildes. 
Havia poucas flores. Eram flores de horta. 
Sob a luz fraca, na sombra esculpida 
(quais as imagens e quais os fiéis?) 
ficávamos. 
 
Do padre cansado o murmúrio de reza 
subia às tábuas do forro, 
batia no púlpito seco, 
entranhava-se na onda, minúscula e forte, de incenso, 
perdia-se. 
Não, não se perdia... 
Desatava-se do coro a música deliciosa 
(que esperas ouvir à hora da morte, ou depois da morte, nas 
campinas do ar) 
e dessa música surgiam meninas – a alvura mesma – 
cantando. 
 
De seu peso terrestre a nave libertada, 
como do tempo atroz imunes nossas almas, 
flutuávamos 
no canto matinal, sobre a treva do vale. 
 
 
PERMANÊNCIA 
 
Agora me lembra um, antes me lembrava outro. 
Dia virá em que nenhum será lembrado. 
 
Então no mesmo esquecimento se fundirão. 
Mais uma vez a carne unida, e as bodas 
cumprindo-se em si mesma, como ontem e sempre. 
 
Pois eterno é o amor que une e separa, e eterno o fim 
(já começara, antes de ser), e somos eternos, 
frágeis, nebulosos, tartamudos, frustados: eternos. 
E o esquecimento ainda é memória, e lagoas de sono 
selam em seu negrume o que amamos e fomos um dia, 
ou nunca fomos, e contudo arde em nós 
à maneira da chama que dorme nos paus de lenha jogados 
no galpão. 
 
A MÁQUINA DO MUNDO 
 
E como eu palmilhasse vagamente 
uma estrada de Minas, pedregosa, 
e no fecho da tarde um sino rouco 
 
se misturasse ao som de meus sapatos 
que era pausado e seco; e aves pairassem 
no céu de chumbo, e suas formas pretas 
 
lentamente se fossem diluindo 
na escuridão maior, vinda dos montes 
e de meu próprio ser desenganado, 
 
a máquina do mundo se entreabriu 
para quem de a romper já se esquivava 
e só de o ter pensado se carpia. 
 
Abriu-se majestosa e circunspecta, 
sem emitir um som que fosse impuro 
nem um clarão maior que o tolerável 
 
pelas pupilas gastas na inspeção 
contínua e dolorosa do deserto, 
e pela mente exausta de mentar 
 
toda uma realidade que transcende 
a própria imagem sua debuxada 
no rosto do mistério, nos abismos. 
 
Abriu-se em calma pura, e convidando 
quantos sentidos e intuições restavam 
a quem de os ter usado os já perdera 
 
e nem desejaria recobrá-los, 
se em vão e para sempre repetimos 
os mesmos sem roteiro tristes périplos, 
 
convidando-os a todos, em coorte, 
a se aplicarem sobre o pasto inédito 
da natureza mítica das coisas, 
 
assim me disse, embora voz alguma 
ou sopro ou eco ou simples percussão 
atestasse que alguém, sobre a montanha, 
 
a outro alguém, noturno e miserável, 
em colóquio se estava dirigindo: 
"O que procuraste em ti ou fora de 
 
teu ser restrito e nunca se mostrou, 
mesmo afetando dar-se ou se rendendo, 
e a cada instante mais se retraindo, 
 
olha, repara, ausculta: essa riqueza 
sobrante a toda pérola, essa ciência 
sublime e formidável, mas hermética, 
 
essa total explicação da vida, 
esse nexo primeiro e singular, 
que nem concebes mais, pois tão esquivo 
 
se revelou ante a pesquisa ardente 
em que te consumiste... vê, contempla, 
abre teu peito para agasalhá-lo.” 
 
As mais soberbas pontes e edifícios, 
o que nas oficinas se elabora, 
o que pensado foi e logo atinge 
 
distância superior ao pensamento, 
os recursos da terra dominados, 
e as paixões e os impulsos e os tormentos 
 
e tudo que define o ser terrestre 
ou se prolonga até nos animais 
e chega às plantas para se embeber 
 
no sono rancoroso dos minérios, 
dá volta ao mundo e torna a se engolfar, 
na estranha ordem geométrica de tudo, 
 
e o absurdo original e seus enigmas, 
suas verdades altas mais que todos 
monumentos erguidos à verdade: 
 
e a memória dos deuses, e o solene 
sentimento de morte, que floresce 
no caule da existência mais gloriosa, 
 
tudo se apresentou nesse relance 
e me chamou para seu reino augusto, 
afinal submetido à vista humana. 
 
Mas, como eu relutasse em responder 
a tal apelo assim maravilhoso, 
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio, 
 
a esperança mais mínima — esse anelo 
de ver desvanecida a treva espessa 
que entre os raios do sol inda se filtra; 
 
como defuntas crenças convocadas 
presto e fremente não se produzissem 
a de novo tingir a neutra face 
 
que vou pelos caminhos demonstrando, 
e como se outro ser, não mais aquele 
habitante de mim há tantos anos, 
 
passasse a comandar minha vontade 
que, já de si volúvel, se cerrava 
semelhante a essas flores reticentes 
 
em si mesmas abertas e fechadas; 
como se um dom tardio já não fora 
apetecível, antes despiciendo, 
 
baixei os olhos, incurioso, lasso, 
desdenhando colher a coisa oferta 
que se abria gratuita a meu engenho. 
 
A treva mais estrita já pousara 
sobre a estrada de Minas, pedregosa, 
e a máquina do mundo, repelida, 
 
se foi miudamente recompondo, 
enquanto eu, avaliando o que perdera, 
seguia vagaroso, de mãos pensas. 
 
 
 
O Cortiço – Aluísio de Azevedo 
Professor: Flávio Brito 
 
 
Contexto Histórico 
 
Já na Segunda metade do século XIX, a burguesia tinha substituído a aristocracia no poder. A Revolução Industrial 
provocara um avanço expressivo no campo das ciências e da tecnologia. A concepção espiritualista de mundo, típica do período 
romântico, foi aos poucos cedendo lugar a novas atitudes diante da realidade: o cientificismo e o materialismo. O espírito 
científico era o critério supremo na compreensão e análise da realidade. A ciência determinava novas maneiras de pensar e viver, e 
esse novo contexto influenciou todos os campos, inclusive o da arte. Em 1859, o cientista inglês Charles Darwin publicou uma 
obra revolucionária, A origem das espécies, em que considera a evolução das espécies como resultado do mecanicismo de seleção 
natural. A idéia básica de tal mecanismo é a de que o meio ambiente condiciona todos os seres, deixandosobreviver os mais fortes 
e eliminando os mais fracos. Por isso, a natureza de todos os seres, inclusive a do homem, seria determinada por circunstâncias 
externas. O meio ambiente deveria ser considerado como fator de importância fundamental, já que condicionaria a matéria e o 
espírito. Negando a origem divina do mundo, a obra de Darwin causou polemica, sendo rejeitada por muitos e exaltado por outros, 
que a consideravam uma espécie de “nova bíblia”. 
O positivismo, corrente filosófica baseada no método empregado nas ciências naturais, aceitavam o determinismo, tese 
segundo a qual todos os acontecimentos do mundo e todas as ações humanas são decorrentes de leis físicas, químicas, e biológica. 
Ainda se mostraram como influenciadores, a psicologia, e na economia o liberalismo, além é claro, das idéias republicanas e 
socialistas, que se intensificavam e conflitavam cada vez mais. Em suma: a ciência, que tinha conseguido revelar as leis naturais, 
bastante objetivas, suplanta o idealismo do período romântico, sustentando uma concepção de mundo predominantemente 
materialista. 
No Brasil, a ciência e a burguesia encontravam respostas e possíveis soluções para os problemas do momento histórico que 
o país vivia. Jornais e revistas divulgavam as idéias de intelectuais que viam no método científico uma base segura para a 
renovação do pensamento histórico, político e econômico em nosso país. Alguns outros fatores importantes desta época que 
podemos destacar como sendo influenciadores para o contexto social, político e econômico do Brasil. Em 1888, a abolição do 
tráfico negreiro, que resultou no crescimento das cidades e seu conseqüente desenvolvimento econômico; A chegada dos 
imigrantes italianos para substituição da mão-de-obra escrava; A grande prosperação da lavoura cafeeira; O telégrafo; e o 
aparecimento dos primeiros jornais periódicos. 
A literatura realista e naturalista surge na França com Flaubert (1821-1880) e Zola (1840-1902). Flaubert (1821-1880) é o 
primeiro escritor a pleitear para a prosa a preocupação científica com o intuito de captar a realidade em toda sua crueldade. Para 
ele a arte é impessoal e a fantasia deve ser exercida através da observação psicológica, enquanto os fatos humanos e a vida comum 
são documentados, tendo como fim a objetividade. O romancista fotografa minuciosamente os aspectos fisiológicos, patológicos e 
anatômicos, filtrando pela sensibilidade o real. 
Contudo, a escola Realista atinge seu ponto máximo com o Naturalismo, direcionado pelas idéias materialísticas. Zola, por 
volta de 1870, busca aprofundar o cientificismo, aplicando-lhe novos princípios, negando o envolvimento pessoal do escritor que 
deve, diante da natureza, colocar a observação e experiência acima de tudo. O afastamento do sobrenatural e do subjetivo cede 
lugar à observação objetiva e à razão, sempre, aplicadas ao estudo da natureza, orientando toda busca de conhecimento. 
Vindo da Europa com tendências ao universal, o Realismo acaba aqui modificado por nossas tradições e, sobretudo, pela 
intensificação das contradições da sociedade, reforçadas pelos movimentos republicano e abolicionista, intensificadores do 
descompasso do sistema social. O conhecimento sobre o ser humano se amplia com o avanço da Ciência e os estudos passam a ser 
feitos sob a ótica da Psicologia e da Sociologia. A Teoria da Evolução das Espécies, de Darwin, oferece novas perspectivas com 
base científica, concorrendo para o nascimento de um tipo de literatura mais engajada, impetuosa, renovadora e preocupada com a 
linguagem. 
Os temas, opostos àqueles do Romantismo, não mais engrandecem os valores sociais, mas os combatem ferozmente. A 
ambientação dos romances se dá, preferencialmente, em locais miseráveis, localizados com precisão; os casamentos felizes são 
substituídos pelo adultério; os costumes são descritos minuciosamente com reprodução da linguagem coloquial e regional. 
O romance sob a tendência naturalista manifesta preocupação social e focaliza personagens vivendo em extrema pobreza, 
exibindo cenas chocantes. Sua função é de crítica social, denúncia da exploração do homem pelo homem e sua brutalização, como 
a encontrada no romance de Aluísio Azevedo. 
A hereditariedade é vista como rigoroso determinismo a que se submetem as personagens, subordinadas, também, ao meio 
que lhes molda a ação, ficando entregues à sensualidade, à sucessão dos fatos e às circunstâncias ambientais. Além de deter toda 
sua ação sob o senso do real, o escritor deve ser capaz de expressar tudo com clareza, demonstrando cientificamente como reagem 
os homens, quando vivem em sociedade. 
Os narradores dos romances naturalistas têm como traço comum a onisciência que lhes permite observar as cenas 
diretamente ou através de alguns protagonistas. Privilegiam a minúcia descritiva, revelando as reações externas das personagens, 
abrindo espaço para os retratos literários e a descrição detalhada dos fatos banais numa linguagem precisa. 
 
Principais características do Realismo/Naturalismo 
 
a) Objetividade/ compromisso com a verdade - O narrador deve ser imparcial e impessoal diante dos fatos narrados e dos seres 
que inventa para viver esses fatos. 
b) Contemporaneidade - O escritor preocupa-se com o seu momento histórico, diferentemente dos autores do Romantismo, que 
davam grande destaque ao passado. 
c) Semelhança das personagens com o homem comum - As personagens criadas pelos escritores do período assemelham-se ao 
homem comum, com todos os seus contrastes. Não há idealização, como ocorria no Romantismo. 
d) Condicionamento das personagens ao meio físico e social - Nos romances realistas/naturalistas as personagens aparecem 
condicionadas a fatores naturais (temperamento, raça, clima) e fatores sociais (ambiente, educação). 
e) Lei da causalidade - No romance realista/naturalista as atitudes das personagens e os acontecimentos sempre apresentam 
relação de causa e efeito, sempre têm uma explicação lógica, racional. Tudo o que pareça fantástico, sobrenatural, é rejeitado. f) 
Detalhismo - Como o escritor pretende retratar fielmente a realidade, visando a convencer o leitor da veracidade do que está 
escrito, autor descreve com detalhes, com minúcias o espaço e as personagens que cria. 
g) Linguagem mais simples que a dos românticos - Há uma preferência pelos períodos curtos, de compreensão mais imediata, pois 
o escritor procura atingir um público mais amplo, não se restringindo à elite intelectual. 
 
Diferenças entre Realismo e Naturalismo 
 
a) personagens: os naturalistas o fato de a hereditariedade física e psicológica determina o comportamento das personagens. 
b) conflito: juntando-se os fatores herança biológica e ambiente, criam-se condições para que se manifeste o conflito dramático da 
personagem naturalista. 
c) espaço: o escritor naturalista dá preferência a espaços miseráveis, pois estes, além de favorecerem o desabrochar do conflito das 
personagens, evidenciam os desequilíbrios que o escritor pretende denunciar. 
d) enredo e intenção do escritor; o romance tipicamente naturalista tem intenções combativas. Pretende apresentar situações que 
façam o leitor refletir sobre as condições da realidade social de seu tempo. 
Tanto o romance realista quanto o naturalista combateram três instituições da época; a Igreja, a família e a monarquia. 
 
Biografia - Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo nasceu em São Luiz do Maranhão em 14 de abril de 1857. Desde cedo 
mostrou interesse pela pintura e chegou a ir para o Rio de Janeiro, onde já morava seu irmão mais velho, Artur Azevedo, e chegou 
a trabalhar em vários jornais como cartunista, mas a morte do pai levou-o de volta à terra natal. Só então dedicou-se como 
escritor, mostrando a gente, as paisagens, usos e costumes de São Luiz. Já bem sucedido como escritor mas insatisfeito com sua 
situação econômica e com as críticas do clero, voltou ao Rio onde se engajou na vida diplomática. Em 1897, foi eleito para a 
Academia Brasileira de Letras.Veio a falecer em 21 de janeiro de 1913, em Buenos Aires, onde era vice-cônsul. 
 
Características específicas: 
• Considerado o melhor escritor naturalista brasileiro. 
• Sua obra demonstra menor preocupação formal que seus contemporâneos. 
• Emprego de personagens e linguagem popular. 
• Fortes críticas à sociedade brasileira e ao clero. 
• Seus principais temas são: a ambição, a reificação, o sexualismo, a necessidade de ascensão sócio-econômica e o 
preconceito. 
 
1. INTRODUÇÃO - (ANÁLISE DO PROF. AFFONSO ROMANO DE SANT'ANA) 
 
 Enquanto O Guarani e A moreninha buscam principal suporte no mito e na lenda., O Cortiço se realiza ao realizar os 
pressupostos científicos do séc. XIX revertidos para a série literária através do que se convencionou chamar de Naturalismo. 
http://www.nilc.icmsc.sc.usp.br/literatura/romantismo1.htm
Através de leituras científicas ou paracientíficas e absorvendo obras naturalista de autores europeus, Aluísio Azevedo fixou no 
livro que analisaremos alguns modelos científicos vigentes no séc. XIX gerados no campo da termodinâmica e da biologia. 
 O evolucionismo é ilustrado insistentemente dentro da estória do cortiço podendo-se localizar aí o revérbero de leis e 
princípios formulados por Mendell, Darwin, Huxley., Spencer e uma série de outros cientistas e pensadores que Hull rastreia em 
seu livro Histori y Filosofia da Ciencia para mostrar os focos de idéias estruturadoras da vida do século passado na civilização 
ocidental. A evolução sob forma de "progresso" aí aparece desfiando os organismos simples e complexos. O que a ciência nos dá 
como progresso biológico, nessa narrativa aparece sob forma sociológica e social. Na análise que se segue retomaremos algumas 
colocações teóricas e Hull e as aplicação à narrativa de Azevedo. Por ora, basta assinalar introdutoriamente que a ligação desse 
romance com modelos situados na série científica revela o espírito simétrico de sua composição, limitando o lúdico e o aleatório. 
Nesse sentido, em relação à série literária, O Cortiço se identifica como uma narrativa de estrutura simples compromissado com 
modelos exteriores ao seu texto, ainda que no enunciado sua produção o coloque do lado da contra-ideologia, uma vez que 
denuncia o código social vigente criticando o espaço da ideologia dominante. 
 
 2. PROPOSIÇÃO 
 Este trabalho se propõe a desenvolver as seguintes observações sobre a estrutura de O Cortiço: 
 1. Localizam-se aí dois grandes conjuntos: o conjunto 1 (O cortiço São Romão) e o conjunto 2 (a casa do Miranda), que 
definindo-se como conjunto simples e conjunto complexo, respectivamente, mantêm entre si um restrito e controlado regime de 
trocas. 
 2. Ambos os conjuntos estão sujeitos a um sistema de transformações. Essas transformações ocorrem num sentido ascendente 
e descendente, conforme os elementos se identifiquem com as leis da evolução e de entropia de seu universo. 
 3. Todo esse sistema de transformações é exemplificado por personagens protótipos, que são reduplicados em uma série de 
outros personagens secundários. Como uma célula que se multiplica por meios e a narrativa vai se reduplicando simetricamente na 
realização de modelos inspirados na série científica. 
 
3. DESENVOLVIMENTO 
 3.1. O Conjunto Simples e o Conjunto Complexo 
 Os 23 capítulos que compõem a narrativa de O Cortiço e que contam uma estória com princípio, clímax e desfecho, dentro de 
uma disposição tradicional, podem ser reestudados pela configuração de dois conjuntos que agrupam elementos de características 
semelhantes. 
 O conjunto 1 – cortiço de São Romão – define-se por sua composição elementar. Seus elementos têm uma constituição 
primária e estão ao nível da natureza e do instinto. O conjunto 2 – casa do Miranda – mostra a vigência de certas regras mais 
definidas culturalmente. Existe entre seus elementos uma coexistência baseada num maleável regime de trocas, que indica a 
predominância de outros interesses que não o puramente instintivo. 
 Portanto, ainda que correndo o risco de simplificar a questão se poderia dizer que o conjunto 1 está do lado da Natureza e o 
conjunto 2 está do lado da Cultura. Toda a movimentação de Romão, por exemplo, é para sair do solo puramente biológico e 
instintivo em que se agita o cortiço e entrar numa organização social regida por um sistema jurídico e político representativo da 
Cultura. 
 O conjunto simples nivela-se e vários sentidos, porque a sua dominante é a horizontalidade. De um ponto de vista racial sua 
grande maioria é de pretos e mestiços, e os elementos de outras raças que para aí vêem acabam por se comportar como a maioria. 
De um ponto de vista social, todos são empregados e assalariados, vivendo de pequenos misteres sendo, portanto, 
economicamente dependentes do regime imposto pelos elementos do conjunto 2. Nivelam-se por baixo pela miséria e pela 
pobreza. Agrupam-se num coletivismo tribal e identificam-se mais pelas semelhanças do que pelas diferenças. O próprio nome – 
“cortiço” – marca a sua natureza. Num cortiço , metaforicamente falando, também a grande quantidade de abelhas são as operárias 
com funções semelhantes, excetuando-se somente a abelha rainha. Não estranha, portanto, que o narrador insista numa seqüência 
de imagens de animais e insetos para caracterizar esse conjunto. Tome-se como exercício de pesquisa o cap. III relatando o 
despertar do cortiço. Por aí, através de um processo de antropomorfização não se diferenciam objetos, homens, animais e vegetais. 
É tudo um bando de “machos e fêmeas”, numa “fermentação sangüínea, naquela gula viçosa de plantas rasteiras”, mostrando “o 
prazer animal de existir”. Há um “verminar constante de formigueiro assanhado” e “destacam-se risos, sons de vozes que se 
alternavam, sem saber onde, grasnar de marrecos, cantar de galos, cacarejar de galinhas”. 
 Os elementos marcam-se pela sua impessoalidade, dissolvidos na comunidade instintiva e animal. Para ressaltar essa horda de 
seres primitivos, o narrador acentua a degradação dos tipos aproximando-os insistentemente de animais e conferindo-lhes 
apelidos. Leandra com “ancas de anima do campo”; Neném como uma “enguia”; Paula com “dente de cão” e Pombinha, com esse 
nome no diminutivo ocultando seu verdadeiro nome, significa a fusão do natural e do cultural, quando o narrador privilegia o 
apelido de caracterização zoomórfica. E assim, narrativa a dentro persiste um movimento de zoomorfização das criaturas, 
nivelando-as por baixo, pelo que tem de mais elementar. Romão e Bertoleza trabalham como uma “junta de bois’; o cortiço exala 
um “fartum de besta no coito”, os personagens se xingam de cão, vaca, galinha, porco; Jerônimo com sua “lascívias de macaco e 
cheiro sensual dos bodes”; Piedade abandonada surge “ululante como um cão”, soltando um “mugido lúgubre” como “uma vaca 
chamando ao longe”. 
 Poder-se-ia fazer um levantamento também da sujeição dos elementos do conjunto 1 ao instinto e aos sentidos mostrando que 
existe uma abertura maior da parte deles para as coisa físicas. São todos sensíveis a um código sonoro, visual, aromático e tátil. 
Estão expostos às leis naturais reagindo dentro de um princípio de estímulo e resposta em relação ao ambiente. Este estudo que se 
poderia fazer partindo do que Lévi-Strauss fez com uma série de mitos sul-americanos em Le Cru et le Cuit encontraria seu 
melhor exemplo na imagem do sol e sua interferência não apenas sobre a comunidade, mas obre uma personagem especial, 
Pombinha, como é narrado no cap. IX. Noutra parte deste estudo nos referimos ao personagem Jerônimo exposto às intempéries 
dos trópicos revelando-se como elemento mais sensível às transformações. 
 Continuando um estudo semiológico sobre as técnicas que o narrador emprega para nivelar os elementos do Conjunto , 
encontraríamos a própria fisionomia ou planta da expansão do cortiço desde sua célula inicial. Aí conta a extensão, o linear, 
crescimentohorizontal que reafirma a zoomorfização expressa conteudisticamente. A reprodução é quantitativa. Segue o modelo 
biológico: “El organismo empieza por ser una sola célula. Esta se divide en dos; cada uma de estas se divide a sua vez e assim 
sucessivamente. 
 No primeiro parágrafo encontramos Romão como proprietário de uma venda. Depois que se associa a Bertoleza explorando-
lhe o corpo e o trabalho, usa propriedade se expande: compra um pouco de terra ao fundo da taverna, rouba material do terreno 
vizinho, acaba construindo três casinhas “que foram o ponto de partida do grande cortiço São Romão”. Hoje quatro braças de 
terra, manhã seis, depois mais outras, ia vendeiro conquistando todo o terreno que se estendia pelos fundos de sua bodega; e, a 
proporção que o conquistava, reproduziam-se os quartos e o número de moradores (...) dentro de um ano e meio, arrematava já 
todo o espaço compreendido entre as suas casinhas e a pedreira”. 
 Por outro lado, seu negócio melhorava. Com sua ‘febre de possuir” ele transformava a simples taverna num bazar com 
produtos importados, e além de Bertoleza tema vários caixeiros. Ao fim o cortiço já se compõe de 95 moradias. Realizou-se o 
modelo biológico da transformação da vida pela meiose progressiva: “e naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade 
quente e lodosa, começou a minhocar, ao esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar 
espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, a multiplicar-se como larvas no esterco”. 
 Assim a horizontalidade entre Venda ?Avenida passa por diversas etapas progressivamente: Taverna ? venda ? quitanda ? 
bazar ? grande armazém ? estalagem ? sobrado ? Avenida São Romão. 
 
 3.2. Conjunto Complexo 
 A expansão do conjunto 1 esbarra na instauração do conjunto complexo em sua verticalidade. Pode-se proceder a uma análise 
semiológica dos elementos a partir do desenho do sobrado do Miranda e os lugares se explicam e se completam em confronto com 
os elementos do conjunto 1. Instaura-se a verticalidade a partir do nome do Miranda: Lat. Miranda, gerundivo de miror, admirar, 
que deve ser admirado, e por ampliação – “evidente”. Miranda contempla lá de cima o avanço de Romão preparando-se para se 
beneficiar, e é lá de cima de sua janela que assiste aos festejos e às brigas do cortiço. Estela (estrela) é “senhora pretensiosa e com 
fumaças de nobreza”; é ela quem trouxe a fortuna ao Miranda através de seu dote; Zulmira – a excelsa, colocada também lá em 
cima no sobrado em sua palidez de adolescente; Henriquinho (rad. rik, poderoso, rico, príncipe da casa”), “tinha quinze anos e 
vinha terminar na corte alguns preparatórios que lhe faltavam para entrar na Academia de Medicina (cap. II). E aí, nesse conjunto, 
se instala Botelho, diferente dos demais; seu nome significa parasita, alga. E o próprio narrador cuida de chamá-lo de “parasita”, 
mostrando como “vegeta à sombra do Miranda” servindo de mediador nas transas sexuais de Henriquinho e Estela, e depois no 
casamento de Romão e Zulmira. 
 Esse conjunto complexo tem a caracterizá-lo sua capacidade de barganha mantendo um regime de trocas necessárias a sua 
própria sobrevivência, enquanto o conjunto simples resolve seus conflitos ao nível do instinto e da natureza impondo a violência 
como solução para os impasses. Metaforicamente se poderia dizer que a atitude de seus elementos é antropofágica: não existe uma 
possibilidade de mediação constante. O nível de mediação é muito baixo. Entre dois elementos em conflito (A e B) a única 
solução é a eliminação de um deles. Coabitar é inviável. A única solução é a violência e a morte. Exemplos: 
 
 a) Relação Bruno/Leocádia: quando Bruno descobre que Leocádia encontra-se com Henriquinho, a solução que encontra é a 
destruição de sua casa e a expulsão da mulher sob ameaça de morte. 
 b) Relação Jerônimo/Firmo: a rivalidade por causa da mulata Rita configura-se por uma briga de porrete versus navalha, e 
num outro ponto da narrativa pelo assassinato de Firmo. 
 c) Relação Romão/Bertoleza: ao se ver traída por Romão, Bertoleza cometa violência contra si mesma e rasga a barriga 
derramando vísceras no chão da cozinha. 
 d) Relação Rita/Piedade: reduplicando o conflito Firmo/Jerônimo, brasileiro/português, branco/mulato xingando-se as 
personagens com os mais diferentes nomes de animais, reafirmando o primitivismo de seu conjunto. 
 
Já o outro conjunto – o complexo, soluciona os conflitos efetivando trocas de objetos e dons. Na verdade, mais objetos do que 
dons, uma vez que o romance se esforça por cumprir os preceitos naturalistas ressaltando sempre o aspecto físico/objetivo das 
relações. 
 a) Relação Estela/Miranda: Apontada desde o princípio da narrativa como uma associação de interesses onde a mulher 
entrava com o capital e o homem com a sua gerência, destaca-se a função do dote, na formação dessa sociedade econômico-
sentimental. 
 Os outros relacionamentos repetem a mesma permissividade. Botelho sabe das relações Henriquinho/Estela, mas não fala 
porque precisa agradar ao marido e à mulher para permanecer na casa. Miranda tolera essa e outras infidelidades por questão de 
dinheiro e para manter as aparências. 
 Retomando as comparações entre um conjunto e outro assim teríamos a caracterizá-los: 
 Conjunto 1 – simples – instinto – animal – horizontal – VIOLÊNCIA 
 Conjunto 2 – complexo – racional – cultural – vertical – TROCA 
 
3.3. O sistema de trocas e a passagem do simples ao complexo 
 Até agora estamos considerando as relações internas de cada conjunto, sem precisar, as funções que estabelecem entre si. 
Poder-se-ia, usando de terminologia biológica e científica tão ao agrado do Naturalismo, dizer que o regime de trocas dá-se num 
sentido endógeno (dentro do conjunto) e exógeno (entre os conjuntos). Neste sentido há que considerar a relação que envolve os 
personagens Romão./ Miranda, representando cada um o seu conjunto respectivamente. A relação entre os dois envolve a 
passagem do simples ao complexo. Na medida em que Romão é bem sucedido nas trocas que propõe escapa às leis quantitativas e 
horizontais de sue conjunto para ir se comportando segundo os princípios de outro grupo. Aí procura a verticalidade da cultura, 
perseguindo títulos de nobreza que devem soerguer o indivíduo da massa. Num trabalho mais detalhado pode-se localizar e 
descrever todo o processo de transformações por que passa o personagem ao se aproximar de Zulmira (metonímia do conjunto 
complexo). 
 A evolução de Romão se dá em duas fases: antes e depois do encontro de suas propriedades com as propriedades de Miranda. 
Este encontro, ou melhor, confronto, força a construção de um muro entre os dois. O muro passa a simbolizar o conflito e a sua 
possibilidade de superação, na medida em que se caracteriza como mais um obstáculo a vencer no avanço do personagem. A 
propósito, se poderia lembrar aqui que este romance de Aluísio se presta muito bem à análise descritivista de Claude Bremond que 
ressalta a sucessão de obstáculos e tarefas a vencer pelo herói na realização da estória. Não a empregamos aqui por achar que ela 
trabalha num setor muito restrito e limitado da análise. Mas valeria a pena utilizá-la ainda que como exercício para alunos. 
 O muro estabelece-se, então, como a diferença entre Romão e Miranda, é o limite entre a “selva” e o “jardim”, entre a 
“natureza” e a “cultura”. Como a trajetória de Romão implica na aceitação das “regras” da cultura, ele desenvolve sua capacidade 
de negociação e troca. Vejamos sucintamente a evolução das fases em Romão até encontrar o obstáculo e superá-lo. 
 
1ª fase 
 proprietário da venda 
 proprietário de Bertoleza 
 proprietário da terra/casa 
 proprietário de 3 casas 
 proprietário do terreno 
 proprietário da pedreira 
 proprietário do cortiço – 95 casas 
 
 2ª fase 
 “travou-se, então, lutarenhida e surda entre o português, negociante de fazendas por atacado, e o português negociante de 
secos e molhados” (cap. 1, p. 28). 
 Símbolo da querela são os termos empregados pelo narrador para fixar no nível zoomórfico o impasse do conflito. Romão 
coloca um cão de fila no seu terreno para guardar o material que amealhava. Tal cão ameaçava a família do Miranda. “Em 
compensação, não caía no quintal do Miranda galinha ou frango, fugidos da cerca do vendeiro, que não levasse imediato 
sumiço"(cap. 1). 
 Assim se poderia visualizar o jogo de imagens no conflito: 
 Romão ? (cão de fila) ? MURO ? (galinha) ? Miranda 
 
3ª fase 
 Inicia-se uma terceira fase entre os dois conjuntos, quando resolvem partir para um sistema de alianças. Através de um 
processo lento de conquista social e econômica, Romão consegue a mão de Zulmira como forma de conseguir as comendas e 
títulos futuros. Miranda, em contrapartida, reforça-se economicamente com esta aliança. Ao se verificar essa transformação de 
Romão, ele já não é mais o simples vendeiro, mas o proprietário da avenida São Romão. 
 
 3.4. Sistema de transformações comparadas 
 As transformações por que passa os elementos, cumprindo as leis genéticas, biológicas, econômicas, raciais e ecológicas 
podem ser estudadas através de confrontos. Esse sistema de transformações engloba o regime de trocas que é um dos elementos 
que possibilitam a modificação. Podemos pesquisar essas alterações nos personagens através de três deles, por coincidência, três 
portugueses que assumem espaços e funções diversas na estória: Romão, Miranda e Jerônimo. 
 a) Romão: significa o elemento vitorioso segundo uma seleção das espécies. Ele se modifica, mas ascende na escala social e 
econômica assumindo os valores tidos como positivos na cultura brasileira. 
 b) Miranda: sua posição de aristocrata com pequenas variações se mantém e ele atinge o baronato. 
 c) Jerônimo: depois de atingir o máximo de sua posição de assalariado, envolvido pelos elementos naturais do conjunto 1, no 
interior do qual foi viver, entra em degenerescência. 
 Teríamos, então, uma linha ascendente (Romão) que seguiria o modelo teórico do primeiro princípio da termodinâmica e 
reafirmaria os princípios da seleção natural das espécies. Teríamos uma linha estável (Miranda) reafirmando que os elementos 
sempre se transformam pois “la energía no puede crearse ni destruirse, sino sólo transformarse”; e, em terceiro lugar, a figura de 
Jerônimo (linha descendente) exemplo de entropia do sistema. 
 Para termos uma melhor idéia do contraste entre os personagens, tomemos os dois exemplos extremos: Romão e Jerônimo. 
Ambos descrevem uma linha ascensional e descendente com evidente sentido ideológico e sua interpretação: a cada avanço na 
escala social e financeira (no caso de Romão) corresponde a um degrau abaixo na degradação moral e humana. 
 d) Jerônimo: Quando aparece na estalagem de Romão é comparado a um Hércules. A figura mitológica aí não é acidental, 
mas ganha mais sentido com a fisionomia do personagem depois que entra em decadência. Ele aí chega com ideais de ascensão, 
pois saíra da roça onde “tinha que sujeitar-se a emparelhar com os negros escravos e viver com eles no mesmo meio degradante, 
encurralado como uma besta, sem aspirações nem futuro, trabalhando eternamente para outro”(cap. V). Todo esse capítulo é a 
exaltação das virtudes de Jerônimo como um tipo clássico-mitológico. 
 No interior do conjunto 1 aos poucos vai se envolvendo sensorial e irracionalmente como novo ambiente. O narrador 
estabelece uma competição entre a sensibilidade européia e a brasileira, descrevendo como o europeu sucumbe quando abre seus 
sentidos aos sol dos trópicos. A integração de Jerônimo se realiza segundo uma “fuga dos cinco sentidos” – parafraseando Lévi-
Strauss em suas análises em Le Cru et le Cuit. Ele se entrega à música brasileira (audição) e olvida os fados portugueses: não 
resiste à luz dos trópicos e à dança da baiana Rita (visual); entorpece-se com o seu aroma, com “aroma quente dos trevos e 
baunilhas, que o atordoava nas matas brasileiras” e diante do perfume da mulata prefere-lhe o café e a cachaça em vez do chá 
preto da mulher (olfativo-gustativo). Outros dados do código sensorial ainda se associam formando uma rede de envolvimento que 
levam o português a ser avesso do que no princípio parecia. Esse aspecto da análise deve ser ainda 
 A linha descendente de Piedade, mulher de Jerônimo, é semelhante. Ela perde sua estabilidade quando o marido se envolve 
por meio ambiente brasileiro (metonimicamente representando por Rita), e passa pelos mesmos degraus de decadência, 
conhecendo a decadência física, a desorganização do lar, a embriaguez, abriga com Rita e a miséria. Ela reduplica o modelo de 
transformações de Jerônimo exemplificando a entropia do sistema. 
 
 3.5. Função da mulher no sistema de transformação 
 Como vimos anteriormente a mulher participa do regime de trocas, ela dá e recebe. A posição da mulher na estética 
naturalista, no entanto, é bem diversa daquela na estética romântica. Descrita mais objetivamente, enraizada na realidade, ela 
surge sem as idealizações e falseamentos. Nessa narrativa de Azevedo, a mulher é descrita principalmente como fêmea, que se 
acasala com o macho por interesses físicos e materiais. 
 Três tipos diferentes de mulher encontramos aqui descritos nessas relações: 
 a) a mulher-objeto que é trocada como nas sociedades primitivas; 
 b) a mulher sujeito-objeto que aceita as regras do sistema dando tanto quanto recebe; 
 c) a mulher-sujeito que regula os regimes de troca capaz de impor condições e manobrar o macho em benefício próprio. 
 
a) Mulher-objeto. Exemplifica-se inicialmente em Bertoleza, elemento feminino que se associa ao masculino (Romão) para 
criação do cortiço. Macho e fêmea trabalham dia e noite, e quanto mais o tempo passa, mais o macho se afasta da fêmea, uma vez 
que ela era peça fundamental apenas no princípio da carreira de Romão: “à medida que ela galgava posição social, a desgraçada 
descia mais e mais, fazia-se mais escrava e rasteira”. Outro exemplo é Zulmira: vai ser outro degrau utilizado por Romão, agora 
não no conjunto 1, mas no conjunto 2. A passagem de um conjunto ao outro implica na presença de um elemento feminino no 
regime de troca. Reafirmam-se certas regras da sociedade, daquilo que José de Alencar chamara de “mercado matrimonial”. As 
ligações entre ele e Bertoleza e ele e Zulmira são totalmente circunstanciais. As mulheres aí são elementos cambiáveis no 
comércio que ele opera. 
 b) Mulher sujeito-objeto. A relação Estela/Miranda coloca os dois em nível de igualdade. Ambos se beneficiam. Essa relação 
ajusta o regime de trocas sexuais, que são a contrapartida das trocas econômicas e sociais. A dupla Rita/Jerônimo exemplifica o 
mesmo regime de trocas. O Narrador vem ao nível do enunciado para dizer que entre eles se cumpria o ritual da atração racial. 
Rita é metonímia da natureza tropical enquanto Jerônimo é o símbolo daquilo que o autor chama de “raça superior” (sic): “mas 
desde que Jerônimo propendeu para ela, fascinado-a com sua tranqüila seriedade de animal bom e forte, o sangue da mestiça 
reclamou os seus direitos de apuração, e Rita preferiu no europeu o macho de raça superior” (cap. 15). 
 Todas essas personagens têm a caracterizá-las ou a permanência no mesmo status econômico e social ou a decadência. 
Nenhuma sai de seu conjunto, as transformações são endógenas e não exógenas como se dará com Leonie, Pombinha, Senhorinha. 
 c) Mulher-sujeito. O termo “sujeito” aqui implica numa interpretação dos valores ideológicos da comunidade descrita. Assim 
como Romão consegue se impor afirmando-se enquanto indivíduo dentro dos padrões vigentes na sociedade, aquelas mulheres 
(Leonie, Pombinha, Senhorinha) também se destacam na dependência contínua ao macho e passam a exercero poder através do 
sexo-luxúria. Como Romão, elas extrapolam de seu conjunto original e se realizam no conjunto complexo. 
 Leonie – como protótipo da mulher do cortiço que saiu para a prostituição de elite, mantém trânsito livre entre um conjunto e 
outro. Ela pode desfilar com os amantes pelas ruas e teatros com, a mesma leveza com que regressa ao cortiço para ver sua 
afilhada. Sua ascensão social permite-lhe o trânsito. O modelo de Leonie repete-se em Pombinha, que é por ela seduzida, 
deixando de lado seu aspecto angelical para assumir a imagem da “serpente”, que o narrador maneja para classifica o vigor do 
instinto e a ameaça sexual. Repete-se em termos onomásticos o determinismo: a Pombinha vai ser devorada pela leoa através da 
iniciação homossexual: “a serpente vencia afinal: Pombinha foi, pelo próprio pé, atraída, meter-se-lhe na boca”. Pombinha, enfim, 
“desfere o vôo”. Tal modelo se repete com a filha de Jerônimo/Piedade atraída por Pombinha: “a cadeia continuava e continuaria 
interminavelmente; o cortiço estava preparando uma nova prostituta naquela pobre menina desamparada, que se fazia mulher ao 
lado de uma infeliz mãe ébria” (cap. 22). 
 Pode-se destacar ainda que, malgrado essas diferenciações quanto ao papel da mulher, existe uma constante a destacar: a 
estética naturalista em Azevedo acentua a supremacia do feminino sobre o masculino, da fêmea sobre o macho em proporções 
como esta: 
 soberania : escravidão: feminino: masculino 
 Os homens, segundo a versão de Leonie, existem para “servir ao feminino” enquanto as mulheres são “rainhas”, senhoras num 
“império” onde homens são “escravos”. 
 
 3.6. Reduplicação dos modelos de evolução e entropia 
 Como uma narrativa centrada em modelos conscientes e interessados ideologicamente em defender uma tese determinada, O 
Cortiço reduplica, numa série de quadros, seus modelos principais. Por exemplo, o modelo da evolução e da entropia exemplifica-
se agora no confronto entre os dois cortiços: São Romã o e Cabeça de Gato. 
 Há que retomar e retificar aqui algumas observações que fizemos sob a expansão do cortiço São Romão. A sua 
horizontalidade não é completa. É relativa à verticalidade do palacete do Miranda. Na medida em que Romão vai evoluindo 
econômica e socialmente, seu cortiço sofre um processo de modificações também qualitativas até chegar à Av. São Romão. 
Alinha de ascensão do cortiço é a mesma de seu proprietário que, na verdade, funciona como uma metonímia de seu conjunto. 
 O novo cortiço (Cabeça de Gato) não é apenas o que o São Romão era em sua origem, mas se torna o refúgio daqueles que não 
evoluem nem se transformam. É um reduto de excluídos reincidentes, como Firmo, que para lá muda. Repete-se com os dois 
cortiços as duas linhas de ascensão e decadência que marcam a trajetória de Romão e Jerônimo, respectivamente. O capítulo 20 
conta a transformação final do cortiço na Avenida São Romão: “João Romão conseguira meter o sobrado do vizinho no chinelo; o 
seu era mais alto e mais nobre, e então com as cortinas e com a mobília nova impunha respeito. Foi abaixo aquele grosso e velho 
muro da frente com seu largo portão de cocheira, e a entrada da estalagem era agora dez braças mais para dentro, tendo entre elas 
e a rua um pequeno jardim com bancos e um modesto repuxo ao meio, de cimento, imitando pedra (...) e na tabuleta nova, muito 
maior que a primeira, em vez de “Estalagem de São Romão” lia-se me letras caprichosas “Avenida São Romão”. 
 Enquanto isso: o Cabeça de Gato à proporção que o São Romão se engrandecia, mais e mais ia-se rebaixando acanalhado, 
fazendo-se cada vez mais torpe, mais abjeto, mais cortiço, vivendo satisfeito do lixo e da salsugem que o outro rejeitava, como se 
todo o seu ideal fosse conservar inalterável, para sempre, o verdadeiro tipo da estalagem fluminense, a legítima, a legendária; 
aquela em que há um samba e um rolo por noite; aquela em que se matam homens sem a polícia descobrir os assassinos; viveiros 
de larvas sensuais em que irmãos dormem misturados com as irmãs na mesma cama; paraíso de vermes; brejo de lodo quente e 
fumegante, donde brota a vida brutalmente, como de uma podridão” (cap. 22). 
 Antes que se diferenciassem tanto, os dois cortiços guardavam características de uma sociedade primitiva, realizando em sua 
interação todos os quesitos de uma sociedade fechada. Como tal, tinham suas regras próprias excluindo-se e opondo-se aos outros 
conjuntos da sociedade . Exemplo disto é como reagem diante da lei – o aparecimento da polícia. Organizam-se contra o elemento 
estranho-invasor como se fossem uma só comunidade. Veja-se o episódio da luta de Jerônimo/Firmo e a chegada da polícia: “João 
Romão atravessou o pátio, como um general em perigo, gritando a todos: - Não entra a polícia! Não deixa entrar! Agüenta! 
Agüenta! – Não então! Não entra! Repercutiu a multidão em coro (...) Um empenho coletivo os agitava agora, todos, numa 
solidariedade briosa, como se ficassem desonrados para sempre se a polícia entrasse ali pela primeira vez. Enquanto se tratava de 
uma simples luta entre dois rivais, estava direito! Jogassem lá as cristas, que o mais homem ficaria com a mulher, mas agora 
tratava-se de defender a estalagem, a comuna, onde cada um tinha a zelar por alguém ou alguma coisa querida” (cap. 10). 
 Ainda na comparação do primitivismo desses dois conjuntos importa ressaltar as características tribais de ambos. O narrador 
tenta dar uma certa dignidade às lutas entre os dois cortiços convertendo a briga numa “batalha” e numa “guerra” de uma tribo 
contra outra. Procura-se uma nobreza para os contendores. Trazem símbolos clássicos de guerreiros. Estamos entre um torneio 
medieval e uma festa tribal. Se agrupam totemicamente, tomando como símbolos animais que sintetizam as características de 
ambos: 
 Carapicus (peixe) ----------------------- Cabeça de Gato (gato) 
 Assinalada a rivalidade nos símbolos totêmicos, ela se confirma nas cores da bandeira: 
 Carapicus (vermelha) ------------------ Cabeça de Gato (amarela) 
 O autor é explícito coincidindo o enunciado e a enunciação de sua estória: “Em meio do pátio do Cabeça de Gato arvora-se 
uma bandeira amarela; os carapicus responderam logo levantando um pavilhão vermelho. E as duas cores olhavam-se no ar como 
um desafio de guerra” (cap.13). 
 Definidos totemicamente com sua bandeira os grupo se aproximam com suas armas (navalhas) e com suas músicas (danças 
dos capoeiras). Tem início o torneio, que culmina com o incêndio desencadeado pela Bruxa – sempre envolvida com o fogo. E 
para explicar a gênese do confronto, surge o narrador reafirmando a ideologia naturalista e servindo-se dos modelos da série 
científica: “E, no entanto, o sol, único causador de tudo aquilo”... 
 
4. CONCLUSÃO 
 Essa análise, evidentemente, não esgota o conhecimento da estrutura do livro. Centramo-nos aqui mais no nível da narração e 
dos personagens com incursões pelo nível da língua (gem). Fosse um trabalho maior e se teria obrigação de ampliar as 
observações constatando no nível da frase os modelos que regem a composição da narrativa. Uma análise estilística, por exemplo, 
embricaria nesse nível, mostrando que a língua de Azevedo, em sua plurivalência de nacionalidades, mostra como o francês, o 
italiano, o português de Portugal, o falar do cortiço, o falar dos salões se mesclam constituindo conjuntos que integralizam a 
língua brasileira num sentido mais amplo. Sua língua é mestiça como seus personagens e se espalha pelo simples e pelo complexo. 
Por aí se poderia chegar a tocar de novo no problema da ideologia que configurou o romance. Ideologia esta que tanto mais se 
configura quanto mais se sabe que a arte de Aluísio se voltava para o receptor. Sua produção tinha um endereço certo: o jornal, o 
teatro e uma grande massa de leitores. E parece que ele foi bem sucedido nisto, porque teria sido o nosso primeiro escritor 
profissional, segundoafirmou Valentim Magalhães, só tendo largado apenas para um emprego no Ministério da Relações 
Exteriores. 
 Dentro de uma concepção teórica para compreender a teoria e a prática do romance no Brasil, Aluísio teria praticado em 
relação à série social uma narrativa contra-ideológica, apontando as falhas do sistema ao denunciar a exploração dos cortiços 
(alguns dos quais pertencentes ao Conde D’Eu). Em relação à série literária, sua obra é ideológica quando cumpre à risca os 
preceitos naturalistas seguindo de perto o modelo europeu. Trabalhou com modelos conscientes, predominantemente, realizando 
uma narrativa da transparência interessada no espaço real. 
 
O Cortiço - Resumo 
 João Romão, português, bronco e ambicioso, ajuntando dinheiro a poder de penosos sacrifícios, compra pequeno 
estabelecimento comercial no subúrbio da cidade (Rio de Janeiro). Ao lado morava uma preta, escrava fugida, trabalhadeira, que 
possuía uma quitanda e umas economias. Os dois amasiam-se, passando a escrava a trabalhar como burro de carga para João 
Romão. Com o dinheiro de Bertoleza (assim se chamava a ex-escrava), o português compra algumas braças de terra e alarga sua 
propriedade. Para agradar a Bertoleza, forja uma falsa carta de alforria. Com o decorrer do tempo, João Romão compra mais terras 
e nelas constrói três casinhas que imediatamente aluga. O negócio dá certo o novos cubículos se vão amontoando na propriedade 
do português. A procura de habitação é enorme, e João Romão, ganancioso, acaba construindo vasto e movimentado cortiço. Ao 
lado vem morar outro português, mas de classe elevada, com certos ares de pessoa importante, o Senhor Miranda, cuja mulher 
leva vida irregular. Miranda não se dá com João Romão, nem vê com bons olhos o cortiço perto de sua casa. No cortiço moram os 
mais variados tipos: brancos, pretos, mulatos, lavadeiras, malandros, assassinos, vadios, benzedeiras etc. Entre outros: a Machona, 
lavadeira gritalhona, "cujos filhos não se pareciam uns com os outros"; Alexandre, mulato pernóstico; Pombinha, moça franzina 
que se desencaminha por influência das más companhias; Rita Baiana, mulata faceira que andava amigada na ocasião com Firmo, 
malandro valentão; Jerônimo e sua mulher, e outros mais. João Romão tem agora uma pedreira que lhe dá muito dinheiro. No 
cortiço há festas com certa freqüência, destacando-se nelas Rita Baiana como dançarina provocante e sensual, o que faz Jerônimo 
perder a cabeça. Enciumado, Firmo acaba brigando com Jerônimo e, hábil na capoeira, abre a barriga dó rival com a navalha e 
foge. Naquela mesma rua, outro cortiço se forma. Os moradores do cortiço de João Romão chamam-no de "Cabeça-de-gato"; 
como revide, recebem o apelido de "Carapicus". Firmo passara a morar no "Cabeça-de-Gato", onde se torna chefe dos malandros. 
Jerônimo, que havia sido internado em um hospital após a briga com Firmo, arma uma emboscada traiçoeira para o malandro e o 
mata a pauladas, fugindo em seguida com Rita Baiana, abandonando a mulher. Querendo vingar a morte de Firmo, os moradores 
do "Cabeça-de-gato" travam séria briga com os "Carapicus". Um incêndio, porém, em vários barracos do cortiço de João Romão 
põe fim à briga coletiva. O português, agora endinheirado, reconstrói o cortiço, dando-lhe nova feição e pretende realizar um 
objetivo que há tempos vinha alimentando: casar-se com uma mulher "de fina educação", legitimamente. Lança os olhos em 
Zulmira, filha do Miranda. Botelho, um velho parasita que reside com a família do Miranda e de grande influência junto deste, 
aplaina o caminho para João Romão, mediante o pagamento de vinte contos de réis. E em breve os dois patrícios, por interesse, se 
tornam amigos e o casamento é coisa certa. Só há uma dificuldade: Bertoleza. João Romão arranja um piano para livrar- se dela: 
manda um aviso aos antigos proprietários da escrava, denunciando-lhe o paradeiro. Pouco tempo depois, surge a polícia na casa de 
João Romão para levar Bertoleza aos seus antigos senhores. A escrava compreende o destino que lhe estava reservado, suicida-se, 
cortando o ventre com a mesma faca com que estava limpando o peixe para a refeição de João Romão. 
 
 
 
A Cidade e as Serras - Eça de Queirós 
Comentários: Flávio Brito 
 
 
 
Publicado em 1901, no ano seguinte ao da morte de Eça de Queirós, o romance A Cidade e as Serras foi desenvolvido a 
partir da idéia central contida no conto “Civilização”, datado de 1892. Na verdade, o escritor pretendia publicar uma série de 
pequenos volumes em que analisaria flagrantes na vida real. Havia ainda, por parte do autor, a promessa de que o volume não 
passaria de quatro capítulos e cerca de 130 páginas. Ao que parece, os editores demoravam muito para editar obras muitos 
extensas, dificultadas pelo trabalho de composição tipográfica. 
 Em 1895, durante cerca de cinco meses, Eça revisou as provas deste volume e introduziu inúmeras modificações. Após a 
morte do escritor, em 1900, os primeiros capítulos já se encontravam compostos e os demais, ainda em manuscrito, incluindo 
alguns capítulos inacabados. Coube a Ramalho Ortigão, grande amigo do escritor, rever os originais, decifrá-los, revisara as 
provas já composta e, inclusive, emendar algumas partes que careciam de sentido. 
 Para situar a obra A Cidade e as Serras no contexto das obras de Eça de Queirós, é necessário revê-la como um todo. Ao 
publicar o conto Singularidade duma Rapariga Loura, Eça foi considerado o iniciador da narrativa realista em Portugal. Em 
seguida, escreveu, em conjunto com o amigo Ramalho Ortigão, a novela policial O Mistério da Estrada de Sintra. Participava do 
jornal mensal As Farpas que, como o próprio nome indica, tece inflamados artigos propondo reformas e satirizando os costumes, a 
literatura e a política de Portugal. 
 Após discursar sobre “O Realismo como nova expressão de Arte” nas célebres conferências do Cassino Lisboense, publicou 
em 1875, O Crime do Padre Amaro, romance crítico em que combate a sociedade estagnada e o clero, e coloca em prática a 
técnica realista de descrever aspectos psicofisiológicos com riqueza de detalhes. Em 1878, volta-se para a família pequeno-
burguesa escrevendo o volume urbano O Primo Basílio, revendo a educação da mulher, a constituição moral da família e o ataque 
ferrenho às instituições burocráticas de Portugal. Produziu, dez anos depois, Os Maias, ambientado em Portugal e em Paris, 
focalizando com ironia e sarcasmo as altas esferas da sociedade, revelando-se mordaz e irreverente no tratamento da política da 
vida social e da literatura, com quadros repletos de vivacidade e riqueza estilística. 
 Encerra-se aí a sua fase combativa, em que a literatura serve como escudo contra instituições, e as palavras são as lanças a 
serem atiradas com ironia contra Portugal, numa necessidade de denunciar o que havia de pequeno e estagnado em relação a 
outros países, principalmente os europeus. Nesse período, o autor exercita com perfeição suas técnicas narrativas, manuseia a 
linguagem com preocupações formais, analisa os caracteres de suas personagens, lapida seu estilo e vai solucionando seus 
problemas de índole literária, percebendo os limites da imaginação e da observação da realidade. 
 Depois de Os Maias, inicia uma nova fase, mais elaborada estilisticamente, e mais preocupada em dar vazão à imaginação, 
deixando-a correr mais solta. Assim, escreve O Mandarim, novela de caráter fantástico colocando “sobre a nudez forte da verdade 
– o manto diáfano da fantasia”, e, pelo mesmo lema, conduz o volume A Relíquia. A partira de A Relíquia é possível perceber o 
início de uma nova fase, uma fase em que o escritor reconsidera sua pátria, abandonando a sátira mordaz com que vinha 
retratando a vida portuguesa, substituindo-a por uma ternura quase calma, mais sincera, quase uma redenção, um pedido de 
desculpas por ter escrito romances em que denunciava o atraso e o provincianismo da terra. A Ilustre Casa de Ramires traz Eça de 
Queirós referindo-se liricamente

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