Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
PSICOLOGIA Sabine Heumann Escola psicológica: teoria gestaltista Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Reconhecer a contribuição da escola gestaltista ao estudo do com- portamento humano. � Relacionar os conceitos desenvolvidos pela Gestalt no que se refere à aprendizagem. � Identificar o processo de construção dessa escola da psicologia e a influência das leis gestálticas para a ciência humana. Introdução A teoria da Gestalt foi desenvolvida no início do século XX por Max Wertheimer, Kurt Koffka e Wolfgang Köhler a partir de ideias que se contra- punham à psicologia tradicional da época, principalmente à psicanálise e ao behaviorismo. A escola da Gestalt apresenta importantes contribuições para o entendimento do ser humano e de sua subjetividade, sustentando uma nova forma de pensar e entender os fenômenos psicológicos. Neste capítulo, você estudará sobre a relação entre escola gestaltista e estudo do comportamento humano, além de ler sobre os conceitos desenvolvidos pela Gestalt acerca da compreensão de aprendizagem e identificará o processo de construção da psicologia da Gestalt e a influência de suas leis para a ciência humana. 1 Psicologia da Gestalt e estudo do comportamento humano O termo Gestalt, oriundo da língua alemã, é utilizado globalmente por não ter um correspondente em outras línguas que o substitua de maneira adequada. Seu significado diz respeito à compreensão de configuração, forma, unidade. Assim, tratando-se da psicologia da Gestalt, pode-se entender que a teoria está relacionada à ideia de uma unidade de sentido, de uma organização (TENUTA; LEPESQUEUR, 2011). A psicologia da Gestalt é uma linha de pensamento dentro da psicologia que surgiu no início do século XX e tem como foco inicial de estudo a compreensão dos princípios que regem o processo de percepção. O processo perceptivo, em linhas gerais, corresponde à atribuição de sentido a um fenômeno por uma consciência, envolvendo o processamento, a organização e a interpretação de um estímulo sensorial captado pelo organismo. Para que essa compreensão fique mais clara, comumente, diferencia-se a percepção da sensação: a sensação é entendida como o processo de detecção de estímulos oriundos do ambiente e da transmissão desses estímulos para o cérebro (ou seja, o contato mais inicial do organismo com o meio); e a percepção é configurada como um passo a mais, compreendida como a organização e a interpretação (ou atribuição de sentido) desses estímulos sensoriais (FELDMAN, 2015). Sensação: captação de estímulos do ambiente e transmissão desses estímulos pelo cérebro. Por exemplo, ao provar um suco, através da sensação, sente-se um gosto cítrico. Percepção: organização, processamento e interpretação de estímulos sensoriais. Por exemplo, ao provar um suco, sentindo o gosto cítrico, a pessoa identifica que aquele suco tem o sabor de laranja, ou seja, atribui um sentido àquele suco (FELDMAN, 2015). O principal nome da psicologia da Gestalt foi Max Wertheimer (1880–1943), psicólogo nascido em Praga, República Checa. Juntamente com Kurt Koffka e Wolfgang Köhler, ele desenvolveu os princípios da teoria na Escola de Psico- logia de Berlim, Alemanha. Entre suas contribuições para o desenvolvimento do estudo do comportamento humano, está a visão gestaltista (ou gestáltica) dos fatos psicológicos, que propõe a compreensão de que a percepção do todo não é determinada pelos seus elementos constitutivos (ou suas partes). A partir dessa compreensão, Max Wertheimer desenvolveu uma visão que se opunha à dominante na época — essencialmente elementarista — e passou a utilizar uma visão holística. Assim, pode-se afirmar que uma das maiores contribuições da psicologia da Gestalt é o entendimento de que o todo é diferente da soma das suas partes e, para além dessa compreensão, que as características das partes Escola psicológica: teoria gestaltista2 são determinadas pelo todo, e não o oposto, como pregava a lógica da época. Assim, na psicologia da Gestalt, entende-se que faz mais sentido compreender algo a partir da análise global, e não a partir da análise isolada de cada uma das partes que compõem o objeto a ser investigado (FELDMAN, 2015). Max Wertheimer nasceu em uma família judia na cidade de Praga. Ele estudou direito e, posteriormente, interessou-se por psicologia, já na Universidade de Berlim. Por essa razão, sua tese abordou a pesquisa em psicologia sobre o depoimento no contexto de um tribunal. Viajando pela Áustria de trem em uma de suas férias, em 1910, algo chamou sua atenção. Observando a paisagem da janela do trem em movimento, percebeu que as árvores, os postes, as cercas, as montanhas, pareciam se movimentar do ponto de vista em que ele estava. Esse fenômeno o interessou, e ele começou a se perguntar: de onde vem esse movimento? A partir dessa questão, iniciou sua pesquisa, juntamente com Koffka e Köller. A partir de seus estudos, foi desenvolvida a compreensão de movimento aparente, a partir da mudança de posição, de maneira sistemática, de um estímulo (no caso do experimento do estudo, o estímulo utilizado foi a luz). A luz era trocada de posição em uma frequência exata e de maneira sistemática, o que fazia com que os observadores tivessem a percepção de movimento. Essa percepção de movimento (ou movimento aparente) foi chamada de fenômeno fi. Pode-se dizer que o fenômeno fi é uma experiência psicológica que faz com que a pessoa tenha uma percepção de movimento a partir da união de diferentes elementos, de maneira combinada. Ele explicita a compreensão de que a percepção do todo ultrapassa a compreensão da soma das partes de maneira isolada (HOTHERSALL, 2019). Para ver como o fenômeno fi funciona, assista ao vídeo “Max Wertheimer (1) - Fenô- meno Fi e isomorfismo psiconeural | Psicologia da Gestalt”, do canal didatics no YouTube. Nesse vídeo, o experimento demonstra que o movimento aparente (ou percebido) da luz ultrapassa a percepção das luzes de maneira isolada, ou seja, à medida que a luz acesa troca de lugar, o observador tem uma percepção de movimento. A psicologia da Gestalt demonstra uma concepção holística, ou seja, con- sidera os aspectos globais ou totalitários para a análise das partes e do todo. O holismo (totalidade sistêmica) é um movimento contrário ao elementarismo (que propõe a análise das partes de maneira isolada). Na compreensão holística, quando se analisa o comportamento do ser humano de maneira geral, não se busca por explicações lineares a causais — reduzindo o foco de atenção às partes isoladas —, mas pela análise do sistema como um todo, apreciando a 3Escola psicológica: teoria gestaltista totalidade/unidade de sentido e a interação entre as diferentes partes que a compõem. Dessa forma, está fortemente relacionado com o que a compreensão gestaltista propõe (OLIVEIRA, 2000). Uma das principais contribuições da psicologia da Gestalt para o estudo do comportamento humano diz respeito à afirmação de que o todo é diferente da soma das partes. Assim, entende-se que, quando se tem o objetivo de com- preender algo, é necessário que se considere sua totalidade, e não o somatório de suas partes isoladas, ou seja, focando a concepção total, não as partes de maneira isolada (FELDMAN, 2015). Conforme discute Hothersall (2019), Wertheimer desenvolveu a psicologia da Gestalt a partir de quatro princípios. O primeiro princípio é o holismo, já discutido. O segundo princípio é a compreensão fenomenológica, que entende os fenômenos como o foco das ciências do comportamento. Nesse sentido, a psicologia precisa analisar os fenômenos psicológicos, de uma forma descri- tiva, com base na experiência, buscando sua essência. O terceiro princípio da Gestalt é a metodologia, tendo como premissa a utilização de experimentos reais. Por fim, o quarto princípio é o isomorfismo, significando que as con- cepções da psicologia da Gestalt também podem servirpara a compreensão dos processos biológicos. Escolas gestaltistas Apesar de as contribuições de Wertheimer, Koffka e Köhler na Escola de Psicologia de Berlim terem sido de grande destaque para a psicologia da Gestalt, há ainda outra escola conhecida como gestaltista, a escola de Lei- pzig, também na Alemanha. Assim, pode-se dividir a teoria da Gestalt em duas grandes frentes, a Gestaltqualität e a Ganzheitspsychologie, conforme apresenta Engelmann (2002). Escola de Berlim ou escola da Gestaltqualität ou qualidade gestáltica — Tem como principal contribuição para a ciência do comportamento a noção de que o todo é diferente da soma das partes. O termo “qualidade gestáltica”, nesse sentido, é utilizado para fazer referência a essa qualificação do todo, demonstrando sua compreensão diferente da soma das partes, ou seja, a ex- pressão qualidade gestáltica expressa a categoria “todo”, considerado como maior do que a simples soma de suas partes. Escola de Leipzig ou escola da Ganzheitspsychologie ou psicologia da totalidade — Essa escola tem como principal nome Felix Kruger e compre- Escola psicológica: teoria gestaltista4 ende a relação “todo e partes” da mesma maneira que a escola da qualidade gestáltica. Contudo, Kruger enfatiza a afetividade e os fenômenos psicológicos, o que diferencia essa escola da qualidade. Na escola da totalidade, destaca-se a relação entre figura e fundo (interação entre fatores internos e externos), considerando que a totalidade é fruto da combinação desses aspectos. Com essa compreensão, Kruger destaca que, quando se analisa um fato, deve-se também considerar o meio em que ele está inserido — compreendendo que figura corresponde ao objeto analisado (em foco), e fundo corresponde ao meio em que ele está inserido. Assim, percebe-se que a psicologia da Gestalt, em ambas as escolas, apre- senta uma nova forma de compreensão, diferente do que se havia pensado nas ciências do comportamento até então. A ciência preponderante na época buscava detalhar os acontecimentos (um a um), de maneira específica, não considerando a compreensão sistêmica e holística desenvolvida na psicologia da Gestalt. Destaca-se ainda que, de acordo com a teoria da Gestalt, esse entendimento holístico serve também para as ciências biológicas de maneira ampliada, não apenas para as ciências do comportamento humano. Assim, de acordo com a escola gestaltista, o todo deve ser analisado como primordial para a compreensão de um funcionamento, de uma questão, de um problema, de maneira geral (ENGELMANN, 2002). Leis da Organização em Gestalt A psicologia da Gestalt dedicou-se bastante à compreensão dos processos perceptivos. Nesse sentido, uma importante contribuição para a ciência do comportamento dessa escola psicológica é a definição das Leis da Organização em Gestalt. Essas leis organizam um conjunto de princípios que demonstram como as informações captadas no ambiente são processadas e organizadas no processo de percepção, conforme apresenta a Figura 1 (FELDMAN, 2015). Figura 1. As Leis da Organização da Gestalt favorecem a compreensão dos processos básicos de percepção à luz da teoria da Gestalt. (a) Fechamento; (b) proximidade; (c) semelhança); (d) simplicidade. Fonte: Feldman (2015, p. 117). (a) (b) (c) (d) 5Escola psicológica: teoria gestaltista As Leis da Organização da Gestalt apresentam uma compreensão do processo de percepção, demonstrando uma forma de organização de sentido a partir da noção do todo. Conforme discute Feldman (2015), esse processo pode ser representado como na Figura 1 e entendido da forma descrita a seguir. � Na Figura 1a, está representada a lei do fechamento ou boas Gestalten. Quando se observa uma imagem, essa lei diz respeito à tendência a fechá-la para produzir um todo com sentido. Quando alguém captura essa informação visual, a tendência é que se perceba um triângulo (feche a imagem), e não três formas isoladas. � Na Figura 1b, apresenta-se a lei da proximidade. Esse princípio demons- tra a tendência de identificação de pontos próximos (pares de pontos), devido à sua organização, e não uma linha contínua. � Na Figura 1c, está representada a lei da semelhança. Esse princípio demonstra que, ao analisar um estímulo visual, a tendência é que se observe linhas compostas por quadrados e círculos (não colunas de círculos e quadrados). Assim, ao perceber um estímulo, há maior proba- bilidade de que se organize a imagem de forma a agrupar os elementos semelhantes, produzindo um todo com sentido. � Na Figura 1d, está representada a lei da simplicidade. Esse princípio demonstra a tendência à percepção da maneira mais simples possível. Assim, ao observar um estímulo visual, há maior probabilidade de que se descreva a imagem da maneira mais simples. No exemplo, a tendência é que se observe um quadrado com linhas dos lados, e não uma sobreposição das letras W e M (que seria uma compreensão mais elaborada). A psicologia da Gestalt apresenta uma compreensão inovadora para a psicologia da época, objetivando ser mais dinâmica e relevante, oferecendo um contraponto à psicanálise e ao behaviorismo. A Gestalt é considerada uma escola moderna da psicologia por trazer uma nova compreensão da subjetividade humana. Escola psicológica: teoria gestaltista6 2 Principais conceitos gestaltistas sobre aprendizagem O primeiro ponto de interesse da psicologia da Gestalt foi o processo de percepção. Mais tarde, entretanto, seus interesses passaram também aos processos de aprendizagem e cognição, conforme discute Hothersall (2019), especialmente, com a concepção do insight. Feldman (2015) e Gazzaniga, Heatherton e Halpern (2018) discutem que a aprendizagem é conceituada, de modo geral, como uma mudança relativamente permanente no comportamento humano em decorrência de uma experiência. Em específico, na psicologia da Gestalt, o interesse pelos processos de aprendi- zagem iniciou quando Köller foi enviado para a África Ocidental para estudar os processos de resolução de problemas e a inteligência de macacos chipanzés. Nessa experiência, Köller desenvolveu a compreensão do que denominou aprendizagem por insight. O método de aprendizagem por insight apresentava uma visão alternativa ao predominante na época, que enfatizava os processos de aprendizagem como resultado de tentativas e erros (HOTHERSALL, 2019). Após alguns experimentos com cães e galinhas (na África), Köller começou a desenvolver experimentos mais complexos com chipanzés, quando surgiram suas principais conclusões. Em um desses experimentos, Köller colocou uma cesta com bananas no alto da gaiola dos chipanzés, de forma que eles não a alcançassem por meio do pulo (solução mais óbvia, forma que já estavam acostumados). Diante dessa dificuldade, os macacos teriam que chegar a uma outra forma de solucionar o problema. Rapidamente, Köller pôde observar que os macacos desenvolveram outras formas de alcançar as bananas. No estágio mais sofisticado do experimento, um dos macacos combinou o uso de dois bastões de ferro para alcançar o alimento, solucionando o problema e desenvolvendo a aprendizagem. A partir dessas observações, Köller foi descrevendo o processo de resolução de problemas dos macacos, que conseguiam, de diferentes formas, atingir o objetivo de alcançar o alimento. De acordo com o que ele observou, a solução do problema era precedida por um momento que poderia ser descrito com uma expressão como “ah, consegui” ou “aha” — como explicado por Arquime- des — no momento em que o animal visualizava a solução. Assim, a solução aparece como algo instantâneo (algo que o macaco visualiza, percebe, chega a uma solução), não ocorrendo de maneira lenta e gradual, como no caso de tentativa e erro (HOTHERSALL, 2019). Para compreender melhor a aprendizagem por insight, pode-se dizer que esse processo ocorre de maneira encoberta, ou seja, não é possível que ele seja 7Escola psicológica: teoriagestaltista observado por outra pessoa, ocorre de maneira interna. Quando se estende esses achados para o funcionamento humano, pode-se identificar o processo de reflexão sobre um problema, quando alguém fica debruçado em uma questão e, de repente, chega à resposta ou — como se fala corriqueiramente — tem um insight (GAZZANIGA; HEATHERTON; HALPERN, 2018). No exemplo a seguir, você poderá entender um pouco mais sobre como esse processo ocorre. Para compreender o processo de aprendizagem por insight, imagine a seguinte situação: um arquiteto está projetando um apartamento. Mesmo que tenha estudado muito, que tenha bastante experiência, cada vez que ele fizer um novo apartamento, será de uma maneira diferenciada, buscando suprir as necessidades daquele cliente em específico, naquela planta, com base naquele momento. Quando ele está produzindo, ele vai analisando a situação e pensando em formas de solucionar o seu problema (entende-se por problema, nesse caso, a necessidade de produzir o projeto). À medida que vai projetando, ele percebe uma forma de encaixar um móvel desejado pela família de uma maneira diferenciada. Esse processo de perceber a solução, ou visualizá-la de maneira antecipada, é conhecido como insight. Assim, destaca-se que as principais contribuições da psicologia da Gestalt na esfera da aprendizagem estão relacionadas aos estudos desenvolvidos por Köller na África Ocidental e à compreensão de insight. Esses conceitos, aliados ao entendimento de percepção, de todo/partes e de figura/fundo, contribuíram para a definição de uma outra teoria, considerada uma forma de aplicação da psicologia da Gestalt: a teoria de campo, de Kurt Lewin. Essa teoria, embasada na escola gestaltista, serviu, posteriormente, como base para a abordagem psicológica da Gestalt-terapia (HOTHERSALL, 2019). 3 Construção da teoria gestaltista e influência das leis gestálticas nas ciências humanas A psicologia da Gestalt foi construída a partir de uma inquietação de Max Wertheimer, junto com Köller e Kaffka, a partir de 1910. Posteriormente, por volta de 1918, Kurt Lewin interessou-se pela forma de pensar da psicologia da Gestalt, porém preconizando muito mais a aplicação desses conhecimentos Escola psicológica: teoria gestaltista8 do que seus fundadores. Lewin desenvolvia o que ele passou a chamar de pesquisa-ação, enfatizando seu aspecto prático e aplicável. Nas décadas de 1920 e 1930, Lewin conseguiu mobilizar um grande quantitativo de alunos associados à pesquisa, incluindo muitos dos principais psicólogos sociais da época (HOTHERSALL, 2019). Conforme apresenta Hothersall (2019), uma das principais contribuições da psicologia da Gestalt desenvolvida por Lewin para as ciências humanas foi a noção da teoria de campo. Essa teoria compreende o entendimento do fenômeno como parte de um campo total, amplo, ou seja, para que se com- preenda um fenômeno, não se deve analisá-lo de forma isolada. Por exemplo, entende-se que a análise de uma pessoa deva considerar o ambiente em que ela está inserida. Assim, Lewin afirmava que o comportamento acontece em função da pessoa e do seu ambiente. Essa compreensão pode ser descrita com a fórmula a seguir, que representa a maneira como Lewin concebia o campo, entendendo que o comportamento (C) é função de uma pessoa (P) interagindo com o seu ambiente (A): C = f(P, A) Entende-se que o que ocorre no campo afeta o todo, ou seja, as partes estão interligadas e reagem umas às outras. O que acontece em uma, impacta nas demais. Assim, percebe-se na teoria de campo a compreensão gestáltica da relação entre o todo e as partes. Além disso, para Lewin, cada pessoa é constituída como um campo, e o campo psicológico é chamado de espaço vital (HOTHERSALL, 2019; YONTEF, 1998). Diferenças entre psicologia da Gestalt e Gestalt-terapia A relação entre a Gestalt-terapia (GT) e a psicologia da Gestalt é bastante tênue, e há quem diga que é apenas referente à utilização do mesmo termo. A expressão Gestalt-terapia foi utilizada pela primeira vez na publicação do livro Gestalttherapy: excitement and growth in the human personality, escrito por Perls, Hefferline e Goodman em 1951. A publicação do livro é considerada o marco inicial da GT e propõe uma nova teoria psicológica (HOTHERSALL, 2019). Para Perls (considerado o pai da GT), o objetivo da psicoterapia é tornar a pessoa viva para experimentar a vida no presente (PERLS; HEFFERLINE; GOODMAN, 1951). A GT substitui o tradicional “Por quê?” da psicanálise, dando espaço para o “O que?” e para o “Como?” como perguntas fundamentais 9Escola psicológica: teoria gestaltista na investigação psicológica. Nessa abordagem, não se busca a explicação dos comportamentos, mas a experimentação e a improvisação, com foco no desenvolvimento presente (GINGER; GINGER, 1995). A GT tem como um de seus embasamentos teóricos a teoria de campo, elaborada por Kurt Lewin com base na psicologia da Gestalt. Essa teoria compreende que o fenômeno é parte de um campo total, amplo, não devendo ser analisado de forma isolada. Assim, pressupõe-se que o que ocorre no campo afeta o todo, ou seja, a teoria de campo afirma que as partes estão interligadas e reagem umas às outras, o que se assemelha à compreensão da relação todo/partes da teoria da Gestalt (YONTEFF, 1998). Outras sustentações teóricas da GT são o humanismo, existencialismo e fenomenologia. O humanismo compreende que o mundo e a existência têm como elemento central o ser humano, que possui potencial e é capaz de buscar suas próprias soluções para os seus problemas. Já o existencialismo, em síntese, compreende que cada ser humano é um ser singular, diferente dos demais, único. A fenomenologia é utilizada na GT como um método (descrição sistemática da experiência) e como uma filosofia, que busca discutir e explorar a compreensão do fenômeno em si, sua essência, sua pureza (RIBEIRO, 1985; YONTEF, 1998). A teoria da Gestalt e a GT têm pontos de aproximação, e as compreensões da psicologia da Gestalt caracterizam-se como algumas das concepções que deram sustentação para o que, posteriormente, configurou-se como Gestalt- -terapia. Além disso, ambas têm como foco de interesse a experiência consciente e a percepção, além de apresentarem uma compreensão divergente do que era visto nas teorias clássicas da psicologia. Entretanto, é importante entender que teoria da Gestalt e GT são diferentes. Vale destacar que tanto a teoria de campo quanto a psicologia da Gestalt não receberam a mesma atenção da psicanálise nas ciências humanas. Em geral, observa-se que a psicologia da Gestalt é bastante vinculada à compre- ensão dos fenômenos da percepção e pouco reconhecida como uma escola da aprendizagem (ainda que Köller tenha se dedicado a esse tema) ou da cognição (tema também estudado por Wertheimer). Entretanto, recentemente, com o desenvolvimento das pesquisas em psicologia cognitiva, a psicologia da Gestalt vem ganhando força outra vez, servindo como base teórica para essa forma de pensar (HOTHERSALL, 2019). Para finalizar, destaca-se um trecho de Engelmann (2002), que sintetiza bem as principais contribuições do pensamento gestáltico para as ciências humanas: Escola psicológica: teoria gestaltista10 Para mim […] os seres humanos estão sempre se transformando. Entretanto, são no entanto sempre os mesmos. O importante é a Gestalt total do organis- mo e não as suas partes constituintes. Quando se observam moléculas, são moléculas como um todo e não suas partes atômicas. Quando se observam órgãos do corpo, são os órgãos como um todo e não seus átomos constituin- tes. E quando se observam pessoas, são pessoas como um todo e não os seus incontáveis números de átomos. São as pessoas que permanecem através do tempo (ENGELMANN, 2002, documento on-line). A psicologia da Gestalt propôs uma visão mais leve, dinâmica e relevante da psicologia, configurando uma importante escola psicológica. É necessário que se faça a distinçãoentre psicologia da Gestalt, de Wertheimer e colaboradores, e Gestalt-terapia, de Fritz Pearls e colaboradores. Ainda que a segunda tenha embasamento na primeira, essa diferença ocorre de maneira bastante tênue, causando confusões bastante frequentes. ENGELMANN, A. A psicologia da gestalt e a ciência empírica contemporânea. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 18, n. 1, p. 1–16, 2002. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ ptp/v18n1/a02v18n1.pdf. Acesso em: 14 ago. 2020. FELDMAN, R. S. Introdução à psicologia. 10. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015. GAZZANIGA, M.; HEATHERTON, T.; HALPERN, D. Ciência psicológica. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2018. GINGER, S.; GINGER, A. Gestalt: uma terapia do contato. São Paulo: Summus, 1995. HOTHERSALL, D. História da psicologia. 4. ed. Porto Alegre: AMGH, 2019. OLIVEIRA, C. C. Holismo: aprender e educar. In: CARVALHO, A. D. (coord.). Diversidade e identidade. Porto: Universidade do Porto.Faculdade de Letras.Instituto de filosofia, 2000. p. 287–292. Anais da 1ª Conferência Internacional de Filosofia da Educação. PERLS, F.; HEFFERLINE, G.; GOODMAN, P. Gestalt therapy. New York: Julian, 1951. RIBEIRO, J. P. Gestalt-terapia: refazendo um caminho. São Paulo: Summus, 1985. TENUTA, A. M.; LEPESQUEUR, M. Aspectos da afiliação epistemológica da Linguística Cognitiva à Psicologia da Gestalt: percepção e linguagem. Ciências & Cognição, v. 16, n. 2, 2011. YONTEF, G. M. Processo, diálogo e awareness: ensaios em gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 1998. 11Escola psicológica: teoria gestaltista Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Escola psicológica: teoria gestaltista12
Compartilhar