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BACHARELADO INTERDISCIPLINAR DE CIÊNCIA & TECNOLOGIA Quais os limites do indutivismo? Guilherme Alarcon Comelli R.A: 11201810875 Profª: Luciana Zaterka Santo André, 10/03/2020 Introdução Ao iniciar o estudo analítico do movimento indutivista e suas limitações, é necessário, primeiro, definir o que constitui ciência e seu conhecimento derivado, visto que o indutivismo é justamente um dos métodos utilizados para a obtenção deste tal conhecimento. A concepção popular de conhecimento científico é de que este seja resultado de uma precisa, complexa, rigorosa e principalmente objetiva coleta de dados da experiência de um observador. A ciência possui muito valor para a sociedade, pois é uma base informações e conhecimento provados, estruturados sobre fatos, onde os dados são tratados como dados, não relacionados a conceitos e ideias previamente concebidas. De acordo com a sistematização regulada pelos indutivistas ingênuos, o processo científico inicia-se por observação isenta de preconceito, utilizando os sentidos, os quais devem funcionar bem e serem inalterados. A observação da natureza e de seus fenômenos tem como fruto justamente as leis e teorias científicas, recursos abundantes, definidos e definidores da atualidade. A fim de regular o indutivismo, seus adeptos estabeleceram condições e regras que validam a possibilidade de criação das leis universais. Resumidamente, desde que o número de proposições de observação seja grande e que elas sejam repetidas sob uma ampla variedade de condições, sem conflitar com nenhuma lei universal, torna-se possível generalizar um conhecimento em forma de lei ou teoria universal. Esta lista de proposições é finita e limitada, trazendo um acontecimento particular repetido diversas vezes e transformando-o em todo. Segundo o princípio da indução definido por Alan F. Chalmers em sua obra “O que é Ciência afinal? ”: “Se um grande número de As foi observado sob uma ampla variedade de condições, e se todos esses As observados possuíam sem exceção a propriedade B, então todos os As têm a propriedade B.” Com o refinamento e acúmulo de fatos observados, a expansão de leis de generalidade e da própria ciência torna-se constante e exponencial. A confiabilidade da ciência acompanha as afirmações do indutivista sobre a observação e a indução, que são seguras e confiáveis porque sua verdade pode ser averiguada pelo uso direto dos sentidos, e permite a criação de leis e generalizações, desde que as condições para as induções legítimas estejam satisfeitas. Críticas ao modelo indutivista Após esta introdução de um simplificado processo indutivista ingênuo, as primeiras críticas a este modelo podem ser construídas. O início da metodologia, como apresentada, é a observação. O processo de observar algo é acessível e compreensível para o ser que realiza este ato. Contudo, as proposições de observação não são totalmente objetivas e livres de pré-conceitos por justamente serem fundamentadas com base em uma linguagem teórica já existente. Exemplificando, ao realizar um estudo contemporâneo sobre célula tronco, o cientista possui conhecimento prévio sobre célula e seu funcionamento. Logo, possui embasamento teórico para construir a proposição de observação. Definir onde se inicia e termina a ciência é muito complicado, pois o sistema é acumulativo. O uso da linguagem científica é impreciso porque as leis e teorias correspondentes podem ser imprecisas também. Teorias exatas e precisamente formuladas são a semente das proposições de observação precisas. Portanto, a teoria antecede a proposição. É claro que a observação é essencial para a ciência e é o principal meio de espelhar e entender o que acontece no mundo. Nem sempre será falível, como dito, mas a supremacia das proposições deve sempre ser questionada, a fim de uma melhoria do fundo de conhecimento. Outro ponto ressaltado pelo indutivismo é a necessidade da imparcialidade do observador ao induzir um conhecimento. A imparcialidade completa de um ser humano é provavelmente inalcançável e não deve ser requisito da ciência, visto que um estudo sempre possui um objetivo e um foco, e isso em si é uma característica parcial, porque a obtenção de dados será ampla e a mais precisa possível, porém afunilada pelos próprios pesquisadores. Ao estabelecer relevância a certos dados, o trabalho torna-se mais impreciso. É desconhecido algum estudo existente que saiba exatamente todos os dados que devem coletados. A relevância é importante, porém a eliminação de informações menos relevantes ou aparentemente inúteis ao processo resulta em um produto parcial e naturalmente com margem de erro. Prosseguindo com a análise do movimento indutivista, é condizente apresentar a codependente vertente dedutivista. O dedutivismo viabiliza a previsão e explicação das coisas, com os pilares de conhecimento e fundos de dados e teorias estabelecidos pela indução. É basicamente uma derivação de afirmações de outras afirmações dadas. O método de dedução é constituído pela lógica, a qual é organizada por premissas que resultam em uma conclusão. A coerência da lógica é validada quando as premissas de uma dedução logicamente válida são verdadeiras, viabilizando a veracidade da conclusão. Entretanto, existe uma brecha neste conceito. Essa falha está na legitimidade das premissas, pois a própria lógica é limitada e diretamente dependente de sua estrutura. Uma dedução pode possuir lógica e obter um resultado logicamente válido, porém o status do argumento, se comprometido, leva a uma conclusão equivocada, o que danifica as previsões e explicações. Dedico o espaço a seguir à outra exemplificação, desta vez do funcionamento do método científico completo, englobando a indução e dedução, para o entendimento de todo o sistema. O passo a passo do método é simples: condições reais e iniciais; observação da natureza; indução; criação de teorias e leis; dedução; explicações, entendimento e previsões. Realocando estes tópicos e aplicando-os em uma situação real, temos algo como: Condição real – respiramos o ar da atmosfera e é importante para a nossa sobrevivência Observação da natureza – existem partículas de diversos gases no ar atmosférico que respiramos Indução e criação de leis universais – por meio de diversas proposições é criada uma lei de que o ar atmosférico é composto por oxigênio, gás carbônico, nitrogênio e gases nobres, sendo CO2 o gás expirado. Deduções – Sabendo que (1) o ar possui gases nobres e (2) inalamos o ar, logo (3) inalamos gases nobres. Explicação – O ser humano utiliza o gás oxigênio para a respiração celular (outra teoria criada, porém relacionada ao tema) e produz como resultado do processo CO2, mas por conta do ar contaminado por outros gases, inalamos também partículas “indesejadas”. Novamente, é possível destacar que todos os problemas deste sistema apontados anteriormente fragilizam vários destes processos, principalmente a criação das leis e as explicações. Qualquer erro no processo de observação, garante um possível erro na lei derivada deste processo, fazendo com que a dedução realizada também seja incorreta. Por fim, as explicações e previsões finais tornam-se falsas, já que falta consistência nestes pilares do conhecimento. Argumentação da defesa do indutivismo e seus problemas Com o intuito de defender o indutivismo e legitimá-lo como a forma de produção de conhecimento científico superior, os indutivistas ingênuos utilizam da justificativa da lógica e da experiência como conceitos isentos de fragilidades. Primeiramente, a lógica possui uma invalidez que pode ser demonstrada. Pode-se afirmar que argumento indutivos não são logicamente válidos, pois não é possível provar com total garantia de objetividade e análise dos fatos que as premissas são verdadeiras, ao mesmo tempo que mesmo elas sendo comprovadas pelo método indutivista, a conclusão pode ser falsa. Uma demonstração da fragilidade da lógica no caso da indução seria: todos os dias da minha vida até agora eu durmo e acordo no dia seguinte. Chega um dia queeu não acordo, ou seja, morri dormindo. Por observação constante e uma conclusão de que eu acordarei todos os dias, repleta de repetições, me leva a acreditar que isso se manterá até muito tempo. Porém, sempre há o fator imprevisibilidade e este deve ser levado em conta. Uma base de premissas que contribuem para a lógica e que são coerentes não podem levar à construção de uma conclusão geral e completamente factível, como é o caso, visto que a explicação se demonstrou errada. Portanto, a lógica não justifica o indutivismo. Pelo argumento da experiência, acredita-se que por haver um grande número de ocasiões observadas e resultados experimentais, as leis e teorias científicas podem ser propostas. O problema da justificativa experiencial se encontra justamente em mais um processo de indução e dedução regado a lógica, a qual foi provada como insuficiente. Ao observar que o princípio de indução foi efetivo em x ocasiões, não existe garantia alguma de que ele será sempre efetivo. Concluir isso seria incoerente com o que já foi explicado, já que não existe uma verdade absoluta conclusiva no processo lógico. O argumento torna-se indutivo e não pode ser utilizado para explicar a própria indução. Retomando as condições para a aplicação do indutivismo explicitadas no início do trabalho, fica clara a vagueza e falta de explicação concreta das exigências. Para o princípio de indução funcionar, o número de proposições de observação deve ser grande e elas devem ser repetidas sob uma ampla variedade de condições. Entretanto, quantas proposições são necessárias para a aproximação do estimado “grande número” exigido? Não existe regularização para isso e não deve existir, pois nenhuma quantidade é suficiente para garantir uma verdade universal. O que seria uma ampla variedade de condições? A característica de amplitude é relativa e subjetiva, o que se afasta da proposta da metodologia, que deve seguir uma linha objetiva. Quais tipos de variações podem existir dentro da própria ciência e experimentação? Outra pergunta impossível de responder em definitivo, porque a própria resposta seria condizente com moldes indutivistas. Visto isso, fica evidenciada a contradição presente no indutivismo. O conhecimento científico demonstra-se em estado não exatamente comprovado, porém provavelmente verdadeiro. Quanto maior o número de observações, maior a probabilidade, que não pode ser estimada, da generalização derivada ser verdadeira. Apesar da atribuição deste modelo probabilístico ao método indutivo, o problema mantém-se o mesmo. A adaptação probabilística de literalmente tudo no processo ainda tem como consequência uma generalização que possui a intenção de ser definitiva. Ao assumir que o resultado é provavelmente verdadeiro, o sujeito estará legitimando uma conclusão indutiva e o ciclo mantém-se o mesmo. Qualquer evidência observável é constituída por um número finito de proposições que se mantém nesse perfil de propor algo, mas que não deve concluir nada e que não possibilita este ato. Uma outra tentativa de remodelagem do indutivismo é o abandono das probabilidades generalizadas e o foco na veracidade de previsões individuais. Ao invés de criar uma lei que garante um “sempre”, um fato único específico será formado constantemente. Não existe o afastamento da probabilidade e sim uma ênfase na sua relação com especificidades. A confusão neste processo está em seu desvencilhamento com a essência da ciência em si. Ao invés do estabelecimento e expansão de conhecimento ocorrer por meio de afirmações gerais e verdadeiras, há agora um conjunto de probabilidades individuais que teoricamente devem resultar em conhecimento. Esse sistema é insustentável e não produtivo, pois necessita de uma manutenção experiencialista ideal, mas não real. Ademais, a fundamentação dessa situação exposta leva em conta o sucesso da previsão individual, pois se é o conjunto das previsões individuais que leva aos fatos e conhecimento, literalmente todas as previsões devem estar corretas, o que coloca tudo em um inconcebível e inexistente retrato de perfeição da realidade. Conclusão Tudo que foi apresentado até o momento consiste na exposição das características do indutivismo e consequentemente suas fragilidades e limitações. Inobstante as críticas e a discussão, não existem metodologias perfeitas, sendo que todas possuem pontos positivos e negativos, diferindo talvez em impacto ou importância, sem tirar o mérito de nenhuma delas. Por fim, existem de fato maneiras de se afastar dos limites do indutivismo científico, as quais assumem e entendem algumas das contradições e erros existentes no método. A própria negação de um processo completamente indutivista na ciência é válida e abre mais portas para a interpretação da natureza e obtenção de conhecimento. Uma proposta também verossímil é a assunção de que a ciência não é completamente racional e não pode ser justificada apelando à experiência, muito menos a lógica, adotando uma postura mais cética ao próprio estudo das coisas. Após a pergunta do título já estar respondida e discursada no corpo do trabalho e toda a reflexão desenvolvida no projeto estar concretizada, pode-se concluir que nada pode, de fato, ser concluído, conclusão à qual não pode ser feita, reforçando mais uma vez o ciclo de questionamento da verdade. Referências Bibliográficas CHALMERS, Alan F., O que é a ciência, afinal? Tradução: RAUL Fiker, Editora Brasiliense, 1993.
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