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Capitulo 1.pdf 1 Homem e linguagem Neste capítulo, realizaremos uma reflexão sobre os conceitos linguísticos fundamentais para a aprendizagem e o ensino da língua portuguesa. Serão abordados os conceitos de linguagem, língua e fala, as diferentes formas como a linguagem é apresentada e a maneira como os falantes de uma língua fazem uso dela. Serão apresentadas ainda as funções da linguagem e suas variações. – 10 – Leitura e Escrita na Era Digital Ao final do capítulo, será possível identificar os elementos da comuni- cação, além de distinguir as funções da linguagem em relação aos elementos do processo comunicativo. Também será possível diferenciar os conceitos de linguagem, língua e fala e reconhecer a variação linguística como uma mani- festação decorrente das influências recebidas no contato com as diversas cul- turas existentes em nosso país. A língua é, sem dúvida, um dos mais importantes produtos da cultura, porque é o código utilizado em grande parte dos nossos atos de comunicação. 1.1 Linguagem, língua e fala No dia a dia, costuma-se afirmar – o que cientificamente comprova-se – que a linguagem diferencia o homem dos demais animais. Dessa forma, no Dicionário de comunicação (RABAÇA, 1987, p. 367), encontramos a seguinte definição: “a linguagem é um fato exclusivamente humano, um método de comunicação racional de ideias, emoções e desejos por meio de símbolos produzidos de maneira deliberada”. Isso porque a linguagem humana pode ser articulada por seu usuário, pode envolver o pensamento e o simbólico, a representação da sua realidade e suas relações nos atos comunicativos. Assim, a linguagem, a língua possibilita ao homem criar e agir sobre a rea- lidade. Segundo Vygotsky, “o momento de maior significado no curso do desenvolvimento intelectual, que dá origem às formas puramente humanas de inteligência prática e abstrata, acontece quando a fala e a atividade prá- tica, então duas linhas completamente independentes de desenvolvimento, convergem” (VYGOTSKY, 2010, p. 12). No texto a seguir, o filósofo Louis Hjelmslev (1975, p. 15) apresenta, de modo filosófico e literário, a indiscutível importância da linguagem para o homem: A linguagem, a fala humana é uma inesgotável riqueza de múltiplos valores. A linguagem é inseparável do homem e segue-o em todos os seus atos. A linguagem é o instrumento graças ao qual o homem modela seu pensamento, seus senti- mentos, suas emoções, seus esforços, sua vontade e seus atos, o instrumento graças ao qual ele influencia e é influenciado, a base última e mais profunda da sociedade humana. Mas é também o recurso último e indispensável do homem, seu refú- gio nas horas solitárias em que o espírito luta com a existên- cia, e quando o conflito se resolve no monólogo do poeta e na – 11 – Homem e linguagem meditação do pensador. Antes mesmo do primeiro despertar de nossa consciência, as palavras já ressoavam à nossa volta, prontas para envolver os primeiros germes frágeis de nosso pensamento e a nos acompanhar inseparavelmente através da vida, desde as mais humildes ocupações da vida quotidiana aos momentos mais sublimes e mais íntimos dos quais a vida de todos os dias retira, graças às lembranças encarnadas pela linguagem, força e calor A linguagem não é um simples acom- panhante, mas sim um fio profundamente tecido na trama do pensamento; para o indivíduo, ela é o tesouro da memória e a consciência vigilante transmitida de pais para filhos. Para seu bem e para o mal, a fala é a marca da personalidade, da terra natal e da nação, o título de nobreza da humanidade. Para dominar a linguagem como língua, é preciso que a pessoa desen- volva várias habilidades necessárias ao processo de comunicação. Ouvir, falar, ler e escrever são as ações que, gradualmente, vão propiciar o desenvol- vimento desse domínio. A partir do nascimento (alguns estudiosos afirmam que até antes), começa-se a ouvir todos que estão próximos; pelo processo de imitação, associado com o desenvolvimento físico, inicia-se a repetição do que se ouve. Nasce a fala, no início restrita, com pouquíssimas palavras que, em geral, servem para várias situações e objetos, tais como: “mamá” (comida), “mãma” (mãe); “papá” (comida), “pápa” (pai), e assim por diante. Por volta dos sete anos, chegamos a 1 mil ou 1,2 mil palavras e, por volta dos 14 anos, a 15 ou 20 mil, dependendo do contexto e das situações relacionadas com a linguagem. Na sequência, a oralidade irá se transformar em linguagem simbólica, a partir do momento em que as habilidades de leitura e escrita passam a ser dominadas. Essas duas habilidades necessitam de aprendizagens diferencia- das, pois “para escrever é preciso ter um acervo de recursos e ter o que dizer sobre o assunto. Para ler, é preciso ter um acervo de recursos que permita compreender o texto” (LIMA, 2002, p. 15). Se, por um lado, é ruim apren- der as duas habilidades separadamente e não como um conhecimento auto- mático, por outro, é salutar, porque, em caso de qualquer problema físico, pode-se ficar com uma ou com outra (se tiver sorte). Após o processo de domínio das quatro habilidades, adquire-se uma com- petência muito mais importante do que simplesmente o domínio de uma língua, – 12 – Leitura e Escrita na Era Digital é a competência de pensar, que torna o homem, segundo a tradição, efetivamente humano. Ou seja, se há linguagem, há pensamento ou, como diz o filósofo Des- cartes: “Cogito, ergo sum” (“Penso, logo existo”). Vygotsky pondera que a relação entre o pensamento e a palavra não é uma coisa mas um processo, um movimento contínuo de vaivém entre a palavra e o pensamento: nesse processo a relação entre o pensamento e a palavra sofre alterações que, também elas, podem ser consideradas como um desenvolvimento no sen- tido funcional. As palavras não se limitam a exprimir o pen- samento: é por elas que este acede à existência [...]. O pensa- mento e a palavra não são talhados no mesmo modelo: em certo sentido há mais diferenças do que semelhanças entre eles. A estrutura da linguagem não se limita a refletir como num espelho a estrutura do pensamento; é por isso que não se pode vestir o pensamento com palavras, como se de um ornamento se tratasse. O pensamento sofre muitas altera- ções ao transformar-se em fala. Não se limita a encontrar expressão na fala; encontra nela a sua realidade e a sua forma (VYGOTSKY apud IANNI, 1999, p. 40). No entanto, linguagem e língua aproximam-se e diferem de que modo? Muitas palavras, utilizadas para explicar o processo de comunicação, pare- cem sinônimas, mas apresentam conceitos diferentes cuja compreensão é importante, tanto para o ensino, quanto para a aprendizagem de uma língua, são elas: linguagem, língua, fala, discurso, sistema, norma, palavra, vocábulo e léxico. Portanto, o conhecimento da importância da palavra para todo o processo de interação por meio da linguagem é fundamental. Isso porque cada palavra tem seu sentido reconhecido plenamente desde que se conheça o contexto no qual ela está inserida. O contexto é que definirá o real sentido de cada palavra. A compreensão do sentido da palavra, num determinado texto e contexto, é que possibilitará, também, a compreensão da mensagem. Contexto Texto Palavra – 13 – Homem e linguagem Tal concepção fica evidente na música Palavras, do grupo Titãs, pois, a partir dela, é possível inferir que é o falante que dá vida às palavras, pelo contexto e pela compreensão de mundo do usuário. Vamos observar o trecho a seguir: Palavras Palavras são iguais Sendo diferentes Palavras não são frias Palavras não são boas Os números pra os dias E os nomes pra as pessoas [...] Palavras. Marcelo Fromer e Sérgio Britto, Titãs, 1989 © Warner Chappel Music. A linguagem é uma característica humana universal, visto que utiliza todos os códigos, signos, sinais para que sejam expressados pensamentos, per- cepções e sentimentos e para que a comunicação seja efetivada. Pode-se dizer que a linguagem vai se desenvolvendo por meio de um sistema de signos (algo que está no lugar de um objeto ou fenômeno, sob algum aspecto). Os signos estabelecem relações de sentido com o objeto que represen- tam, das mais simples às mais complexas. É necessário passar por essas rela- ções para se chegar ao domínio da linguagem. São elas: 2 relação de semelhança – o signo é o objeto apresentado; ícone: exemplo – as imagens em geral; 2 relação de causa e efeito – afeta a existência do objeto ou por ele é afetado; índice: exemplo – pegadas na lama – alguém passou por aqui; 2 relação arbitrária – regida por convenção; símbolo: exemplo – as representações, continuamente usadas na linguagem e no entendi- mento pessoal, tornam-se convenções, símbolos. – 14 – Leitura e Escrita na Era Digital Já a língua é uma linguagem de caráter regional, é um sistema organi- zado de sons e sinais que a caracterizarão como o código de signos linguísticos de um determinado povo. Desse modo, todas as línguas (para a comunidade lusófona, a língua portuguesa) têm uma estrutura própria para combinar os signos linguísticos. Sendo assim, a língua constitui-se por: um repertório/conjunto de sig- nos que vão compô-la; as regras de combinação que incluem as de organiza- ção dos sons e suas combinações; as regras que determinam a organização interna das palavras e as que especificam a forma como serão ordenadas as palavras e a diversidade de tipos de frase. Estamos nos referindo à fonologia, à morfologia, à sintaxe da língua e às regras de uso, as quais englobam as regras reguladoras do uso da linguagem em contextos sociais – no que diz respeito às funções e intenções comunicativas e à escolha de códigos a uti- lizar – e que devem ser aceitas pela sociedade para que haja inteligibilidade entre os atos de comunicação. O terceiro conceito a ser compreendido no processo de comunicação é a fala, o uso individual da língua, o discurso que se realiza a partir da compre- ensão da língua e do conhecimento de mundo de cada um. Por esses motivos, falantes de uma mesma língua, de uma mesma região e de uma mesma for- mação terão falas, discursos diferentes. Por se tratar de oralidade, o falante pode desrespeitar as regras de combinação; se este desrespeito tornar-se padrão, poderá alterar e criar uma nova regra, promovida pelo uso. Podemos afirmar que dominamos uma língua quando conhecemos seu repertório de signos, as regras de combinação e as regras de uso desses signos. Segundo Saussure (1977, p. 196), “nada entra na língua sem ter sido expe- rimentado na fala, e todos os fenômenos evolutivos têm sua raiz na esfera do indivíduo”. De acordo com o linguista, o que diferencia a língua da fala é que a primeira é sistemática, tem certa regularidade, é potencial, coletiva; a segunda é assistemática, possui certa variedade, é concreta, real, individual. A língua, então, pode ser escrita e falada. São duas formas de uso que acabam tendo regras diferenciadas, uma vez que, ao falar, temos maior liber- dade e despreocupação com a obediência às normas impostas pelo sistema linguístico. Porém, a escrita deve atender às normas, motivo pelo qual é con- siderada pelos usuários uma modalidade mais difícil. – 15 – Homem e linguagem As diferenças entre a língua falada e a língua escrita são muitas, como podemos observar no quadro a seguir, adaptado de Mesquita (1995, p. 25). Língua falada Língua escrita 2 Palavra sonora. 2 Palavra gráfica. 2 A mensagem é transmitida de forma imediata. 2 A mensagem é transmitida de forma não imediata. 2 O emissor e o receptor conhecem bem a situação e as circunstâncias que os rodeiam. 2 O receptor não conhece de forma direta a situa ção do emissor e o contexto da mensagem. 2 A mensagem é breve. 2 A mensagem é mais longa do que na língua falada. 2 São permitidos os elementos pro sódicos, como entonação, pausa, ritmo e gestos, que enfatizam o significado. 2 Não é possível a utilização de elementos prosódicos. O emprego dos sinais de pon tuação tenta reconstruir alguns desses ele mentos. 2 É admitido o emprego de cons truções simples, com ênfase para orações coordenadas e presença de frases incompletas. 2 Exigemse construções mais complexas, mais elaboradas, com ênfase para orações subordinadas, e a ordenação da mensagem melhor planejada. 2 É mais subjetiva e pode ser repro cessada a cada momento a partir das reações do interlocutor. 2 É mais objetiva. É possível esquecer o inter locutor. O escritor pode processar o texto a partir das possíveis reações do leitor. 2 O contexto extralinguístico tem grande influência. Criação coletiva. 2 O contexto extralinguístico tem menos influência. Criação individual. Estas são algumas características que diferenciam a possibilidade de uso da língua. Saber transitar pelas duas modalidades e ter controle de suas varie- dades, usando-as no lugar e no momento certo, é fator decisivo na comuni- cação interpessoal. A respeito da importância do domínio da variedade oral da língua, em situação formal, recomendamos o filme O discurso do Rei, que tem esta ques- tão como tema principal. – 16 – Leitura e Escrita na Era Digital Dica de filme O filme O discurso do Rei apresenta, de forma envol- vente e com grandes detalhes, o trabalho realizado por um profissional que tem um método um tanto radical para os padrões da época, para liberar a fala do Rei George. O jovem herdeiro da coroa britânica sofria de gagueira e tinha pânico de falar em público. Para supe- rar suas dificuldades, contará com o empenho de sua esposa e do professor nada convencional de oratória. O tema é atual, uma vez que a maioria dos profissionais precisa ter o domínio da fala com propriedade para desempenhar bem suas funções. O DISCURSO do Rei. Direção de Tom Hooper. Ingla- terra: Paris Filmes, 2010. 1 filme (118 min), sonoro, legenda, color., 35 mm. A língua, além de oral e escrita, pode ser, pelo uso, classificada de dois modos: a modalidade culta ou língua-padrão e a modalidade popular, ou lín- gua cotidiana. A modalidade culta é aquela associada à escrita, à tradição gramatical, é a registrada nos dicionários e, portanto, é a que traduz a tradição cultural e a identidade de uma nação. A modalidade popular é uma variante informal, considerada de pouco prestígio quando comparada à linguagem padrão. Sua característica é afas- tar-se da norma na construção sintática, usar um vocabulário comum, repe- tições constantes, gírias. Segundo Mattoso Câmara Jr. (1978, p. 177), “norma é um conjunto de hábitos linguísticos vigentes no lugar ou na classe social mais pres- tigiosa no país”. Logo, com essa classificação, podemos entender que há várias classes que não adotam a norma e, portanto, há outras modalida- des em uso. – 17 – Homem e linguagem 1.1.1 Variedades linguísticas As variedades linguísticas são determinadas por vários fatores, entre os quais se destacam os geográficos, históricos, sociais e estilísticos. A variação geográfica está relacionada com as diferenças de pronún- cia, de vocabulário e de sintaxe, que ocorrem de região para região do Brasil. O texto a seguir ilustra bem esta variedade com ênfase na pronúncia. Receita cazêra minêra de môi de repôi nu ái i ói Ingredientes 2 5 denti di ái 2 3 cuié de ói 2 1 cabessa de repôi 2 1 cuié di mastomati 2 Sár agosto Modi fazê 2 Casca o ái, pica o ái i soca o ái cum sá; 2 Quenta o ói na cassarola; 2 Foga o ái socado no ói quenti; 2 Pica o repôi beeemmm finimm... 2 Foga o repôi no ói quenti junto cum ái fogado; 2 Põi a mastomati i mexi cum a cuié prá fazê o môi; 2 Sirva cum rôis e melete... Pção: cumpanha filezim de pescadim beemmm fritim. RECEITA cazêra minera de môi de repôi nu ái i ói. Disponível em: <http://www.alapinha.com.br/Cardapio%20introducao.htm>. Acesso em: 22 out. 2012. – 18 – Leitura e Escrita na Era Digital A música Cuitelinho, do folclore nacional, apresenta a questão do uso dos plurais, tão comum em certas regiões brasileiras. Cuitelinho Cheguei na beira do porto Onde as onda se espaia As garça dá meia volta E senta na beira da praia E o cuitelinho não gosta Que o botão de rosa caia, ai, ai Ai quando eu vim da minha terra Despedi da parentália Eu entrei no Mato Grosso Dei em terras paraguaia Lá tinha revolução Enfrentei fortes batáia, ai, ai A tua saudade corta Como aço de naváia O coração fica aflito Bate uma, a outra faia E os óio se enche d´água Que até a vista se atrapáia, ai... Autoria desconhecida. A variação histórica ocorre pelo processo de evolução do homem que, com suas novas invenções, ou com o abandono de objetos, hábitos e costu- mes, acaba interferindo na língua, que também é viva. O léxico que cai em desuso chama-se arcaísmo e as palavras novas que surgem são classificadas como neologismos. A seguir, citamos um exemplo de arcaísmo, o trecho está com a escrita da língua portuguesa do passado, do século XVIII, a qual transformou-se a ponto de pessoas não identificarem o sentido de algumas palavras pelas diferenças ortográficas. Leia as duas versões e compare-as. – 19 – Homem e linguagem “Este rrey Leyr nom ouue filho, mas ouue tres filhas muy fermosas e amauaa-as muito. E huum dia sas rrazõoess com ellas e disse-lhess que lhe dissessem verdade, qual d’ellas o amaua mais. Disse a mayor que nom auia cousa no mundo que tanto amasse como elle; e disse a outra que o amaua tanto com a ssy mesma; e disse a terçeira, que era a meor, que o amaua tanto como deue dámar filha a padre.” (VASCONCELOS apud FARACO, 1991, p. 11). “Este Rei Lear não teve filhos, mas teve três filhas muito for- mosas e amava-as muito. E um dia teve com elas uma discussão e disse-lhes que lhe dissessem a verdade, qual delas o amava mais. Disse a maior que não havia coisa no mundo que amasse tanto como a ele; e disse a outra que o amava tanto como a si mesma; e disse a terceira que o amava tanto como deve uma filha amar um pai.” FARACO, C. A. Linguística histórica. São Paulo: Ática, 1991. A variação social, como afirma Mattoso Câmara (1978), decorre não somente do poder aquisitivo, mas também do grau de educação, da idade e do sexo dos usuários da língua. Vejamos os usos diversos da conjugação verbal: nós vamos/nóis vai/nóis imo/nós vamo. A música Chopis centis, do grupo musical Mamonas Assassinas, brinca com a questão das variedades linguísticas, colocando o falar popular na linguagem escrita. Chopis centis Eu “di”um beijo nela E chamei pra passear. A gente fomos no shopping, Prá “mode” a gente lanchar. Comi uns bicho estranho, com um tal de gergelim Até que tava gostoso, mas eu prefiro aipim. [...] Chopis Centis. Dinho e Julio Rasec, Mamonas Assassinas, 1995 © Edições Musicais Tapajós Ltda. – 20 – Leitura e Escrita na Era Digital A variação estilística é provocada pelo ato da fala e pela escrita. Dependendo da situação comunicativa, a pessoa pode usar uma modalidade ou outra. De acordo com os ouvintes, o falante definirá qual o vocabulário a ser utilizado, o grau de formalidade ou informalidade. Na escrita, o usuário poderá, pelo seu estilo, tornar-se um modelo ou um padrão. O potencial estilístico de José Paulo Paes, por exemplo, é evidenciado no poema a seguir, quando o autor brinca com a possibilidade de trocar algumas letras, ou a escrita das palavras, e interferir no significado. Além disso, com um poema curtíssimo, consegue passar uma grande mensa- gem. Vejamos: Prolixo? Pro lixo. Conciso? Com siso. PAES, J. P. Poesia completa. Sao Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 27. Todas estas classificações acabaram por criar alguns preconceitos linguísticos com relação às variedades prestigiadas e às estigmatizadas. Quanto mais próxima está a variedade utilizada do que se denomina lín- gua padrão, mais prestígio social o falante terá, quanto mais distante, mais estigmatizado será. Ao relacionar língua padrão com gramática, estabele- ceu-se a noção de que, se a regra não for cumprida, ocorre um “erro”, o que torna o falante um sujeito desprestigiado socialmente. Marcos Bagno, em sua “novela” sociolinguística intitulada A língua de Eulália (1999), apre- senta, de forma clara, envolvente e literária, o argumento de que falar diferente não é falar errado e justifica linguística, histórica, socioló- gica e psicologicamente o uso das variedades linguísticas. É de sua obra Preconceito linguístico – o que é, como se faz (BAGNO, 2006, p. 142-145) o texto a seguir, que apresenta uma síntese sobre como ensinar a língua sem criar tanto preconceito. – 21 – Homem e linguagem Dez cisões Para um ensino de língua não (ou menos) preconceituoso 1. Conscientizar-se de que todo falante nativo de uma língua é um usuário competente dessa língua, por isso ele sabe essa língua. Entre os 3 e 4 anos de idade, uma criança já domina integralmente a gramática de sua língua. 2. Aceitar a ideia de que não existe erro de português. Existem dife- renças de uso ou alternativa de uso em relação à regra única pro- posta pela gramática normativa. 3. Não confundir erro de português (que, afinal, não existe) com sim- ples erro de ortografia. A ortografia é artificial, ao contrário da lín- gua, que é natural. A ortografia é uma decisão política, é imposta por decreto, por isso ela pode mudar, e muda de uma época para outra. Em 1899 as pessoas estudavam psychologia e história do Egypto; em 1999 elas estudavam psicologia e história do Egito. Línguas que não têm escrita nem por isso deixam de ter sua gramática. 4. Reconhecer que tudo o que a Gramática Tradicional chama de erro é na verdade um fenômeno que tem uma explicação cien- tífica perfeitamente demonstrável. Se milhões de pessoas (cultas inclusive) estão optando por um uso que difere das regras pres- critas nas gramáticas normativas é porque há alguma nova regra sobrepondo-se à antiga. Assim, o problema está com a regra tra- dicional, e não com as pessoas, que são falantes nativos e perfeita- mente competentes de sua língua. Nada é por acaso. 5. Conscientizar-se que toda língua muda e varia. O que hoje é visto como “certo” já foi “erro” no passado. O que hoje é considerado “erro” pode vir a ser perfeitamente considerado como “certo” no futuro da língua. Um exemplo: no português medieval existia um verbo leixar (que aparece até na carta de Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manuel I). Com o tempo, esse verbo foi sendo pronunciado deixar porque [d] e [l] são consoantes aparentadas, o que permitiu a troca de uma pela outra. – 22 – Leitura e Escrita na Era Digital Hoje quem pronunciar leixar vai cometer um “erro” (vai ser acu- sado de desleixo), muito embora essa forma seja mais próxima da origem latina, laxare (compare-se, por exemplo, o francês laisser e o italiano lasciare). Por isso é bom evitar classificar algum fenô- meno gramatical de “erro”: ele pode ser, na verdade, um indício do que será a língua no futuro. 6. Dar-se conta de que a língua portuguesa não vai nem bem, nem mal. Ela simplesmente vai, isto é, segue seu rumo, prossegue em sua evolução, em sua transformação, que não pode ser detida (a não ser com a eliminação física de todos os seus falantes). 7. Respeitar a variedade linguística de toda e qualquer pessoa, pois isso equivale a respeitar a integridade física e espiritual dessa pes- soa como ser humano. 8. A língua permeia tudo, ela nos constitui enquanto seres huma- nos. Nós somos a língua que falamos. A língua que falamos molda nosso modo de ver o mundo e nosso modo de ver o mundo molda a língua que falamos. Para os falantes de português, por exemplo, a diferença entre ser e estar é fundamental: eu estou infeliz é radi- calmente diferente, para nós, de eu sou infeliz. Ora línguas como o inglês, o francês e o alemão têm um único verbo para exprimir as duas coisas. Outras, como o russo, não têm verbo nenhum, dizendo algo assim como: Eu-infeliz (o russo, na escrita, usa mesmo um travessão onde nós inserimos um verbo de ligação). 9. Uma vez que a língua está em tudo e tudo está na língua, o pro- fessor de português é professor de tudo. (Alguém já me disse que talvez por isso o professor de português devesse receber um salário igual à soma dos salários de todos os outros professores!). 10. Ensinar bem é ensinar para o bem. Ensinar para o bem significa res- peitar o conhecimento intuitivo do aluno, valorizar o que ele já sabe do mundo, da vida, reconhecer na língua que ele fala a sua própria identidade como ser humano. Ensinar para o bem é acrescentar e não suprimir, é elevar e não rebaixar a autoestima do indivíduo. Somente assim, no início de cada ano letivo este indivíduo poderá comemorar a volta às aulas, em vez de lamentar a volta às jaulas! BAGNO, M. Preconceito linguistico: o que é, como se faz. 47. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2006. – 23 – Homem e linguagem Dica de filme Para compreender melhor a relação da língua com as diversas culturas, assista ao filme Língua, vidas em português. Este documentário premiado de Victor Lopes apresenta uma viagem pelo mundo com entradas em todos os países em que há falantes da língua portu- guesa. Sua estrutura narrativa circular prende o interlo- cutor. São histórias de vidas de pessoas com suas dife- renças culturais, mas que têm em comum serem usuários da língua portuguesa. É importante ressaltar a presença de pessoas ilustres que participam com depoimentos, como José Saramago (escritor português), João Ubaldo Ribeiro (escritor brasileiro), Martinho da Vila (cantor e compositor), Teresa Salgueiro (do grupo Madredeus) e Mia Couto (escritor moçambicano contemporâneo que escreve o roteiro). LÍNGUA, vidas em português. Direção de Victor Lopes. Brasil/Portugal: Paris Filmes, 2002. 1 filme (105 min), sonoro, legenda, color., 35 mm. Como pode-se perceber, a própria compreensão de língua como um sistema regido por normas é constantemente questionada pelos efeitos que produz, uma vez que a comunicação confunde-se com a própria vida e a língua é viva. 1.1.2 Funções da linguagem O processo de leitura e escrita constitui-se enquanto um ato comu- nicativo. Para tal, ele precisa de um emissor, aquele que fala ou escreve, um receptor, aquele que lê ou escuta, um referente, que é constituído pelo contexto, situação ou objetos reais ao qual a mensagem remete, um código, que é o conjunto de signos e regras de combinação a ser usado, um canal de comunicação, que é a via de circulação da mensagem, e a – 24 – Leitura e Escrita na Era Digital mensagem, que é o conteúdo da comunicação. Roman Jakobson (2001), em seus estudos linguísticos, estabeleceu a cada uma das situações do ato comunicativo uma função da linguagem. Dependendo da ênfase que se dá a cada um dos processos comunicativos, a linguagem apresenta uma função com recursos linguísticos próprios. Temos, assim, a função expres- siva, a função conativa, a função metalinguística, a função fática, a função poética e a função referencial. Sabe-se que não há na linguagem uma fun- ção pura, várias podem aparecer ao mesmo tempo no processo comunica- tivo, no entanto, conhecê-las ajudará a melhorar a elaboração da fala e da escrita ( JAKOBSON, 2001). Receptor Função conativa Emissor Função expressiva Referente: função referencial Canal de comunicação: função fática Mensagem: função poética Código: função metalinguística Fonte: Jakobson (2001, p. 17). Na sequência, vamos identificar as características de cada função. 1.1.2.1 Função expressiva É centrada no emissor da mensagem, exprime a sua relação com o conteúdo transmitido, a sua opinião, emoções, avaliações. Pode-se sentir no texto a presença do emissor (que pode ser clara ou sutil). É uma comunicação – 25 – Homem e linguagem subjetiva, faz uso de frase exclamativa, de interjeições, superlativos, aumen- tativos, diminutivos, hipérboles, entonação máxima. Resenha sobre o filme O discurso do rei [...] Pode-se dizer, porém, que a cena mais impactante do filme é o momento em que o rei deve realizar seu primeiro discurso. Não vou além, pois não quero estragar as surpresas que aguardam o público ao longo da história e, com certeza, no seu final. Ao contrário do que muitos podem imaginar o roteiro não é baseado no livro de mesmo título; a versão literária foi escrita pelo neto de Lionel, Mark Logue, com a ajuda do jornalista Peter Conradi. Ele decidiu escrever esta obra a partir do momento em que foi procurado pela produção do filme para revelar detalhes sobre a bio- grafia do australiano Lionel. Curioso em saber mais a respeito de seu avô, ele saiu à procura de outras informações, as quais deram origem ao livro. As passagens mais importantes, porém, estão certamente concentradas nas telas cinematográficas. Esta produção, que guarda em si um sabor delicioso de história à moda antiga, ganhou os Oscars de melhor roteiro original, ator – super merecido! –, direção e filme. O DISCURSO do Rei. Direção de Tom Hooper. Inglaterra: Paris filmes, 2010. 1 filme (118 min), sonoro, legenda, color. Elenco: Colin Firth, Helena Bonham Carter, Geoffrey Rush, Michael Gambon. Drama. SANTANA, A. L. O discurso do rei. Disponível em: <http://www. infoescola.com/cinema/o-discurso-do-rei/>. Acesso em: 30 jul. 2012. Como podemos observar durante a leitura, o autor da resenha afirma: “Não vou além, pois não quero estragar as surpresas que aguardam o público ao longo da história”. Usando a primeira pessoa do singular, ele deixa clara a sua opinião sobre o filme. Mais adiante continua: “Esta produção, que guarda em si um sabor delicioso de história à moda antiga, ganhou os Oscars de melhor roteiro original, ator – super merecido!”. São evidentes as marcas linguísticas de expressão pessoal. – 26 – Leitura e Escrita na Era Digital 1.1.2.2 Função conativa É centrada no receptor da mensagem, com a intenção de persuadi-lo, seduzi-lo. É uma comunicação imperativa, faz uso dos verbos no modo imperativo afirmativo ou negativo. Observe a imagem a seguir, de uma propaganda persuasiva para com- bate ao tabagismo. H A A P M ed ia L td /S eb as ti an F is so re E tEm gEntE quE diz quE isto não é droga!E tEm gEntE quE diz quE isto não é droga! Cigarro: faz mal até na propaganda.Cigarro: faz mal até na propaganda. AcetonaAcetona: removedor de esmaltes FormolFormol: conservante de cadáver AmôniaAmônia: desinfetantes para pisos, azulejos e privadas NaftalinaNaftalina: mata-baratas FósforoFósforo P4/P6P4/P6: componente de veneno para ratosTerebintinaTerebintina: diluidor de tinta a óleo Este é um exemplo muito forte da função conativa, uma vez que, após o autor dirigir-se ao receptor com a expressão “tem gente que diz [...]”, é apre- sentada uma série de provas que mostram os perigos do tabaco. Ao terminar, afirma, imperativamente, “cigarro faz mal”. 1.1.2.3 Função referencial É centrada no referente da mensagem, valoriza o objeto da mensa- gem. É uma comunicação objetiva, impessoal, com preferência pela frase declarativa. – 27 – Homem e linguagem A palavra “pinchar”, em castelhano tem os sentidos de “cutucar, espetar, ferir” (no lunfardo, também “morrer” e “fazer sexo”). Coromi- nas imagina que “pinchar” do castelhano tenha vindo de uma mistura de punchar (variante de punzar) com picar e que, pela diferença de sentido, nada tenha a ver com o “pinchar” português. No castelhano, a palavra aparece desde o século 15, mas pode remontar ao latim vul- gar, como vemos no italiano pinzare, [...] no francês pincer e no inglês to pinch (beliscar). VIARO, M. E. Palavras jogadas fora. Revista Língua Portuguesa, n. 77, p. 52-55, mar., 2012. São Paulo. Observou-se um exemplo de uma comunicacão centrada na mensa- gem, ou seja, o emissor quer explicar o sentido da palavra. 1.1.2.4 Função fática É centrada no contato, demonstra o desejo de abertura para a comu- nicação, que se dá com uso de frases breves, consagradas pelo uso. No texto escrito, costuma-se usar imagens, tamanho diferenciado das letras, cores para chamar atenção. Macabéa e Olímpico Ele — Pois é! Ela — Pois é o quê? Ele — Eu só disse, pois é! Ela — Mas, pois é o quê? Ele — Melhor mudarmos de assunto porque você não me entende. Ela — Entende o quê? Ele — Santa virgem Macabéa, vamos mudar de assunto e já! LISPECTOR, C. A hora da estrela. São Paulo: Rocco, 1998. p. 45. – 28 – Leitura e Escrita na Era Digital No diálogo do box de exemplo não há preocupação com a men- sagem, apenas os falantes estão mantendo uma abertura do canal de comunicação. 1.1.2.5 Função metalinguística É centrada no código, é tudo o que, em uma mensagem, serve para dar explicações ou tornar preciso o código utilizado pelo emissor no ato comuni- cativo. É uma comunicação explicativa, faz uso de sinônimos, definições. Exemplo: poemas que discutem como se faz poesia. Poética 1 O que é poesia? Uma ilha Cercada De palavras Por todos Os lados. 2 O que é poeta? Um homem Que trabalha o poema Com o suor do seu rosto. Um homem Que tem fome Como qualquer outro Homem. RICARDO, C. Jeremias sem-chorar. Rio de Janeiro: José Olympio, 1968. – 29 – Homem e linguagem A metalinguística ocorre em todas as áreas, por exemplo, quando um pintor pinta a si mesmo num quadro, o roteirista de um filme cria protago- nistas que querem produzir roteiros de filmes e assim por diante. 1.1.2.6 Função poética É centrada na elaboração da mensagem, usa formas inovadoras com combinações inusitadas, ofertadas pela própria língua. É uma comunicação artística com predomínio da conotação. Pode ser usada em todos os gêneros textuais, é a marca textual do gênero literário. Epitáfio para um banqueiro n e g ó c i o e g o ó c i o c i o o PAES, J. P. Melhores poemas. São Paulo: Global, 2003. A função poética está presente em qualquer texto no qual o autor preocupe-se com a elaboração estilística, como no caso do poema anterior. O poeta desmancha o negócio com a fragmentação da própria palavra que termina com o “o”, assemelhando-se, graficamente, a zero. É importante ressaltar que, na linguagem conativa presente no discurso publicitário, é intenso o uso da função poética para envolver ainda mais o receptor pela beleza textual. Conclusivamente, pode-se afirmar que, ao se reconhecer a estrutura lexical, argumentativa, discursiva e estilística do texto, juntamente com a intenção do autor, a recepção do texto será muito maior e melhor. Da teoria para a prática Muitos textos que circulam nas esferas sociais podem auxiliar o leitor na compreensão das variedades linguísticas. Tal questão costuma causar – 30 – Leitura e Escrita na Era Digital muita polêmica entre a sociedade e os meios de comunicação quando dis- cutida em escolas ou mesmo abordada nos livros didáticos, o que acaba gerando muitos debates. A professora Ângela Paiva Dionísio escreve a esse respeito um artigo intitulado “Língua padrão e variedades linguísticas: calos na vida do professor de português”, no qual analisa a fala da mídia e dos textos dos livros didáticos no trato da variedade linguística. O texto é interessante não apenas para conhecimento e aprimoramento docente, mas, também, para a sociedade de uma forma geral. Síntese No primeiro capítulo, fizemos uma introdução aos conceitos de lin- guagem, língua e fala. Foram verificadas as diferenças entre língua oral e escrita, as funções da linguagem e as variedades linguísticas. Estes são conhecimentos fundamentais para a compreensão dos estudos tex tuais, sua prática e produção. Portanto, as ideias aqui apresentadas, de uma forma ou de outra, permeiam não apenas o ensino da língua, mas também o seu uso. A linguagem classifica-se como um processo universal, considera-se tudo o que o homem faz para manter a comunicação ao longo de sua exis- tência. Assim, ele preocupa-se em criar e recriar meios de comunicação que sirvam de condutores de conhecimento que, ao possibilitar a transmis- são do pensamento, identifiquem a condição humana. A língua é um elemento cultural elaborado pelo homem, com um código específico a ser aprendido pelos membros da comunidade. A fala é a aplicação que cada sujeito faz com a língua para promover a comunicação. Daí nasce a marca de cada sujeito no seu meio: somos iguais, falamos a mesma língua, mas somos diferentes, pelo modo de empregá-la. As variedades linguísticas auxiliam na compreensão do que é erro e do que é diferença, possibilitando a aceitação social dessas diferenças cul- turais. As funções da linguagem orientam o reconhecimento de suas carac- terísticas, a intenção do emissor sobre o receptor da mensagem. Depen- dendo do que eu quero do meu interlocutor farei as escolhas sintáticas, morfológicas, lexicais e estilísticas da minha fala ou do meu texto. Capitulo 2.pdf 2 Leitura e escrita Neste capítulo, vamos identificar as relações que os atos de ler e escrever possuem. A leitura da qual trataremos é a aquela que tem como meta adquirir novos conhecimentos nas diversas áreas nas quais se busca aprimoramento. Podemos afirmar que é uma leitura diferente da leitura fruitiva de um poema, de um romance ou da leitura informativa de um periódico, para se saber os acontecimentos do dia ou da semana. – 32 – Leitura e Escrita na Era Digital Vamos abordar algumas estruturas textuais de grande utilização no meio acadêmico: o resumo, o esquema, a resenha e o fichamento. De modo geral, todos eles podem ser classificados como resumos, mas o objetivo de cada um pode torná-los diferentes. Enquanto o resumo procura destacar as ideias essenciais do texto, o esquema trabalha somente com as palavras-chave e a resenha é usada para apresentar e avaliar um determinado texto. Já o fichamento é um texto de controle pessoal das leituras realizadas para futuras pesquisas a respeito dos conceitos encontrados e produção de novos conhecimentos. 2.1 Como ler e escrever O processo de leitura é um dos mais importantes a ser desenvolvido com as pessoas e o seu ensino, bem como aprendizagem, exige um grande cuidado daqueles que trabalham com ele. Há vários tipos de leitura. Geraldi (1984) apresenta quatro tipos de motivação para esta competência, que são a busca de informações, o estudo de um determinado texto, um pretexto para fazer uma atividade indireta (ou seja, exercícios de acentuação, análise literária, resumo ou fichamento) e a leitura por fruição. Cada um dos tipos exige do leitor posturas diversas na condução da própria leitura. Tais posturas devem ser muito bem compre- endidas para que, ao final, o objetivo da leitura seja alcançado. Para isso, é necessário ter à disposição um acervo diverso de textos que contemplem as diferentes motivações. O desenvolvimento do leitor depende de cinco capacidades cognitivas que, segundo Bloom (apud FAULSTICH, 1987), independe da faixa etária de quem lê. 1. Compreensão: é a primeira leitura, quando se identifica o tema, a tese, busca-se o significado no dicionário para a palavra desconhe- cida, ou seja, é a decodificação do texto. 2. Análise: é quando se busca compreender as ideias contidas em cada segmento do texto, percebendo que o todo é composto de partes que se relacionam entre si: os parágrafos nos textos, os capí- tulos nos livros. – 33 – Leitura e escrita 3. Síntese: é quando somos capazes de reconstituir o todo decom- posto anteriormente atendo-nos às ideias essenciais, do ponto de vista do original, nem nos importando com a sequência oferecida pelo autor do texto. 4. Avaliação: é a capacidade de emitir um juízo de valor a respeito do que o autor veicula no texto. 5. Aplicação: é o momento mais importante do ato de ler, pois, se há compreensão, há assimilação e, portanto, as ideias, os concei- tos poderão ser aplicados em situações semelhantes, ou para criar novas ideias. Estas capacidades fazem com que o leitor, ao ler, examine cuidadosa- mente o real significado de cada palavra naquele contexto, encontre cada uma das partes constitutivas do texto, observe as diversas escolhas lexicais, estrutu- rais, argumentativas e estilísticas feitas pelo autor que tramou a teia do texto. Com essa caminhada, ao ler, já se está fazendo o esboço do que será escrito a respeito do texto. Pode-se dizer que, no momento da síntese, da identificação das ideias essenciais do autor, constrói-se o resumo, no momento da avaliação do que se leu, constrói-se a resenha e no momento da aplicação, quando se vai utilizar as ideias assimiladas por meio da leitura constrói-se o ensaio, o artigo, a palestra, etc. Deste modo, dependendo do objetivo que a leitura tem para o leitor, ele pode projetar a construção de um determinado gênero textual. Há, portanto, uma relação estreita entre leitura e produção, desde que se conheça a estrutura de cada um dos textos que se irá escrever. 2.2 Produção de texto como resultado de leitura 2.2.1 Resumo O resumo é um tipo de texto que consiste na redução fiel de outro texto, mantendo suas ideias principais sem repetir os comentários, julgamentos e – 34 – Leitura e Escrita na Era Digital exemplos. A característica principal do resumo é não permitir o acréscimo de novas ideias e avaliações a respeito do tema que está sendo lido. Logo, ao condensar um texto, o leitor deve se ater às questões essenciais, apresentá-las na mesma progressão em que aparecem no original e manter a correlação entre cada uma das partes. Segundo o Dicionário Escolar da Língua Portuguesa (BECHARA, 2008), há muitos sinônimos para a palavra “resumo”, tais como: compêndio, epí- tome, resenha, esquema, sinopse, sumário, síntese. Apesar da semelhança no quesito de condensamento, a estrutura de cada um é diferente. Os mais utilizados no meio acadêmico são o resumo, o esquema, a resenha e o fichamento, com intuito de assimilar informações e dominar um instrumental teórico-metodológico para realizar as práticas de trabalho intelectual, com o objetivo da produção de conhecimentos. Todos os qua- tro tipos de textos procuram sintetizar, para registrar de uma forma concisa, coerente e objetiva, o conhecimento adquirido pela leitura. Como, então, fazer um resumo? Inicia-se com a leitura atenta do texto, podendo-se usar como ajuda a técnica de sublinhar as ideias essenciais e a técnica de esquematizar as palavras-chave. Autores como Salomon (1999), Lakatos e Marconi (1991), entre outros, sugerem alguns procedimentos para a atividade de sublinhar. A técnica de sublinhar consiste em: 2 primeiramente, ler todo o texto; 2 a seguir, é necessário esclarecer dúvidas de vocabulário; 2 na sequência, reler o texto identificando as ideias principais e sublinhando-as; 2 por fim, ler o que foi sublinhado, verificando se há sentido e, então, reconstruir o texto, que se transformará no resumo, como veremos no box a seguir. Porém, antes disso, é importante ressaltar que, uti- lizando essa técnica, iremos construir um novo texto, e não efetuar a cópia de pedaços do texto original. O resumo é um texto com começo, meio e fim que transmite as ideias principais do texto lido. – 35 – Leitura e escrita Observe o exemplo de como sublinhar. Quatro funções básicas têm sido convencionalmente atri- buídas aos meios de comunicação de massa: informar, divertir, persuadir e ensinar. A primeira diz respeito à difusão de notí- cias, relatos, comentários etc. sobre a realidade, acompanhada, ou não de interpretações ou explicações. A segunda função atende à procura da distração, de evasão, de divertimento, por parte do público. Uma terceira função é persuadir o indivíduo – conven- cê-lo a adquirir certo produto, a votar em certo candidato, a se comportar de acordo com os desejos do anunciante. A quarta função – ensinar – é realizada de modo direto ou indireto, inten- cional ou não, por meio de material que contribui para a forma- ção do indivíduo ou para ampliar seu acervo de conhecimentos, planos, destrezas, etc. ANDRADE, M. M. de. Introdução à metodologia do trabalho científico: elaboração de trabalho na graduação. São Paulo: Atlas, 1997. p. 38. Após sublinhar, pode-se produzir o esquema que, além de resumir o texto com palavras-chave, possibilita conduzir uma palestra ou uma aula. É a espinha dorsal do texto. Se você é leitor, desconstrói o texto para encontrar esta espinha dorsal; se você é o autor, ela é o ponto de partida para produzi-lo. Quatro funções básicas dos meios de comunicação de massa: 1. Informar – transmite a realidade. 2. Divertir – diverte o público. 3. Persuadir – convence o receptor a se comportar conforme os desejos do locutor. 4. Ensinar – forma o indivíduo. – 36 – Leitura e Escrita na Era Digital Após sublinhar e produzir o esquema, é possível resumir o texto em formato discursivo, mantendo as ideias principais do autor, como vemos no modelo a seguir. As funções básicas dos meios de comunicação de massa são qua- tro. Informar, que fala sobre a propagação de notícias. Divertir, que diz respeito à diversão das pessoas. Persuadir, que comenta sobre o convencimento do interlocutor. Ensinar, que contribui para a forma- ção do indivíduo e amplia conhecimentos. De modo geral, costuma-se afirmar que um resumo deve se aproximar de um terço do texto original. 2.2.2 Resenha crítica De acordo com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT, 1990), a resenha crítica é o mesmo que o resumo crítico. Andrade (1997) define a resenha como [...] um tipo de resumo crítico mais abrangente, que permite comentários e opiniões; um tipo de trabalho mais completo que exige conhecimento do assunto, para estabelecer com- paração com outras obras na mesma área e maturidade intelectual para fazer avaliação e emitir juízos de valor (ANDRADE, 1997, p. 61-67). A resenha é um texto no qual leitor e autor têm objetivos que se aproxi- mam: um busca e o outro fornece uma opinião crítica sobre um livro, filme, peça teatral, enfim, todas as produções humanas. Portanto, o resenhista apresenta, descreve e avalia uma obra a partir de um ponto de vista que possui a respeito do assunto analisado, devendo ser amplo e consistente. Na apresentação, identifica a obra em seus aspec- tos de referência bibliográfica e sintetiza o assunto. Na descrição, faz o resumo das ideais essenciais da obra. Por fim, na avaliação, o resenhista destaca a contribuição do autor e da obra para produção de novos conhe- cimentos na área em questão, caso seja de cunho científico, e a qualidade – 37 – Leitura e escrita da escrita no que diz respeito à clareza na apresentação das ideias (ou a riqueza estilística, caso seja literária. Além disso, o resenhista pode con- frontar a obra resenhada com outras obras do mesmo tema para estabele- cer comparações. A estrutura da resenha, conforme sugerem Lakatos e Marconi (1991, p. 245-246), apresenta-se assim: 2 referências – autor(es); título da obra; edição; local; editora e data de publicação; número de páginas; preço; 2 credenciais do autor – informações gerais sobre o autor e sua qua- lificação acadêmica, profissional ou especialização; títulos e cargos exercidos; obras publicadas; 2 resumo da obra – resumo das ideias principais, descrição breve do conteúdo dos capítulos ou partes da obra. Pensar: de que trata a obra? O que diz? Qual sua característica principal? O autor apre- senta ou não conclusão? 2 crítica do resenhista – como se situa o autor da obra em rela- ção às escolas ou correntes científicas ou filosóficas e em relação ao contexto social, econômico, político, histórico, etc.? Quanto ao mérito da obra: qual a contribuição dada? As ideias são originais, criativas? As abordagens do conhecimento são ino- vadoras? Quanto ao estilo: é conciso, objetivo, claro, coerente, preciso? A linguagem é correta? Quanto à forma: é lógica, sis- tematizada? Utiliza recursos explicativos para elucidar o conte- údo? Quanto a quem se destina a obra: grande público, especia- listas, estudantes? Evidentemente que, na avaliação de alguma obra, talvez não seja possí- vel responder a todas essas questões. Elas servem como um roteiro para você construir o seu parágrafo de avaliação da resenha. Costuma-se dar um título à resenha, caso seja exigido. Também no pró- prio título pode vir uma expressão que já denote a avaliação e que tenha uma estreita relação com algum atributo mais destacado da obra, segundo o resenhista. – 38 – Leitura e Escrita na Era Digital Observemos os exemplos a seguir. Modelo de Resenha 1 [...] este é um conto que aborda um tema oculto da alma de todo ser humano: a crueldade. Machado de Assis cria um cenário onde o recém-formado médico Garcia conhece o espirituoso Fortunato, dono de uma misteriosa compaixão pelos doentes e feridos, apesar de ser muito frio, até mesmo com sua própria esposa. Através de uma linguagem bastante acessível, que não encon- tramos em muitas obras de Assis (*1), o texto mescla momentos de narração – que é feita em terceira pessoa – com momentos de diálo- gos diretos, que dão maior realidade à história. Uma característica marcante é a tensão permanente que ambienta cada episódio (*2). Desde as primeiras vezes em que Garcia vê Fortunato – na Santa Casa, no teatro e quando o segue na volta para casa, no mesmo dia – percebemos o ar de mistério que o envolve. Da mesma forma, quando ambos se conhecem devido ao caso do ferido que Fortunato ajuda, a simpatia que Garcia adquire é exa- tamente por causa de seu estranho comportamento, velando por dias um pobre coitado que sequer conhece. A história transcorre com Garcia e Fortunato tornando-se ami- gos, a apresentação de Maria Luiza, esposa de Fortunato e ainda com a abertura de uma casa de saúde em sociedade. O clímax então acontece quando Maria Luiza e Garcia flagram Fortunato torturando um pequeno rato, cortando-lhe pata por pata com uma tesoura e levando-lhe ao fogo, sem deixar que morresse. É assim que se percebe a causa secreta dos atos daquele homem: o sofri- mento alheio lhe é prazeroso. Isso ocorre ainda quando sua esposa morre por uma doença aguda e quando vê Garcia beijando o cadáver daquela que amava secretamente. Fortunato aprecia até mesmo seu próprio sofrimento. – 39 – Leitura e escrita É possível afirmar que este conto é um expoente máximo da téc- nica de Machado de Assis, deixando o leitor impressionado com um desfecho inesperado, mas que demonstra – de forma exponencial, é verdade – a natureza cruel do ser humano. É uma obra excelente para os que gostam dos textos de Assis, mas acham cansativa a linguagem rebuscada usada em alguns deles (*3). [...] GAZOLA, A. A. Resenha. Disponível em: <http://www.lendo.org/ wp-content/uploads/2007/06/a-causa-secreta-resenha.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2012. No exemplo, o autor da resenha colocou críticas em três momentos de sua análise (*1,*2 e *3, identificados em negrito). Ele não se estende na apresentação de Machado de Assis, com base na suposição de que o autor é conhecido por todos os leitores da resenha. Modelo de Resenha 2 Resenha de Maria Auxiliadora Versiani Cunha, citada por Eduardo Kenedy. *1 (Apresentação) BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978. Psicanalista, fundador da Escola Ortogência de Chicago, onde há mais de trinta anos lida com crianças perturbadas men- talmente, Bruno Bettelheim revela em “A psicanálise dos contos de fadas” os significados profundos das tramas e personagens das histórias infantis. Mostra como esses significados vão agir direta- mente sobre o inconsciente e pré-consciente da criança normal, levando-a pouco a pouco a resolver seus conflitos. – 40 – Leitura e Escrita na Era Digital *2 (Resumo da obra) Tais conflitos são universais, constituídos pelos dilemas eternos que o homem enfrenta ao longo de seu amadurecimento emocional: a conquista da independência em relação aos pais, a rivalidade fraterna, a construção da identidade e da afirmação e a relação heterossexual adulta. A dicotomização dos personagens em bons e maus, em boni- tos e feios, facilita à criança a apreensão desses traços. Ela é levada a se identificar com o herói bom; não por sua bondade, mas por ser ele a própria personificação de sua problemática infantil. Inspirada pelo herói, a criança vai ser conduzida a resolver sua própria situação, sobrepondo-se ao medo que a inibe e enfrentando os perigos e ameaças até alcançar o equilíbrio adulto. Assim, o efeito terapêutico dos contos de fadas está em provocar a mobilização das ansiedades básicas da criança, tais como o medo de abandono, o de crescer, o de se lançar sozinha no mundo etc., para depois conduzi-la à resolução dessas mesmas ansiedades. Bettelheim faz cuidadosa sele- ção de contos clássicos, tratando-os na ordem aproximada do apare- cimento na criança dos conflitos neles implícitos. Dessa maneira, a luta do princípio de realidade contra o princípio de prazer é vista em “Os três porquinhos”. O problema da rivalidade entre irmãos, em “Cinderela”. O medo de ser abandonado, em “João e Maria”. A resolução do complexo de Édipo, em “Branca de Neve”, em “a Bela e a Fera” e em “João e o pé de feijão”. Tais conflitos, afirma o autor, concernem unicamente o mundo interno (ou psicológico) da criança. Não obstante, é apresentado ao leitor como, ao ajudar uma criança a resolver esses problemas, os con- tos reforçam sua personalidade, proporcionando maior capacidade de adaptação ao mundo exterior. Enquanto as histórias da moderna literatura infantil procu- ram pintar a vida, ou “cor-de-rosa”, ou exageradamente “tecnológica”, Bettelheim demonstra como a mensagem dos contos de fadas é radi- calmente outra, ensinando que, na vida real, é inevitável estar sempre preparado para enfrentar dificuldades graves. Portanto, a criança é levada a encontrar no conto a coragem e o otimismo necessários a – 41 – Leitura e escrita atravessar e a vencer as numerosas crises de crescimento. A criança chega à compreensão de que as histórias, embora irreais, não são falsas: ocorrem não no plano do real, mas no plano das experiências inter- nas de desenvolvimento pessoal. O autor ressalta que a finalidade dos contos é de não deixar dúvidas quanto à necessidade de se suportar a dor e de se correr riscos para se adquirir a própria identidade. Os contos sugerem que, apesar de todas as ansiedades que acom- panham tal processo, a criança pode ficar esperançosa quanto a um final feliz. *3 (Avaliação) O grande interesse, a maior importância e a profunda origina- lidade do tema são enriquecidos pela análise detalhada e sistemática que Bettelheim faz do material dos contos, revelando segura compre- ensão psicanalítica e clareza didática de suas conclusões. A psicanálise dos contos de fadas é um excelente trabalho sobre a mente humana e as intrincações de seu desenvolvimento. Nos Estados Unidos, Bruno Bettelheim é lido por leigos e por espe- cialistas e sua obra conta com ampla divulgação entre os estudiosos do comportamento humano. No Brasil, não só os profissionais, como tam- bém pais e educadores podem ficar satisfeitos por terem acesso a este trabalho que virá, sem dúvida, constituir um marco no acervo de obras que esclarecem a todos os que têm a difícil tarefa de orientar a infância. Atualmente, quando tanto se fala em reformulação e renova- ção da literatura infantojuvenil, o livro de Bruno Bettelheim se faz indispensável no estabelecimento de um critério de avaliação do que seja realmente literatura infantojuvenil, não mero e malsão aprovei- tamento de uma “onda”. *4 (Credenciais do autor da resenha) Maria Auxiliadora Versiani Cunha. Psicóloga clínica no Rio de Janeiro. Autora do livro Didática fundamentada na teoria de Piaget (Rio de Janeiro, Forense-Universitária, 1976). KENEDY, E. Resumo e resenha. Disponível em: <http://xa.yimg.com/ kq/groups/24179228/1848767481/name/Resumo+e+resenha.pdf>. Acesso em: 31 jul. 2012. – 42 – Leitura e Escrita na Era Digital Nessa resenha, a autora, no item 1, apresentou o autor e a obra. No item 2, a descreveu resumidamente; no item 3, a avaliou e, no item 4, forneceu as credenciais. 2.2.3 Fichamento O fichamento é o ato de registrar os estudos de um livro e/ou um texto. O trabalho de fichamento possibilita ao estudante, além da facilidade na exe- cução dos trabalhos acadêmicos, a assimilação do conhecimento. De acordo com diversos autores, o fichamento deve apresentar a seguinte estrutura: cabeçalho indicando o assunto, a referência completa da obra, isto é, a auto- ria, o título, o local de publicação, a editora e o ano da publicação. Existem três tipos básicos de fichamento: o fichamento bibliográfico, o fichamento temático e o fichamento textual. O fichamento bibliográfico, como o próprio nome esclarece, caracte- riza-se como o resumo, resenha ou comentário no qual o autor registra a ideia tratada no livro. É fundamental a referência completa da obra. Usa-se, também, para coletânea de artigos ou capítulos de livros, preferencialmente agrupando-se por área. ANDRADE, M. M. de.; MEDEIROS, J. B. Comunicação em língua portuguesa: para os cursos de jornalismo, propaganda e letras. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2000. Esta obra tem como preocupação geral apresentar a estrutura da língua portuguesa e oferecer noções de produção textual, especial- mente voltados para os cursos superiores de jornalismo, publicidade e propaganda e letras. O fichamento temático tem como meta transcrever trechos lite- rais da obra lida, podendo acrescentar algumas considerações do leitor. Preferencialmente, deve-se colocar o título e subtítulos conforme a obra original. As citações literais devem vir entre aspas e o número da página entre parênteses. – 43 – Leitura e escrita Educação da mulher: a perpetuação da injustiça (p. 30-132). Segundo capítulo. TELES, M. A. de A. Breve história do feminismo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1993. 1. “uma das primeiras feministas do Brasil, Nísia Floresta Augusta defendeu a abolição da escravatura, ao lado de propostas como a educação e a emancipação da mulher e a instauração da Repú- blica.” (p. 30). 2. “na justiça brasileira, é comum os assassinos de mulheres serem absolvidos sob a defesa de honra.” (p. 132). 3. “a mulher buscou com todas as forças sua conquista no mundo totalmente masculino.” (p. 43). O fichamento textual capta a estrutura do texto, percorrendo a sequên- -cia do pensamento do autor e destacando: ideias principais e secundárias; argumentos, justificações, exemplos, fatos, etc., ligados às ideias princi- pais. Traz, de forma racionalmente visualizável – em itens e, de preferên- cia, incluindo esquemas, diagramas ou quadro sinóptico –, uma espécie de “radiografia” do texto. A seguir, apresentamos uma ficha de leitura que tra- balha os conceitos de signo e imagem, para exemplificação, retirada da obra Como se faz uma tese, de Umberto Eco (2002), na qual você encontrará exem- plos dos tipos de fichamento que estamos verificando. Ficha de leitura T. Simb MARITAIN, Jacques. Revue Thomiste, abril 1938, p. 299. Na expectativa de uma pesquisa profunda sobre o tema (da Idade Média até hoje), propõe-se chegar a uma teoria filosófica do signo e a reflexões sobre o signo mágico. – 44 – Leitura e Escrita na Era Digital [insuportável como sempre: modernizar sem fazer filologia; não se refere, por exemplo, a São Tomás, mas a João de São Tomás!]. Desenvolve a teoria deste último (ver minha ficha): “Signum est id quod repraesentat aliud a se potentiae cognoscenti”. (Lóg II, p. 21, I). Mas o signo não é sempre imagem e vice-versa (o filho é a ima- gem e não signo do Pai, o grito é o signo e não imagem da dor). Diz então Maritain que o símbolo é um signo-imagem: “quelque chose de sensible signifiant un objet em raison d`une rélation presupposée d´analogie” (303). Isto me deu a ideia de consultar ST. De ver. VIII, 5. ECO, U. Como se faz uma tese. São Paulo: Perspectiva, 2002. Grifos do autor. Portanto, a leitura consciente seletiva e informativa é fundamental para a pesquisa e produção textual. Como o universo acadêmico trabalha com o registro, é preciso aliar a leitura e a escrita. É importante ressaltar que a con- dição de produzir resumos deve ocorrer desde muito cedo na vida do estu- dante, tal o seu papel de destaque para incorporar os conceitos estudados. Da teoria para a prática Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), os alunos devem ler autonomamente diferentes textos dos diversos gêneros, desde os anos iniciais, sabendo identificar aqueles que respondem às suas necessida- des imediatas, e selecionar estratégias adequadas para abordá-los (BRASIL, 1997). É importante, ainda, compreender o sentido nas mensagens orais e escritas de que é destinatário direto ou indireto, desenvolvendo sensibilidade para reconhecer a intencionalidade implícita, especialmente nas mensagens veiculadas pelos meios de comunicação. Esses objetivos atingidos resultarão no desenvolvimento das capacida- des leitoras dos alunos, que são avaliadas nos diferentes sistemas de avaliação – 45 – Leitura e escrita do ensino fundamental, como Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), Prova Brasil, Provinha Brasil e, também, no ensino superior, com o Exame Nacional de Educação Superior (Enade). A seguir, são apresentadas algumas questões destes exames para que se possa entender melhor o novo formato de avaliação pela leitura e compreensão dos gêneros. 1. Prova Enade de Administração – 2009 Questão 4 Leia o trecho: O movimento antiglobalização apresenta-se, na virada deste novo milênio, como uma das principais novidades na arena política e no cenário da sociedade civil, dada a sua forma de articulação/atua- ção em redes com extensão global. Ele tem elaborado uma nova gra- mática no repertório das demandas e dos conflitos sociais, trazendo novamente as lutas sociais para o palco da cena pública, e a política para a dimensão, tanto na forma de operar, nas ruas, como no con- teúdo do debate que trouxe à tona: o modo de vida capitalista oci- dental moderno e seus efeitos destrutivos sobre a natureza (humana, animal e vegetal) (GOHN, 2003). É incorreto afirmar que o movimento antiglobalização referido nesse trecho a) cria uma rede de resistência, expressa em atos de desobe- diência civil e propostas alternativas à forma atual da glo- balização, considerada como o principal fator da exclusão social existente. b) defende um outro tipo de globalização, baseado na solida- riedade e no respeito às culturas, voltado para um novo tipo de modelo civilizatório, com desenvolvimento econômico, mas também com justiça e igualdade social. c) é composto por atores sociais tradicionais, veteranos nas lutas políticas, acostumados com o repertório de protes- tos políticos, envolvendo, especialmente, os trabalhado- res sindicalizados e suas respectivas centrais sindicais. – 46 – Leitura e Escrita na Era Digital d) recusa as imposições de um mercado global, uno, voraz, além de contestar os valores impulsionadores da sociedade capitalista, alicerçada no lucro e no consumo de mercado- rias supérfluas. e) utiliza-se de mídias, tradicionais e novas, de modo relevante para suas ações com o propósito de dar visibilidade e legi- timidade mundiais ao divulgar a variedade de movimentos de sua agenda. ENADE 2009 – prova de Administração. Disponível em: <http:// public.inep.gov.br/enade2009/ADMINISTRACAO.pdf>. Acesso em: 24 out. 2012. 2. Prova Enade de Letras – 2011 Questão 3 – formação geral A cibercultura pode ser vista como herdeira legítima embora dis- tante do projeto progressista dos filósofos do século XVII. De fato, ela valoriza a participação das em comunidades de debate e argumenta- ção. Na linha reta das morais da igualdade, ela incentiva uma forma de reciprocidade essencial nas relações humanas. Desenvolveu-se a partir de uma prática assídua de trocas de informações e conhecimen- tos, coisa que os filósofos do Iluminismo viam como principal motor do progresso. (...) A cibercultura não seria pós-moderna, mas estaria inserida perfeitamente na continuidade dos ideais revolucionários e republicanos de liberdade, igualdade e fraternidade. A diferença é apenas que, na cibercultura, esses “valores” se encarnam em disposi- tivos técnicos concretos. Na era das mídias eletrônicas, a igualdade se concretiza na possibilidade de cada um transmitir a todos; a liber- dade toma forma nos softwares de codificação e no acesso a múltiplas – 47 – Leitura e escrita comunidades virtuais, atravessando fronteiras, enquanto a fraterni- dade finalmente, se traduzem interconexão mundial. LEVY, P. Revolução virtual. Folha de S. Paulo. Caderno Mais, 16 ago. 1998, p. 3 (adaptado). O desenvolvimento de redes de relacionamento por meio de computadores e a expansão da Internet abriram novas perspectivas para a cultura, a comunicação e a educação. De acordo com as ideias do texto acima, a cibercultura: a) representa uma modalidade de cultura pós-moderna de liberdade de comunicação e ação. b) constituiu negação dos valores progressistas defendidos pelos filósofos do Iluminismo. c) banalizou a ciência ao disseminar o conhecimento nas redes sociais. d) valorizou o isolamento dos indivíduos pela produção de softwares de codificação. e) incorpora valores do Iluminismo ao favorecer o compar- tilhamento de informações e conhecimentos. ENADE 2011 – prova de Letras. Disponível em: <http://download.uol. com.br/educacao/Enade2011/ENADE_2011_PROVA1_LETRAS.pdf>. Acesso em: 24 out. 2012. Questão 20 – específica De ordinário, quando se diz que certo termo deve concordar com outro, tem-se em vista a forma gramatical do termo de refe- rência. Dúzia, povo, embora exprimam pluralidade e multidão de seres, consideram-se, por causa da forma, como nomes no singular. Há, contudo, condições em que se despreza o critério da forma e, – 48 – Leitura e Escrita na Era Digital atendendo apenas à ideia representada pela palavra, se faz a concor- dância com aquilo que se tem em mente. Consiste a sínese em fazer a concordância de uma palavra não diretamente com outra palavra, mas com a ideia que esta última sugere. SAID ALI, M. Gramática histórica da língua portuguesa. 7. ed. Rio de Janeiro: Melhoramentos, 1971 (com adaptações). A definição extraída de Said Ali, reproduzida acima, apresenta uma figura de sintaxe, a sínese, identificada, na maioria das vezes, em variantes mais populares da língua. Assinale a opção que apresenta um exemplo desse tipo de fenô- meno sintático. a) A maioria dos porcos ainda estava sendo recolhidos naquela hora. b) Ao pobre homem mesquinho, basta-lhe um burrico e uma cangalha. c) Chegaram o pai, a irmã e o cunhado com uma pressa que assustava. d) Pretendia implantar um monopólio de café e tabaco na região. e) No fundo, a multidão se consolava. Para isso, pensavam em nós mesmos. 3. Prova Enade de Pedagogia – 2011 Questão 2 – Formação geral Exclusão digital é um conceito que diz respeito às extensas camadas sociais que ficaram à margem do fenômeno da sociedade da informação e da extensão das redes digitais. O problema da exclusão digital se apresenta como um dos maiores desafios dos dias de hoje, – 49 – Leitura e escrita com implicações diretas e indiretas sobre os mais variados aspectos da sociedade contemporânea. Nessa nova sociedade, o conhecimento é essencial para aumen- tar a produtividade e a competição global. É fundamental para a invenção, para a inovação e para a geração de riqueza. As tecnologias de informação e comunicação (TICs) proveem uma fundação para a construção e aplicação do conhecimento nos setores públicos e priva- dos. É nesse contexto que se aplica o termo exclusão digital, referente à falta de acesso às vantagens e aos benefícios trazidos por essas novas tecnologias, por motivos sociais, econômicos, políticos ou culturais. Considerando as ideias do texto, avalie as afirmações a seguir: I. Um mapeamento da exclusão digital no Brasil permite aos gestores de políticas públicas escolher o público alvo de pos- síveis ações de inclusão digital. II. O uso das TICs pode cumprir um papel social, ao prover informações àqueles que tiveram esse direito negado ou negligenciado e, portanto, permitir maiores graus de mobi- lidade social e econômica. III. O direito à informação diferencia-se dos direitos sociais, uma vez que estes estão focados nas relações entre os indivíduos e, aquele, na relação entre o indivíduo e o conhecimento. IV. O maior problema de acesso digital no Brasil está na defi- citária tecnologia existente em território nacional, muito aquém da disponível na maior parte dos países do pri- meiro mundo. É correto apenas o que se afirma em: a) I e II b) II e IV c) III e IV d) I, II e III e) I, III e IV – 50 – Leitura e Escrita na Era Digital Com esses exemplos, fica evidente a necessidade do ensino para o entendimento da estrutura formal e, ainda, dos objetivos de cada um dos diferentes gêneros. Síntese Neste capítulo, discutimos a relação dos procedimentos de leitura e escrita. Chegamos à conclusão de que as duas são interdependentes, ou seja, uma boa leitura necessita de boas anotações escritas para auxiliar no domí- nio do conhecimento que se busca. Foram trabalhados quatro tipos de estruturas textuais de grande utili- zação no meio acadêmico: o resumo, o esquema, a resenha e o fichamento. De modo geral, todos podem ser classificados como resumos, cada um pos- suindo seus próprios objetivos. Enquanto o resumo tem como meta desta- car todas as ideias essenciais do texto, o esquema destaca somente as pala- vras-chave e a resenha é usada para apresentar e avaliar um determinado texto. Já o fichamento é um texto de controle pessoal das leituras realizadas para futuras pesquisas a respeito dos conceitos encontrados e para produção de novos conhecimentos. Em determinados momentos, é possível produzir um fichamento com- pleto, no qual o leitor fará um resumo das ideias essenciais, colocará algu- mas citações diretas e, ainda, deverá fazer uma análise pessoal dos conteúdos estudados, no estilo de resenha. Capitulo 3.pdf 3 Construção do texto Neste capítulo, vamos desvendar os mistérios da cons- trução do texto. Como vimos no capítulo 1, tudo começa com a escolha da palavra certa para o contexto certo. Constrói-se, então, os parágrafos que, uns após os outros, bem costurados pelos ele- mentos coesivos, tecem esta teia de significados que queremos transmitir no diálogo com o leitor, que se chama texto. – 52 – Leitura e Escrita na Era Digital Para produzir um bom parágrafo, temos que conhecer a sua estrutura, compreender a noção de introdução, desenvolvimento e conclusão. Além disso, é bom diversificar a produção dos parágrafos, utilizando várias estraté- gias para desenvolvimento do texto. 3.1 Conceito de parágrafo O parágrafo é uma unidade que transmite uma ideia e tem como inten- ção atingir um objetivo. São consideradas qualidades suas a unidade, a coe- rência e a ênfase. Othon M. Garcia define o parágrafo padrão como “uma unidade de composição constituída por um ou mais de um período, em que se desenvolve determinada ideia central, ou nuclear, a que se agregam outras, secundárias, intimamente relacionadas pelo sentido e logicamente decor- rentes dela” (GARCIA, 2010, p. 203). A unidade está relacionada com a questão de apresentar apenas uma ideia central em torno da qual gravitam as ideias secundárias. A coerência consiste na transposição de um parágrafo para outro, na ordenação das ideias de maneira lógica. A ênfase tem como característica a escolha das palavras adequadas, o tamanho dos períodos e a combinação de todos os elementos para que se consiga produzir um texto fluido, com beleza e força. Para Garcia, o parágrafo-padrão é composto por três partes, a introdução, com um ou dois períodos curtos iniciais na qual se apre- senta de forma sucinta a ideia-núcleo, também chamada de tópico fra- sal; o desenvolvimento, no qual se faz a explicação, ou argumentação da ideia-núcleo e a conclusão, que fecha o parágrafo ou remete ao pró- ximo para acrescentar novas ideias. Deste modo, cada unidade tem a mesma estrutura do texto. Ou seja, “o princípio que orienta a formação de um parágrafo é o mesmo que orienta um texto com vários parágra- fos: há sempre necessidade de introdução, desenvolvimento e conclusão” (MEDEIROS, 1988, p. 145). Um procedimento que auxilia a conduzir bem a produção textual é estabelecer o objetivo de cada parágrafo. Para tal, deve-se perguntar qual é a finalidade do texto, aonde se quer chegar e a quem se escreve. – 53 – Construção do texto O tópico frasal orienta o desenvolvimento do parágrafo de introdução e faz com que o autor mantenha-se coerente e não fuja do objetivo estabelecido. O parágrafo pode variar muito de texto para texto, segundo as intenções do autor. Os manuais de redação de jornais costumam recomendar tamanho limite para os parágrafos. Contudo, de maneira alguma ele deve representar uma “camisa de força” para a produção do texto. Na verdade, é na divisão do assunto que se afigura o tamanho do pará- grafo, se há muito ou pouco a dizer em torno da ideia nele desenvolvida. Depende, também, do gênero produzido, se é uma narração, cujo núcleo é um incidente; uma descrição, que apresenta fragmentos de paisagem, pes- soas, ou ambiente em um determinado instante; ou uma dissertação, que apresenta e discute ideias. Segundo Geraldi (2003, p. 137), para produzir um texto é necessário ter em mente algumas posturas, ou seja: a) o que dizer; b) uma razão para dizer o que se tem a dizer; c) para quem dizer o que se tem a dizer; d) o locutor que se constitua como tal, enquanto sujeito que diz o que diz para quem diz; e) escolha de estratégias para realizar. É apenas nesta circunstância, de efetiva interação, que o autor pode se tornar um sujeito do que expressa. 3.2 Formas de desenvolvimento do parágrafo Há inúmeras formas de se iniciar e, em seguida, desenvolver os parágra- fos. O parágrafo intitulado de tópico frasal deve apenas apontar a questão a ser desenvolvida, logo, deve ser sintética para que, nos parágrafos seguintes, seja possível discutir amplamente o tema a ser trabalhado. Um parágrafo deve retomar o outro e acrescentar uma nova ideia, ou reapresentá-la com novas colocações, o que os torna interdependentes. Já o parágrafo final deve retomar o inicial, apresentando soluções e reafirmando a sua linha de discussão. – 54 – Leitura e Escrita na Era Digital O modelo de parágrafo convincente, proposto por Stefhen Toulmin (2006), na obra Os usos do argumento, é aquele que apresenta três elementos essenciais, a saber: a afirmação, a informação e a garantia. É possível usar estes elementos de várias maneiras na construção do parágrafo. No entanto, a afirmação apresenta a ideia principal, a informação contém os dados que suportam a afirmação e a garantia é a ligação entre os dois elementos ante- riores, reforçando a importância da informação para defender a afirmação. No parágrafo a seguir encontram-se os três elementos: “Totó certamente pensa que estamos loucos porque paramos o carro em pleno campo. Corre e late agitadamente como se perguntasse se há algo de errado” (SERAFINI, 1991, p. 57). Identificamos a afirmação na frase: “Totó certamente pensa que esta- mos loucos”; para ser compreendida, ela precisa da informação: “corre e late agitadamente”, que será reforçada pela garantia: “como se perguntasse se há algo errado”. Neste outro exemplo podemos perceber que a garantia não está explí- cita como no primeiro, mas é facilmente subentendida pelo leitor. “Artur está nervoso: sua e ri sem parar” (SERAFINI, 1991, p. 57). 2 Afirmação: “Artur está nervoso.” 2 Informação: “sua e ri sem parar.” 2 Garantia: subentende-se que estas são características que expressam seu nervosismo. Possuindo consciência destes elementos podemos, então, usar as várias formas de desenvolvimento de um parágrafo. Entre elas, destacam-se as seguintes: por tempo e espaço; enumeração de pormenores ou fatos; contraste de ideias; razões, causas e consequências; explicitação; analogias, comparação e metáforas; resposta a uma interrogação; citações diretas ou indiretas. – 55 – Construção do texto Leia o texto a seguir para identificar os diferentes tipos de desenvolvi- mento de parágrafos. Homo connectus Uma charge em recente número da revista The New Yorker mos- trava uma animada mulher, ao telefone, convidando os amigos para uma festinha em sua casa. “Vai ser daquelas reuniões com todo mundo olhando para seu iPhone”, ela diz. O leitor captou? A leitora achou graça? Cartunistas são mais rápidos do que antropólogos e mais diretos do que romancistas. Captam o fenômeno quase no momento mesmo em que vem à luz. O fenômeno em questão é o poder magnético dos iPhones, BlackBerries e similares. O ato de compra desses aparelhinhos é um contrato que vincula mais que casamento. As pessoas se obrigam a partilhar a vida com eles. Na charge da New Yorker, a mulher estava convidando para uma festa em que, ela sabia – e até se entusiasmava com isso –, as pessoas ficariam olhando para seus iPhones ainda mais do que umas para as outras. É assim, desde a sensacional erupção dos tais aparelhinhos, e não só nas ocasiões sociais. Até nas sessões do Supremo O mesmo ocorre nas reuniões de trabalho. Chegam os partici- pantes e cada um já vai depositando à mesa o respectivo smartphone (o nome do gênero a que pertencem as espécies). Dali para frente será um olho lá e outro cá, um na reunião e outro na telinha. Não dá para desgarrar dela. De repente pode chegar uma mensagem, aparecer uma notícia importante, surgir a necessidade de uma consulta no Google. O que vale para reuniões sociais e de trabalho vale também para as sessões do Supremo Tribunal Federal. Quem assistiu pela TV Justiça, na semana passada, ao início do julgamento das competências do Conselho Nacional de Justiça, assistiu a uma cena exemplar. – 56 – Leitura e Escrita na Era Digital Falava o representante da Associação dos Magistrados Bra- sileiros. A TV Justiça, com seu apego pela câmera parada, modelo Jean-Luc Godard, enquadrava o orador e, atrás dele, quatro cadeiras da primeira fila da assistência. Três delas estavam ocupadas, a primeira por uma moça que, coi- tada, não conseguia se livrar de um ataque de espirros, e as outras duas por cavalheiros cujo tormento, igualmente compulsivo, era não conseguir se livrar dos smartphones. (Se o leitor ainda não se deu conta, o melhor, na TV Justiça ou na TV Câmara, é observar o que se passa ao fundo.) Os dois cavalheiros apresentavam reações características do Homo connectus. Um olho lá, outro cá. De vez em quando, um deles guardava o telefoninho no bolso. Será que agora vai sossegar? Não; minutos depois, sacava-o de novo. E se chega uma mensagem? Uma notícia? Às vezes o smartphone exigia mais que um simples olhar. Reque- ria o afago dos dedos, naquele gesto que antes servia para espanar uma sujeirinha na roupa, e hoje é o modo de conversar com a telinha. Quando o representante da Associação dos Magistrados termi- nou o discurso, veio ocupar a cadeira que estava vazia. Agora era sua vez! Sacou o smartphone e, olho lá e olho cá, ele o põe no bolso, tira, olha, consulta de novo, enquanto o orador seguinte se apresentava. Silenciosos, os smartphones são socialmente
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