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Copyright© 2020 Jéss Alves Está é uma obra de ficção. Nomes, personagens, cenários, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação do autor. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência. Qualquer outra obra semelhante, após essa, será considerada plágio: como previsto na lei. Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa. Todos os direitos reservados. É proibido o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios-tangível ou intangível- sem o consentimento escrito do autor. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº.9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal. Revisão: Julia F. Trindade. Designer: Ellen Scofield. Conheça o trabalho da revisora: @juentrepaginas. Conheça o trabalho da capista: @esdesigner9. O ADVOGADO DO DIABO A morte não separa os que se amam. – Chico Xavier. O ADVOGADO DO DIABO 01 “Menina encontrada morta há duas semanas, próxima da chácara do Empresário Sérgio Diniz tem laudo revelado. Cristiane Almeida de Carvalho de apenas dezoito anos foi estuprada e morta asfixiada, apresentando lesões brutais no corpo. Foi encontrado sêmen na parte íntima da vítima, onde uma garrafa estava introduzida…” Desliguei a televisão. Respirei fundo, meneando a cabeça. Mantenho a calma e penso no meu cliente que está aflito, olhando-me com medo e receio. Preparo um drink, acho que um uísque forte vai me ajudar a engolir essa história. O caso está nas mãos do Departamento de Homicídio que já encontrou o grande suspeito por exames de DNA... Sérgio Diniz! O proprietário de uma das grandes varejistas do País, é culpado pela morte de uma jovem de dezoito anos. Ela foi estuprada e assassinada a sangue-frio. — Diga-me qual é o seu preço? — O homem indagou aflito. Ele viajou até São Paulo só para contratar o meu serviço. Bebi meu uísque de uma única vez, sinto o líquido queimar a minha garganta. Não será fácil ganhar, eu sabia que esse caso me causaria muita dor de cabeça. Os exames de DNA já compravam o culpado, terei muito trabalho para inocentar esse homem. Nos últimos anos já trabalhei para clientes acusados de estupro, casos que foram ganhos porque não houve exames de DNA, por exemplo. Era apenas uma única prova sustentando a condenação, os relatos das vítimas que geralmente queriam se vingar dos empresários e políticos que as dispensavam como um simples objeto que não valia nada. Algumas “vítimas” calavam a boca com um belo e generoso suborno, eu só precisava usar meu charme, inteligência e conhecimento para persuadi-las a desistir do processo. Muitos políticos lutam para manter a imagem, usando os advogados para limpar seus rastros. Os podres dificilmente são expostos pela mídia, graças a nós. Notícias de discussões entre partidos ou sobre os erros do novo governo são adiáforos perto do político que mandou matar a sua amante, ou do mafioso que está sendo acusado de tráfico humano. A cada dia recebo propostas que surpreendem até mesmo o próprio Diabo, se ele realmente existir. São crimes, atos e ações tão cruéis que desafiam qualquer lógica ou ficção. Todos os dias recebo um psicopata no meu escritório, que me faz desacreditar em qualquer bondade ou fé. Sérgio Diniz é a prova que compaixão e remorso não existem, quando olho para o homem sentado em minha poltrona de visita, não vejo arrependimento de ter matado e estuprado uma jovem, apenas o medo da condenação. É por esse motivo que ele está aqui, não é porque está arrependido por um ato desumano e cruel, ele só não quer perder a sua liberdade. Eles nunca se arrependem. Nunca! — Você está disposto a pagar meu preço? O homem riu, mostrando vários dentes de ouro. — Bruno Alcântara, sou milionário… — Ótimo, quero dez milhões. Sérgio arregalou os olhos. — Você ficou louco! Ergui os ombros, eu não vou discordar. Dizem que sou amigo do próprio Diabo, só posso ser louco. — Esse é o total do meu honorário. — Digo, caminhando até minha cadeira e sento-me. — É um absurdo. O homem ficou vermelho, passando a mão sem parar no cabelo repleto de gel fixador. Mantenho a minha calma. É a minha serenidade e paciência que me torna implacável, reconheço o grau elevadíssimo de cada processo, desempenhando o meu papel com total responsabilidade e eficiência. Esperei, prevendo a sua resposta. O homem amaldiçoou o destino, xingando até um Deus que não existe. Posso ser considerado o Advogado do Diabo, mas não acredito que exista um inferno que é governado por um ser com chifres e um tridente afiado, principalmente um céu governado por um Deus que conduz nosso caminho, para mim são como historinhas para dormir. Uma grande bobagem… — Certo, quais são as minhas chances de ser inocentado? Eu sorri, sabendo exatamente como inocentar Sérgio Diniz. É um caminho complicado, mas não é impossível de alcançar. — Você será absorvido, apenas confie no meu trabalho. — Falei com convicção. O homem assentiu. Eu vou defender os direitos do meu cliente, não pretendo pensar no crime ou nos delitos que cometeu. Nunca penso nas vítimas, elas não me importam, apenas a pessoa que contratou o meu serviço. Sérgio Diniz deixou meu escritório com um sorriso presunçoso no rosto, depois de ouvir minha estratégia de defesa. Liguei a televisão novamente, captando cada informação dos noticiários. Cristiane Almeida era uma típica garota rebelde que já fugiu de casa, que tinha passagens em instituições para menores infratores. Amanhã vou ter uma reunião com Sérgio Diniz, e com alguns representantes que pretendem testemunhar ao seu favor. Por e-mail passo todas as informações para os meus assistentes, eles começam as suas investigações hoje. Quero tudo relacionado a Cristiane Almeida em minha mesa quanto antes, eu quero nome de cada familiar, amigos, tudo sobre a escolaridade da garota e principalmente os erros e podres da “adolescente”. — Senhor Alcântara; — Minha Secretária pessoal entrou no meu escritório. — Você tem uma visita. — Minha visita tem horário… — Meu amigo, eu sempre vou ter um horário na sua agenda corrida; — Thomas entrou, carregando um pequeno fichário. Meu velho amigo, que esteve presente nos piores momentos da minha vida e mesmo com minha indiferença, amargura e grosseria não se afastou. — Seu filho de uma puta, é bom revê-lo. Estendo a mão para um cumprimento formal, minha secretária pessoal rapidamente deixou meu escritório quando notou nossa interação “amigável”. — Thomas, há quanto tempo? — Acho que são apenas seis meses; — ele riu. — A última vez que o vi, você estava bebaço, vomitando até às tripas na despedida de solteiro do Ruan. — E o Ruan? — Perguntei. Ruan, Thomas e Carlos, eram meus melhores amigos quando eu era um moleque cheio de sonhos na faculdade. Thomas sentou-se na poltrona à minha direita, apoiando as mãos em cima do fichário. — Viajando com a Esposa, estão na Grécia. Aproveitando a vida de casados. Ótimo, pelo menos um de nós se deu bem. Thomas é divorciado, com apenas 36 anos já tem três divórcios nas bagagens. Ruan é recém-casado com a Olívia, ela era uma conhecida próxima do nosso grupo que acabou conquistando o garanhão e também herdeiro de um império agropecuário, Ruan Handley. Carlos é um cara sem responsabilidades, que gosta de curtir as acompanhantes de luxo. E quando tenho um tempo livre aproveitamos algumas baladas e bares da cidade. — E você, Bruno? Como tem passado? Ainda pensa na Sofía? Meu corpo enrijeceu com as perguntas desnecessárias. Eu ainda pensava na Sofía, porque simplesmente a odiava. Sofía não era uma amante, não era uma mulher qualquer. Na verdade, ela era minha irmã mais nova que morreu há dois anos graças a um câncer agressivo. Minha família acabou se distanciando mais com a partida da minha irmã, meus pais que já se odiavam o suficiente para começar uma guerra, agora são inimigos mortais, dividindo o império Alcântara. E você deve estar se perguntando:Por que odeio a minha irmã? É simples; Sofía era luz que iluminava nossas vidas. Ela era nosso alicerce, ela era o meu alicerce. A força que me fazia acreditar na compaixão, na bondade e no amor. Quando Sofía morreu, simplesmente levou o meu coração com ela. Eu a odeio por ter me deixado, por ter me abandonado neste mundo de merda. — Ela morreu, Thomas. As pessoas morrem a todo tempo, tenho certeza que a sua vinda até meu escritório não foi para falar sobre minha falecida irmã. O homem pigarreou, abrindo o fichário com várias documentações. — Estou sendo processado, Bruno. Levei as mãos até as têmporas, tentando aliviar a dor incômoda que surgiu na minha cabeça. Que porra, mais problemas. — O que aconteceu? — Uma funcionária medíocre está me acusando injustamente; — Thomas levantou-se, ficando completamente exaltado. — Ela é louca, Bruno. Doente Mental, doidinha da pedra. Tenho certeza que usa drogas alucinógenas, a mulher não é fácil. Thomas coloca o fichário em cima da minha mesa, concentro-me no caso e começo a ler o processo. Foi impossível não rir, Thomas ficou louco? — Intolerância religiosa e danos morais? O homem voltou a sentar-se na poltrona, abrindo um sorriso. — Essa será fácil, meu amigo. Tenho certeza que você vai ganhar, prefiro pagar milhões para você e não pagar uma indenização mixuruca pra essa vadia. — Thomas… Ele ergueu as mãos na defensiva, calando-me. — Tudo bem, vou contar a história. Relaxei na cadeira, esperando uma história convincente. Direito trabalhista não é uma área que gosto de atuar, sou completamente apaixonado pela minha profissão, mas sempre me senti atraído pelo “crime”, pelas mentes perturbadas e doentes de alguns clientes. Não posso negar que fico extasiado com um caso de homicídio quando chega em minhas mãos e por ironia do destino sou chamado de “O Advogado do Diabo”, acredito que a minha frieza deu um salto na minha carreira. Defender os maiores criminosos do País sem manter nenhum escrúpulo coloca meu nome no ranking dos melhores advogados do Brasil. E para ser honesto, prefiro me agarrar nas almas doentias dos meus clientes, criar uma verdade que consegue reverter qualquer situação nos tribunais superiores. — Tudo começou com alguns boatos no hospital. — Disse Thomas, franzindo o cenho. — Técnicos, enfermeiras e médicos estavam com medo da nova recepcionista. Thomas Fagundes é proprietário de um Hospital Privado na cidade, um dos mais procurados pela elite do País. Além de ser referência em tratamentos cardiológicos de média e alta complexidade, o hospital Santa Luzia (que recebeu o nome da bisavó de Thomas) têm o selo da Joint Commission International, que certifica um hospital de grande excelência. Thomas é obcecado por seu trabalho, exigindo profissionais totalmente capacitados para atuar no hospital que pertence a sua família há quatro gerações. — Os rumores sobre ela chegaram até meu escritório na zona central da cidade. E piorou quando ela passou para recepção plantonista do hospital. Bom, é melhor você ver com seus próprios olhos… — Thomas entrega-me o seu celular. — São as filmagens das câmeras de segurança do hospital. Eu balanço a cabeça em concordância, iniciando as filmagens. O vídeo mostra uma jovem, que está sentada atrás do balcão da recepção, reparo nitidamente que a jovem tem uma ótima postura e cabelos volumosos, com cachos espessos e bonitos. Ela fica por longos minutos trabalhando em frente ao computador. É uma funcionária qualquer, não tem nada de extraordinário. — Thomas, é uma simples garota. Qual é o problema com ela? — Assista às filmagens, Bruno. Certo, vamos lá… Continuei prestando atenção na funcionária que representa ser muito competente, ela atendia as ligações com rapidez e também mantinha seus olhos sempre presos na tela do computador, muito concentrada. Após 10 minutos de vídeo, algo estranho aconteceu nas gravações. A funcionária imediatamente ficou de pé, ela pegou alguns papéis e começou a organizá-los, enquanto falava e gesticulava. A jovem conversava alegremente, fazendo gestos com as mãos e rindo sem parar. Tudo poderia ser normal, se ela não estivesse completamente sozinha na recepção. Não havia ninguém dentro daquela sala, apenas a garota. E com quem estava conversando? Engulo em seco, encarando meu amigo que também mantinha uma expressão estupefata. — Ela é louca; — iniciou, meneando a cabeça. — Não quero uma funcionária doente mental no meu hospital. — É um caso de esquizofrenia, Thomas. É notório que a mulher não tem uma saúde mental adequada para trabalhar em um hospital de alto nível. — Pode me ajudar? — Thomas demonstrou certa esperança na voz. Não vou recusar, ele é um amigo de longa data. Posso e pretendo ajudá-lo. — É claro! ANJO CELESTIAL 02 O relógio é meu pior inimigo, acho chique essas pessoas que conseguem acordar na hora certa, se arrumar e ficar plena às 7 horas da manhã. Estou atrasada para uma entrevista de emprego que está marcada para às 8 horas. Tudo bem, você precisa se acalmar, Angélica. Respirei fundo, procurando minha bolsa. Bolsa encontrada em cima da cômoda, ótimo! Depois comecei uma luta com meus cachos rebeldes, justo hoje eles decidiram iniciar uma guerra com meus cremes. A parte boa são as minhas roupas, que deixei separadas ontem à noite. Agora é só as vestir e Voilà… Estou pronta! Saí do meu quarto às pressas, quase caindo nas escadas. Moro com a minha tia materna e com a minha priminha de apenas oito anos, é comum encontrar minha tia Fani acordada preparando o café. — Angel, você não tem uma entrevista de emprego às 8 horas? — Ela olhou para o relógio próximo da geladeira. — Eu acordei atrasada. Ela revirou os olhos, entregando uma xícara para me servir o café. — Você tem vinte minutos, é melhor se alimentar antes de sair. Um estômago vazio não ajuda um cérebro agitado. Agitado, eu ri. Ela não está errada, eu sou hiperativa. Isso significa que não consigo parar de pensar, não consigo parar de falar e não consigo ficar parada em um único lugar. Entretanto, sou formada em administração e tenho muitas experiências como “Assistente Executiva”, gosto de atuar no ramo empresarial. Fazer parte de grandes empresas, amo a correria de uma Empresa de grande porte. — Estou nervosa, depois dos acontecimentos no Hospital Santa Luzia. Minha tia olha-me com preocupação, não está sendo fácil superar tudo que acabei ouvindo do empresário Thomas Fagundes. O cara é um tirano, que ataca cruelmente com palavras e sem pensar nas consequências. Afinal, ele é milionário e infelizmente, quem tem uma conta bancária altíssima, recheada e gorda, não é prejudicado neste País. Nossas leis são falhas quando se trata dos ricos esnobes com nariz empinado. — Meu amor, vai dar tudo certo. Joana é uma boa advogada. Ela está empenhada no processo, não vai decepcioná-la. Eu acredito, Thomas precisa de uma boa lição. Não quero dinheiro, não quero uma indenização alta como minha advogada sugeriu. Eu só quero que o empresário Thomas Fagundes aprenda a respeitar cada religião e principalmente seus funcionários. Concentro-me no meu café da manhã. Minha Tia ligou a pequena televisão integrada na parede da cozinha. Ela passa maior parte do tempo trabalhando nesta cozinha, minha tia é doceira e faz bolos personalizados que são deliciosos. O jornal da manhã estava transmitindo uma matéria sobre o caso da adolescente que foi encontrada morta próxima de uma Chácara de um milionário chamado Sérgio Diniz. O desencarne da garota foi conturbado, ela seguiu para as colônias das flores depois de uma longa aceitação. A morte não é fácil de aceitar, não é fácil encará-la e deixar tudo que amamos nesta vida. — Não gosto de pensar no quanto a família dessa jovem está sofrendo. Eu concordei com a cabeça, sentindo aquele nó na garganta. Quando a bondade faz morada dentro do nosso coração, sentimos cada aflição, cada dor e sofrimento dos nossos irmãos. — Essa família vai precisar de muita luz, tia Fani. Levanto-me da cadeira, colocando minha bolsa no ombro, terminandomeu café e prestando atenção na matéria. “A família da jovem Cristiane Almeida de Carvalho está revoltada com a decisão do Tribunal. Sérgio Diniz foi inocentado das acusações, seu advogado conhecido por defender Fernando Peixoto – político envolvido no maior esquema de corrupção do País – impressionou o júri com uma defesa implacável. Alegando que Cristiane Almeida era amante de Sérgio Diniz…” Meu queixo caiu. — Eu não acredito… Meu Deus! Foi encontrado o sêmen do homem na vagina da garota. Ele estuprou uma garota... Como um advogado consegue alegar que uma jovem de dezoito anos era amante de um velho milionário? — Bruno Alcântara, ele é conhecido como "O advogado do Diabo". Ele conseguiu inocentar Fernando Peixoto, mesmo com todas as provas da polícia federal. — É insano! — Murmurei, ainda impressionada com a frieza desse advogado. — Tenho certeza que ele tinha provas e testemunhas que afirmaram a relação da garota com o velho milionário. É claro, ele pode estar certo. Ninguém usaria uma mentira tão cruel a favor de um psicopata estuprador. Faço de tudo para esquecer essa notícia, despeço-me da minha tia e corri até meu carro, agora preciso focar no meu novo emprego. Eu preciso trabalhar, não posso ficar parada sem meu dinheiro. Cheguei na Lummertz Advocacia em cima do pedido. No exato momento em que entrei na recepção, ouço uma moça me chamando: — Angélica Amaral. Tudo bem, Angel. Você consegue! — Olá! — Cumprimentei a moça com um sorriso no rosto e um aperto de mão amigável, ela me acompanhou até uma sala muito bonita e arejada. O local era espaçoso, mantendo uma decoração neutra, com cores claras que tornava o cômodo mais iluminado e aconchegante para uma leitura. Bonitas estantes estão próximas de uma janela grande com cortinas de persianas. Havia muitos livros, todos enormes e com capas duras. Uma mesa de madeira com um ótimo acabamento e cadeiras de couro que projetam uma imagem profissional, tornando o cenário adequado para receber clientes da elite, que vivem no luxo da Grande São Paulo. A Lummertz Advocacia vai além do que eu imaginava. — Por favor, sente-se. — Disse a moça num tom carismático. — A Senhora Paula vai conversar com você. Ela só está em uma ligação muito importante, pode aguardar alguns minutos? — Tudo bem, não se preocupe. Posso aguardar, sem problemas. — Sorri, ainda reparando no local. A mesa era muito organizada. A maneira que você organiza sua mesa ou até mesmo seu escritório pode revelar muito sobre seu perfil profissional. Uma mesa desorganizada, cheia de papéis, comidas e principalmente post-it presos em todos os lugares, demonstra o quanto está sobrecarregada. Aprendi muito nos últimos anos, trabalhando para empresas e agências conceituadas. O meu celular tocou, despertando-me dos pensamentos. Olhei o nome na identificação da chamada, sentindo meu sangue gelar no mesmo instante. — Eu preciso atender. — Informei. A moça assentiu com uma expressão serena. — Vou deixá-la à vontade, com licença. Ela girou pelos calcanhares e saiu do escritório, mas manteve a porta aberta. Imediatamente atendo a ligação. — Alô, Joana? — Olá, Angel. Eu tenho boas notícias. — Meu Deus! — meu coração disparou dentro do peito. — Quais são as novas? — Nossa audiência será na próxima semana, na quarta-feira. Angel, está preparada? — Preparada e confiante. Joana riu do outro lado da linha. — Que bom, estamos confiantes. Vai dar tudo certo, Angélica. Você poderia passar no meu escritório hoje? — É lógico! No momento estou participando de uma entrevista, poderia me mandar um horário adequado para encontrá-la no escritório por Whatsapp? — Certo, vou mandar. Nos falamos mais tarde. Boa sorte, Angélica. — Muito obrigada! Desliguei a chamada com meu coração quase saindo pela boca. Eu estava esperançosa, acredito que vou ganhar esse processo. Thomas Fagundes foi grotesco quando me chamou de doente mental e atacou severamente a minha fé. As palavras dele ainda me assombram: Você é uma retardada, que tem sérios problemas mentais. Não quero uma inválida com transtornos trabalhando no meu hospital. Quando tentei explicar que não tinha problemas de saúde ou transtornos psiquiátricos, que meu dom era diferente e único, ele voltou a esbravejar: Enfie esse seu dom no rabo e suma do meu hospital. Ele me demitiu por justa causa, saí do meu antigo emprego sem nenhum direito trabalhista e bastante abalada emocionalmente, nunca fui tão humilhada. — Angélica Amaral? Sobressalto na cadeira, uma mulher loira e muito bonita entrou na sala. Fico de pé para cumprimentá-la. — Sou eu! — Digo sorridente. — Meu nome é Paula Crisóstomo, vou conversar com você essa manhã. — É um prazer conhecê-la. A mulher sorriu, sentando-se na cadeira a minha frente. Esqueço a notícia que acabei de receber da minha advogada e concentro-me na minha entrevista. Agora, é só pensar positivo e tudo vai terminar bem. O ADVOGADO DO DIABO 03 Fiquei observando o jardim. O meu corpo inteiro começou a tremer de raiva. Como é possível? Eu tinha destruído as flores. Eu tinha destruído o maldito jardim. Maldição… Justo hoje que precisava manter a minha serenidade para uma audiência. Com a raiva cegando minha razão e qualquer pensamento lúcido, peguei uma tesoura de jardinagem na garagem. Não quero ver essas flores aqui, quando terminar de arrancar cada broto e cortar cada flor nojenta, pretendo ter uma conversa com as minhas empregadas. Quero saber qual das malditas sem responsabilidades está plantando flores no meu jardim. Eu proibi qualquer planta na minha Mansão, qualquer flor que possa me lembrar… — Bruno? — Minha amante surgiu no jardim, usando um robe transparente, que mostrava seu belíssimo corpo seminu. — Vai desistir da advocacia e seguir a profissão de jardinagem? — Vai para o inferno. Você nem deveria estar aqui. — E realmente não deveria, eu terminei inúmeras vezes meu envolvimento com a Andressa, mas ela insiste em se deitar na minha cama, e como sou um homem solteiro e sem compromisso, não recuso sexo. Amo foder uma buceta apertada, principalmente quando uma mulher chega sem calcinha na minha propriedade, implorando para comê-la de quatro e com força. — Qual é o seu problema? — Andressa armou as garras, pronta para começar as mesmas discussões de sempre. Discussões que não suporto mais! — Você quer saber qual é o meu problema? Eu tenho uma amante que insiste em me procurar, funcionárias intrometidas que passam por cima das minhas ordens e estou atrasado… — Se você está atrasado não deveria estar brincando de jardinagem. — Interrompa-me com ar debochado. Meu sangue ferveu nas veias. — Eu quero que você desapareça da minha frente. — Rosnei feito um animal que contraiu raiva. — E a sua entrada livre na minha propriedade está extremamente proibida a partir de hoje. — O quê? Bruno, você não pode estar falando sério. Eu sempre estou do seu lado… Gargalhei, enquanto continuava cortando as roseiras. — Cala a porra da boca. Você é apenas a minha amante, uma delas. Lembre-se que a minha lista é extensa, não é a única que tem entrada liberada na minha Mansão; — viro-me para encará-la. — Na verdade, você tinha. Porque a partir de hoje… — abro a tesoura e fecho com força. — Você está cortada da minha vida, cai fora. — Bruno, por favor… Caralho! Estou prestes a explodir com essa mulher. E neste momento não posso perder meu equilíbrio. — Você vai sair sozinha ou vou ter de arrastá-la a força? — Indaguei, terminando de cortar a última roseira, e jogando a tesoura no chão. — Um dia você vai se arrepender, Bruno. Você machuca e ataca as pessoas gratuitamente, pessoas que só querem o seu bem e a sua felicidade. — Na verdade, você está querendo o novo lançamento da Apple. O iPhone 11, estou certo? As bochechas da Andressa ficam avermelhadas. Ela corta contato visual, totalmente constrangida. Será que essa garota pensa que sou idiota? — É sério, Andressa. Acabou, encontre outro milionário para extorquir. O sexo foi bom por um tempo, mas agora… — Olhei para as rosas no chão, asbelas pétalas amarelas. — Eu estou quebrado e não me importo de quebrar e machucar as pessoas ao meu redor. — Foda-se. Eu já estava cansada mesmo, pensa que é fácil aturar o seu mau-humor? Tenho pena da mulher que se apaixonar por você. — Ela saiu batendo os pés, igual uma onça que acabou de fugir de uma jaula. Ótimo… um problema resolvido. Agora só me falta descobrir quem está plantando as rosas no jardim. Entrei na Mansão gritando por Aurora, algumas funcionárias - que organizavam minha sala - ficam inertes com meus gritos. Minha governanta desceu as escadas correndo com a mão no peito. — Bruno, quem morreu? Quê? — Ninguém morreu, mas estou prestes a cometer um assassinato. A mulher passou olhar lentamente pelos funcionários até fixar os olhos azuis-escuros no meu perfil. — O que aconteceu? — Ela deu um passo à frente, mudando sua fisionomia assustada e ganhando uma expressão mais preocupada. — O jardim, quem plantou as rosas? Aurora empalideceu, até seus lábios ficam pálidos e sem vida. — Bruno, eu estava no jardim na parte da manhã e não havia rosas, não havia um único sinal de plantas ou flores. Droga, passei as mãos trêmulas no rosto, tentando compreender o que está acontecendo na Mansão. Andressa desceu as escadas, com seus pertences e uma bolsa. — Menina, o café da tarde será servido… — Não se preocupe, Aurora; — ela lança-me um olhar afiado. — Bruno me expulsou da Mansão e minha entrada na sua propriedade está extremamente proibida. — Bruno, você perdeu o juízo? Ignorei Andressa, segurando na mão da minha governanta. — Venha comigo e vocês três também. — Minhas funcionárias trocam olhares amedrontados. — Andressa, quando entrar novamente, não quero encontrá-la no meio da minha sala. Vá embora! — Esbravejei as últimas palavras. Guiei Aurora até às roseiras que despedacei com a tesoura. A mulher ficou inerte quando provei que estava certo. Alguém está plantando rosas no meu jardim. — Pode me explicar o que significa essas rosas? Aurora faz o sinal da cruz, olhando para as suas auxiliares que também perderam a cor corada das suas bochechas. — Misericórdia. Eu juro, Bruno. Juro por meu neto que essas flores não estavam aqui às dez horas da manhã quando soltei Edgar para correr no jardim. Minha outra funcionária faz o sinal da cruz, começando orar um Pai-Nosso. — Você precisa chamar um exorcista, patrão. Isso é trabalho do demônio. Respirei fundo, contando até cem para não gritar com essas quatro desmioladas. — É claro, é um trabalho articulado do demônio, porque ele não tem nada importante para fazer e decidiu plantar rosas no meu jardim. Um demônio ativista ambiental; — Bufei, irritado. — Eu não tenho paciência para tamanha burrice. Aurora, preciso trabalhar. Descubra quanto antes quem está plantando essas flores ou todas serão demitidas. — Mas Bruno… — Você ouviu, mulher. Estou atrasado, tenho uma audiência às três horas. Encontre o culpado. Eu te pago muito bem para exercer o seu trabalho. Thomas estava soltando fogos pelas ventas quando cheguei na entrada do fórum. O homem estava vermelho, andando de um lado para o outro, demonstrando total nervosismo. — Meu Deus, homem. Está atrasado, que tipo de advogado é você? — Do tipo que vai calar a sua boca quando acabar com a esquizofrênica. Thomas riu, mudando seu semblante preocupado. — As testemunhas chegaram, todas estão aqui; — Thomas disfarçou, aproximando-se para cochichar: — Será que ninguém vai desconfiar da nossa estratégia? — Desconfiar? — soltei um riso despreocupado. — As filmagens das câmeras de segurança, revelam o quanto a garota é perturbada. — Você tem razão, não tenho porque me preocupar; — Thomas mudou sua postura ficando mais tenso no instante que olhou em direção da entrada do fórum. — Ela chegou! Viro-me. Ficando de frente com uma garota. Puta merda… A infeliz era exuberante. Perfeita. Uma mulher de parar o trânsito, literalmente. O meu olhar sem vergonha, percorreu o corpo da garota que se encolheu quando notou os meus olhares desejosos. Ela usava uma saia tubinho, com uma fenda na coxa direita. A camisa branca, quase transparente deixava um pouco amostra os detalhes rendados do sutiã. Engulo em seco. O cabelo repleto de cachos, que são lindos. Sempre achei os cachos mais chamativos e interessantes que os cabelos lisos e escovados. A rebeldia e a liberdade dos cachos sempre chamou a minha atenção. Pego-me imaginando, a minha mão segurando com força nos fios volumosos e enrolados, enquanto metia com vontade na sua buceta molhada. Ela aproximou-se um pouco retraída e consegui flagrar a cor dos seus olhos. Eram verdes-claros, bonitos e bondosos. — Boa tarde, Senhor Fagundes. — Disse, molhando os lábios com a língua. Ela quer me matar? Que boca maravilhosa! Quem tem lábios tão perfeitos e delineados? — Boa Tarde! — Thomas respondeu seco, observando a garota se afastar em direção da sua advogada. Ah não… Joana Saredo? Minha vontade era gargalhar e festejar nossa vitória antecipadamente. No entanto, quero encará-la nos olhos quando vencer esse processo. ANJO CELESTIAL 04 É sério, Angélica? Você tinha que se atrasar no dia da sua audiência? Droga! Sou mesmo uma desajeitada, não consigo ficar parada e ainda me atraso para compromissos importantes. Joana estava mais calada que o normal quando nos encontramos, a minha advogada não tinha uma expressão amigável, parecia estressada. — Joana, está tudo bem? A mulher sobressaltou. Olhando-me alarmada. — Sim, eu estou… — Ela voltou a encarar o advogado do Thomas Fagundes. O homem era muito bonito e jovem, acredito que não passa dos trinta anos. Ele também olhou na nossa direção, mas fiquei novamente impressionada com a frieza daqueles olhos castanhos. O seu olhar desceu em direção dos meus seios. Depois para minhas pernas nuas e continuou descendo até meu scarpin. Céus... Será que tem alguma coisa errada com a minha roupa? É um vestuário formal, nada exagerado. — Bruno Alcântara; — Joana sussurrou — O advogado do Diabo. Sabe quando um calafrio percorre a nossa espinha e faz todos os pelos do nosso corpo eriçar? Então, estou sentindo exatamente isso, mas com calafrios múltiplos que não passam. O homem que inocentou um estuprador, que inocentou vários criminosos… Meu queixo caiu! Eu não sabia o que dizer, apenas senti um medo circular até minha alma. Ele estava aqui… Alguns passos de distância, bem na minha frente e para piorar completamente a minha situação… O homem tinha a beleza do próprio pecado! Ele era exuberante e elegante. O cabelo castanho-dourado estava penteado para trás. Ele tinha um corte moderno e um pouco despojado. As laterais são raspadas, deixando um pouco de volume no topo da cabeça. A barba grossa e por fazer, tornava o seu rosto mais marcante e com uma expressão aristocrática. Ele usava um terno preto, com um colete por baixo do blazer. Tinha uma postura superior e um ar astucioso. A maneira de olhar também chamou a minha atenção, ele encarava as pessoas com total segurança e sem medo, como se soubesse que ninguém poderia superá-lo ou como se fosse o centro do mundo. Joana me tranquilizou, dizendo que tudo ficaria bem. Eu queria confiar nela, mas tudo no advogado do Diabo me transmitia medo. Minha intuição gritava: não fique perto, ele é perigoso. E sinceramente? Nunca ignorei minhas sensações e intuições, agora só me resta enfrentar tudo que estou sentindo. Quando somos chamados para sala de audiência, pensei que fosse desmaiar. — Todas as testemunhas estão aqui, fique tranquila. Todas? Meu estômago embrulhou. Eu só tinha uma testemunha, uma colega de trabalho que se sensibilizou com minha história. As outras não aceitaram testemunhar ao meu favor. Segui minha advogada. Ela me auxiliou, explicando que eu deveria me sentar em uma cadeira específica, bem ao lado dela. — Audiência das 15 horas; — Disse um Senhor. — Processo 45, do ano 2019. As partes envolvidas podem se sentar. O Juiz entrou, sentando-se na sua cadeira. Minhas mãos estão tremendo e suando frias, por quê estou tão nervosa? Acalme-se.Respirei fundo, tentando controlar meu nervosismo. — Boa tarde senhores e senhoras; — Cumprimentou. — Meu nome é Felipe Vitale, Juiz Trabalhista. Vamos dar início ao processo, com uma resolução pacífica. Conforme consta na petição inicial, trata-se de uma reclamação trabalhista, buscando reparar demissão por justa causa, danos morais e intolerância religiosa. Peço por gentileza que a reclamante Angélica Amaral se pronuncie. O quê? Quase tombei para trás. Ele quer que eu fale? Olhei para os lados, completamente confusa, deparando-me com o Bruno Alcântara, ele mantinha um sorriso debochado nos lábios, um olhar divertido, como se estivesse zombando do meu nervosismo. — Bom; — pigarreei com a garganta, buscando a minha voz. — Meu nome é Angélica… Thomas riu, mas foi advertido pelo próprio advogado. — Senhorita Angélica, pode nos explicar como ocorreu o processo? Oh, entendi. Meu Deus! O meu cérebro está me castigando hoje. Talvez, o meu nervosismo esteja muito descontrolado, é necessário me acalmar. Inspiro o ar, sentindo um cheiro estranho de rosas. Ué... Será que Joana usa algum perfume com essa composição? — O Senhor Fagundes; — início a história, cortando qualquer pensamento sobre perfumes ou rosas. — Me chamou no seu escritório no Hospital Santa Luzia. Eu imediatamente pensei que fosse subir de cargo, afinal, sou formada em administração e tenho muita experiência como assistente executiva. Quando entrei no escritório, o Senhor Fagundes me mostrou as filmagens das câmeras de segurança… Eu congelei. Não… não… Por favor, agora não é um momento certo. Evite olhar, não olhe Angel. — Excelência, temos em mãos as filmagens. — Disse Bruno. O Juiz autorizou as filmagens, o advogado do Diabo exibiu os vídeos somente para o Juiz, que assistiu concentrado. Ele franziu a testa, arrumou os óculos que estava escorregando no nariz, ordenando: — Prossiga, Senhorita Angélica. Eu não conseguia me mexer. Não olhe, Angel. Ignore. Mantenha-se forte. — Diga a ele; — sussurrou. — Que sinto muito pelo jardim, mas gosto das flores. Engulo em seco. Não era um bom momento! Levanto-me nervosa, fazendo a cadeira tombar. Todos que estão presentes na sala de audiência ficam me olhando como se eu fosse um dragão com sete cabeças. — Angel; — Joana forçou um sorriso amarelo. — Sente-se, está tudo bem! Eu fazia de tudo para não olhá-la, olhava para as várias folhas em cima da mesa do Juiz - que com certeza é meu processo detalhado - olhava para os MacBooks dos advogados presentes, para as minhas mãos, até mesmo em direção do teto. Eu não conseguia encarar o espírito de uma garota que se mantinha parada ao lado do Bruno Alcântara. Não sei quando vou me acostumar com essas aparições inesperadas. Eu ainda sinto medo, eu ainda sinto os calafrios pelo corpo quando eles surgem do nada. — Você poderia dizer a ele, que amo as flores. Ele está com raiva e me odeia. Eu consigo entendê-lo, mas as flores… não quero que ele destrua as únicas lembranças que ainda existem de nós. Quem era ela? Esposa? Uma namorada que acabou morrendo de uma maneira trágica? Não, não pode ser uma amante ou esposa, era muito nova. O espírito não tinha mais que quinze anos. Era uma garota jovem e muito bonita. — As flores sempre irão renascer, enquanto eu estiver por perto. Enquanto ele continuar sofrendo e se culpando; — ela apontou para o Bruno Alcântara. A boca do homem se movia, mas não ouço um único som da sua voz. Eu só posso ouvi-la neste momento, apenas ela. — Não foi culpa dele, o Bruno é um homem de coração bondoso. Só pode ser brincadeira! — Você sabe o que ele faz? — Esbravejei. — Ele inocentou um estuprador, ele inocentou vários criminosos. — Por favor, ajude o meu irmão. Irmão? Ajudar? E Como? Ela desapareceu como fumaça no ar. Quando acordo da minha visão, vejo todos na sala com os olhos arregalados na minha direção. — Eu falei, ela é louca. É uma esquizofrênica. — Trovejou Thomas, num tom bastante humilhante. Bruno Alcântara mantinha uma expressão diferente. O ar debochado foi substituído por um pesar ultrajante. Engulo em seco. E não era só ele que estava me olhando com um semblante humilhante, Joana também ficou chocada com minha reação. A minha própria advogada está duvidando da minha sanidade. — Desculpe, eu… eu… não posso! Saí correndo da sala de audiências com minha advogada chamando meu nome. Droga! As lágrimas chegam antes do previsto, eu sabia que poderia chorar nesta audiência. Thomas Fagundes é um escroto nojento, presenciar o seu sorrisinho cínico não foi fácil. Corra! Não pare! Continuei correndo pelos corredores do Tribunal, até encontrar os banheiros. Abro a porta, puxando o ar freneticamente. Tudo bem, não é momento para ter uma crise de pânico. Você é forte, Angel. Molhei meu rosto, abri a porta de um dos banheiros livres, fecho a tampa do sanitário e sento-me. Esperei até os tremores do meu corpo cessar, tentando diminuir o ritmo da minha respiração. Minha audiência foi muito estressante, meu cérebro precisa de oxigênio. Fechei meus olhos, fazendo o possível para relaxar. Eu não sei quantos minutos fiquei com os olhos fechados, só sentindo meus batimentos cardíacos voltando ao normal. Muito bem, Angélica. Você conseguiu! Saí do banheiro, suspirando aliviada com minha própria melhora. No entanto, sinto meu corpo petrificar novamente. Só pode ser brincadeira… Parado próximo dos laváveis, estava Bruno Alcântara. Ele molhou a nuca com a mão úmida, virando-se para me encarar. O homem não apresentava uma boa fisionomia, ele estava muito pálido que é um pouco estranho. Afinal, na audiência ele esbanjava uma ótima aparência e um sorriso debochado no rosto, será que presenciou um espírito voltando do além para ficar com uma expressão tão acabada? — Estranho; — Diz num sussurro. — Você estava se escondendo no banheiro masculino? — Esse banheiro é masculino? Oh, meu Deus. Sinto muito… Eu sinto muito mesmo! O homem assentiu, ganhando um brilho estranho nas íris castanhas. Elas ficam com uma cor mais viva, quase atingindo um dourado ardente. — O Juiz cancelou nossa audiência; — comentou, pegando os papéis toalhas para secar as mãos. — Ele achou adequado remarcar outra ação. — Entendo. Desculpa, por qualquer incômodo. Eu não queria sair correndo da audiência, eu só… — Você começou a conversar com alguém invisível. Já pensou em procurar um psiquiatra? E lá vamos nós de novo… Estou cansada de explicar para as pessoas que sou um pouquinho diferente. — Nunca pensei, sou uma pessoa lúcida e normal. Apenas meus dons são diferentes. Bruno riu, aproximando-se. — Dons? — Sim, dons mediúnicos. — Menina, negar que você precisa de ajuda só pode piorar a situação que se encontra a sua sanidade. Urgh, ele voltou a debochar e novamente mediu meu corpo com os olhos. Será que ele poderia ser um pouco discreto? — Tenho uma saúde perfeita. — Angélica, é esse seu nome? — Confirmei com a cabeça. — Não será fácil vencer esse processo com a demonstração gratuita de esquizofrenia na audiência. Felipe Vitale é um homem justo, você começou a falar sozinha… — Eu estava falando com uma garota, ela tem cheiro de rosas. É morena e tem os olhos castanhos-dourados. O cabelo tem cachos nas pontas. Ela tem no máximo quinze anos e disse que é sua irmã. O homem atingiu vários tons de vermelho, por um momento pensei que ele fosse me esmurrar. Bruno Alcântara deu um passo à frente, acabando com os centímetros que separam os nossos corpos. Ele segurou com força no meu braço, chacoalhando-me. — O QUE VOCÊ DISSE? — Esbravejou. Pensei que os espelhos fossem quebrar com seus gritos, mas não me intimidei. Esse homem é nojento, opressor e agressivo. — Ela falou que sente muito pelas flores, mas elas são as únicas lembranças que você tem. Ela disse que as flores vão continuar renascendo, enquanto ela estiver por perto… — SAIA; — Bruno me arrastou para fora do banheiro. — VOCÊ É LOUCA, DOENTE! Ele me empurrou com força. Acabo torcendo meu pé e caí estendida no chão. — Eu vou entrar com um processo contra a Senhorita. Você não sabe com quemestá mexendo. Levanto-me, sentindo meu tornozelo arder. — Eu sei, você é o "Advogado do Diabo". Você não suporta a bondade e a verdade. Pode me processar, porque pretendo processá-lo por agressão física. Vou agora mesmo fazer um boletim de ocorrência contra o Senhor. O bom senso clareou a mente do homem, porque imediatamente ele me socorreu. — Inferno, você se machucou? — Não importa, só não coloque um dedo no meu corpo. Bruno rosnou. No momento que me viro para me afastar dele, sinto uma dor terrível no tornozelo. — Aí… Aí... merda. — Levanto o pé, não sei como me equilibrei. Curiosos começam a observar nossa “interação”, que está mais para uma verdadeira guerra. — Saco, você não deveria entrar no meu caminho, mulher. Em um segundo eu estava sentindo uma dor terrível no tornozelo e no outro… Bruno Alcântara me pegou no colo. — O que você pensa que está fazendo? — Gritei, debatendo-me. — Vou te levar em um médico, não deveria tê-la empurrado. Não é da minha índole tal atitude, sinto muito. — Não precisa, por favor. Pode me colocar no chão. — Ele ignorou meus protestos, segurando-me com mais força. Os braços musculosos do homem lembrava um gigante guindaste. Era impossível me soltar, mesmo lutando para escapar dos seus braços. — Senhor Alcântara, por favor. Todos estão nos olhando. De fato, um grupo de pessoas ficou assistindo à cena, intrigados. Joana surgiu no meio da multidão completamente boquiaberta. Eu não sabia onde enfiar a minha cara. À terra pode me engolir agora e nunca mais me devolver, posso ficar vivendo no núcleo da Terra com os dinossauros. — Você machucou a perna, sou o culpado e quero ajudar. — Foi meu tornozelo. — Corrijo, emburrada. O homem me levou até sua picape. Eu não consegui falar com a Joana, não vencemos o processo e agora estou sendo socorrida pelo melhor amigo do Lúcifer. Tem como piorar? ANJO CELESTIAL 05 O médico disse que foi apenas uma simples torção, nada exagerado. Aconselhou a fazer uma compressa gelada e também a manter o pé erguido para não forçar o músculo. Em poucos dias, estou cem por cento novamente, meu único problema é o amigo do Diabo que fica me seguindo. Ele me levou em um hospital particular, tudo pago por seus cartões de créditos com limites altíssimos. Bruno Alcântara não conversou muito, as suas perguntas eram formais: "Ainda está doendo?”, “Você está bem?”, “Precisa de ajuda?”. Ficar ao lado dele era tedioso. Quando um homem (extremamente sexy, bonito e gostoso) lhe oferece ajuda depois de gritar e esbravejar, não é um bom sinal. Qual é a dele? Olhei de esguelha para Bruno Alcântara, ele dirigia com uma feição tranquila. — Sou uma Médium do Centro Espírita Caminho da Rosa Azul. — As palavras voam da minha boca, como se tivessem vida própria. As suas mãos seguram com mais força no volante, consigo ver os dedos empalidecendo com a força que ele está depositando no pobre volante. Acho que ele está imaginando o meu pescoço neste instante. — Eu descobri que era diferente quando meus pais morreram, tinha apenas 13 anos… — Você pode ficar calada? — Eu não consigo, sou hiperativa. As palavras escapam da minha boca como se tivessem asas. — Ele bufou, prestando atenção na estrada. — Quantos anos você tem? — Não interessa. — Posso adivinhar? — Não! — Você tem 31 ou 33 anos. Estou certa? — Minha voz saiu mais animada que o esperado. — Minha idade não te interessa, nada da minha vida interessa a você. Vou deixá-la em segurança na sua residência e nunca mais quero vê-la na minha frente. — Diz sem disfarçar a grosseria. — Que maravilhoso, esse sentimento é recíproco. — Bato palmas, felicíssima só de imaginar que nunca mais vou encontrá-lo. — Também não quero vê-lo na minha frente, mas como pretendo processá-lo por agressão física, acho que vamos nos reencontrar novamente nos tribunais. Ele riu, meneando a cabeça. — Você é estranha. Ele não é único que me falou isso. Estou até acostumada. — Você está tentando me ofender? Porque não deu certo. O homem me olhou por alguns segundos, devorando minhas pernas nuas. Um pouco encabulada, puxo a barra da minha saia tubinho mais para baixo, tentando esconder a minha coxa. — Bom, gostaria de fazer um boletim de ocorrência? Posso deixa-lá na delegacia se desejar. Ele está falando sério ou está debochando? Viro-me para encará-lo e pela expressão no seu rosto deduzi que ele está mesmo falando sério. Abro a boca para dizer: Sim. — Não! — Eu não estou dizendo? As minhas palavras tem vida própria, não é possível. Eu penso uma coisa e de repente falo outra. — Só quero um pouco de paz, descansar e esquecer meu dia humilhante. — Compreendo. Ele é um homem de pouca conversa, qualquer pessoa conversaria para passar o tempo. Até mesmo pessoas que se odeiam mantém uma boa educação quando estão no mesmo ambiente, conversam e interagem. — Você é casado? — Vamos falar de você, tudo bem? Já que você quer conversar e insiste com essas perguntas irritantes. Revirei os olhos, concordando com a cabeça. — Quantos anos você tem? — Eu tenho 26 anos, sou do signo de Áries. Faço aniversário dia 07 de Abril, é um pouco… — Chega, já é o suficiente. — Respondeu altivo. Após outro corte grosseiro, decidi ficar calada, foi uma luta aguentar quase quarenta minutos dentro de um carro (graças ao trânsito), sem nenhum assunto legal. Bruno me deixou em frente a minha casa, como sempre a rua estava tranquila. Moro em um bairro que geralmente é calmo, quando meus vizinhos não estão brigando e quebrando o pau para que todos possam assistir. Eles até foram parar no programa "Casos de Família", com um tema bastante engraçado. — Você quer ajuda para descer? A pergunta acorda-me dos meus devaneios loucos. — Oh não, estou bem; — abro a porta da picape. Bruno desceu de imediato, correndo para me ajudar. — Não se preocupe… — Só vou levá-la até o portão da casa; — ele observou a minha casa modesta e simples, sem nada de extraordinário. Na verdade, era um sobrado comum que eu amava com todo meu coração. Eu ajudei a minha tia a pagar as parcelas da nossa casa, quando terminamos de pagar, dei entrada no meu carro e… — Aí não! — Está sentindo dor? Neguei com a cabeça, com meu rosto queimando de vergonha. — Eu esqueci meu carro no estacionamento do Fórum. Bruno olha-me com total descrença. — O QUÊ? QUE TIPO DE PESSOA ESQUECE O PRÓPRIO CARRO? Será que a missão desse homem é me deixar surda? Por que grita tanto? — Eu, euzinha, eeeeeeu aqui. E se você estivesse no meu lugar tenho certeza que esqueceria até a cabeça do pinto dentro do sanitário. — Altero a minha voz, perdendo a compostura. Urgh! Eu tenho vontade de agredir esse infeliz. E sou uma pessoa da paz, que é contra agressões físicas. Você consegue compreender o quanto estou perdendo a minha paciência? Bruno ficou visivelmente constrangido com a minha resposta. Acho que ele não esperava uma mulher de 26 anos, formada em administração e com um ótimo currículo profissional, esbravejando a palavra "pinto" com total naturalidade. — O que está acontecendo? — Minha tia surge na janela, com os olhos arregalados e curiosos. — Angel? — Não está acontecendo nada, tia. — Digo, abrindo o portão. — Você pode ir embora, está tudo bem! — Certo, eu vou. No entanto, ficou parado, avaliando meu perfil com um semblante sério. — Acho que é melhor você ir embora antes que a minha tia… A porta é escancarada com força, minha tia desceu correndo os poucos degraus até o portão. — Olá, seja bem-vindo. — Falou com um sorriso radiante. — Você é amigo da minha sobrinha? Bruno franziu o cenho. — Não senhora… — Que maravilha, você pode entrar. Eu acabei de assar um bolo de cenoura, divino. É uma delícia, tenho certeza que você vai gostar. — Tia, por favor. Não é o que você está pensando… — Que besteira; — arruma o avental. — Eu não estou pensando nada. A minha sobrinha querida, chegou acompanhada de um homem belíssimo, que tem uma picape da Mercedes-Benz. — ela sorriu. — Não estou pensando nada, eu juro. Oh Deus, pode me levar agora. — É muita gentileza da sua parte, mas eu sóestava ajudando a sua sobrinha que torceu o tornozelo. Graças a você! Minha tia abaixou o olhar, flagrando meu pé todo enfaixado. — Oh Jesus, como isso aconteceu? — É uma longa história… — Murmurei, ficando chateada quando me recordo de tudo. — Bom, vou deixar o meu cartão particular, Angélica; — ele tirou do bolso um pequeno cartão de visita, clássico. Contendo somente um e-mail e um número de celular. — Pode me ligar se precisar do meu trabalho. É sério? Fiquei olhando para o cartão de visitas na minha mão. Tudo que estou vivendo hoje não pode ser real. É um sonho, com certeza! — Senhora; — Bruno estendeu a mão para um cumprimento formal. — Eu agradeço pelo convite, fica para a próxima. — É um prazer conhecê-lo, agora que sabe o caminho da nossa casa pode voltar quando desejar. — Minha tia balança a mão freneticamente, fazendo o braço do homem chacoalhar, igual um terremoto. O Advogado do Diabo sorriu sem jeito, virando na minha direção novamente. — Angélica, tenha uma ótima recuperação! — Tchau... — Digo, entrando para dentro da minha casa. — Angel, você não vai agradecer o homem pela gentileza de trazê-la até nossa casa? Semicerrei os olhos. — Ele não fez mais do que sua obrigação. — Continuei mancando feito uma gansa desajeitada, ignorando os protestos da minha tia. Bruno seguiu sua vida, espero nunca mais revê-lo, vou até esquecer a ideia de processá-lo por agressão física, só para não me deparar com o infeliz novamente. A Minha tia me serviu um pedaço de bolo e um café forte enquanto ouvia atentamente a minha história. Eu contei tudo, principalmente sobre "O Advogado do Diabo", ela ficou pasmada e também encantada com a beleza e juventude do Bruno Alcântara. O nome do homem ficou conhecido quando ele inocentou um político corrupto, seu nome foi transmitido por todas as emissoras brasileiras. No entanto, não gosto de assistir televisão, eu evito assistir jornais e noticiários. Sou muito sensitiva e qualquer notícia trágica acaba me afetando. Eu sinto tudo, cada aflição e desespero dos amigos próximos e familiares que perderam um ente querido. Então, por esse motivo não tinha ciência da aparência do Bruno Alcântara. Minha tia é muito esquecida, guardar os traços de outras pessoas é uma missão impossível para ela. — E depois… Ele não quis saber mais sobre aparição da irmã? Neguei com a cabeça. O espírito da garota é outro detalhe que quero esquecer. Não pretendo me envolver em nada relacionado com o sobrenome "Alcântara". Ela pode estar sofrendo, alguns espíritos ficam presos à Terra, após a morte. Não conseguindo desligar-se dos seus corpos físicos e da vida que levavam. Ficam presos sentimentalmente a um familiar, também é muito comum que uma alma recém desencarnada fique presa a um ente querido por conta do amor e saudade que ele sente. Meu coração ficou tão pequeno, quando percebo que o famoso Bruno Alcântara ainda sofre a perda da irmã ao ponto de não deixá-la descansar, ao ponto de prendê-la entre nós de uma maneira intensa. — Bruno não acreditou. Me chamou de louca, resultando na minha torção; — apontei para meu pé enfaixado. — Ele me empurrou, ficou totalmente transtornado. — Meu Deus, ele precisa se desapegar da irmã. Como a coitadinha vai seguir para o plano espiritual? Dou de ombros, exausta psicologicamente. — No fim, acredito que ele se arrependeu. Enquanto ao espírito da garota? Amanhã vou no Centro Espírita falar com meu mentor. — Que bom, será uma ótima atitude. — Vou descansar. Minha tia me acompanhou até o quarto. Ela me deixou sozinha depois de certificar se eu estava bem acomodada na minha cama. Aproveito o momento particular para mexer no meu celular, ficando assustada com as várias ligações da Joana. Imediatamente retornei, minha advogada não demorou para atender a ligação. — Alô, Angel. — Oi, Joana. Eu sinto muito. — Digo chateada. — Não deveria sair correndo da audiência feito uma problemática. — Está tudo bem, eu consegui reverter a situação. — Que bom! — Angélica, você conhecia o Bruno Alcântara? A pergunta me pegou desprevenida. — Ah não, aconteceu um acidente no banheiro. Eu acabei entrando no banheiro masculino por engano, escorreguei no piso molhado e torci meu pé. — Não sei o porquê estou mentindo, mas não me sinto a vontade de contar toda a verdade. — Bruno entrou no banheiro quando estava precisando de ajuda, ele foi muito cortês. — Agora está explicado, não entendi quando você saiu do fórum nos braços do advogado do Diabo. Fiquei tão preocupada... — Eu já cheguei em casa, está tudo certo. — Ótimo, vou mandar minha Secretária te ligar para agendar uma conversa no meu escritório. Precisamos debater algumas questões do processo e mudar certas táticas de defesa, Bruno Alcântara não joga limpo. — Vou ficar no aguardo. — Tenha uma ótima tarde, Angélica. — Obrigada, Joana! Desliguei a chamada pensando no meu carro, vou esperar a dor diminuir um pouco e pretendo buscar meu carrinho depois. Fechei meus olhos por alguns segundos, mas meu dia estressante me levou até um sono profundo, onde sonhei com uma garota de olhos castanhos-dourados, ela cuidava de um bonito jardim, repleto de rosas-amarelas. A cor amarela me transmitiu uma sensação alegre e quente. O ADVOGADO DO DIABO 06 (Há treze anos) A minha irmã estava com uma febre que não cessava, mesmo a medicando corretamente. Olhei no relógio, daqui a pouco começa uma nova guerra para dar o antibiótico. Eu fazia de tudo para me manter calmo, cuidar de uma garotinha de 2 aninhos não é fácil. A pediatra tentou me tranquilizar, dizendo que a febre pode persistir alguns dias até o antibiótico começar a eliminar a infecção. Talvez um banho morno possa ajudar, vou preparar a banheira e depois… — VOCÊ QUER UM EXAME DE DNA? VOCÊ QUER? Com cuidado cubro as orelhas da minha irmãzinha. Ela não merece ouvir os escândalos da nossa mãe. — Aquela menina não é minha filha. Eu me recuso tê-la dentro do meu apartamento. Eu me recuso assumir uma traição. Você é uma vadia, Valéria! Por que eles precisam discutir no corredor, bem em frente ao quarto da criança? Eu já estou acostumado com as discussões. Os meus pais começaram uma verdadeira guerra pela empresa da família quando eu tinha 12 anos. A minha mãe é orgulhosa demais para assinar o divórcio. E meu pai, ele é ambicioso demais para abdicar um terço do Estaleiro Âncoras. A nossa família está há gerações na indústria marítima, somos responsáveis pelas construções de barcos esportivos e iates. Não posso negar que a família Alcântara é dona de um Império Bilionário, mas nunca me importei. Eu não me importo com as contas bancárias recheadas da minha família, não me importo com as viagens luxuosas ou com as grandes festas milionárias que minha mãe sempre está organizando. Eu só me importo com a garotinha dormindo dentro do berço, minha irmã é tão doce e amorosa, não merecia nascer em uma família quebrada, desestruturada e principalmente maluca. — Você está certo, Júlio. Ela não é sua filha, eu dormi com outro homem mesmo e quer saber? Foi gostoso pra caralho… — EU QUERO O DIVÓRCIO! Puta que pariu! Preciso interferir antes que acordem a minha irmã com esses berros desnecessários. Abro a porta do quarto. — Vocês podem parar de discutir no corredor? Sofía está doente, tenham um pouco de bom senso. — Digo, irritado. — Que se foda. — Meu pai saiu batendo os pés. Respirei fundo, não fico surpreso com o comportamento hostil do Senhor Alcântara, meu pai é tão cruel que poderia fazer o próprio Lúcifer se apaixonar por ele. — Ela está doente? E a babá? — Mãe, é final de semana. A babá não trabalha no sábado e no domingo. Ela revirou os olhos, entrando no quarto. Minha mãe se aproximou do berço, olhando para a bebê que dormia profundamente. — Hmm, precisamos encontrar outra babá que tenha disponibilidade de horário nos sábados e domingos. — Você não pode estar falando sério. É brincadeira, né? — Bruno, você é um rapaz jovem. Tem apenas 22 anos, não deveria estar cuidando de uma bebê de 2 anos. — Eu nunca vou conseguir entender, porquemulheres como você, geram crianças para sofrer no mundo. Minha mãe riu até os olhos lacrimejar. — Meu filho, você é um comediante. Quem vai sofrer? Sofía nasceu em berço de ouro, com apenas 2 anos já é dona de uma fortuna milionária. Balanço a cabeça totalmente descrente. Com o passar do tempo eu acabei aprendendo a me manter sozinho. Cresci rodeado de babás e de educadoras, mas não conheci o amor de mãe ou de pai, e sinceramente? Só gostaria que a minha irmãzinha conhecesse esse tipo de amor. — Não quero outra babá, posso cuidar dela nos finais de semana. — Certo, pretendo viajar na segunda-feira. Vou aproveitar as praias do nordeste. Tenha uma ótima noite. Ela saiu sem dar um único beijo de boa noite na criança. Eu queria que tudo fosse diferente, minha família é bilionária, são repletos de riquezas. Porém, a maior riqueza eles não possuem: riqueza de valores, honestidade e a riqueza de um amor sincero. Último ano na faculdade, eu poderia comemorar. No entanto, os problemas entre meus pais só estão aumentando. As discussões agora se transformaram em agressões físicas. Hoje pela manhã precisei salvar a minha mãe, porque meu pai decidiu matá-la asfixiada com o travesseiro. Nosso apartamento está um ambiente impossível de viver em paz, por esse motivo vou procurar um lugar legal para morar e pretendo levar minha irmãzinha comigo. Sofía precisa crescer em um lugar saudável, evitando os pais que são extremamente tóxicos. No final da aula decidi ligar para a Cláudia, não gosto de chamá-la de “babá”, acho termos como “empregadas” “funcionárias” ou “faxineiras” muito pesados. Esses anjos que salvam as nossas vidas diariamente deveriam ter um salário mais valorizado. Infelizmente, meu pai não quis aumentar o salário da Cláudia, mesmo com meus pedidos insistentes. Ele me disse: “Não vou aumentar o salário de uma simples babá, que cuida de uma criança que não é minha filha”. Meu pai é um homem difícil, com uma ignorância inabalável. Tenho orgulho dos meus valores e princípios, serei um homem bom no futuro, diferente dele. O telefone residencial demorou para ser atendido, que é normal. Cláudia passa maior parte do tempo brincando com a Sofía no quarto, após alguns minutos acabei desistindo. Minha irmã se recuperou bem da infecção na garganta, depois de noites em claro. Eu não conseguia dormir, ficava com medo. A infecção dificultou a sua respiração, causando desconforto na hora do sono. Tenho um cuidado dobrado, porque sou um cara muito ponderado e criava situações neuróticas na minha cabeça. Como, por exemplo: uma insuficiência respiratória. Mano, honestamente? Eu não sei como algumas mulheres conseguem cuidar de um lar e de filhos sem surtar ou enlouquecer. Mesmo com ajuda, eu fiquei criando cenas loucas na minha cabeça, com medo absurdo de uma infecção de garganta. Acho que o amor que sinto por minha irmã é tão imenso que uma simples gripe quase me desestabilizou. — Bruno… — Ouço uma voz conhecida chamando meu nome no corredor. Giro meu corpo, olhando para trás e vejo Carlos correndo na minha direção. — Cara, preciso da sua ajuda. — Da minha ajuda? Ele assentiu. — Pode falar, Carlos! Estou preparado para ouvir a bomba atômica. Carlos é um dos meus melhores amigos. O único problema, são as drogas e as bebedeiras que não cessam. Ele não tem um pingo de responsabilidade, não sei como conseguiu chegar no último ano de Direito. — Então, tá ligado aquela morena que estou saindo? Lá vem… — Estou, qual é o problema? — Ela está desconfiada da ruiva, preciso que você minta que ela é sua namorada. Comecei a rir, Carlos não bate bem da cabeça. — Foi mal, não vai rolar. — Respondi, pensando no quanto as pessoas são desleais. Não sou um santo, tenho uma lista de conquista razoável. No entanto, sempre sou direto: não estou interessado em relacionamento. Meus envolvimentos são casuais e prazerosos, nada de compromissos sérios. — Fala sério, Bruno. É só mentir que você está comendo uma ruiva gostosa. Cara, relaxa. — Carlos, não estou a fim de problemas. Eu já estou carregando uma bagagem extensa, meus pais estão sempre querendo se matar; — Disparei meus problemas. Não gosto de ficar reclamando, existem pessoas enfrentando provações piores, mas agora é um momento adequado para desabafar. Carlos é insistente, ele vai continuar me enchendo o saco, preciso ser sincero: — Tenho uma irmãzinha de dois anos que é minha responsabilidade. Afinal, minha mãe só pensa em viajar e planejar festas luxuosas. E meu pai, você sabe… Ele odeia a minha irmã, porque colocou na cabeça que ela não é sua filha. — Nossa, que barra! — Eu queria ajudar, mas não tenho ânimo para nada. — Infelizmente, é real. Sofía é minha única inspiração, preciso continuar por ela. — Bom, acho que vou falar com o Thomas. — Isso, ele pode ajudar. Eu vou passar na biblioteca e depois pretendo visitar algumas imobiliárias na cidade. — Vai se mudar? — Afirmo com a cabeça. — Certo, boa sorte. Vou procurar o Thomas, até mais. Suspirei aliviado. Carlos ainda mantém o bom senso. Vou usar os computadores da biblioteca para pesquisar algumas imobiliárias próximas da Faculdade, tenho intenção de economizar tempo, para chegar mais cedo em casa e passar algumas horas com a minha irmã. No momento que entrei na biblioteca, uma garota me parou na porta. Ela segurou no meu pulso, com firmeza. Fiquei parado, um pouco desconfiado do comportamento estranho da garota. Ela levantou o olhar e prendo minha respiração por alguns segundos. Cacete! Ela tinha os olhos mais lindos que já vi. Eram azuis-céu, com íris grandes e cintilantes. A boca era bonita, harmoniosa e carnuda. O cabelo louro escuro está preso no alto da cabeça, um penteado distinto e inusitado. Reparei também na postura dela. Era impecável, lembrando uma modelo de capas de revistas. É uma mania estranha, mas sempre reparo na postura de uma mulher. — Posso ajudá-la? — Indaguei, ficando mais confuso com essa aproximação inesperada. A garota só me entregou uma folha de papel e saiu correndo. Abro a boca, olhando para os lados, tentando entender o que acabou de acontecer. Ué! Que guria doida... Abro o papel e sinto meu corpo aquecer com a mensagem escrita: “Oi, tudo bem? Sou uma caloura na faculdade, sou estudante de psicologia. Você não me conhece, mas há meses tenho reparado em você. Tenho cuidado dos seus passos e te admirado em silêncio, mas já faz algumas semanas que não tenho presenciado um sorriso no seu rosto. Você está calado, não conversa com seus amigos e não sorri. Eu não faço ideia quais são os problemas que está enfrentando, mas quero que saiba que o seu sorriso é encantador, você tem covinhas que são lindas. O seu sorriso melhora o meu dia, é aquele tipo de sorriso espontâneo que todas as pessoas amam. Eu preciso de um resquício da sua felicidade para meu mundo ser completo. A sua felicidade para mim, é como uma obra de arte colorida e cheio de vida. Então, por favor, continue a sorrir. Com carinho e admiração, Francinny Godoi”. ANJO CELESTIAL 07 O meu primeiro contato com a Doutrina Espírita, foi com 13 anos. Eu buscava um acalanto para minha dor, eu tinha acabado de perder meus pais em um grave acidente de carro, ficando sozinha. Não sabia como tapar o vazio no meu peito, era uma dor inexplicável. Quando a minha tia conseguiu a minha guarda judicialmente, eu ficava noites implorando por um milagre de Deus. Na época, a minha tia tinha um computador velho que funcionava na base da grosseria, mas que me permitiu pesquisar sobre "contato com os mortos". Foi quando descobri as cartas psicografadas. Eu busquei vários Centros Espíritas, alguns duvidosos e outros que fugiam do que realmente procurava: uma forma de acalmar a saudade que sentia dos meus pais. Foi na escola, conversando com uma professora que descobri o Centro Espírita Caminho da Rosa Azul, um lugar de pura positividade que me auxiliaram e me fizeram entender que a morte do corpo físico é um fenômeno natural que atinge todos os seres da criação, cedo ou tarde. A morte é apenas uma mudançade estado, uma passagem para encontrar nossa evolução. Foram anos de estudo, foram anos desvendando meus pesadelos e descobrindo que eles, na verdade, eram o desencarne de algumas pessoas, que estavam perdidas e pediam ajuda nos meus sonhos. Quando aprendi a controlar, as visões começaram acontecer em qualquer momento do dia. Na faculdade, no barzinho se divertindo com as amigas ou até mesmo quando estava deitada na minha cama, lendo um livro. Em uma noite qualquer, acordei ouvindo um cantarolar doce. Era uma cantiga antiga, e que não reconheci de imediato. E quando levanto a cabeça vejo uma mulher de meia-idade deitada ao meu lado. Ela usava um vestido de época e mantinha uma expressão horrível no rosto. O susto foi tão grande que fiz até xixi na cama. Eu ainda sinto medo. Eu ainda tenho horror quando um espírito surge na minha frente como fumaça, mas é um dom que recebi de Deus. Ele é único capaz de abençoar pessoas com certos dons. E sou muito grata pelo meu, mesmo sentindo medinho às vezes. No centro Espírita participo das palestras, antes de me encontrar com minhas amigas. Vou sair para comemorar, minha semana foi agitada e cheia de surpresas. Os representantes da Lummertz Advocacia me ligaram, passei na entrevista de emprego. Depois de vários exames admissionais, pretendo começar na próxima segunda-feira. É claro que meu coração está repleto de gratidão, estou tão animada para festejar com minhas amigas que não vou participar dos passes no centro. — Angélica; — Luana, uma médium do Centro Espírita se aproximou. — Como você está? — Estou ótima, infelizmente não vou participar dos passes hoje. Tenho que encontrar algumas amigas. Ela concordou com a cabeça, sempre serena e esbanjando um sorriso acolhedor. — O espírito da garota que te seguiu até o centro está relutante. Ela não quer seguir para o Plano Espiritual, deseja passar uma mensagem para o irmão. — Uma mensagem para o Bruno Alcântara? — Sim, Angel. Ela precisa da sua ajuda! — Sinto muito, Luana. Eu não posso ajudá-la. Eu já tentei, Bruno Alcântara tem uma ignorância inabalável. Ele me chamou de louca e de doente. — Algumas pessoas mudam para enfrentar as dores que surgem no seu caminho e são essas pessoas que mais precisam de amor. Estamos aqui para evoluir e transmitir bondade, você tem um dom único, Angel. Não esqueça que deve usá-lo para o bem. Compreendo a minha missão, mas não posso mudar os pensamentos das pessoas. Devemos respeitar os pensamentos e opiniões diferentes. Bruno Alcântara não acredita que sou uma médium. O homem é difícil, é uma pessoa cheia de rancor e amargura. Será impossível convencê-lo a entrar dentro de um Centro Espírita. — Eu posso tentar. — E mais uma vez, as palavras fogem da minha boca. Não era exatamente o que eu estava pensando, mas agora já falei. Luana sorriu, maravilhada com minha resposta. — Deus é bom o tempo todo, Angel. Dizem que meu nome carrega a pureza dos anjos, eu sempre me achei uma pessoa tranquila e do bem. Não gosto de pensar negativo e quando penso faço de tudo para mudar o rumo dos meus pensamentos. Entretanto, quando Bruno Alcântara domina qualquer pensamento dentro da minha cabeça, não consigo imaginar nada legal ou fofo. Ele está mais para um íncubo sexual pronto para atacar, um pecado nítido que pode consumir qualquer bondade que existe no nosso coração. — Angélica, você está me ouvindo? — Karen gritou, fazendo-me pular na cadeira. — Quê? — Você vai querer outra rodada de tequila? — Ana Lúcia, ergueu a mão tentando chamar o garçom. — Eu estou com fome, acho que vou aproveitar e pedir uma porção de tilápia. — Para mim, está ótimo. — Tudo bem, uma porção de tilápia e outra rodada de tequila. — Você não está dirigindo? — Karen ficou meio neurótica depois que meus pais morreram no acidente de carro, que foi causado por embriaguez no volante. — Relaxa, eu vou embora de Uber. Não estou pretendendo esquecer meu carro no estacionamento de novo. Ambas riram do meu desastre. — Angélica, você é surreal. Que tipo de pessoa esquece o próprio carro? — Esquecer o carro é normal, tem pessoas que esquecem os próprios filhos. Uma mulher foi levada a delegacia semana passada, porque esqueceu a filha dentro do carro e uma bebê de um ano e dez meses acabou morrendo. — Uau, sem histórias tristes e dramáticas na mesa, por favor. É a noite da bebedeira. — Protestou Karen, ela é uma hippie “good vibes” que tem uma floricultura na cidade. E Ana Lúcia é uma policial que sonha um dia ser delegada. Nós nos conhecemos no ensino médio e somos amigas inseparáveis até hoje, mesmo com cada uma seguindo profissões e caminhos diferentes. — Tudo bem, vamos às novidades. Quem começa? — bato na mesa. — Rufem os tambores… — Karen me acompanha, rindo feito uma adolescente. — Está bem. Está beeeeeem, eu começo. — Diz Lúcia. — Estou pronta; — pigarreou. — Parei de tomar o anticoncepcional, Fábio acha que já está na hora de um bebê chegar. — AI MEU DEUS! — Gritei. Tenho uma paixão por bebês recém nascidos. Eu amo crianças, mas bebês com aquele cheirinho maravilhoso de leite materno é meu ponto fraco. — Eu vou ser a madrinha, madrinha Karen paz e amor. — Ela faz o sinal da paz com os dedos, arrancando-me uma gargalhada. — Agora é a minha vez, adivinhem quem é mais nova contratada da Lummertz Advocacia? — Jogo meus cachos, que estão lindos e perfeitos esta noite. — Ah não, jura? — JURO! Minhas amigas pularam, soltando gritinhos histéricos. É bom sentir que somos amados, que a nossa felicidade também preenche a vida de outras pessoas. Karen contou sobre um encontro com um rapaz oito anos mais novo. Ana Lúcia começou a encher o saco chamando a Karen de “Papa anjo” e “Mamãe Mucilon”. Eu nunca achei errado uma mulher mais velha se relacionar com um homem mais novo, se ele for maior de idade, é claro. Os homens estão sempre se relacionando com mulheres oito ou dez anos mais jovem e nossa sociedade não condena esses homens. No entanto, quando uma mulher de 27 anos começa a namorar um rapaz de 20 anos, ela é duramente criticada. É claro, que Lúcia estava brincando e as doses de tequila ajudaram um pouco com as piadinhas. — Quem quer dançar? — Eita! Você já está bêbada. — Retorquiu Karen, rindo do meu pedido. — Eu não estou bêbada. — Angel, quando você bebe muito acaba incorporando um espírito da ragatanga em você. — Que engraçadinha; — Minhas amigas sabem que sou médium e nunca foi um problema para elas. Ana Lúcia é católica, Karen é uma hippie, meio Wiccana. — Eu vou me jogar na pista… Somos três mulheres com sonhos, personalidade, pensamentos e opiniões diferentes, mas nos respeitamos acima de tudo. Acho que é por este motivo que nossa amizade continua sólida e inabalável. O respeito é o verdadeiro alicerce de uma amizade. As Minhas amigas me acompanharam até a pista de dança, a minha noite estava perfeita. Eu poderia passar o restante da madrugada dançando com minhas amigas, mas Ana Lúcia é casada e mesmo com um marido legal e gente boa, ela não acha adequado passar a madrugada na balada. Karen trabalha no sábado, então, nossa diversão vai acabar logo. — Alguém quer água? — Gritou Karen. Eu e Lúcia aceitamos. — Ótimo, não demoro! Minha amiga se afastou no meio do aglomerado de pessoas. — É quase meia noite; — disse Lúcia, observando a tela do celular. — Daqui a pouco vou ligar para o Fábio me buscar, não estou… — Minha amiga arregalou os olhos, ela ficou estática na minha frente. — Ana Lúcia… — Eu não consegui terminar o questionamento, porque neste instante sinto alguém deslizando a mão nos meus cachos. Quando viro-me, fico cara a cara com o advogado do Diabo. Um calafrio estranho percorreu minha espinha, não tinha como escapar. O homem estava aqui, bem na minha frente, com poucos centímetros separando nossos corpos. Ele esbanjava um sorriso presunçoso no rosto e uma beleza espetacular. Bruno Alcântara é o cúmulo da pura beleza, esse homem não existe. Ele está com o cabelo um pouco úmido, usando uma camiseta preta básica e uma simples calça jeans. Uau… Esse vestuário casual combinoucom ele. Os belos bíceps estão a mostra, eu tenho um fetiche estranho por braços masculinos. Algumas mulheres reparam na bunda, no volume em frente as calças, nos detalhes do rosto, mas eu sou louca por braços fortes e bem musculosos. Eu fico excitada só de imaginar um homem forte me prendendo nos seus braços e me fazendo… — Angélica Amaral, que surpresa inesperada. Engulo em seco. Deus, por que você criou Bruno Alcântara sem um único defeito? Por que ele precisava ser tão gostoso e ter esse rosto perfeito? O ADVOGADO DO DIABO 08 Os pesadelos voltaram, dificultando as minhas noites de sono. Há meses eu dormia bem, tinha um ótimo descanso, mas tudo mudou quando conheci a Angélica Amaral. A mulher com um sorriso doce e um olhar bondoso não sai da minha cabeça. Não foi a beleza radiante da mulher que me impressionou ou a maneira descontraída de iniciar uma conversa, mas sim as pétalas de rosas-amarelas que encontrei nos corredores do Fórum. Havia várias pétalas de rosas no chão que me guiaram até o banheiro masculino, onde encontrei a Angélica. Depois ela disparou detalhes sobre a minha vida que quase ninguém conhece, apenas amigos próximos e meus familiares. — Um café, senhor. — Uma das minhas funcionárias entrega-me uma xícara. Ela ficou meio hesitante por um momento, mas em seguida completou: — As rosas no jardim, desabrocharam novamente. É impossível, eu voltei a cortá-las ontem. — Saia! A mulher concordou, mas quando chegou na porta voltou a me encarar. — Desculpa a minha intromissão, senhor… — Não quero saber, apenas saia e me deixe sozinho. — Acredito que o Senhor deveria procurar um Centro Espírita. — Ela saiu correndo antes que pudesse esbravejar ou demiti-la. Cedo ou tarde a morte chegará para todos, apenas morremos. Não existe um céu ou um inferno, onde as almas seguem. Não existe uma maneira de falar com os mortos, não existe uma forma infalível para acabar com as dores que ficam. Eu só estou cansado, cansado de sofrer por ela, cansado de pensar nela e sentir a culpa castigando qualquer resquício de bondade que ainda sinto. — Bruno… — Maldição, será que não posso ficar tranquilo na minha própria casa? Aurora arqueou uma sobrancelha, ignorando meus protestos. — Você está trabalhando há horas neste escritório, tenho certeza que seus pensamentos não estão permitindo qualquer minuto de paz. Puta merda, ela tem razão. Eu preciso parar de pensar na Angélica, nessa baboseira de rosas e Centros Espíritas. — Fale, Aurora. Eu estou ouvindo. A Governanta assentiu. — Carlos está na sala de estar, aguardando permissão para entrar no escritório. Ele quer falar com o Senhor. — Carlos? Ele não deveria estar em uma reunião? Aurora ergueu os ombros, confusa com as minhas perguntas. — Inferno, mande ele entrar. — Sim Senhor! Carlos é meu sócio, ele administra um dos Escritórios de Advocacia que tenho investido muito nos últimos meses. Quero saber o porquê não está participando da Reunião. Ele pode andar fora da linha às vezes, mas é um excelente advogado que também tem um nome conhecido e prestigiado. Eu não me arrependo da nossa sociedade, mas não participar de uma reunião importante com nossa equipe de Comércio Internacional e Aduaneiro, é inaceitável. O homem demorou alguns minutos para entrar no meu escritório, mas quando ele passou pela porta, sinto a minha cabeça latejar com os gritos do meu amigo de longa data: — BRUNO ALCÂNTARA, MEU BOM AMIGO… — Você tem cinco minutos para me explicar o porquê não está na reunião com nossa equipe de Comércio Internacional e Aduaneiro. O homem congelou no meio do escritório, arregalando os olhos na minha direção. — A reunião? Bom, ela foi rápida! — Diz com a voz hesitante. Carlos puxou a cadeira e sentou-se como se fosse dono da propriedade. — Ela foi rápida? Hmmm, vamos discutir as questões… — Meu Deus, homem... Você não relaxa? Qual foi a última vez que você saiu para se divertir? — Não tenho tempo para diversão, Carlos. — Retruquei, sabendo onde meu amigo queria chegar. — Você está muito sério, qual foi a última vez que trepou com uma mulher… — Ah não; — levanto-me, começando a perder minha paciência. — Não quero falar sobre mulheres. — Não estou brincando, Bruno. Encarei o perfil do Carlos, ele estava com um semblante fechado, quase transformado. É costumeiro encontrar o Carlos sempre alegre e sorridente, mas agora… Meu amigo não mantinha uma expressão amigável. Qual é o problema? — Preste atenção, você tem 35 anos. Só pensa nos seus honorários milionários, esquecendo-se de viver. Qual foi a última vez que se interessou por uma mulher de verdade? — Não, por favor. Você é a pessoa mais inadequada para começar uma lição de moral. — Talvez eu seja, seja inadequado, impróprio e inconveniente, mas sou o seu amigo há anos e sei que você não está legal, Bruno. Você precisa parar de se culpar, cara. Sofía não queria… Avanço contra ele, fazendo Carlos levantar-se imediatamente da cadeira, erguendo as mãos na defensiva. — Calma, Bruno. Céus, eu não quero brigar. Não quero começar uma discussão, somos sócios e amigos. — Disse num tom entristecido. — Saia, Carlos. — Você vai viver fugindo? Francinny já eras, ela ficou no passado e… — ele balança a cabeça. — Sofía está morta. — Eu sei, porra. Todas as pessoas que conheço jogam na minha cara frequentemente que a minha irmã está morta. No entanto, ninguém… — cerrei os dentes para controlar minha voz e não continuar gritando: — Ninguém pensa em tudo que precisei enfrentar, ninguém se coloca no meu lugar. — Bruno, eu sei que não é fácil. Eu consigo entender, mas você não pode ficar se culpando para sempre; — Carlos passou a mão no cabelo. — Vou estar no Império Bar, vivendo e aproveitando o máximo que posso. Se você quiser, pode me encontrar lá. Tchau, Bruno. Meu amigo saiu do meu escritório, transtornado. Ele não foi único, eu também fiquei transtornado com a nossa discussão. Viver não é uma tarefa fácil, o trabalho ocupa minha cabeça a maior parte do tempo. Os crimes, os processos, os clientes e meus escritórios diminuem um pouco a minha dor. Encontro um sentido nos grandes processos criminosos em cima da minha mesa, mesmo com toda perturbação que encontro na mente dos meus clientes. É bom saber que existem pessoas mais fodidas que eu. É bom saber que existem pessoas que também estão sofrendo, pode parecer loucura, mas não me sinto sozinho. Aurora entrou no escritório alguns minutos depois, com um copo com água, ela colocou o copo em cima da minha mesa, fitando-me concentrada. — Ele não está errado! — Murmurou. — O Senhor deveria sair um pouco, respirar ares diferentes e conhecer pessoas novas. — Não tenho cabeça ou paciência para conhecer pessoas novas. Ela bufou, cruzando os braços. — Bruno, você tem medo do sofrimento, eu consigo entender, meu querido. — Aurora se aproximou, pousando a mão com carinho no meu rosto para me fazer encará-la nos olhos. — Você já sofreu muito e já se machucou muito. Qualquer pessoa ficaria fechada para os sentimentos. Mas não devemos ter medo de viver, você merece ser feliz. Talvez, as rosas desabrochando possa ser um sinal, para continuar vivendo mesmo quando estiver ferido, cortado e machucado. Bruno, chega de sofrer… Ela merece descansar em paz. A governanta piscou para afastar as lágrimas. Eu reconhecia a verdade em cada palavra, eu tinha que seguir em frente e simplesmente esquecer. Mas sou um homem com falhas e erros, não sou perfeito. Eu cuidei da Sofía com todo meu coração para no fim perdê-la, depositei todo o amor que ela merecia para crescer feliz e não sentir a falta do carinho de uma mãe ou de um pai. E no final, ela se foi! Inferno... A morte dela sempre vai me assombrar. Talvez, uma noite de bebedeira possa me ajudar a dormir bem, só vou ter uma ótima ressaca no dia seguinte, mas a bebida pode aliviar um pouco os pesadelos. O ADVOGADO DO DIABO 09 O local estava lotado, normal para uma sexta-feira a noite. Império Bar é reconhecido internacionalmente por seus coquetéis únicos, os turistas fazem
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