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O QUE É CAPITAL NA VISÃO MARXISTA: do capital enquanto processo de circulação1 Wendell Magalhães2 Marx concebe o processo de circulação do capital de modo tríplice: 1) o processo global – o percurso do capital pelos seus diferentes momentos […]. 2) A pequena circulação entre capital e capacidade de trabalho […]. 3) A grande circulação; o movimento do capital fora da fase de produção, em que o seu tempo aparece como tempo de circulação em contraposição ao tempo de trabalho. (MARX, 2011, p. 568-9). A diferenciação feita aqui por Marx do processo de circulação do capital em três concepções demonstra a qualidade multidimensional de sua teoria que concebe o real como um todo dotado de diferentes níveis de complexidade, requerendo, dessa forma, que sua análise seja feita a partir de diferentes níveis de abstração. Assim, portanto, como distinguimos a relação capital até aqui em diferentes perspectivas abstrativas, o processo de circulação do capital em Marx se faz objeto de análise também de diferentes planos de abstração. Nesse sentido, cada uma das três noções do processo de circulação do capital expostas acima se revelam, para nós, como três noções acertadas e reais constitutivas de tal processo, só podendo serem compreendidas em sua totalidade como pertencentes a diferentes planos ou dimensões da realidade que devem ser apreendidos corretamente somente a partir de níveis de abstração também diferentes.3 Na primeira noção, portanto, do processo de circulação do capital apresentado pela citação logo acima de Marx, temos a ideia do capital num processo ininterrupto de circulação com o objetivo de aumentar seu valor, mas tendo que passar por diferentes etapas, ou melhor, tendo que assumir diferentes formas para alcançar tal objetivo. Esta perspectiva, por excelência, nos fornece o que é apresentado mais formalmente no Livro II d’O Capital como o ciclo do capital monetário: D-M...P...M’-D’. 1 Este material é parte adaptada de minha dissertação de mestrado intitulada Do padrão de reprodução do capital nas economias dependentes: a Teoria Marxista da Dependência e a construção de uma categoria de medição de análise (2019); mais especificamente de sua seção 2.2.4 Do capital enquanto processo de circulação. 2 Bacharel e Mestre em Economia pela Universidade Federal do Pará (UFPA). 3 É por isso que Netto (2011, p. 54, grifo do autor) diz que “Para Marx, a sociedade burguesa é uma totalidade concreta […] uma totalidade concreta inclusiva e macroscópica, de máxima complexidade, constituída por totalidades de menor complexidade. Nenhuma dessas totalidades é ‘simples’ - o que as distingue é o seu grau de complexidade”. E retomando o filósofo marxista húngaro György Lukács, o autor ainda nos diz que é desta verificação que “a realidade da sociedade burguesa pode ser apreendida como um complexo constituído por complexos”. Dentro da primeira perspectiva está pressuposta a segunda, apresentada aqui como a “pequena circulação entre capital e capacidade de trabalho” (que, no livro I d’O Capital, aparece na fórmula geral do capital industrial D-M-D’), na medida em que a etapa D-M compreende troca de dinheiro por meios de produção (D-MP) e força de trabalho (D-FT). Nesta perspectiva, o que é colocado em primeiro plano é a geração de mais-valor no processo de produção, mas que não pode se concretizar sem o processo de circulação. Como Marx ([1867] 2013, p. 240) diz “o capital não pode ter origem na circulação, tampouco pode não ter origem na circulação. Ele tem de ter origem nela e, ao mesmo tempo, não ter origem nela.”. O que quer dizer que, nesse nível de abstração, é a partir da troca de equivalentes, iniciada na “pequena circulação entre capital e capacidade de trabalho”, que o capital se afirma e se valoriza ao final da sua circulação. Na terceira noção do processo de circulação aqui apresentado, este se contrapõe ao processo de produção, pois, como diz Marx, o tempo de movimento do capital “aparece como tempo de circulação em contraposição ao tempo de trabalho”. Isto, por sua vez, tem sua razão no fato de que a troca da mercadoria por dinheiro – tal como exposta no livro I d’O capital ao tratar das metamorfoses da mercadoria, com esta sendo concebida num nível maior de abstração como unidade de valor de uso e valor – já se revelava um grande problema, compreendendo um salto mortale nos dizeres de Marx. Com a descida do nível de abstração, então, e concebendo-se a mercadoria não mais somente como simples unidade de valor de uso e valor, mas como produto do capital, ou seja, como capital-mercadoria que já contêm o mais-valor dentro de si, o processo de circulação do capital se mostra ainda mais difícil, necessitando de um tempo para si que se contraporá, de fato, ao tempo de produção do capital. É essa a razão da necessidade de um nível de análise que contemple o processo de produção em contraste ao processo de circulação do capital e que Marx chama aqui de “A grande circulação”. REFERÊNCIAS MAGALHÃES, W. C. Do padrão de reprodução do capital nas economias dependentes: a Teoria Marxista da Dependência e a construção de uma categoria de mediação de análise. 2019. 182 f. Dissertação (Mestrado em Economia) – Programa de Pós-Graduação em Economia, Universidade Federal do Pará, Belém, 2019. MARX, K. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858: esboços da crítica da economia política. São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2011. MARX, K. [1867]. O Capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013. MARX, K. [1885]. O Capital: crítica da economia política, Livro II: o processo de circulação do capital. São Paulo: Boitempo, 2014. NETTO, José Paulo. Introdução ao estudo do método de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2011.
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