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O QUE É “CAPITAL” NA VISÃO MARXISTA: do capital enquanto reprodução social1 Wendell Magalhães2 O resgate epistemológico da totalidade3 nos possibilita ir além da perspectiva do capital como uma relação social entre classes que tem como base de sua valoração o trabalho assalariado. Não que o capital não seja fundamentalmente isso, ele é; mas também é mais que isso. Como Marx mesmo nos diz O capital, como valor que valoriza a si mesmo, não encerra apenas relações de classes, um caráter social determinado, que repousa sobre a existência do trabalho como trabalho assalariado. Ele é um movimento, um processo cíclico que percorre diferentes estágios e, por sua vez, encerra três formas distintas do processo cíclico.4 Por isso, ele só pode ser compreendido como movimento, e não como coisa imóvel. (MARX, [1885] 2014, p. 184). Saad Filho, por sua vez, nos diz que “Como uma totalidade engajada em sua autoexpansão através do emprego de trabalho assalariado, o capital é primordialmente capital em geral.”5 Esse capital em geral é representado, em sua essência, pelo chamado circuito do capital industrial (D – M – D’), posto que este explicita a valorização do capital por meio da produção de mercadorias, a qual supõe o trabalho assalariado. Mas Marx ([1885] 2014, p. 107-8) nos diz que o primeiro (D-M) e o terceiro estágio (M’-D’) do chamado ciclo do capital (apresentado mais formalmente como D-M...P...M’-D’ no Livro II d’O Capital) só foram mencionados no Livro I na medida em que isso se fazia necessário para se compreender o segundo estágio referente ao processo de produção do capital (...P...), no qual a relação capital é vista sobretudo como uma relação de exploração entre classes. Logo, por meio dessa perspectiva, não havia como considerar, segundo o autor, “as diferentes roupagens sob as quais o capital se apresenta em seus diferentes estágios, e que ele, em seus repetidos ciclos, ora assume, ora abandona.”. 1 Este material é parte adaptada de minha dissertação de mestrado intitulada Do padrão de reprodução do capital nas economias dependentes: a Teoria Marxista da Dependência e a construção de uma categoria de medição de análise (2019); mais especificamente de sua seção 2.2.3 Do capital enquanto reprodução social. 2 Bacharel e Mestre em Economia pela Universidade Federal do Pará (UFPA). 3 Conforme nos diz Netto (2011), é possível identificar três categorias nucleares na concepção teórico- metodológica de Marx que dizem respeito ao modo de constituição efetivo da realidade: as categorias de totalidade, de mediação e de contradição. Como em Mészáros (1988, p. 381), a noção de totalidade aqui, em especial, nos remete a um “complexo geral estruturado e historicamente determinado”. 4 Essas três formas distintas do processo cíclico, em Marx, ganham o nome de ciclo do capital monetário (D...D’), ciclo do capital produtivo (P...P) e ciclo do capital mercadoria (M’...M’); e são explicadas de forma melhor e com mais profundidade no Livro II d’O Capital. 5 SAAD FILHO, 2011, p. 68. Na nova perspectiva apresentada pela abordagem mais completa e detalhada do ciclo do capital, o mais-valor, que se apresenta como a diferença entre D e D’ no ciclo do capital, segue sendo, porém, a base do lucro em todas as suas formas (industrial, comercial, juros, rendas, aluguéis etc.), posto que o lucro advém, em última instância, do trabalho excedente executado na produção, não importando que o capital se mova e se alterne em diferentes formas nas fases da circulação e nos dê a impressão, sob modo aparente, de que o lucro pode ter outras origens. Porém, situada a importância e a centralidade desses elementos, somos obrigados a dizer, seguindo nossa compreensão do que diz Marx, que nem o lucro, nem o mais-valor são as únicas coisas produzidas e reproduzidas pelo capital, pois, ao final do seu circuito, além da reprodução ampliada do capital, tomamos consciência de pronto da renovação da separação entre capitalistas e trabalhadores assalariados. Ou seja, do capital enquanto produtor e reprodutor de suas classes em conflito. Isso, por sua vez, já havia sido antecipado por Marx na seção VII no Livro I ao tratar do processo de acumulação do capital e, com este, da reprodução simples e ampliada do capital. Ali falava Marx ([1867], 2013, p. 652-653) que “o processo capitalista de produção reproduz a cisão entre força de trabalho e condições de trabalho. Com isso, ele reproduz e eterniza as condições de exploração do trabalhador”, ou seja, “o processo capitalista de produção [...] produz não apenas mercadorias, não apenas mais-valor, mas produz e reproduz a própria relação capitalista: de um lado, o capitalista, do outro, o trabalhador assalariado.” Temos assim que, de uma primeira perspectiva, o capital é fundamentalmente uma relação de exploração entre classes opostas (capitalistas e trabalhadores) no intuito de obter sua autovalorização através da extração de mais-valor. Numa segunda perspectiva, temos o capital como relação social de exploração entre classes reproduzindo para além do mais-valor, as próprias classes em seu conjunto. REFERÊNCIAS MAGALHÃES, W. C. Do padrão de reprodução do capital nas economias dependentes: a Teoria Marxista da Dependência e a construção de uma categoria de mediação de análise. 2019. 182 f. Dissertação (Mestrado em Economia) – Programa de Pós-Graduação em Economia, Universidade Federal do Pará, Belém, 2019. MARX, K. [1867]. O Capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013. MARX, K. [1885]. O Capital: crítica da economia política, Livro II: o processo de circulação do capital. São Paulo: Boitempo, 2014. MÉSZÁROS, I. Totalidade. In: BOTTOMORE, T. (editor). Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de Janeiro: Zahar, 1988. NETTO, J. P. Introdução ao estudo do método de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2011. SAAD FILHO, A. A. O valor de Marx: economia política para o capitalismo contemporâneo. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2011.
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