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Indaial – 2020 Ações CulturAis e soCiAis em BiBlioteConomiA Prof.a Miriam de Cassia do Carmo Mascarenhas Mattos 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2020 Elaboração: Prof.a Miriam de Cassia do Carmo Mascarenhas Mattos Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: M444a Mattos, Miriam de Cassia do Carmo Mascarenhas Ações culturais e sociais em biblioteconomia. / Miriam de Cassia do Carmo Mascarenhas Mattos. – Indaial: UNIASSELVI, 2020. 150 p.; il. ISBN 978-85-515-0437-6 1. Biblioteconomia. - Brasil. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 020 III ApresentAção Olá, acadêmico, tudo bem?! Seja bem-vindo à disciplina de Ações Culturais e Sociais em Biblioteconomia. Apresentaremos aspectos relevantes sobre a importância de alguns tipos de atividades em bibliotecas e outras unidades de informação. Este livro didático é organizado em três unidades, sempre com resumos e autoatividades ao final de cada tópico. Na Unidade 1, traremos alguns conceitos básicos sobre cultura e ações culturais, bem como o papel de mediador do profissional da informação nesses contextos. Também abordaremos o papel social da biblioteconomia. Nas unidades 2 e 3, preparamos um rol de atividades possíveis com base em experiências reais de ações culturais e sociais em bibliotecas. A ideia não é apresentar ‘receitas’ ou apenas exemplos de atividades que possam ser executadas, mas também inspirá-los e instigá-los no envolvimento e planejamento de novas ações de cunho cultural e social, sempre levando em conta o tipo e especificidades de cada unidade informacional. Esperamos que você goste da disciplina e que consiga observar a grandiosidade e a importância da participação direta dos profissionais de nossa área na comunidade e na sociedade em geral, bem como seu comprometimento com a democracia e cidadania. Vamos lá? Bons estudos! Prof.a Miriam de Cassia do Carmo Mascarenhas Mattos IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA V VI Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! LEMBRETE VII UNIDADE 1 – CONCEITOS INICIAIS SOBRE CULTURA E ATIVIDADES SOCIAIS ............1 TÓPICO 1 – CULTURA E BIBLIOTECONOMIA ...............................................................................3 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................................3 2 CONCEITUANDO CULTURA ............................................................................................................4 2.1 CARACTERÍSTICAS DA CULTURA .............................................................................................5 2.2 TIPOS DE CULTURA .......................................................................................................................7 2.2.1 Cultura de massa ......................................................................................................................7 2.2.2 Cultura erudita ..........................................................................................................................9 2.2.3 Cultura popular ......................................................................................................................11 2.2.3.1 Cultura material e imaterial ..............................................................................................12 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................17 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................18 TÓPICO 2 – MEDIAÇÃO CULTURAL ...............................................................................................19 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................19 2 DEBATES INICIAIS SOBRE MEDIAÇÃO E BIBLIOTECONOMIA ........................................22 3 MEDIAÇÃO CULTURAL EM BIBLIOTECAS ..............................................................................24 3.1 INFORMAÇÃO E CULTURA .......................................................................................................27 4 AÇÃO CULTURAL: POSSIBILIDADES DE ATUAÇÃO DO BIBLIOTECÁRIO....................28 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................31 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................32 TÓPICO 3 – O PAPEL SOCIAL DA BIBLIOTECONOMIA ...........................................................33 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................33 2 A BIBLIOTECONOMIA NO CONTEXTO SOCIAL .....................................................................34 3 PARCERIAS PARA PROJETOS CULTURAIS E SOCIAIS ..........................................................38 LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................................40 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................45 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................46 UNIDADE 2 – EXPERIÊNCIAS CULTURAIS NA BIBLIOTECONOMIA ..................................47 TÓPICO 1 – PRÁTICAS CULTURAIS NA BIBLIOTECONOMIA ...............................................49 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................49 2 EXEMPLOS DE AÇÕES CULTURAIS ..............................................................................................502.1 SELFIE NA BIBLIO ..........................................................................................................................51 2.2 ALUNO DESTAQUE .......................................................................................................................52 2.3 PAINEL INTERATIVO ....................................................................................................................54 2.3.1 Parede lousa ............................................................................................................................55 2.3.2 Painel de asas ...........................................................................................................................56 2.4 CANTINHO DA LITERATURA DE LAZER ...............................................................................57 2.5 JOGOS NAS BIBLIOTECAS ...........................................................................................................58 2.6 QUEBRA-CABEÇA COLABORATIVO ........................................................................................59 sumário VIII 2.7 SEMANA NACIONAL DO LIVRO E DA BIBLIOTECA...........................................................60 2.8 LEITORES DESTAQUE DO ANO .................................................................................................63 2.9 CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS ........................................................................................................64 2.10 TROCA-TROCA DE LIVROS.......................................................................................................67 2.11 EXPOSIÇÕES ..................................................................................................................................68 2.12 SUGESTÕES DE LEITURA ..........................................................................................................70 2.13 CLUBE DO LIVRO ........................................................................................................................71 2.14 PROJETO DOE SOLIDARIEDADE E RECEBA CONHECIMENTO .....................................73 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................75 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................76 TÓPICO 2 – AÇÕES CULTURAIS DE COMBATE A PRECONCEITOS .....................................77 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................77 2 PROJETOS SOCIAIS DE COMBATE AO PRECONCEITO .......................................................77 2.1 PROJETO BAÚ CULTURAL .........................................................................................................78 2.2 SEMANA DA CONSCIÊNCIA NEGRA ......................................................................................81 2.3 BIBLIOTECA E RESPEITO À DIVERSIDADE ............................................................................84 2.3.1 I Semana da Diversidade realizada na Biblioteca Pública do Estado da Bahia .............84 2.3.2 Biblioteca da UFC – Cinema LGBT: close na lacração .......................................................85 2.3.3 Calendário da diversidade ....................................................................................................86 2.3.4 Experiências internacionais ..................................................................................................87 LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................................90 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................93 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................94 UNIDADE 3 – EXPERIÊNCIAS SOCIAIS NA BIBLIOTECONOMIA .........................................95 TÓPICO 1 – PRÁTICAS SOCIAIS EM TEMAS AMBIENTAIS E DE SAÚDE ...........................97 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................97 2 DIRETRIZES PARA BIBLIOTECAS PÚBLICAS VERDES NO BRASIL ..................................98 2.1 COLETA SELETIVA DE LIVROS ..................................................................................................99 2.2 SALA DE LEITURA SUSTENTÁVEL .........................................................................................101 2.2.1 Biblioteca sustentável Prof. Arlindo Corrêa da Silva .......................................................103 2.3 OFICINAS EM BIBLIOTECAS .....................................................................................................104 2.3.1 Oficina de reciclagem de livros e revistas .........................................................................105 2.3.2 Biblioagrorural ......................................................................................................................105 2.3.3 Oficinas juninas sustentáveis .............................................................................................106 3 PARTICIPAÇÃO EM CAMPANHAS DA ÁREA DA SAÚDE ..................................................107 3.1 SETEMBRO AMARELO ...............................................................................................................108 3.2 OUTUBRO ROSA ..........................................................................................................................110 3.3 NOVEMBRO AZUL .....................................................................................................................112 3.4 CAMPANHA CONTRA A DENGUE ........................................................................................113 3.4.1 Bibex (Biblioteca de Extensão) na campanha contra a dengue ......................................113 3.4.2 Biblioteca Professor Mário Gemignani na campanha contra a dengue ............................114 3.4.3 Biblioteca de Manguinhos: Dia Mundial de Luta contra a Aids ....................................115 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................117 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................118 TÓPICO 2 – PRÁTICAS SOCIAIS DE INCENTIVO À LEITURA E DE COMBATE A PRECONCEITOS ..................................................................................119 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................119 2 PROJETOS SOCIAIS DE INCENTIVO À LEITURA ..................................................................119 IX 2.1 AGROLIVROS ...............................................................................................................................120 2.2 ARVORETECA ...............................................................................................................................120 2.3 TENDA BIBLIOTECA COMUNITÁRIA PARQUE COQUEIROS ........................................122 2.4 BIBLIOTECONOMIA VAI À ESCOLA.......................................................................................125 2.5 PROJETO ESQUEÇA UM LIVRO ...............................................................................................126 2.5.1 Esqueça um livro – Projeto Cidade Biblioteca de Búzios................................................127 2.5.2 Projeto Esqueça um Livro – AMAFE .................................................................................128 2.6 LEITURA EM ÔNIBUS .................................................................................................................1292.6.1 “Tem um livro no meu Caminho” em Belo Horizonte ...................................................129 2.6.2 “Parada do livro” em São Paulo .........................................................................................129 2.7 BIBLIOTECAS ITINERANTES ....................................................................................................130 2.7.1 Biblioteca itinerante em ônibus ..........................................................................................131 2.7.2 Biblioteca itinerante em Bicicleta – JoinvilLê ....................................................................131 2.7.3 Biblioteca itinerante em hospitais ......................................................................................132 2.7.4 Biblioteca itinerante em escolas infantis ...........................................................................133 2.7.5 Bibliotecas geladeiras ...........................................................................................................134 2.7.5.1 Geladeiroteca – abra e sinta o sabor da leitura .....................................................135 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................137 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................140 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................141 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................143 X 1 UNIDADE 1 CONCEITOS INICIAIS SOBRE CULTURA E ATIVIDADES SOCIAIS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • conhecer os conceitos de cultura; • relacionar cultura e biblioteconomia; • refletir criticamente sobre o papel social do profissional da informação na sociedade contemporânea; • compreender o trabalho de ação cultural na área de Biblioteconomia e Ciência da Informação; • relacionar a informação pública com a ação cultural; • compreender a biblioteca como um centro de cultura. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – CULTURA E BIBLIOTECONOMIA TÓPICO 2 – MEDIAÇÃO CULTURAL TÓPICO 3 – O PAPEL SOCIAL DA BIBLIOTECONOMIA Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 CULTURA E BIBLIOTECONOMIA 1 INTRODUÇÃO Observamos que os profissionais da informação podem e devem ser protagonistas de ações culturais e sociais, quer seja no sentido de dinamizar, divulgar e preservar as unidades de informação ou ainda nos processos de produção cultural e desenvolvimento educacional e social. Seja em ambientes virtuais ou físicos ou ainda nos diversos espaços, como bibliotecas públicas, escolares, especializadas, comunitárias, centros de documentação, entre outros. Tais ambientes não devem ser limitados, como alguns os veem erroneamente, a ambientes estáticos e úteis somente quando há a necessidade e obrigação de realizar pesquisa para cumprir tarefa acadêmica (nos níveis básico, secundário ou superior) ou profissional. Nas Unidades de Informação, a ação cultural ou social pode ser um estímulo à leitura, uma contribuição educativa, uma prática que colabore para transformações na realidade social, em que os usuários se tornam sujeitos da cultura e criação de novos conhecimentos. A ação cultural e social é oportuna ainda mais no período atual, de muitas transformações e avanços tecnológicos. Nesse sentido, o profissional da informação pode ser mediador nessas transformações, facilitando o acesso e ampliando as oportunidades dos usuários no desenvolvimento de práticas culturais e sociais. Isso pode ser potencializado ao observarmos uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. O Perfil dos Municípios Brasileiros – Gestão 2009 (Munic) dedicou-se, entre outros temas, a estudar as atividades e equipamentos culturais presentes nos municípios. Tal pesquisa identificou um crescimento – em relação a 1999 – de 22,1% de bibliotecas públicas no país, impulsionado por uma política de universalização implementada pelo governo federal na época (IBGE, 2009). Isso significou que, em 2009, 93,2% das 5.564 cidades brasileiras possuíam ao menos uma biblioteca. Isso demonstra a importância da biblioteca e a sua participação e contribuição no tocante à educação e à cultura. UNIDADE 1 | CONCEITOS INICIAIS SOBRE CULTURA E ATIVIDADES SOCIAIS 4 Entre no site do IBGE e obtenha mais informações sobre essa pesquisa: Perfil dos Municípios Brasileiros – Gestão 2009: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/ biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=244692. FONTE: <https://loja.ibge.gov.br/media/catalog/product/cache/1/image/720x660/9df78eab33 525d08d6e5fb8d27136e95/c/a/capamunic_asssocial2009.jpg>. Acesso em: 26 nov. 2019. DICAS No entanto, para continuarmos falando do papel cultural e social das bibliotecas, precisamos resgatar ou conhecer alguns aspectos conceituais de cultura. 2 CONCEITUANDO CULTURA Cultura é um termo complexo e de grande importância para as ciências humanas em geral. Sua etimologia vem do latim culturae, que significa ato de plantar e cultivar. Aos poucos, acabou adquirindo o sentido de cultivo de conhecimentos (GUERRA, 2018). FONTE: <https://www.culturagenial.com/escultura-o-pensador-de-augusto-rodin/>. Acesso em: 26 nov. 2019. FIGURA 1 – O PENSADOR TÓPICO 1 | CULTURA E BIBLIOTECONOMIA 5 Numa perspectiva antropológica, o britânico Edward Tylor (1832-1917) definiu cultura como todo o complexo que envolve o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes, os hábitos e as capacidades adquiridos pelo homem como membro da sociedade; ou seja, a expressão da totalidade da vida social do homem, caracterizada pela sua dimensão coletiva (DIANA, 2018). Sociologicamente, a concepção de cultura também é semelhante. Assim, a cultura é a representação do conjunto de saberes e tradições produzidos pela interação social entre os membros de uma comunidade ou sociedade, que, por sua vez, moldam e criam padrões comportamentais que influenciam a estrutura e organização social (DIANA, 2018). O termo cultura passa a ter uma abrangência que antes não se percebia, sendo agora entendido como produção e criação da linguagem, da religião, da sexualidade, dos instrumentos e formas do trabalho, das formas da habitação, do vestuário e culinária, das expressões de lazer, da música, da dança, dos sistemas de relações sociais, particularmente os sistemas de parentesco ou estrutura da família, das relações de poder, da guerra e paz, da noção da vida e morte (CHAUÍ, 2008). 2.1 CARACTERÍSTICAS DA CULTURA Segundo Guerra (2018), uma característica da cultura é que ela é indissociável da realidade social, ou seja, está presente sempre que os seres humanos se organizam em sociedade. Trata-se de uma construção histórica e produto coletivo da vida humana. Falar de cultura implica necessariamente se referir a um processo social concreto. Costumes, tradições, manifestações culturais e folclóricas como festas, danças, cantigas, lendas etc. só fazem sentido enquanto parte de uma cultura específica; ou seja, as manifestações culturais não podem ser compreendidas fora da realidade e história da sociedade a qual pertencem (GUERRA, 2018). Outra característica da cultura citada por Guerra (2018) é o seu aspecto dinâmico. Por isso, é mais pertinente pensá-la como um processo e não como algo estagnado no tempo. “Isso fica claro no mundo globalizado, marcado por rápidas transformações tecnológicas, pelo constantecontato entre as culturas e disseminação de padrões culturais pelos meios de comunicação de massa”. No entanto, mesmo quando se fala de sociedades tradicionais, não quer dizer que elas não se modifiquem. Todo aspecto de determinada cultura tem a sua própria dinâmica, pois não existe nenhuma sociedade humana que esteja isenta de transformações com o tempo e contato com outras culturas. A cultura de determinada sociedade é passada de uma geração a outra através da educação, manifestações artísticas e outras formas de transmissão de conhecimento. O comportamento dos indivíduos vai depender desse aprendizado cultural. Portanto, um menino e uma menina agem diferentemente não por causa de seus hormônios, UNIDADE 1 | CONCEITOS INICIAIS SOBRE CULTURA E ATIVIDADES SOCIAIS 6 mas devido à educação diferenciada que recebem. É por isso também que maneiras de falar, se vestir, se alimentar, se comportar, etc. de um povo específico pode ser tão estranho aos olhos de outros povos. O que é repugnante para indivíduos de uma sociedade, pode ser desejável em outra. Mais ainda: em uma mesma sociedade, o que era impensável no século passado pode se tornar comum hoje em dia e vice-versa (GUERRA, 2018, s.p.). As sociedades humanas historicamente desenvolveram formas diferentes de se organizar, de se relacionar internamente com outros grupos sociais e com o meio ambiente. Sociedades distintas vão necessariamente originar culturas diferentes, ou seja, diferentes formas de ver o mundo e orientar a atividade social. É por isso que, segundo Guerra (2018), existem tantas diferenças culturais, mesmo sendo todos pertencentes à mesma espécie humana. As diferenças culturais não podem ser explicadas em termos de diferenças geográficas ou biológicas. No passado, explicações baseadas no determinismo geográfico ou genético contribuíram para reforçar o racismo e preconceitos, além de terem servido como justificativa para a dominação de uns povos sobre outros. CULTURA Determinada pelo conjunto de saberes, comportamentos e modos de fazer Possui um caráter simbólico É transmitida para gerações porteriores É adquirida por meio das relações sociais de um grupo FIGURA 2 – CARACTERÍSTICAS DA CULTURA FONTE: A autora TÓPICO 1 | CULTURA E BIBLIOTECONOMIA 7 2.2 TIPOS DE CULTURA A cultura é um processo permanente de construção/desconstrução e reconstrução, que perpassa os períodos históricos e as práticas sociais. O que varia, portanto, é a importância de cada fase, de acordo com as situações. Para Cuche (1999 apud SOUZA, 2010, p. 4), nenhuma cultura existe “em estado puro, sem que jamais tenha passado por qualquer influência, mesmo que seja a mais simples possível”. Dito isso, neste tópico, apresentaremos uma breve descrição de três tipos de cultura que são fundamentais quando pensamos nas atividades culturais em bibliotecas. QUADRO 1 – DIFERENÇAS DE CLASSES NA PRODUÇÃO CULTURAL FONTE: Rasteli (2019, p. 55) Divisões culturais Expressões Cultura Erudita (Cultura produzida pela elite) Informações produzidas pela música clássica (erudita), ópera, escultura, pintura, quadros, literatura, obras de arte, ballet, alta gastronomia, moda (alta costura). Cultura Popular (Cultura produzida pelo povo) Informações produzidas pelo grafite, festas populares diversas (carnaval, festa junina etc.), criações folclóricas, manifestações populares diversas, danças regionais (frevo, gaúcha), comidas típicas (feijoada, mungunzá etc.), artesanatos. Cultura de Massa (Cultura produzida pelos meios de comunicação) Informações produzidas pelos veículos como imprensa, rádio, cinema, música, televisão e internet. 2.2.1 Cultura de massa Vários autores afirmam que, para entender o que é cultura de massa, é necessário se reportar ao século XV, com o surgimento da imprensa escrita criada por Gutemberg, história que já detalhamos em outros livros didáticos. Foi a partir desse período que a literatura e as informações, que antes tinham seu conhecimento restrito a uma elite, passaram a chegar a um número maior de pessoas. Claro que isso ocorreu de forma progressiva, sendo ampliada ao longo da história. Na Revolução Francesa e sua busca pela liberdade de expressão, somada à Revolução Industrial, constrói-se um mercado consumidor voltado à maioria da população. Desse período até os dias atuais, a cultura de massa se desenvolve amplamente, em consonância com a indústria cultural e os meios de comunicação de massa, como jornal, rádio, televisão, cinema, teatro e, posteriormente, a internet. UNIDADE 1 | CONCEITOS INICIAIS SOBRE CULTURA E ATIVIDADES SOCIAIS 8 A cultura de massa, dentro do sistema capitalista, é produzida não apenas para comunicar, mas principalmente para vender e se tornar altamente lucrativa aos donos dos meios de comunicação. Essa sociedade de consumo alimenta a cultura de massa, que passa a ser feita em série, de forma industrial, para o maior número de pessoas. A cultura de massa é um produto da indústria cultural, termo criado pelos filósofos alemães Theodor Adorno e Max Horkheimer, fundadores da Escola de Frankfurt, instituto de pesquisas sociais voltado à discussão sobre questões culturais da sociedade atual. De acordo com Adorno e Horkheimer, a indústria cultural cria padrões de consumo e transmite notícias, fatos ou acontecimentos de acordo com seus interesses, desenvolvendo uma sociedade alienada à realidade. Leia: HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor. A indústria cultural: o iluminismo como mistificação de massas. p. 169 a 214. In: LIMA, Luiz Costa. Teoria da cultura de massa. São Paulo: Paz e Terra, 2002. 364 p. DICAS Vamos refletir um pouco? A seguir, observe o quadrinho da Mafalda e reflita sobre o poder que a mídia exerce sobre as pessoas, criando a ideologia e a cultura de massa. Essa cultura é fundamental para a cadeia produtiva na sociedade capitalista. FIGURA 3 – CULTURA DE MASSAS FONTE: <https://www.portaldovestibulando.com/2014/09/industria-cultural-questoes-de.html>. Acesso em: 26 nov. 2019. TÓPICO 1 | CULTURA E BIBLIOTECONOMIA 9 Essa cultura deixa de ser um instrumento de crítica, conhecimento, livre pensamento, para ser um produto vendável, padronizado de acordo com princípios gerais que orientam essa sociedade, que não tem tempo de questionar aquilo que consome e quer apenas distração e lazer nas horas de folga de uma rotina diária de trabalho intensa e repetitiva. 2.2.2 Cultura erudita Podemos afirmar que a cultura erudita é uma consequência dos saberes que são produzidos pela sociedade e vão se organizando ao redor do mundo, cuja riqueza, em parte, é fruto do aproveitamento desses saberes e é centralizada por uma classe social. Santos (2009) define cultura erudita como toda e qualquer forma de cultura produzida dentro de um conjunto de conhecimentos adquiridos por meio do estudo organizado, que pode ser acadêmico ou não. FIGURA 4 – MANIFESTAÇÕES DA CULTURA ERUDITA FONTE: <http://eruditacultura.blogspot.com/p/complexos-culturais.html>; <https://br.pinterest.com/pin/540432024027528695/?lp=true>. Acesso em: 26 nov. 2019. Para falarmos em cultura erudita, nos reportamos ao período entre os séculos XIII e XIX, de formação dos Estados Nacionais Modernos, ou seja, do surgimento de parte das nações atuais, como Inglaterra, França e Alemanha. Segundo Burke (1999), uma das preocupações dos governos dessas nações era a criação de uma identidade comum à população, a fim de fortalecer os laços entre as pessoas, delineando uma cultura nacional. Para o autor, essa identidade nacional acabava refletindo, na verdade, os interesses das classes dominantes, que se esforçavam por produzir uma cultura que as diferenciasse do restante da população. O movimento a partir do Renascimento Cultural, quando os mecenas financiavam os artistas renascentistas, os traziam para seu círculo de convivência e os estimulavam a produzir obras de arte de grande valor estético e técnico, que reproduzissem o estilo de vidada nobreza ou da alta burguesia. UNIDADE 1 | CONCEITOS INICIAIS SOBRE CULTURA E ATIVIDADES SOCIAIS 10 MECENAS Os mecenas eram ricos e poderosos comerciantes, príncipes, condes, bispos e banqueiros que financiavam e investiam na produção de arte como maneira de obter reconhecimento e prestígio na sociedade. Eles foram de extrema importância para o desenvolvimento das artes plásticas (escultura e pintura), literatura e arquitetura durante o período do Renascimento Cultural (séculos XV e XVI). A burguesia, classe social que enriqueceu muito com o renascimento comercial, viu na prática do mecenato uma forma rápida de alcançar o status de nobreza. Isso era obtido também com a compra dos títulos de nobreza. O ato de patrocinar e investir em arte e cultura é conhecido como mecenato. Principais mecenas da época do Renascimento Cultural: • Lourenço de Medici (banqueiro italiano) • Come de Medici (banqueiro e político italiano) • Galeazzo Maria Sforza (duque de Milão) • Federico da Montefeltro (duque de Urbino) • Francisco I (rei da França) Curiosidade: A palavra "mecenas" tem sua origem na Roma Antiga. No século I a.C., Caio Mecenas foi um conselheiro do imperador romano Otávio Augusto. Caio Mecenas patrocinou a produção de vários artistas e poetas nesta época. FONTE: <https://www.suapesquisa.com/pesquisa/mecenas.htm>. Acesso em: 26 nov. 2019. INTERESSA NTE Moutinho (2017) apresenta a produção artística erudita como dotada de um determinado padrão de criação, que se intensificou com o surgimento da sociedade de Corte, nos séculos XVI e XVII, e com a preocupação da nobreza em se distanciar e se diferenciar das demais camadas populares, sendo a erudição e a etiqueta peças essenciais desse processo. É nesse período que surgem as primeiras grandes obras-primas da música clássica, registradas em partituras. Para o autor, além da esfera musical, outras áreas da produção cultural, como a literatura, também passaram por um processo de erudição, com a transformação de contos populares em clássicos contos de fada, comuns ao nosso cotidiano atual e com os quais se costuma entreter as crianças ao relatar tais aventuras fantásticas. Como resultado desse processo pode-se, então, apontar a existência de algumas características associadas à cultura erudita e a sua produção: TÓPICO 1 | CULTURA E BIBLIOTECONOMIA 11 FIGURA 5 – CARACTERÍSTICAS DA CULTURA ERUDITA FONTE: Adaptada de Moutinho (2017) Cultura Erudita Seus frutos são consequência do surgimento de certo academicismo, ou seja, de um conjunto de conhecimentos sistematizados que, para serem dominados, devem ser aprendidos segundo princípios e regras estabelecidas. Cultura Erudita Costumam ser preservados por meios escritos e/ou mecânicos, passando de geração em geração, de modo a preservar a originalidade da obra bem como sua finalidade autoral. Cultura Erudita É heterogênea, podendo se manifestar nas mais variadas formas, como uma composição musical, uma pintura, um texto literário, uma peça de teatro, entre outras formas de apresentação. Como o acesso a esse tipo de cultura fica restrito a um grupo pequeno, ela fica ligada ao poder econômico e é considerada superior. Essa consideração pode acabar tornando-se preconceituosa e desmerecendo as outras formas de cultura. O erudito é tudo aquilo que demanda muito estudo, mas não se deve pensar que uma expressão cultural popular como o hip-hop, por exemplo, é pior que uma música clássica (PORTAL EDUCAÇÃO, 2019). 2.2.3 Cultura popular Um outro padrão de organização cultural é a cultura popular. Esta refere- se aos valores das manifestações de um povo, principalmente dos trabalhadores, dos populares, dos guetos, dos marginalizados, dos dominados. “Nesse caso, estamos nos referindo às produções locais, ligadas a uma determinada tradição. São temas ligados à cultura popular: o folclore e a cultura popular tradicional” (RASTELI, 2019, p. 16). Rios (2014) diz que a cultura popular tradicional é constituída por bens simbólicos criados por trabalhadores, homens e mulheres do povo, normalmente com baixo poder aquisitivo e baixo nível de instrução formal, que têm ligações diretas com as condições concretas de uma luta intensiva pela sobrevivência. As manifestações da cultura popular abrangem os artesanatos; os trançados (como a cestaria do Vale do Ribeira e do Litoral norte e sul do estado de São Paulo com a utilização de cipós encontráveis na Mata Atlântica); cerâmicas; bonecos de panos; danças (catira, jongo); cavalgadas; cavalhadas e festas religiosas (Cosme e Damião, Festa do Divino etc.). UNIDADE 1 | CONCEITOS INICIAIS SOBRE CULTURA E ATIVIDADES SOCIAIS 12 FIGURA 6 – CULTURA POPULAR BRASILEIRA FONTE: <https://robertalessablog.wordpress.com/2012/10/24/filosofiando-ideias-reverencia-a- tradicao/cultura-popular-do-brasil-2/>. Acesso em: 26 nov. 2019. Para Rasteli (2019), ao tomarmos essa classificação de produções culturais, poder-se-ia inferir que a atuação do bibliotecário mediador tivesse como desafios: FIGURA 7 – BIBLIOTECÁRIO COMO MEDIADOR FONTE: Adaptada de Rasteli (2019, p. 16) Difundir os elementos da cultura erudita, possibilitando a descoberta de novas linguagens e de novas formas artísticas BIBLIOTECÁRIO COMO MEDIADOR DA CULTURALidar com critérios com os elementos da cultura de massa, procurando direcionar o desenvolvimento de perspectivas críticas Recuperar e difundir a cultura popular, que se encontram muitas vezes esquecidos, deteriorados pela indústria cultural 2.2.3.1 Cultura material e imaterial Os tipos de cultura ainda podem ser classificados como material e imaterial. Segundo Bezerra (2017), cultura material e cultura imaterial são dois tipos de patrimônio que expressam a cultura e características de determinado grupo ou região. A cultura material é composta por elementos concretos, como construções e objetos artísticos. Já a cultura imaterial é relacionada a elementos abstratos, como hábitos e rituais. Nesse sentido, é associada aos elementos concretos e abstratos de uma sociedade, representando a cultura e história de sua população. Os bens TÓPICO 1 | CULTURA E BIBLIOTECONOMIA 13 de natureza material podem ser móveis ou imóveis. Também são considerados bens imóveis as estruturas físicas, como cidades históricas, sítios arqueológicos e paisagísticos e bens individuais. Já os móveis são os bens que podem ser transportados, como coleções arqueológicas, acervos museológicos, documentais, bibliográficos, arquivísticos, videográficos, fotográficos e cinematográficos. No Brasil, existem três formas de proteção dos bens de cultura material: FIGURA 8 – FORMAS DE PROTEÇÃO DO DA CULTURA MATERIAL FONTE: A autora Tombamento Registro Inventário Apresentamos, a seguir, alguns exemplos de bens da cultura material brasileira classificados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN, 2017): • Centro Histórico de Ouro Preto (Ouro Preto/MG). • Museu Histórico Nacional (Rio de Janeiro/ RJ). • Conjunto Arquitetônico de Paraty (Paraty/RJ). • Centro Histórico de Olinda (Olinda/PE). • Pelourinho (Salvador/BA). • Parque Nacional Serra da Capivara (São Raimundo Nonato/PI). • Universidade Federal do Paraná (Curitiba/PR). Bezerra (2017, grifo nosso) explica que os bens de cultura imaterial são os elementos abstratos que fazem parte de uma cultura e dizem respeito às práticas e domínios da vida social de determinado grupo. No Brasil, o IPHAN tem registrados 47 bens imateriais, divididos em formas de expressão, saberes, celebrações e lugar. Confira a seguir uma lista do patrimônio imaterial do nosso país: UNIDADE 1 | CONCEITOS INICIAIS SOBRE CULTURA E ATIVIDADES SOCIAIS 14 QUADRO 2 – LISTA DE PATRIMÔNIOS IMATERIAIS FORMAS DE EXPRESSÃO SABERES CELEBRAÇÕES LUGARES Arte Kusiwa – Pintura Corporal e Arte Gráfica Wajápi (AP). Samba de Roda do Recôncavo Baiano (BA). Jongo no Sudeste (SP, RJ, ES, MG). Frevo (PE). Tambor de Crioula do Maranhão (MA). Matrizesdo Samba no Rio de Janeiro: partido alto, samba de terreiro e samba enredo (RJ). Roda de Capoeira (todos os estados). Toque dos Sinos em Minas Gerais (MG). Ritxòkò: Expressão Artística e Cosmológica do Povo Karajá (TO, PA, GO, MT). Fandango Caiçara (SP, PR). Carimbó (PA). Maracatu Nação (PE). Maracatu Baque Solto (PE). Cavalo-Marinho (PE). Teatro de Bonecos Popular do Nordeste – Mamulengo, Babau, João Redondo e Cassimiro Coco (RN, PE, PB, CE, DF). Caboclinho pernambucano (PE). Literatura de Cordel (RJ, DF, AL, BA, CE, MA, PB, PI, PE, RN, SE). Marabaixo (AP). Ofício das Paneleiras de Goiabeiras (ES). Modo de fazer Viola de Cocho (MT e MS). Ofício das Baianas de Acarajé (BA). Modo artesanal de fazer Queijo de Minas nas regiões do Serro, da Serra da Canastra e Salitre/ Alto Paranaíba (MG). Ofício dos Mestres de Capoeira (todos os estados). Modo de fazer Renda Irlandesa tendo como referência este Ofício em Divina Pastora (SE). Ofício de Sineiro (MG). Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro (AM). Saberes e Práticas associados ao modo de fazer Bonecas Karajá (TO, PA, GO, MT). Produção Tradicional e práticas socioculturais associadas à Cajuína no Piauí estadual (PI). Modos de Fazer Cuias do Baixo Amazonas (PA). Tradições Doceiras da Região de Pelotas e Antiga Pelotas – Morro Redondo, Ituruçu, Capão do Leão e Arroio do Padre (RS). Sistema Agrícola Tradicional de Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira (SP). Círio de Nossa Senhora de Nazaré (PA). Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis (GO). Ritual Yaokwa do povo indígena Enawenê Nawê (MT). Festa de Sant'Ana de Caicó (RN). Complexo Cultural do Bumba meu-Boi do Maranhão (MA). Festa do Divino Espírito Santo da Cidade de Paraty (RJ). Festa do Senhor Bom Jesus do Bonfim (BA). Festividades do Glorioso São Sebastião na região do Marajó (PA). Festa do Pau de Santo Antônio de Barbalha (CE). Romaria de Carros de Boi da Festa do Divino Pai Eterno de Trindade (GO). Procissão do Senhor Jesus dos Passos de Florianópolis (SC). Complexo Cultural do Boi Bumbá do Médio Amazonas e Parintins (AM). Cachoeira de Iauaretê – Lugar Sagrado dos povos indígenas dos Rios Uaupés e Papuri (AM). Feira de Caruaru (PE). Tava, Lugar de Referência para o Povo Guarani (RS). Feira de Campina Grande (PB). FONTE: Adaptado de Bezerra (2017) TÓPICO 1 | CULTURA E BIBLIOTECONOMIA 15 Esses bens podem ser ofícios, saberes, celebrações, formas de expressão e também lugares, como mercados, feiras e santuários que abrigam práticas culturais coletivas. A cultura imaterial é passada de geração a geração. Com isso, os bens costumam ser recriados e modificados pelos grupos e comunidades de acordo com o ambiente, através da interação com a natureza e com o contexto histórico da sociedade (BEZERRA, 2017). UNESCO DEFINE PATRIMÔNIO IMATERIAL O patrimônio Cultural Imaterial ou Intangível compreende as expressões de vida e tradições que comunidades, grupos e indivíduos em todas as partes do mundo recebem de seus ancestrais e passam seus conhecimentos a seus descendentes. Apesar de tentar manter um senso de identidade e continuidade, esse patrimônio é particularmente vulnerável, uma vez que está em constante mutação e multiplicação de seus portadores. Por essa razão, a comunidade internacional adotou a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial em 2003. É amplamente reconhecida a importância de promover e proteger a memória e as manifestações culturais representadas, em todo o mundo, por monumentos, sítios históricos e paisagens culturais. No entanto, não só de aspectos físicos se constitui a cultura de um povo. Há muito mais, contido nas tradições, no folclore, nos saberes, nas línguas, nas festas e em diversos outros aspectos e manifestações, transmitidos oral ou gestualmente, recriados coletivamente e modificados ao longo do tempo. A essa porção imaterial da herança cultural dos povos, dá-se o nome de patrimônio cultural imaterial. Para muitas pessoas, especialmente as minorias étnicas e os povos indígenas, o patrimônio imaterial é uma fonte de identidade e carrega a sua própria história. A filosofia, os valores e as formas de pensar refletidos nas línguas, tradições orais e diversas manifestações culturais constituem o fundamento da vida comunitária. Num mundo de crescentes interações globais, a revitalização de culturas tradicionais e populares assegura a sobrevivência da diversidade de culturas dentro de cada comunidade, contribuindo para o alcance de um mundo plural. Ciente da importância dessa forma de patrimônio e da complexidade envolvida na definição dos seus limites e de sua proteção, a UNESCO vem, nos últimos 20 anos, se esforçando para criar e consolidar instrumentos e mecanismos que conduzam ao seu reconhecimento e defesa. Em 1989, a Organização estabeleceu a Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular e vem, desde então, estimulando a sua aplicação ao redor do mundo. Esse instrumento legal fornece elementos para a identificação, a preservação e a continuidade dessa forma de patrimônio, assim como de sua disseminação. De modo a estimular os governos, ONGs e as próprias comunidades locais a reconhecer, valorizar, identificar e preservar o seu patrimônio cultural imaterial, a UNESCO criou um título internacional, concedido a destacados espaços (locais onde são regularmente produzidas expressões culturais) e manifestações da cultura tradicional e popular. Assim, em 2003 e 2005, a Proclamação das Obras-Primas do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade selecionou, por meio de um júri internacional, espaços e expressões de excepcional importância, dentre candidaturas oferecidas pelos países. NOTA UNIDADE 1 | CONCEITOS INICIAIS SOBRE CULTURA E ATIVIDADES SOCIAIS 16 Além das gravações, registros e arquivos, a UNESCO considera que uma das formas mais eficazes de preservar o patrimônio imaterial é garantir que os portadores desse patrimônio possam continuar produzindo-o e transmitindo-o. Assim, a Organização estimula os países a criarem um sistema permanente de identificação de pessoas (artistas, artesãos etc.) que encarnam, no grau máximo, as habilidades e técnicas necessárias para a manifestação de certos aspectos da vida cultural de um povo e a manutenção de seu patrimônio cultural material. Finalmente, em 2003, após uma série de esforços, que incluíram estudos técnicos e discussões internacionais com especialistas, juristas e membros dos governos, a UNESCO adotou a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial. Essa convenção regula o tema do patrimônio cultural imaterial e, assim, complementa a Convenção do Patrimônio Mundial, de 1972, que cuida dos bens tangíveis, de modo a contemplar toda a herança cultural da humanidade. FONTE: <http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/culture/world-heritage/intangible-heritage/>. Acesso em: 26 nov. 2019. Agora que já sabemos os conceitos básicos sobre cultura, podemos refletir sobre a cultura como um processo em constantes transformações – sendo a cultura a expressão da totalidade da vida social humana, caracterizada pela sua dimensão coletiva e em processo permanente de construção/desconstrução e reconstrução nos diversos períodos históricos e práticas sociais, ela é passível de mudanças, a depender das influências de determinada época e/ou meio social. Bem como os novos tempos, pois o futuro é um horizonte aberto de possibilidades para os bibliotecários – como já visto em outras disciplinas do curso de Biblioteconomia, os profissionais da informação (particularmente os bibliotecários) são mediadores da informação e, portanto, da cultura nas suas mais diversas expressões. Com o desenvolvimento das Tecnologias da Comunicação e Informação (TIC), estas podem contribuir para a potencialização do trabalho dos profissionais da informação. Nesse sentido, as ações culturais e sociaispodem significar, no trabalho do bibliotecário, um ambiente de maior interação com os usuários, disponibilização de mais bens culturais, compartilhamento e criação. 17 Neste tópico, você aprendeu que: • Os profissionais da informação podem e devem ser protagonistas de ações culturais e sociais, quer seja no sentido de dinamizar, divulgar e preservar as unidades de informação ou ainda nos processos de produção cultural e desenvolvimento educacional e social. • A ação cultural ou social pode ser um estímulo à leitura, uma contribuição educativa, uma prática que colabore para transformações na realidade social, em que os usuários se tornam sujeitos da cultura e criação de novos conhecimentos. • A cultura é um termo complexo e de grande importância para as ciências humanas em geral. Sua etimologia vem do latim culturae, que significa “ato de plantar e cultivar”. Aos poucos, acabou adquirindo também o sentido de cultivo de conhecimentos. • A cultura possui algumas características, como: é determinada pelo conjunto de saberes, comportamentos e modos de fazer; possui caráter simbólico; é adquirida por meio das relações sociais de um grupo e é transmitida para gerações posteriores. • A cultura erudita é produzida pela elite e pode ser expressada pela música erudita clássica, ópera, por conjunto de artes ou ainda por culturas gastronômicas e de moda. Já a cultura popular é produzida pelo povo e se manifesta pelas festas e costumes populares, bem como no artesanato. A cultura de massa é aquela produzida pelos meios de comunicação, como jornal, rádio, cinema, televisão, internet, e se caracteriza pela cultura do consumo. • A cultura pode ser classificada como material ou imaterial, sendo a cultura material composta por elementos concretos, como construções e objetos artísticos. Já a cultura imaterial é relacionada a elementos abstratos, como hábitos e rituais. Nesse sentido, é associada aos elementos concretos e abstratos de uma sociedade, representando a cultura e história de sua população. • O bibliotecário, como mediador da cultura, pode difundir os elementos da cultura erudita, possibilitando a descoberta de novas linguagens e de novas formas artísticas. Esse profissional também pode recuperar e também difundir a cultura popular, que se encontra muitas vezes esquecida, deteriorada pela indústria cultural. Pode lidar com critérios dos elementos da cultura de massa, procurando direcionar o desenvolvimento de perspectivas críticas. RESUMO DO TÓPICO 1 18 1 Com base na classificação cultural de Rasteli (2019) – Cultura Erudita, Cultura Popular e Cultura da Massa – quais os desafios que se poderia inferir quanto à atuação do bibliotecário como mediador? FONTE: RASTELI, A. Mediação cultural em bibliotecas: contribuições conceituais. Dissertação – Mestrado em Ciência da Informação. Unesp, 2019. 2 Sobre as ações culturais e sociais em Biblioteconomia no período atual, de muitas transformações e avanços tecnológicos, é CORRETO afirmar que: a) ( ) O profissional da informação pode ser mediador nessas transformações, facilitando o acesso e ampliando as oportunidades dos usuários no desenvolvimento de práticas culturais e sociais. b) ( ) A ação cultural e social é inoportuna para os bibliotecários, ainda mais no período atual, marcado por muitas incertezas, transformações e avanços tecnológicos. c) ( ) A atuação do bibliotecário como mediador deve ser de não lidar com a cultura de massa, para não direcionar o desenvolvimento de perspectivas críticas. d) ( ) Cultura material e cultura imaterial são irrelevantes, pois só expressam a cultura e características de determinado grupo ou região. e) ( ) Todas as alternativas estão incorretas. AUTOATIVIDADE 19 TÓPICO 2 MEDIAÇÃO CULTURAL UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO FIGURA 9 – PERSPECTIVAS DA MEDIAÇÃO FONTE: Adaptada de Rasteli e Cavalcante (2013) Todas essas perspectivas são estabelecidas nas relações humanas por meio de um elemento mediador. Assim, nas pesquisas sobre mediação da informação que desenvolve há alguns anos, Osvaldo de Almeida Júnior defende a modificação do objeto da Ciência da informação. Ele aponta que hoje a informação – principalmente a informação registrada – é aceita como sendo esse objeto, mas sustenta a necessidade de reconsideração, ou seja, a mediação da informação deve ser o principal objeto da Ciência da Informação. Almeida Júnior (2009, p. 2) e seu grupo de pesquisa “Interfaces: informação e conhecimento” através do projeto de pesquisa Mediação da Informação e Múltiplas Linguagens, têm como objetivo “analisar a mediação da informação, não só no âmbito de sua relação mais estreita com a disseminação e a transferência da informação, mas também” [...] as implicações que sobre ela incidem o trabalho e o conhecimento de outras linguagens, presentes nas várias mídias informacionais” (ALMEIDA JÚNIOR, 2009, p. 2). Para o grupo, mediação da informação é “[...] Toda ação de interferência – realizada pelo profissional da informação –, direta ou indireta; consciente ou inconsciente; singular ou plural; individual ou coletiva; que propicia a apropriação de informação que satisfaça, plena ou parcialmente, uma necessidade informacional (ALMEIDA JÚNIOR., 2009, p. 3). A palavra mediação vem do latim mediatione, que designa originalmente intervenção humana entre duas partes, ação de dividir em dois ou estar no meio (SILVA; FARIAS, 2018). O conceito de mediação foi tomado por diferentes perspectivas, conforme Rasteli e Cavalcante (2013), indicando as seguintes ideias de: Interveniência MEDIAÇÃO Relação Conjugação Ponte ou elo Religação UNIDADE 1 | CONCEITOS INICIAIS SOBRE CULTURA E ATIVIDADES SOCIAIS 20 Para Almeida Júnior (2009, p. 4), a mediação da informação é dividida em implícita e explícita, sendo que a primeira (implícita) ocorre nos “espaços dos equipamentos informacionais em que as ações são desenvolvidas sem a presença física e imediata dos usuários. Nesses espaços [...] estão a seleção, o armazenamento e o processamento da informação”. Já a segunda (explícita) acontece nos ambientes em que a presença do “usuário é inevitável, é condição sine qua non para sua existência, mesmo que tal presença não seja física, por exemplo, nos acessos à distância” (ALMEIDA JÚNIOR, 2009, p. 4). FIGURA 10 – MEDIAÇÃO VIA SERVIÇOS DE INFORMAÇÃO FONTE: Adaptada de Silva e Farias (2018) • Práticas técnicas de estímulo à cultura • provisão de documentos relacionados às práticas culturais e de memória • levantamento bibliográfico sobre contextos diversos da prática artístico-cultural • serviços de alerta de materiais ligados à cultura, lazer e entretenimento. • Práticas pedagógicas de estímulo à cultura • projetos de ação cultural • cursos relacionados à arte e à cultura • estímulos e editais de cultura • disseminação seletiva da informação MEDIAÇÃO IMPLÍCITA MEDIAÇÃO EXPLÍCITA Essa tipologia indicada denota que a mediação da informação é um processo encadeado e articulado que envolve tanto questões pedagógicas (mediação explícita) quanto questões técnicas (mediação implícita), considerando que ambas se complementam num continuum de ação de interferência indireta e/ou direta junto à comunidade de usuários, respectivamente (SILVA; FARIAS, 2018). Para Rosa (2009), com relação à mediação nos serviços de informação de estímulo à cultura, a prática da ação cultural nas unidades de informação é importante por produzir contribuições educativas e por seu caráter transformador na realidade social, ou seja, a ação cultural não se resume em disponibilização de bens culturais, podendo também ampliar a participação social e a criação de novos bens culturais e conhecimentos. Assim, o profissional de biblioteconomia é um dos agentes a proporcionar um ambiente para que o usuário participe, no sentido de opinar, formular e criar. Almeida Júnior (2009) sustenta que a mediação da informação perpassa todos os serviços relacionados com o tratamento e a disseminaçãoda informação, caracterizando-se como um processo implícito de mediação, na medida em que o usuário não está presente, embora ele seja o alvo de todo esse trabalho de organização do conhecimento. Debray (1993, p. 28-29) afirma que “mediações permeiam todo o processo de comunicação e de transferência de informações. O conjunto dinâmico dos procedimentos e corpos intermédios que se interpõem entre uma produção de signos e uma produção de acontecimentos”. TÓPICO 2 | MEDIAÇÃO CULTURAL 21 Já para a professora Nanci Oddone (1998), o bibliotecário tem sido definido, na estrutura desse processo, como intermediário das ações de comunicação da informação, situado por muitos autores no meio caminho entre o emissor/produtor do conhecimento e o receptor/consumidor do conhecimento gerado. Segundo a autora, seria seu papel identificar e atender às necessidades informacionais de seus usuários imediatos e potenciais, procurando estabelecer uma “dinâmica entre os repositórios estáticos do conhecimento que se encontram sob sua responsabilidade e as questões vivas dos indivíduos na busca de novas informações e conhecimentos” (ODDONE, 1998, p. 2). No contexto dessa nova realidade sociocultural que vemos se desenvolver, o trabalho do profissional bibliotecário deve configurar-se, de fato, como tarefa de mediação, de interfaceamento, de filtragem, de elo no processo de apropriação de novos conhecimentos, requerendo qualificações diferenciadas e em constante evolução. A compreensão das novas dimensões que caracterizam seu exercício profissional passa necessariamente pelo resgate do relevante papel social do bibliotecário, sendo fundamental que os profissionais da informação tenham a percepção que o papel de mediador é inerente a sua atuação. No entanto, para muitos profissionais da área, a mediação se explicita principalmente nos serviços de referência ou no processo de disseminação. Sendo pouco abordada em sua formação, a mediação da informação acaba sendo considerara implícita e não explicitada, principalmente como objeto de pesquisa científica. A mediação está presente em todo conjunto de atividades do ‘fazer’ biblioteconômico, desde o processo de seleção e aquisição do acervo, da definição do que expor ou não na biblioteca, no momento de indicação de materiais e até mesmo nas palavras que são utilizadas no momento de indexação do acervo nas bases de dados. Está presente, também, no momento de definir políticas que podem discriminar ou não os usuários, e quando o profissional se posiciona ou não frente a debates políticos de questões relevantes para a área. Dessa forma, concordando com Almeida Júnior (2009, p. 6), “Se todo fazer do profissional da informação é voltado para a mediação – quer implícita, quer explícita – considerarmos a mediação da informação como objeto da área é um encaminhamento lógico e natural”. Silva (2015) classifica a mediação da informação em três tipos fundantes: FIGURA 11 – CLASSIFICAÇÃO DA MEDIAÇÃO DA INFORMAÇÃO FONTE: Adaptada de Silva (2015) Mediação técnica da informação Mediação pedagógica da informação Mediação institucional da informação UNIDADE 1 | CONCEITOS INICIAIS SOBRE CULTURA E ATIVIDADES SOCIAIS 22 A mediação técnica da informação – concerne às ações de organização, representação da informação envidadas pelo profissional da informação estimulando o uso da informação, seja em ambiente físico ou virtual. Por exemplo, a elaboração de catálogos, interação por e-mail e/ou redes sociais do acervo do centro de informação, entre outros. A mediação pedagógica da informação – consiste na condução dos procedimentos e heurísticas a serem utilizadas no processo de mediação. Para tanto, é fundamental um olhar constante nos estudos de usuários contemplando questões relativas ao uso do acervo, das condições tecnológicas, do serviço, das questões de pessoal e avaliação da atuação do centro de informação de forma geral buscando uma aproximação com a comunidade, assim como promovendo autonomia para que o usuário tenha condições de escolha para apreensão e apropriação da informação. A mediação institucional da informação – está relacionada aos procedimentos de como o profissional da informação irá buscar recursos (financeiros, pessoais, equipamentos, acervo, instrumentos tecnológicos etc.), seja dentro ou fora da instituição que o centro de informação está inserido para concretizar suas ações e interferências, assim como promover sua sustentabilidade (SILVA, 2015, p. 105, grifo do autor). Os tipos de mediação apresentados por Silva (2015) possuem um conjunto de características entre si. A primeira é de contradição, na medida em que há o foco mais intenso em um tipo de mediação em detrimento das demais. Por exemplo, o foco demasiado na mediação técnica relega a um plano inferior a mediação pedagógica e institucional. O segundo é de complementaridade. Quando se pensa a mediação a partir do aspecto institucional, a tendência é de que mediação técnica e mediação pedagógica sejam contempladas dependendo das condições oferecidas/conquistadas na mediação institucional e dependendo do foco da equipe que medeia a informação. O terceiro e principal foco é o de interdependência. As três mediações podem apresentar contradições e complementos, mas a lógica mais proficiente é a de que são interligadas como atividades holísticas e estratégicas no sentido de que a mediação da informação precisa do institucional para se “estabelecer estrutural e gerencialmente, além do técnico e pedagógico para se estabelecer no caráter social e pragmático dos sujeitos (comunidade de usuários) envolvidos na mediação da informação” (SILVA; FARIAS, 2018, p. 111). 2 DEBATES INICIAIS SOBRE MEDIAÇÃO E BIBLIOTECONOMIA A partir do momento em que aceitamos que o objeto da Ciência da Informação é a mediação da informação, levamos em conta que não só a informação registrada é relevante. Assim, diversas ações culturais já existentes em unidades de informação ganham sentido, pois segundo Almeida Júnior (2009), se nosso campo está apenas circunscrito à informação registrada, por que fazer atividades culturais? TÓPICO 2 | MEDIAÇÃO CULTURAL 23 Assim, a finalidade da ação cultural e/ou social é desenvolver o processo de criação, favorecendo meios para que os indivíduos sejam criadores e façam suas próprias escolhas. Para isso, o profissional da informação deve proporcionar um ambiente para que o usuário participe, no sentido de opinar, formular e criar, possibilitando o favorecimento de diversos usurários e potenciais usuários que têm a oralidade como principal fonte de informação. Também inclui comunidades étnicas ou grupos diferenciados que têm a possibilidade de, através de ações culturais nesses espaços, se identificarem com o ambiente, sentindo-se pertencentes a ele. Além de possibilitar ao usuário “padrão” visualizar o “outro” e a troca de experiências e identificações mútuas, a ação cultural contribui para o debate sobre o multiculturalismo que deve estar presente nos ambientes informacionais. Segundo Santos (2009), a cultura é uma dimensão do processo social, da vida de uma sociedade em todos os aspectos da dinâmica social, não sendo legítimo se considerar, portanto, que a cultura exista em alguns contextos e não em outros. Assim, devemos explicitar a diversidade cultural, sendo que a mediação nessas ações é fundamental. Considera-se multiculturalismo um mecanismo para lutar contra toda forma de intolerância e em favor de políticas públicas capazes de garantir os direitos civis básicos a todos, ou seja, políticas que levem em conta os múltiplos modos de ser e estar no mundo, que caracterizam populações diversas, com especificidades culturais. Sobre o tema de combate à discriminação nos espaços das bibliotecas, recomendamos a leitura do livro: Multiculturalismo em Ciência da Informação. Ele está disponível em formato digital na biblioteca da UNIASSELVI. FIGURA – CAPA DO LIVRO MULTICULTURALISMO EM CIÊNCIA DAINFORMAÇÃO FONTE: A autora DICAS UNIDADE 1 | CONCEITOS INICIAIS SOBRE CULTURA E ATIVIDADES SOCIAIS 24 Nesta obra, a autora reflete que as unidades de informação e suas atividades e políticas de coleções não são elementos neutros e desinteressados na transmissão de conteúdos dos conhecimentos. Por isso não se deve incorrer no erro de transmitir visões de mundo particulares como se fossem universais, reproduzindo valores que participarão da formação de identidades individuais e sociais e, portanto, formando sujeitos sociais. Mattos (2013) acredita que há uma relação muito próxima entre a importância de estudos sobre mediação na formação do profissional da informação e a realização de ações ligadas à diversidade cultural. E que o maior desafio hoje no campo da Ciência da Informação e na Biblioteconomia é a formação do profissional. A mediação não é abordada como um objeto de pesquisa e, portanto, passa quase que despercebida pela formação dos profissionais de biblioteconomia. A fim de buscar uma reflexão sobre o assunto, trazemos aqui uma mensagem de Ho Chi Minh, cujo nome verdadeiro era Nguyen Tat Thanh. Ele foi um líder vietnamita e principal articulista da luta do Vietnã contra o domínio colonial francês. Vejamos: FIGURA 12 – HO CHI MINH FONTE: <https://www.biography.com/political-figure/ho-chi-minh>. Acesso em: 26 nov. 2019. Nem muito alto, nem muito largo, nem imperador, nem rei. Você é só um marco na estrada, que se ergue junto à rodovia. As pessoas passam. Você indica a direção certa, e impede que se percam. Você informa a distância que se precisa ainda percorrer. Sua tarefa não é pequena e toda gente lembrará sempre de você. A mensagem de Ho Chi Minh, registrada na Figura 12, foi deixada aos professores vietnamitas do século passado. Ela pode ser reportada aos bibliotecários e profissionais da informação, destacando o caráter de mediadores da informação e a responsabilidade sobre suas ações perante a sociedade. Mediar é também ser um marco na estrada e indicar a direção certa. Essa função intrínseca no fazer biblioteconômico é tão importante quanto ir à direção certa. 3 MEDIAÇÃO CULTURAL EM BIBLIOTECAS Um dos documentos importantes para iniciarmos nossa conversa sobre mediação cultural em bibliotecas é a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Essa declaração foi escrita após a libertação dos países envolvidos na Segunda Guerra Mundial e as atrocidades cometidas naquele período. Nessa declaração, a cultura se tornou um fator de singularização da pessoa humana, promovendo sua dignidade. TÓPICO 2 | MEDIAÇÃO CULTURAL 25 Destacamos aqui dois artigos em especial: Artigo 22° Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social; e pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia com a organização e os recursos de cada país. [...] Artigo 27° 1. Toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam (DECLARAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS, 1948, p. 5-6, grifo nosso). Segundo Rasteli (2019), uma série de tratados internacionais, entre outros instrumentos adotados desde 1945, expandiram o escopo dos direitos humanos, incluindo ações sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial, o combate à discriminação contra as mulheres, os direitos da criança e os direitos culturais, apenas para citar alguns. Nessa tônica, destacamos o artigo 216 da Constituição brasileira, prevendo que “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais” (BRASIL, 1988, p. 96, grifo nosso). Entretanto, mesmo sendo ressaltada nesses dois importantes documentos é possível constatar que grande parte da população sofre privações referentes aos elementos formadores da cultura. Nesse aspecto, concordamos com Rasteli (2019), pois o pleno exercício da cidadania está vinculado às práticas culturais estabelecidas, como as atividades de produção e recepção cultural: ler, escrever, compor, pintar e dançar, entre outras manifestações culturais. Sob esse ângulo, as práticas culturais referem-se, também, à participação cultural dos sujeitos no acesso às informações, como também em frequentar teatros, museus, arquivos, cinemas e bibliotecas. Desse modo, o acesso à cultura torna-se condição prévia que facilitaria (ou não) a produção e a apropriação de produtos culturais efetivados por processos mediadores, situação em que as bibliotecas se enquadram fazendo parte do amplo sistema cultural (RASTELI, 2019, p. 111). Rasteli (2019) ainda destaca que as bibliotecas, enquanto componentes do sistema cultural, teriam relações intrínsecas com todas as esferas que cercam o termo informação, já que a base de toda atividade cultural é a criação, disponibilidade, circulação e apropriação das informações. Estas podem ser oriundas de qualquer âmbito da criatividade humana, de qualquer expressão, linguagem, registradas em algum suporte informacional ou não. Desse modo, a informação seria tratada como um fenômeno intensamente relacionado à ordem do conhecimento, à interação social e à comunicação. UNIDADE 1 | CONCEITOS INICIAIS SOBRE CULTURA E ATIVIDADES SOCIAIS 26 Com relação ao papel das bibliotecas nesses processos de acesso cultural, destacamos alguns manifestos que se referem às bibliotecas como equipamentos culturais e informacionais indispensáveis para o acesso às informações, aprendizagens contínuas, tomadas de decisões independentes e para o desenvolvimento cultural dos indivíduos e grupos sociais. São eles: QUADRO 3 – MANIFESTOS IMPORTANTES SOBRE CULTURA FONTE: A autora MANIFESTOS DISPONÍVEL EM: https://www.ifla.org/files/assets/public-libraries/ publications/PL-manifesto/pl-manifesto-pt.pdf https://www.ifla.org/files/assets/school-libraries- resource-centers/publications/school-library- guidelines/school-library-guidelines-pt.pdf https://www.ifla.org/node/8976 https://www.ifla.org/publications/iflaunesco- manifesto-for-digital-libraries Tais documentos destacam o papel das bibliotecas, que podem assumir grande relevância ao estabelecer centros de informação e cultura, atuando essencialmente na diminuição das desigualdades sociais, culturais e econômicas. Nessa vertente, tem-se a informação como artefato material e simbólico de produção de sentidos, fenômeno da ordem do conhecimento e da cultura. Pode-se, então, entender que a informação é matéria-prima para a elaboração da cultura. A informação é o elemento primordial para a prática social e a construção da cultura. “Tem-se, desse modo, que a cultura é constituída por agentes e instituições sociais em constantes interações baseada no acesso, produção, difusão, recepção e apropriação de bens simbólicos” (RASTELI, 2019, p. 16). Cada cultura tem um valor próprio a ser reconhecido, um estilo específico que se manifesta na língua, nas crenças, nos costumes, na arte e que veicula um espírito próprio (a identidade) (COELHO NETO, 2008). Assim, no vasto território TÓPICO 2 | MEDIAÇÃO CULTURAL 27 brasileiro, coabitam diversas identidades culturais e, desse modo, somos muitas, e como exemplos temos a cultura gaúcha, paulista, baiana, mineira etc. Em cada espaço ou região uma identidade cultural aflora, diferente no sotaque, no hábito, nos modos de ser, pensar e existir. Uma cultura em meio a outras existentes num processo de constantes mudanças e influências se funde com outras, novas e acasos inesperados num vasto processo aberto e mutante. O profissional de biblioteconomia, ao trabalhar com atividades culturais, terá como desafios lidar com as contradições socioculturais da comunidade, sempre respeitando, contudo, as características culturais do grupo com o qual trabalhará(RASTELI, 2019). 3.1 INFORMAÇÃO E CULTURA A informação é um fenômeno intensamente relacionado à ordem do conhecimento, à interação social e à comunicação, “sendo produto de uma construção social que ocorre num contexto cultural-histórico-político marcado por diferenças e disputas de classe, não só de natureza econômica e material, mas também simbólica” (AZEVEDO; MARTELETO, 2008, p. 277). Nessa tônica, os autores têm a informação como artefato material e simbólico de produção de sentidos, fenômeno da ordem do conhecimento e da cultura. Pode-se, então, entender junto a Ramos (2006), que a informação é matéria- prima para a elaboração da cultura. Tem-se, desse modo, que a informação é o elemento primordial para a prática social e a construção da cultura. A cultura é constituída pelos agentes e instituições sociais em constante interação baseada na produção, difusão, recepção e apropriação de bens simbólicos. Atualmente, o aprendizado do mundo é mediado pelas informações que ordenam a cultura e dão sentido à relação com o mundo. IMPORTANT E Nessa instância, a informação referencia tanto os modos de relação dos sujeitos com a realidade como os artefatos criados nas e pelas relações e práticas sociais. Nessa direção, Perrotti (2016, p. 9) vislumbra uma perspectiva sociocultural da informação, que por sua vez apresenta facetas que contemplam e ultrapassam patamares meramente físicos ou técnicos, já que a informação apresenta “uma incontornável e distintiva dimensão simbólica, forjada na cultura, por meio de signos que são constituídos e compartilhados em relações históricas e sociais”. UNIDADE 1 | CONCEITOS INICIAIS SOBRE CULTURA E ATIVIDADES SOCIAIS 28 Já Barreto (2005) define a informação como uma ferramenta da consciência dos indivíduos. Desse modo, a informação somente exerceria sua função de gerar/ complementar conhecimento quando assimilada e compreendida como tal. Hjorland (2007, p. 154-155) se reporta à assimilação da informação, que passa a ser compreendida como apropriação. Nesse aspecto, a geração de conhecimento difere, portanto, de sujeito para sujeito, avaliando que “uma mesma informação pode ter diferentes significados para diferentes pessoas e para a mesma pessoa em diferentes tempos”. Barreto (2005, p. 7) considera, desse modo, a participação ativa do sujeito no processo de apropriação das informações, revelando uma complexidade cuja importância da ação do bibliotecário se faz em estabelecer mediações, interações simbólicas entre os sujeitos e o mundo cultural. Para Rasteli (2019), é através de outros (bibliotecários) que o sujeito (usuário) estabelece relações com objetos de conhecimento, ou seja, que a elaboração cognitiva (apropriação cultural) se funda na relação com o outro, processo visto como mediação. A apropriação cultural está inserida no processo de produção de significados, constituindo em experiências para os sujeitos, não como meros decodificadores de conteúdos, mas como produtores de novos significados. Ao verificar as informações no contexto social-cultural, a Ciência da Informação poderá contribuir com pesquisas centradas em políticas, dinâmicas e em práticas culturais nos equipamentos informacionais. IMPORTANT E 4 AÇÃO CULTURAL: POSSIBILIDADES DE ATUAÇÃO DO BIBLIOTECÁRIO Ação cultural e as várias possibilidades de atuação do profissional bibliotecário nessa área é o principal tema deste texto. Muito rico em criatividade, faz com que viajemos nas inúmeras ações que apresenta. Ação cultural é um espaço de ampla atuação, podendo ser realizado em qualquer espaço como: escolas públicas, privadas, escolares, universitárias, comunitárias etc. Cabral (1999) nos fala das dificuldades de na prática ocorrerem atividades de ação cultural. A autora explica que os profissionais não se sentem preparados para desenvolver essas atividades, resultando em insegurança por parte destes. Isso pode ocorrer, segundo ela, por falta de publicações teóricas relativas ao TÓPICO 2 | MEDIAÇÃO CULTURAL 29 assunto. Isso se deve, também, pela pouca experiência concreta desenvolvida nas universidades, pois em muitas universidades que ofertam o curso de Biblioteconomia sequer existe a disciplina de ação cultural e social. Há situações nas quais a atividade cultural instiga, perturba e incomoda. O resultado da atividade cultural não é o lazer por si só, como também o estranhamento e a reflexão. O resultado “é uma dimensão política por estar revestida de um caráter transformador, que visa operar mudanças na realidade” (CABRAL, 1999). A autora convida o leitor a se “engajar politicamente” em projetos ligados à área. Explica que, para esse envolvimento não ocorrer de forma autoritária, é necessário que saibamos a conceituação básica sobre ação cultural, norteadora de nossas atividades. Cabral (1999), em sua conceituação básica, nos apresenta as diferenças entre “fabricação cultural”, “ação cultural” e “animação cultural” baseadas em Coelho Neto (1999), que explica que a principal diferença entre fabricação cultural e ação cultural é a forma com que se dá o papel do agente cultural na condução do processo. Na fabricação cultural, o agente somente enumera as ferramentas necessárias para a criação. Essa ação é planejada e tem como “objeto” um resultado esperado, pode-se dizer que é “feita para”. Já na ação cultural é “feita junto”, ou seja, não é algo pronto para ser consumido, ele tem que provocar e ganhar a “cara” de seu público. O resultado deste será a possibilidade de reflexão acerca do tema abordado. Poderíamos dizer que é brincar de pensar. Já a animação cultural tem como objetivo “divertir” o público. Não muito diferente da televisão, que segundo Milanesi (2003, p. 54), cria a “anorexia informacional”. Tal autor considera que a informação vem pronta, não sendo necessária a reflexão. “Ele tem conhecimento apenas daquilo que decidiram que ele deve saber, ele é um ser planetário incapaz de explicar a sua própria história”. O resultado, conclui, é a abdicação da criatividade e o atrofiamento da capacidade de inventar. Este último, segundo Milanesi (2003), é o oposto dos objetivos da ação cultural. Para a autora, é necessário que o profissional bibliotecário esteja preparado para trabalhar com equipes multidisciplinares, pois isso facilita quanto ao receio de não estar totalmente preparado (MILANESI, 2003). A partir do desenvolvimento de atividades, esse receio passa e a sua superação é o aprimoramento das atividades. No que se refere ao conceito de cultura, é teoria norteadora também de nossas atividades, ela apresenta o conceito de Fávero (1983 apud CABRAL 1999), e baseada neste, conclui que “cultura é um processo dinâmico e ininterrupto, construído na práxis social a partir da experiência concreta da vida dos sujeitos, sendo trabalho que se materializa na ação humana”. Ao realizar experiências de ação cultural, conforme conceituação básica, o profissional bibliotecário dará um passo adiante na busca de uma comunidade pensante e profissionais que, em muitos momentos, confundirão o “EU” com o “OUTRO”, fundamental na verdadeira socialização de experiências e culturas. UNIDADE 1 | CONCEITOS INICIAIS SOBRE CULTURA E ATIVIDADES SOCIAIS 30 A partir dos anos de 1970 é que o profissional bibliotecário passa a discutir sobre as possibilidades de mudanças de uma biblioteca elitista para uma biblioteca mais popular. Nesse período muitas dificuldades foram enfrentadas, pois o alto índice de analfabetismo, bem como a saída de um momento político de ditadura não eram condições fáceis de serem trabalhadas. Cabral (1999) também apresenta o que a ação cultural libertadora deve conter: Assim, vimos que, ao estudar as variadas facetas da ação cultural é possível descobrir diversas possibilidades de atuação nas unidades de informação. A partir da parte teórica e prática é possível engajar-se para ser um futuro profissional comprometido com a sociedade, bem como um agente promotor de ação cultural.
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