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63 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 HISTÓRIA DA ARTE Unidade III 5 ARTE RUPESTRE E ARTES INDÍGENAS NO BRASIL 5.1 Arte rupestre no Brasil Quase sempre a história da arte rupestre é o ponto de partida para analisar o princípio da transformação de nossa sociedade sob o aspecto midiático e imagético, afinal os registros das pinturas e desenhos na Pré‑História são testemunhos dessa transformação. Os grupos étnicos foram evoluindo culturalmente, a princípio como desenhistas, na sequência, escultores, e, após, pintores, tendo em vista a maior capacidade de abstração que foram adquirindo, o que era exigido pela pintura. Tais mudanças não eram resultado de eventualidades, mas de uma mutação social que se manifestou gradativamente de diversas maneiras no ser humano. 5.1.1 Pré‑História A Pré‑História é marcada por uma das épocas mais extraordinárias da evolução humana. Por conta de sua longa duração, os historiadores a dividiram, de acordo com a evolução técnica, em três períodos significativos: Paleolítico (ou a Idade da Pedra Lascada), que vai desde o aparecimento do homem até 12 mil anos atrás; Neolítico (ou a Idade da Pedra Polida), de 12 mil até 6 mil anos atrás; e Idade dos Metais, datada de 6 mil anos atrás até o aparecimento da escrita. A linguagem gráfica observada na arte rupestre era o manifesto do código social dos grupos étnicos da Era Paleolítica Superior (30 mil a 18 mil a.C.), que reproduzia a imagem na sua verdade visual, sem deformações ou estilizações. Temáticas dominadas pela crença nos poderes mágicos, pelo cotidiano que envolvia a luta pela sobrevivência. A abundância de sítios arqueológicos encontrados até hoje decifra as diferentes culturas que se formaram a partir dessas manifestações artísticas. Características particulares incluem o tipo da tinta, representações humanas pequenas ou grandes, cores dominantes, traçados geométricos cuidadosamente executados, animais desenhados por uma linha de contorno aberta, entre outras. Por meio das peculiaridades, técnicas ou não, foi possível traçar um estudo histórico das sociedades que se manifestavam culturalmente registrando seu cotidiano em imagens reproduzidas nas cavernas. O apogeu da arte rupestre paleolítica foi descoberto em 1880, nas cavernas de Altamira, na Espanha, também conhecida como gruta de Altamira, onde se conserva um dos conjuntos pictóricos mais importantes da Pré‑História. Até aquele momento se duvidava de que grupos étnicos e selvagens dispusessem de arte e cultura. A arte era sinônimo de civilização, e acreditava‑se que esses povos da Idade da Pedra fossem desprovidos de tal característica. Nos tetos e paredes das cavernas de Altamira, foram reproduzidos desenhos coloridos de bisões, cavalos e vários outros animais, em repouso, ou, o mais surpreendente, em movimento. Estudos iconográficos apontam as imagens de Altamira como símbolos sexuais e religiosos, ritos de fertilidade, cerimônias de súplicas aos deuses para caças bem‑sucedidas, bem como batalhas entre 64 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade III clãs. Independentemente dos motivos que levaram a tais manifestações do homem paleolítico, resta a certeza de que advinham de planejamento e organização, o que implica o processo cognitivo pelo qual as tribos buscavam codificar suas informações, registrando‑as em símbolos gráficos. Apesar da inegável importância histórica da gruta de Lascaux, um complexo de cavernas ao sudoeste de França descoberto em 1940 (famosa pelas suas pinturas rupestres), ela é relativamente pequena se comparada à gruta de Altamira. As cavernas espanholas proporcionaram maior impacto social no século XX, diante de sua variedade de riqueza cultural e artística. No mundo artístico moderno, por exemplo, influenciou a criação da Escola de Altamira, quando o artista espanhol Pablo Picasso, após uma visita, exclamou que, depois de Altamira, tudo parecia decadente. Apelidada de Capela Sistina da Arte Paleolítica, ela foi declarada Patrimônio da Humanidade pela Unesco em 1985. Figura 32 – Bisonte – La Cueva de Altamira, Espanha Figura 33 – Bull – State XI, Pablo Picasso, 1946 65 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 HISTÓRIA DA ARTE Na Era Neolítica o homem começa a desenvolver um novo estilo de expressão artística, momento que ficou conhecido como o período das criações de armas e apetrechos mediante polimento das pedras, tornando‑as mais afiadas. Foi nessa época que o ser humano fixou residência, iniciou‑se na agricultura e dedicou‑se à domesticação de animais. Com a construção de moradias e o domínio da tecelagem e da cerâmica, desenvolveu‑se a divisão de tarefas na comunidade. O homem neolítico refletiu sua arte das conquistas técnicas. Uma característica que predominou na pintura foi a ausência da imitação da natureza, passando para a representação do cotidiano em grupos coletivos. Outra grande revolução nas artes visuais foi sugerir movimentos por meio da imagem fixa; com essa preocupação, o artista desenvolveu figuras cada vez mais leves, ágeis, pequenas e com poucas cores. Na última fase do Neolítico, por volta de 3000 a.C., vemos um novo material dando forma à beleza. Com o domínio do fogo e da transformação de minerais, o homem cria peças metálicas muito benfeitas. Ornamentos, esculturas e armamentos, com riqueza de detalhes impressionantes, servem de documentação do período em que viveu esse homem pré‑histórico. Os sítios arqueológicos também no Brasil testemunham as primeiras evidências humanas em nosso continente. A riqueza de diversidade que se encontra na América do Sul já se manifestava desde 13.000 a.C., deixada por caçadores, pescadores e horticultores, cuja presença foi preservada por diferentes grupos sociais e em vários períodos através das pinturas e gravuras produzidas em paredes de grutas, abrigos, pedras, lajes e costões, perpetuando mensagens correlacionadas, principalmente, aos aspectos mais importantes da vida cotidiana da sociedade. À parte o campo de saber da arqueologia, a arte rupestre pode ser definida como um domínio associado às demais características da história social do grupo que a elaborou. Os desenhos rupestres eram uma forma de comunicação no qual as experiências eram trocadas, como complemento da expressão verbal e gestual, representando relações ancestrais, nação e sonhos de referências semânticas. Sob essa perspectiva, devemos entender que a linguagem visual, e não somente a verbal, é passível de possibilidades em termos de eficácia e viabilidade. A habilidade exclusiva do homem de desenvolver mensagens visuais só virá pelo desenvolvimento de sua inteligência visual. Lembrete Representações são sistemas de símbolos que chamamos de linguagem. São inventados pelo homem e já foram um dia percepção de uma imagem. Os números e os idiomas são exemplos de representação, assim como os ideogramas japoneses e hieróglifos egípcios são bons exemplos de linguagens de representações da forma e do conteúdo. 66 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade III céu firmamento estrangeiro rosto cabeça cabelo, dor, luto olho atividade do olho nariz, olfato orelha, sentidos dente canino, gosto, rir boca tocar casa porta, aberto caixa, sarcófago escrínio (estojo), esteira barca, navegação barca sagrada gado Sol noite escuridão estrelas fogo, calor vento, respiração, ar pedras metais Figura 34 – Símbolos pictográficos egípcios Espirais, círculos, ondas, e outros grafismos comuns na arte rupestre, por exemplo, são simples desenhos geométricos que representam um significado realista, como ressalta a autora: [...] podem significar, ao mesmo tempo, dependendo do grupo cultural, símbolos femininos ou masculinos, incesto, movimento das águas ou piroga anaconda que transporta a humanidade. Quem poderiaimaginar que uma simples linha, considerada em nossa cultura uma das mais elementares formas geométricas, pode conter tantos significados? (GASPAR, 2006, p. 12‑13). Figura 35 – Gravura da tradição Meridional. Sítio D. Josefa (RS) 67 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 HISTÓRIA DA ARTE Figura 36 – Grafismo da tradição Litorânea Catarinense. Ilha dos Corais (SC) Figura 37 – A Pedra Lavrada, de Ingá (PB): tradição Geométrica (setentrional) Figura 38 – Tradição Geométrica (meridional). Morro do Avencal (SC) 68 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade III Figura 39 – Grafismos de animais, comuns na tradição Planalto, Iapó e Tibagi (PR) Lembrete O processo pelo qual reduzimos as linhas e traços mais fundamentais e típicos da representação denomina‑se abstração, podendo ser pura ou total. A abstração pura significa deduzirmos os elementos básicos, o que confere subtrair da mensagem visual a experiência representacional adquirida do meio. Por sua vez, a abstração total é direcionada para o simbolismo, seja ele decifrável, seja atribuído a ele uma significação aplicada. 5.1.2 Tradições da arte rupestre brasileira No Brasil a arqueologia classifica o ordenamento das diferentes manifestações iconográficas da arte rupestre em tradições, respeitando as semelhanças no estilo e na técnica de elaboração. Os principais costumes arqueológicos da arte rupestre brasileira são: Tradição Agreste, Nordeste, Planalto, São Francisco, Geométrica, Litorânea, Meridional e Amazônica. Veja no gráfico a seguir a ordenação praticada no Brasil que norteia as pesquisas arqueológicas em nosso teritório na Pré‑História: 69 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 HISTÓRIA DA ARTE 1.000 1.000 Taperinha Sambaqui minã Cerâmico Arcaico Hachurado‑ zonada Saldoide‑ Barracoide Inciso‑ ponteada Policrônica Amazônia Planalto brasileiro Tu pig ua ran i Luzia Sítios esparsos com vestígios humanos que podem remontar até cerca de 50.000 anos Tr ad iç ão Ho m em d e La go a Sa nt a Hu m ai tã Um bu Ru pe st re N or de st e Ho lo ce no a. C . d. C . Pl ei st oc en o Tr ad iç ão R up es tr e Ag re st e Tr ad iç ão R up es tr e Ar at u Un ã Ge om êt ric a M er id io na l Ta qu ar a Ita ra rê Sa m ba qu is 3.000 5.000 7.000 10.000 Figura 40 – Tradições pré‑históricas do Brasil Identificar as características estéticas de cada grupo permite perceber as identidades culturais pré‑históricas por região e das condições de vida daquele homem (apesar de serem interpretações subjetivas, tendo em vista que é complexo determinar os significados das pinturas). Veja os principais traços de cada tradição da arte rupestre brasileira. • Tradição agreste Surgiu por volta de 9 mil anos atrás na região da Serra da Capivara; tem predominância de grafismos de imagens humanas, em geral masculinas e estáticas, ou seja, são raras cenas de ação; e possui pouco refinamento nas pinturas, o que dificulta a identificação das figuras. 70 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade III Figura 41 – Antropomorfos e animais estáticos da tradição Agreste. Parque Nacional Serra da Capivara (PI) • Tradição Nordeste É a mais antiga e complexa tradição, surgiu por volta de 23 mil anos atrás e se concentra na área do Parque Nacional Serra da Capivara, mas se espalhou para outros estados do Nordeste, Centro‑Oeste e Sudeste; suas pinturas são monocromáticas, com aproximadamente 15 cm. Representa homens, animais, plantas e algumas figuras geométricas com conotação narrativa e interativa, ou seja, cenas de caça, guerra, dança, sexo, entre outras, onde se nota movimento na ação. Figura 42 – A tradição Nordeste é marcada por representações de figuras humanas e de animais como emas e cervídeos. Toca do Boqueirão da Pedra Furada (PI) • Tradição Planalto Está localizada em algumas áreas do Planalto Central, desde a Bahia até o Paraná; seu principal foco encontra‑se nos sítios de Lagoa Santa e da Serra do Espinhaço, em Minas Gerais. Tem a predominância de peixes e cervídeos, muito coloridos (embora existam formas geométricas e humanas em tamanho menor ao dos animais). 71 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 HISTÓRIA DA ARTE Figura 43 – Peixes e outros animais, assim como a cor vermelha, são típicos da tradição Planalto. Essa pintura encontra‑se no abrigo de Santana do Riacho (MG) • Tradição São Francisco Os grupos denotavam extrema habilidade compositiva, combinavam em painéis figuras com cores vivas mesmo com a pouca variedade temática; possuía grafismos situados em lugares visíveis e uma tradição concentrada na região do Vale do Rio São Francisco, além de alguns focos na Bahia, Minas Gerais e Goiás. Figura 44 – Os répteis são formas frequentes na tradição São Francisco. Figuras com decoração interna simétrica demonstram forte sentido de efeito dos pintores. Lapa do Boquete, Januária (MG) • Tradição Geométrica Os grafismos eram mais abstratos, com gravuras complexas e diversificadas. Ela se concentra mais na região central do País, atravessando‑o pelo Centro‑Oeste e o Sudeste, chegando à região Sul (pouca presença na Serra da Capivara). Na parte setentrional brasileira, os grafismos se situam em 72 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade III áreas próximas a rios e cachoeiras; na meridional estão localizadas longe das águas e retocadas com pigmentos, predominantemente círculos, setas e linhas tracejadas. Figura 45 – Itaquatiaras de Cachoeira do Letreiro, em Carnaúba dos Dantas (RN): exemplo da tradição Geométrica • Tradição Litorânea Limita‑se a algumas ilhas de Santa Catarina, a 20‑5 km de distância uma das outras; possui grafismos em locais de difícil acesso e foram feitos de granito; utilizava‑se da técnica do polimento, com predominância de formas geométricas. Figura 46 – Tradição Litorânea Catarinense, com os desenhos e a forma humana geométrica característicos. Ilha Campeche (SC) • Tradição Meridional Está presente no Rio Grande do Sul, sobretudo em escarpas de planalto, blocos isolados, grutas e abrigos diversos; suas gravuras são predominantemente limitadas à combinação de traços 73 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 HISTÓRIA DA ARTE retos ou curvos e círculos de vários tamanhos, muitos formando pegadas de felinos; é feita sobre superfíceis de arenito, utilizando‑se técnicas de incisão ou polimento. Figura 47 – Essas gravuras parecem representar pisadas de aves e mamíferos. Exemplo da tradição Meridional. Canhemborá, Nova Palma (RS) • Tradição Amazônica É extremamente rica e diversificada, espalhada por toda a região Norte, tendo os principais sítios arqueológicos em Monte Alegre e Alenquer, no Pará; considerada a mais antiga das Américas; tem grande variedade de temas e tipos de grafismos, como figuras antropomorfas estilizadas e humanas de várias dimensões (de até um metro), animais, parte de corpos e formas geométricas etc. Figura 48 – Antropomorfo da tradição Amazônica. A riqueza de detalhes chama a atenção: traços do rosto, cabelos e até outra figura humana na região da barriga, sugerindo gravidez. Serra da Careta, Prainha (PA) 74 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade III 5.2 Artes indígenas A arte brasileira surgiu da combinação das manifestações artísticas pré‑históricas, com as artes primitivas dos povos indígenas e os estilos artísticos de outras sociedades. Entretanto, a arte indígena, também denominada tribal, tradicional ou nativa sofreu julgamentos calcados na visão colonialista como a própria nomenclatura sugere, ou seja, designa todos os povosque foram encontrados no território brasileiro pelos portugueses. Confundido com as Índias, o Brasil possuía vários grupos espalhados por todo o território e diferentes entre si quanto à cultura, costumes, rituais, idiomas, entre outras particularidades, como os Xavantes, Kadiwéu, Yanomami, Asurini, Kayapó, Bororo, Karajá etc., que somam cerca de 200 etnias diferentes. A partir dessa premissa, pensemos a arte e estética indígena brasileira como a expressão de várias manifestações e formas produzidas por diversos povos nativos brasileiros. Assim não teríamos a arte indígena, mas as artes indígenas. “Como não existe algo chamado índios do Brasil, não há também a arte de nossos índios” (VIDAL, 2000, p. 290). A nova forma de pensar esse conceito significa considerar a diversidade, diferenças e especificidades nas manifestações artísticas desses povos. O grafismo, principalmente, é produzido sobre uma rica e variável gama de suportes: máscaras, cestarias, madeira, esculturas, cerâmicas, painéis decorativos, couro, cascas, pedra e, enfim, a própria pele (a última, além dos grafismos, recebe ainda outro tipo de tratamento estético: escarificações e tatuagens). Além da diversidade cultural, os povos indígenas são extremamente habilidosos em artefatos decorativos como a arte plumária, de miçangas, tecelagem com fios e trançados de fibras vegetais. Saiba mais Os escravos moçambicanos, quando trazidos ao Brasil, vinham com a pele marcada por escarificações, que os identificavam como pertencentes a um determinado grupo. A escarificação era uma tatuagem “feita com espinho introduzido sob a pele, ao longo de traços previamente desenhados”. Depois “a pele [era] levantada, para em seguida ser cortada por lâmina de pedra ou de metal”. Outras informações estão em MARQUES, T. O Brasil tatuado e outros mundos. Rio de Janeiro: Rocco, 1997. O reducionismo com relação às artes indígenas não se limita apenas à imensa variedade de estilos e manifestações que cabe ao tema, mas o problema se remete à maneira de como definimos arte, pois os povos indígenas não designam o termo com a prática social a qual mantemos relação. Para eles, simplesmente não existe um domínio específico de objetos que possuem uma funcionalidade exclusivamente estética, apenas para serem contemplados. 75 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 HISTÓRIA DA ARTE A cultura indígena não é, portanto, voltada para o mundo das artes dentro de um contexto específico, bem como não há, para eles, a necessidade de explicá‑la, defini‑la ou igualmente teorizá‑la. Esse imperativo veio incorporado à visão ocidental de raiz eurocêntrica, a qual justificamos e recolocamos em perspectiva a nossa própria atividade artística. A partir dessa concepção, Darcy Ribeiro nos fornece uma definição sobre a arte indígena: Que é arte índia? Com tal expressão designamos certas criações conformadas pelos índios de acordo com padrões prescritos, geralmente para servir a usos práticos, mas buscando alcançar a perfeição. Não todas elas, naturalmente, mas aquelas entre todas que alcançam tão alto grau de rigor formal e de beleza que se destacam das demais como objetos dotados de valor estético. Então a expressão estética indica certo grau de satisfação dessa indefinível vontade de beleza que comove a alenta aos homens como uma necessidade e um gozo profundamente arraigados. Não se trata de nenhuma obrigação imperativa como a fome ou a sede, bem o sabemos; mas de uma sorte de carência espiritual, sensível, na qual faltam oportunidades para atendê‑la; e de presença observável, gozosa e querida, em que floresce (RIBEIRO In ZANINI, 1983, p. 49). Para o antropólogo, a função estética e a efetiva se confundem na produção indígena, pois na fabricação de um artefato não há espaço para inovações que possam eliminar sua funcionalidade, conferindo a perfeição prática à tradição formal. Assim define o autor sobre a real função das artes indígenas: A verdadeira função que os índios esperam de tudo que fazem é a beleza. Incidentalmente, suas belas flechas e sua preciosa cerâmica têm um valor de utilidade. Mas sua função real, vale dizer, sua forma de contribuir para a harmonia da vida coletiva e expressão de sua cultura, é criar beleza (RIBEIRO, 1999, p. 160). Será essa perfeição a percepção de arte a qual o observador atribui à arte indígena, mesmo que esse valor estético seja mais facilmente percebido por antropólogos, etnólogos e por historiadores da arte. Observação Para Platão, o belo era a própria ideia da perfeição, como unidade absoluta e imutável, pois não dependeria do plano material. Somente através da razão seria possível exprimir um juízo estético, capaz de conduzir o homem à perfeição pela união eterna entre o belo, a beleza, o amor e o saber. Seria a ideia, portanto, que determinaria o padrão do que é belo ou não, segundo o platonismo. 76 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade III 5.2.1 Grafismo A arte gráfica indígena brasileira é considerada de grande autenticidade e qualidade estética, empregando técnicas na pintura corporal e na decoração de objetos utilitários como cestarias e cerâmicas. Habilidade culturalmente transmitida e herdada pelos seus antepassados, o aprendizado do grafismo começa na infância do grupo, seja com o propósito ornamental, seja para o preparo para lutas e batalhas. O significado representativo do grafismo indígena brasileiro, além do estético, possui conceitos sociológicos e religiosos. As formas geométricas variam entre abstrações e formas naturalísticas simplificadas que demonstram não apenas códigos internos, mas coloca o artista/artesão indígena como protagonista pelo reconhecimento étnico do grupo ao qual pertence. Veja alguns exemplos de representação pictográfica utilizada entre os grupos Tukano como sistema de comunicação: Órgão sexual feminino não impregnado. Sol ‑ símbolo que representa o princípio fertilizador. Uma espiral simboliza o incesto e representa as mulheres proibidas. Fileiras verticais de pequenos pontos representam a via láctea, que é imaginada como um rio celestial. Figura 49 – Representações pictográficas indígenas Também temos os povos Xerente, localizados no cerrado do estado do Tocantins, que possuem dois motivos básicos na pintura que servem como identificação do clã e da própria comunidade a que pertencem: o traço (wahirê) e o círculo (doí). Observe os padrões aplicados na pintura corporal: Figura 50 – Padrões de pintura corporal Xerente 77 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 HISTÓRIA DA ARTE Borboleta Casco de jabuti Casco de jabuti ou vértebra de cobra Vértebra de cobra Espinho de peixe Entrecasca de palmeira tucum Caixinha de fósforo Ã‑KA‑PRUK enviezado U:Ã‑OIRO: ziguezague Quadriculado Figura 51 – Motivos decorativos da face As cores usadas pelos indígenas na aplicação de motivos no corpo humano, nas máscaras, nas cestarias e nas flechas são confeccionadas a partir de materiais vegetais como o urucum, que dá o tom vermelho, além do jenipapo e da fuligem, que dão a cor negra. Utilizam ainda pigmentos de origem mineral que fornecem cores como o branco, o ocre, o vermelho‑castanho e o cinza‑azulado, empregados no adorno de cerâmicas, bandanas, rodas de teto, bancos etc. 78 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade III Figura 52 – Roda de teto maruana representando as lagartas sobrenaturais, Aldeia Apalai, Rio Paru de Leste Observação Maruana imirikut, literalmente “motivos da roda de teto”, é um painel cuja principal finalidade é permitir a visualização dos elementos constitutivos da alteridade Wayana: os sobrenaturais, os espíritos e o xamanismo, os inimigos e os homens brancos. Vejamos a seguir onde o grafismo é mais empregado pelos povos indígenas no Brasil: na pinturacorporal, na cerâmica e na cestaria. 5.2.1.1 Pintura corporal A pintura corporal indígena é chamada de tonophé, mesmo termo usado para designar pintura, e é dotada de uma técnica complexa de significação. A característica mais peculiar dos índios Asurini, por exemplo, são os desenhos geométricos, utilizados também na decoração de objetos. São figuras relacionadas ao próprio sistema de comunicação ligado à cosmologia, obedecendo às regras estéticas e morfológicas. Elaborada pelas mulheres, divide‑se o corpo em áreas que, sujeitam‑se às formas geométricas dos signos visuais e critérios como sexo, idade e atividade que exerce. A posição que ocupa no grupo é um traço importante para muitos povos indígenas, como os Xerente. Observe: A pintura corporal Xavante marca, antes de mais nada, a participação do indivíduo em rituais e cerimônias, separando o cotidiano e a esfera doméstica da vida pública e cerimonial. Ela é exercida predominantemente pelos homens, os quais, por isso mesmo, são os que mais frequentemente se ornamentam. As mulheres o fazem, principalmente, em duas ocasiões: o casamento e a nominação (VIDAL, 2000, p. 134). 79 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 HISTÓRIA DA ARTE A pintura corporal nos povos Kayapó difere entre as crianças e os adultos, mas ambos os sexos recebem o mesmo desenho. As mães passam horas ornamentando seus filhos, pois sabem da importância que têm no processo de socialização da criança; por sua vez, ela serve como laboratório e tela da jovem mãe, que ensaia, aprende e se qualifica como pintora. Figura 53 – Menina com pintura facial de jenipapo Figura 54 – Sequência de aplicação do motivo decorativo Observação Os Asurini do Tocantins – índios da família linguística tupi‑guarani – residem na Reserva Indígena do Trocará, localizada na margem esquerda do rio Tocantins, a 24 quilômetros ao norte do Tucuruí, cidade conhecida pela hidrelétrica ali construída. A população, que já esteve reduzida a aproximadamente 30 indivíduos na década de 1960, é atualmente de 150 pessoas. Saiba mais Para saber mais sobre os Asurini do Tocantins, leia: VIDAL, L. (Org.). Grafismo indígena: estudos de antropologia estética. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2000. 80 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade III Entre as mulheres Xikrin, a pintura facial e corporal é organizada em sessões coletivas a cada oito dias mais ou menos. Pertencem a essa sociedade das mulheres somente as casadas e com filhos, que escolhem com antecedência o motivo decorativo, que deve ser o mesmo no corpo e podendo variar na face. Sobre essa ocasião da vida dos Xikrin, a autora expõe o seguinte: Exigem‑se muito tempo e prática para o domínio da técnica de aplicação correta dos desenhos no corpo. O produto final é uma obra de arte culturalmente orientada, na qual o ideal está relacionado à perfeição da técnica e ao prazer estético intimamente ligado a um sentimento de valorização pessoal e grupal (VIDAL, 2000, p. 147). Figura 55 – Instrumentos da pintura Xikrin: feixe de estiletes feitos com nervura de folha de babaçu, recipiente de ouriço de coco‑inajá contendo jenipapo misturado com água e carvão, pentes riscadores e carimbos 1. 4. 2. 5. 3. 6. Figura 56 – Desenhos‑base para a face. 1 e 2) Variante do desenho duas faces, 3) Atravessado, 4) Rabo de peixe, 5) Resguardo feminino e 6) Resguardo masculino 81 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 HISTÓRIA DA ARTE Outro exemplo de como a pintura corporal possui um sistema visual rigidamente estruturado são os corpos decorados dos povos Kayapó‑Xikrin por sinais gráficos que simbolizam a vida social comunitária e em atividades próprias a cada sexo e idade, mesmo que seja uma fase transitória. Funcionam como a exposição de uma comunicação publicamente por intermédio de mensagens visuais, como demonstra a autora: O resguardo e o seu fim pelo nascimento do primogênito de um casal afetam um certo número de pessoas da aldeia durante um período de tempo. Esse fato se expressa na pintura do corpo, pois cada pessoa recebe uma diferente, obedecendo‑se a uma sequência própria a cada categoria e com duração variável de acordo com o grau de proximidade com o recém‑nascido. Cada cor ou substância (jenipapo, urucum, carvão e resina) possui, em dado contexto e momento, um significado particular (VIDAL, 2000, p. 158). Interessante são os conjuntos de pinturas corporais referentes aos rituais de iniciação e a ocasiões especiais do homem Xikrin, como podemos observar na imagem a seguir: 1. 2. 3. 4. 5. Figura 57 – Pinturas masculinas para ocasiões especiais: 1) a‑mi‑kra: dedo de jacaré, fim do ritual de iniciação masculina, 2) djoi‑mrõ‑ko: fim de resguardo, 3) katob‑ôk: pintura cerimonial, 4) me‑ã‑tonk: pintura cerimonial, 5) mêmu‑bitchiangki: fim de resguardo Figura 58 – À esquerda, forma de aplicação da pintura corporal; à direita, a mão paleta da pintora Xikrin 82 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade III Figura 59 – Pintura corporal Asurini 5.2.1.2 Cerâmica e cestaria Assim como cada povo indígena possui suas características, técnicas e outras peculiaridades na pintura corporal, a produção da cerâmica e da cestaria não é diferente. São manifestações culturais que expressam a identidade da tribo, de seus indivíduos e das atividades atribuídas a cada um deles. Como ainda observamos anteriormente, o grafismo também é predominante na cerâmica e no entrelaçamento (ou cestaria). Nas imagens subsequentes podemos observar a arte gráfica desenhada criada pelas mulheres Asurini na produção de suas cerâmicas: Figura 60 – Desenhos feitos por mulheres Asurini no papel 83 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 HISTÓRIA DA ARTE B) C) D) Figura 61 – Cerâmica japepaí, utilizada nos principais rituais Asurini para servir mingau. Trata‑se da mesma forma da grande parte da cozinha, objeto símbolo da atividade de subsistência feminina por excelência. (A e B) padrão tayngava, (C) motivo kwasiarapana, (D) padrão tayngava Fator predominante na economia de alguns povos indígenas, a produção da cerâmica utiliza técnicas tradicionais, como podemos visualizar na sequência de imagens da produção entre os Kadiwéu: A) 84 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade III A) Superposição roletes de barro C) Detalhe da pintura – utilização de resina do pau‑santo E) Acabamento com os barros coloridos B) Utilização do cordão de caraguatá D) Pintura com o branco da cal sobre as marcas do cordão F) Peças finalizadas Figura 62 – (A‑F) Etapas da confecção da cerâmica Kadiwéu Entre as cerâmicas mais antigas feitas por indígenas brasileiros está a marajoara, produzida pelas índias da Ilha de Marajó. Sofisticadas e extremamente elaboradas, as mais antigas compreendem os anos entre 600 e 1.200 d.C. Estudos arqueológicos mostram que a região foi ocupada por agricultores e ceramistas provenientes dos Andes, o que explica o grau de acabamento muito detalhado em baixo e alto‑relevo, ou seja, produzidos por grupos com elevado nível de organização em camadas sociais. 85 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 HISTÓRIA DA ARTE Além da sofisticação, a cerâmica marajoara apresenta grande diversidade de objetos que vai além dos famosos vasos, como estatuetas, carrancas, brinquedos, urnas funerárias, apitos, chocalhos e até tangas (tapa‑sexo). Figura 63 – Tanga de cerâmica, 19,9 x 14,1 cm, fase marajoara, procedente do Lago de Arari, Ilha de Marajó, PA, coleção do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP – MAE – USP Símbolo da cultura e objeto, a cestaria, como outras manifestações artísticas, materializa a subjetividade do grupo indígena, constituindo‑seem linguagem da vida cotidiana, mas expondo ainda referências mais profundas e complexas, como a ancestralidade, o sagrado e a natureza, como corrobora a autora: A arte do trançado é uma das mais antigas que o homem conhece. Representa diferentes categorias artesanais indígenas e revela seu modo de vida e sua adaptação ao meio. As formas e técnicas de entrelaçamentos representam as tramas sociais e uma visão cosmológica particular (IOKOI, 1998, p. 63). O povo Munduruku, do sul do Pará, é conhecido pela habilidade na produção da cestaria. O cesto carqueiro é confeccionado com palha de tucumã, costurado com cordéis de caroá e uma alça de envira. Ele é oferecido à esposa ou filha solteira, sendo usado no transporte de frutos e apetrechos de viagem. A pintura vermelha é produzida com urucum, e o grafismo dela informa o clã da linhagem paterna à qual pertence o artista. Figura 64 – Krikati, Cesto cargueiro Figura 65 – Técnica de entrelaçamento 86 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade III O trançado dos Wayana, habitantes do norte do Pará, por sua vez, representa “suas concepções a respeito da formação e constituição do universo, e essas concepções podem ser percebidas e compreendidas pelos membros dessa sociedade” (IOKOI, 1998, p. 64). O grafismo do cesto cargueiro Wayana destaca formas míticas, como a anaconda, a cobra sobrenatural. Figura 66 – Cesto que simula a malha das cobras urutu e coral confeccionado como antigamente (sem coloração) Figura 67 – Coroa trançada em processo de confecção: talas de pecíolo do buriti entramadas com cascas do cipó imbê. Índios Juruná, Rio Manitsauá‑misu (Parque Indígena do Xingu) 87 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 HISTÓRIA DA ARTE Figura 68 – Artesã Guarani M’byá no início da confecção de um cesto 5.3 Arte plumária Considerada a maior manifestação artística do índio brasileiro, a arte plumária é a personalização corporal de seu grupo étnico e mítico produzida pela combinação de penas, plumas e penugens de aves. Traduz esteticamente simbologias e mensagens sobre sexo, idade, posição social, cargo político, filiação e importância cerimonial. Para a tribo Kayapó‑Xikrin, a plumária é uma simbologia mítica, já que as aves, habitantes dos céus, são a luz eterna e origem de seus ancestrais e são símbolos de conquista da sua existência, diferenciando‑os dos demais. Figura 69 – Kayapó‑Xikrin do Cateté. Ritual de iniciação masculina tokok Rica e variada, utiliza‑se de resinas para ter a durabilidade necessária para suportar as danças, cerimônias e comemorações que podem durar vários dias. 88 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade III Figura 70 – Coroa radial da tribo Asurini usada por homens em danças rituais. A emplumação é feita de rêmiges primárias e secundárias de gavião‑carijó; rêmiges primárias, retrizes e coberteiras da asa de socó‑boi, apresentando, igualmente, plumas dorsais e rêmiges secundárias da fêmea da espécie. Também é confeccionada para comercialização Os membros da tribo Bororo se distinguem uns dos outros, além de seus próprios nomes e demais objetos variados, pelo emprego das penas de determinadas aves na ornamentação de seus corpos. Considerada uma das mais suntuosas, a arte plumária Bororo utiliza uma enorme variedade de penas e tamanhos, e varetas como suportes. Figura 71 – Diadema. Bororo Ocidental (do Jauru). Emplumação de coberteiras da asa de arara‑vermelha e suporte de cordel‑base de fibra de tucum 89 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 HISTÓRIA DA ARTE A arte plumária é uma tarefa elaborada exclusivamante pelos homens da tribo, que recolhem as penas e plumas durante as caçadas guardando‑as em um estojo de bambu, ou criam as aves desde filhotes. Estas são alimentadas pelas mulheres e crianças, passando a maior parte da vida sem a plumagem. A plumária possui uma variedade de utilidades como diademas, braceletes, cocares, bandoleiras, testeiras, colares, coroas, narigueiras, capacetes, viseiras, braçadeiras, além de ornamentos dorsais e flechas. Figura 72 – Coroa vertical Guarani, emplumação de plumas dorsais de ema e suporte de aro trançado com fasquias de taquara e fitas de cipó‑imbé Figura 73 – Mantelete Chamacoco, emplumação de rêmiges secundárias, plumas dorsais e do ventre de pato‑selvagem; rêmiges secundárias, retrizes e plumas do corpo em geral, da cabeça, do encontro da asa e do calção, em particular, de papagaio‑verdadeiro; plumas de dorso de socó‑boi; plumas dorsais e/ou coberteiras da asa de tachã, retrizes de aracuã‑do‑pantanal; retrizes de gralha‑picaça; plumas de arara‑vermelha; retrizes e coberteiras da asa de falconiformes; plumas da região abdominal de cracídeo 90 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade III Além desses objetos mencionados, há ainda uma rica diversidade de outras manifestações artísticas elaboradas a partir das necessidades de cada povo, aproveitando a matéria‑prima existente em seu habitat. Veja a diversidade desses objetos executados por diversas tribos brasileiras: Figura 74 – Muiraquitã. Esteatita, Pará, 64 x 57 mm Figura 75 – Bonecas. Índios Karajá e Ramkokamekrá‑Canela 91 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 HISTÓRIA DA ARTE Figura 76 – Boneco de cera. Índios Tapirapé, MT, alt. 490 mm. Máscaras, índios Tukuna, AM Figura 77 – Viradores de beiju e paus de cavar. Índios Waurá, MT 92 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade III Figura 78 – Bordunas (armas). Da esquerda para a direita: Bororo, Krahó, Kayapó‑Gorotire, Karajá, Tukano e provavelmente Kayapó Figura 79 – Banco monóxilo zoomorfo. Índios Guarani, SP, 460 x 110 x 140 mm. Estatueta antropomorfa de cerâmica. Santarém, PA, 270 x 180 mm 6 ARTE COLONIAL NO BRASIL 6.1 Período jesuítico A arte no primeiro período colonial no Brasil se constitui principalmente pelo estilo jesuítico influenciado diretamente por Portugal, projetado nas construções de igrejas, com influência mais forte onde a Colônia era mais ativa, ou seja, em cidades costeiras como Salvador, Bahia (a primeira capital do Brasil Colônia). Nesse cinturão costeiro, localiza‑se um terço das igrejas construídas no período colonial, que engloba, além de Salvador, Recife e Rio de Janeiro. Os missionários jesuítas da Companhia de Jesus no Brasil Colônia (1549‑1759), em um primeiro momento, se concentraram na tarefa de criar assentamentos indígenas. Depois voltaram sua energia para a educação dos índios a fim de promover a essencial conversão católica. Apesar de esta ser o alvo principal, a Coroa Portuguesa dependia dos jesuítas na educação dos filhos dos colonos e assumiram, ainda, a formação de candidatos ao sacerdócio. De missionários e professores, a partir do segundo século de colonização, os jesuítas passaram a ser empreendedores entre os primeiros construtores da colônia, tornando‑se ainda os principais expoentes do desenvolvimento da arquitetura e das artes no Brasil, como explica o autor: 93 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 HISTÓRIA DA ARTE Com efeito, ainda hoje está em uso a expressão estilo jesuítico, para descrever toda uma fase de arquitetura e decoração do primeiro período colonial, que abrange também obras sem conexão direta com os próprios jesuítas. Entretanto, a designação não é imprópria, uma vez que a Companhia constituía naquele período o canal de transmissão mais influente da cultura europeia para a América portuguesa (BURY, 2006, p. 64). Entre as maiores contribuições arquitetônicas jesuíticas estão as igrejas da Companhia em Salvador, antiga igreja do Colégio dos Missionários (atual Catedral de Salvador), de 1672, e de Belémdo Pará (atual igreja de Santo Alexandre), construída em 1719. Figura 80 – Catedral de Salvador, Bahia Figura 81 – Igreja de Santo Alexandre, Belém do Pará 94 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade III A Companhia de Jesus no Brasil Colônia foi expulsa em 1759, e a ideia de arte jesuítica que abrange todo o barroco brasileiro apresenta‑se como o que temos de mais antigo. Nesse período introduzia‑se no Brasil o barroco tardio italiano, logo seguido pelo rococó francês. Saiba mais O Barroco foi um estilo caracterizado por sua oposição aos conceitos de simetria, proporcionalidade, racionalidade e equilíbrio, tão importantes no Renascimento. A arte barroca primou a assimetria, o excesso, o expressivo e a irregularidade. Mais informações podem ser encontradas em: AMARAL, W. L. Barroco e Rococó nas igrejas de Minas. Joinville: Clube de Autores, 2015. Certamente as igrejas foram as obras arquitetônicas jesuíticas mais importantes da Companhia, porém a Ordem construiu outras edificações de grande valor, como o Solar de São Cristóvão, em Salvador. Fundado no século XVI, tinha 18 quartos e era usado pelos padres e alunos do colégio, mas que, em 1784, foi transformado em leprosário, tendo sua estrutura sofrido grandes alterações, mas conservando suas feições básicas do projeto original. Saiba mais Em vista da proeminência dos jesuítas como aristocracia intelectual e cultural da Colônia, e do interesse de seus monumentos, a destruição e a desfiguração em larga escala que os atingiu são lastimáveis para o patrimônio brasileiro. Outros dados estão em: BURY, J. Arquitetura e arte no Brasil Colonial. In: OLIVEIRA, M. A. R. (Org.). Brasília: Iphan/Monumenta, 2006. No Brasil, o rococó é uma das fases do Barroco (e foi se desenvolvendo paralelamente), enquanto o segundo pode ser definido em quatro fases distintas: • 1ª fase: barroco jesuítico, caracterizada por altares e retábulos muito altos e com influência renascentista; • 2ª fase: período da antiguidade mineira, surgiu entre 1710 e 1730, e é marcada por fachadas simples e requinte interior, colunas retorcidas ou torsas, ornamentos com motivos fitomorfos e zoomorfos, arcos concêntricos e envoltórios dourados ou policromos em azul e vermelho; 95 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 HISTÓRIA DA ARTE • 3ª fase: irrompe em Minas Gerais entre 1730 e 1760, distingue‑se pelos dosséis no alto dos retábulos, fachadas um pouco mais elaboradas com trabalhos de cantaria, excesso de motivos ornamentais predominantemente escultóricos, revestimentos em branco e dourado e falsas cortinas com anjos; • 4ª fase: nasceu também em Minas Gerais a partir de 1760, destaca‑se pela alteração dos retábulos, falta de dosséis, maior harmonia dos ornatos, mais simplificados, pelas fachadas mais elaboradas com composição escultórica no estilo rococó, com invólucros de fundo branco e dourado nas partes principais. A seguir o autor nos auxilia, antes de adentrar no universo do barroco mineiro, na definição de Barroco: Quanto à origem da palavra barroco, existem várias posições[,] sendo que a mais aceita é a de que a palavra teria originado da palavra espanhola barrueco, usado pelos joalheiros para designar um tipo de pérola irregular. [...] O estilo barroco traduz a tentativa angustiante de conciliar forças antagônicas: bem e mal; Deus e Diabo; céu e terra; pureza e pecado; alegria e tristeza; paganismo e cristianismo; espírito e matéria. Relações que contrariavam o racionalismo da arte renascentista (AMARAL, 2015, p. 11). Observação Apesar da classificação das fases do Barroco, é importante observar que grande parte das igrejas mineiras demorou muito tempo para ser concluída e, dessa forma, podemos perceber a mistura de vários períodos do barroco mineiro em uma só igreja. Passado o período dos imigrantes portugueses, uma geração de nativos, entre eles muitos mestiços e mulatos (como o artista Aleijadinho), formava‑se juntamente a muitas mudanças sociais, principalmente no estado de Minas Gerais, devido à descoberta de ouro e diamantes na região. Entre a primeira e segunda fase do Barroco, podemos verificar a diferença e transição de estilos no conjunto arquitetônico de Congonhas do Campo, projetado por Aleijadinho. Enquanto a igreja ainda conserva o estilo jesuítico, predominando severas linhas retangulares, e mesmo ainda tendo incorporado novos elementos no projeto, o Adro, construído muitos anos depois, mostra‑nos o estilo barroco de Aleijadinho, dando lugar a complexas curvas e representando um desvio drástico e radical do estilo anterior, e não uma mera modificação. As severas linhas retangulares do estilo jesuítico dão lugar a complexas curvas; as fachadas das igrejas são decoradas com esculturas em alto‑relevo; a ornamentação aplicada aos altares e em todo o interior é intermitente e mais contida, menos imponente que a suntuosa decoração do estilo jesuítico, porém mais sutil e harmoniosa (BURY, 2006, p. 44). 96 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade III Entre os anos de 1717 e 1721, Minas Gerias atingiu seu ápice na produção aurífera, e, por volta de 1760, várias cidades se transformaram em centros urbanos e surgiram as grandes igrejas matrizes, como a de Vila Rica, de Mariana, de Congonhas do Campo, de Sabará, de Barbacena e de São João Del‑Rei, a maioria de influência jesuítica. A partir daí foram introduzindo novas formas barrocas e conceitos rococó oriundos da Europa. Figura 82 – Fachada da igreja matriz de Nossa Senhora da Piedade, em Barbacena, Minas Gerais, construída no segundo quartel do século XVIII e consagrada em 1748 Dessa miscelânea de formas viu‑se emergir um estilo arquitetônico original, batizado de estilo Aleijadinho, em homenagem ao seu maior expoente. Esse período foi marcado pelas aspirações de emancipar o Brasil de Portugal, como explana o autor: Na arquitetura, tais aspirações conduziriam à criação de um estilo brasileiro original e, na política, a um Brasil independente. Se fracassaram politicamente com a malsucedida conspiração ou Inconfidência, de 1789; na arquitetura, em compensação, obtiveram sucesso. Desenvolveram na colônia um estilo próprio que, pela primeira vez no Brasil, superou a mera imitação de modelos europeus. A originalidade não mais resultava, como anteriormente, de execução inábil ou do provincianismo (BURY, 2006, p. 110). O estilo Aleijadinho, tanto na arquitetura como na escultura, tem seu monumento clássico na igreja de São Francisco de Assis, em São João Del‑Rei. Aleijadinho manteve o habitual traçado português da fachada, porém todos os princípios e concepções do estilo jesuítico foram abandonados. Eles estão nas torres da igreja, onde se manifesta mais nitidamente essa emancipação arquitetônica: elas possuem “formato cilíndrico, guarnecidas por balaustradas e encimadas por elegantes cúpulas semiovais coroadas de obeliscos” (BURY, 2006, p. 112). 97 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 HISTÓRIA DA ARTE Figura 83 – Fachada da igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, de São João Del‑Rei. Iniciada em 1774 e terminada durante o primeiro quartel do século XIX. O projeto é atribuído a Aleijadinho, sendo considerado uma de suas obras‑primas Apesar de a igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, de São João Del‑Rei, ser considerada a obra que mais representa as características do estilo Aleijadinho, outras de transição mostram o seu desenvolvimento, como as igrejas da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, de Sabará, de Ouro Preto, de São João Del‑Rei e de Mariana. Figura 84 – Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, de Ouro Preto. Iniciada em 1776. A tradição atribui o projeto a Aleijadinho, que recebeu pagamento para fazer a ornamentação interna entre 1771 e 1794 98 Re visã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade III Figura 85 – Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, de Sabará. Iniciada pelo pedreiro Tiago Moreira em 1763, teve sua fachada refeita por Aleijadinho em 1771 Figura 86 – Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, de Mariana 99 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 HISTÓRIA DA ARTE Figura 87 – Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, de Ouro Preto. A igreja é o exemplo máximo da transição do maneirismo local para o rococó. Iniciada em 1776 por Manoel Francisco Lisboa (pai do Aleijadinho), o corpo do edifício pertence ao primeiro estilo, mas a fachada revela claramente a inspiração do Aleijadinho, podendo ser considerada uma de suas obras‑primas No que se refere à ornamentação, o estilo Aleijadinho busca a originalidade em sua combinação, e o aspecto mais marcante é ser esculpida em alto‑relevo estilo rococó. A pedra‑sabão local propiciava bons acabamentos devido a sua maciez, além de uma variedade de tonalidades que obtém efeitos ornamentais. Diante disso, apesar da fachada entalhada das igrejas não ser uma novidade no século XVII, Aleijadinho a tornou inédita, complexa e delicada. O ineditismo também se nota no aspecto arquitetônico do estilo Aleijadinho, particularmente na diferença da procedência portuguesa do rococó, e que se evidencia no “tratamento da ornamentação – relação de equilíbrio entre os elementos decorativos estruturais – como no gracioso efeito alcançado pelo uso de seções curvas nas paredes, harmoniosamente relacionadas entre si e com as superfícies planas adjacentes” (BURY, 2006, p. 118). 6.2 Aleijadinho Maior artista do barroco mineiro, Antônio Francisco Lisboa, vulgo Aleijadinho, nasceu em Vila Rica (atual Ouro Preto) em 1738. Filho de um mestre de obras e senhor de escravos português, Manoel Francisco Lisboa, e de uma escrava africana provavelmente de nome Isabel, aos 60 anos Aleijadinho foi contratado para esculpir 64 imagens de madeira e 12 estátuas de pedra para a igreja de Congonhas do Campo (1800‑1805), período em que os sintomas da doença degenerativa que o acometeu (e que permanece inconclusiva até hoje) estavam em seu pior estágio até aquele momento. Adepto à leitura da bíblia e entusiasta de esculturas sacras, em 1790 Aleijadinho já estava tão doente, que era carregado para onde quer que fosse, e seu trabalho era executado com formões e marretas amarrados às mãos, que se atrofiaram e curvaram, chegando a cair, restando‑lhe somente os polegares e os indicadores sem movimento. Como se não bastassem as fortíssimas dores, perdeu todos os dentes e sua face e corpo se deformaram, adquirindo um aspecto assustador e asqueroso, como observa o autor: 100 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade III Qualquer que tenha sido a doença do Aleijadinho e a natureza exata dos sintomas, é claro que seu corpo ficou horrivelmente deformado. [...] A curiosidade e os olhares indiscretos provocados pela sua aparência humilhavam e mortificavam sua natureza orgulhosa e sensível. Tornou‑se amargo, desconfiado e sujeito a violentos acessos de raiva (BURY, 2006, p. 31). A carreira inicial de Aleijadinho é associada ao estilo rococó curvilíneo e tridimensional, principalmente nas fachadas das igrejas que projetou, e que representa uma revolução criativa na arquitetura. Sua vida artística pode ser dividida em três períodos distintos: • 1º período (1770‑1794) – igrejas franciscanas de Ouro Preto (fachada e interior) e de São João Del‑Rei (fachada) e igrejas carmelitas de Ouro Preto (fachada e interior) e Sabará (fachada e interior), e outra meia dúzia de igrejas e capelas particulares pertencentes a fazendeiros, mas de pouca importância artística comparada às demais. • 2º período (1795‑1807) – Santuário dos Profetas em Congonhas do Campo, que constitui o Adro e o Jardim dos Passos. • 3º período (1807‑1812) – incapacitado pela doença, somente dirigiu e inspecionou o trabalho de seus assistentes, um deles seu escravo Maurício. Ficou cego em 1812 e morreu em 1814. Seu corpo foi sepultado na Matriz Nossa Senhora da Conceição, em Ouro Preto. Seu trabalho suntuoso e requintado encontra‑se espalhado pela cidade de Ouro Preto, Sabará, Congonhas do Campo e em outras cidades mineiras. Localizada na região montanhosa de Minas Gerias, Congonhas do Campo possui o magnífico cenário de onde se ergueu a Igreja do Bom Jesus de Matosinhos dos Profetas em 1761, o Adro no fim do século XVIII e as estátuas no início do século subsequente. O conjunto arquitetado por Aleijadinho representa o ápice de seu desenvolvimento como artista e o reconhecimento do estilo perpetuado por ele. Figura 88 – Adro dos Profetas e Jardim dos Passos. Santuário de Congonhas 101 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 HISTÓRIA DA ARTE Para se chegar à igreja, passa‑se por uma série de capelas chamadas Passos, e que cada uma delas representa as cenas da Paixão de Cristo por grupos de imagens em tamanho natural esculpidas em madeira por Aleijadinho. No fim da ladeira, encontram‑se o Adro dos 12 profetas, estátuas também em tamanho natural esculpidas em pedra‑sabão pelo artista. Figura 89 – Passo da prisão. Santuário de Congonhas 1. Isaias 2. Jeremias 3. Baruc 4. Ezequiel 5. Daniel 6. Oséias 7. Jonas 8. Joel 5 8 109 3 4 21 1211 7 6 9. Amós 10. Naum 11. Abdias 12. Habacuc Figura 90 – Prospecto do Adro dos Profetas Sobre a relação entre a arquitetura e a escultura em Congonhas do Campo e a diferença nas fachadas das igrejas executadas por Aleijadinho no período anterior, observa‑se que nas igrejas a escultura tem papel subordinado, enquanto em Congonhas ela domina a arquitetura, como esclarece o autor: Entretanto em nenhum dos dois períodos de sua carreira é possível estabelecer uma distinção nítida ente sua atuação como escultor e como 102 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade III arquiteto. Claro que nem ele nem seus contemporâneos consideravam a fachada ou adro fronteiro de uma igreja e seus elementos ornamentais como trabalhos independentes e separados. Portanto, apesar do papel predominante desempenhado pelos profetas, eles não podem ser apreciados de um ponto de vista limitado à escultura. Ao contrário, constituem apenas uma parte, ainda que central, de vários elementos interdependentes que formam o grandioso projeto de Congonhas, abrangendo todo o conjunto da igreja e seus monumentos satélites (BURY, 2006, p. 43). O conjunto arquitetônico projetado por Aleijadinho trata de uma solução extremamente adequada, na qual as esculturas desempenham seu tradicional papel arquitetônico constituindo uma sequência de pináculos nas quais as linhas ascendentes formam o contraste necessário com os parapeitos planos e horizontais. Dessa forma podemos observar que Aleijadinho utilizou as linhas e volumes de suas esculturas estilizadas com arrojada assimetria, libertando todo o conjunto da rigidez, proporcionando movimento e ritmo ao projeto. Figura 91 – A Igreja do Bom Jesus de Matosinhos dos Profetas Figura 92 – Profetas do Santuário de Congonhas do Campo 103 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 HISTÓRIA DA ARTE Figura 93 – Entrada do Adro dos Profetas, com Isaías e Jeremias em primeiro plano Figura 94 – Passo do Senhor com a ”Cruz às costas”. Santuário de Congonhas 6.3 Fotografia de paisagem e experiências pictóricas A pintura de paisagem, ao oferecer‑se como tema de fácil reconhecimento, estabelecendo relações mais explícitas com o mundo sensível, procura romper o círculo restrito de seus consumidores, sendo considerada por isso uma forma de arte própria do perfil burguês. Apesar da acessibilidade do tema, a formação tradicional do público retardou aaceitação da paisagem como gênero de viabilidade plástica. Na década de 1850, entretanto, a paisagem torna‑se tema de sucesso consagrado no Salon e nas exposições universais. No Brasil a pintura de paisagem será vista ao longo de quase todo o século como um gênero menor. Em 1826, a Academia Imperial de Belas‑Artes, formada pelos integrantes da Missão Francesa, cria a disciplina Paisagem, o que significava a conquista de uma relativa autonomia. Nessa época, a maioria das paisagens foram concebidas dentro dos ateliês da Academia, restritas à luminosidade controlada das janelas envidraçadas. Em um ambiente fechado e inflexível, são reafirmadas as convenções plásticas, que não permitem a experimentação que o tema natureza poderia oferecer. 104 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade III Seguem duas obras comparativas com as técnicas de pintura e fotografia: Figura 95 – Henri Nicolas Vinet, vista da Baía do Rio de Janeiro da praia de Icaraí, em Niterói, 1872 – Museu Nacional de Belas Artes – Pintura Figura 96 – Auguste Stahl Ilha, Pernambuco, 1858 – Rio de Janeiro Coleção Gilberto Ferrez – Fotografia Annateresa Fabris nos auxilia: Se na obra final, aquela apresentada e aceita pelo público, o tema era tratado de maneira sintética, portanto, de forma ampla e totalizadora, nos esboços e estudos dessa mesma obra, Peter Galassi encontrou os 105 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 HISTÓRIA DA ARTE registros de uma atitude marcada pela observação de fenômenos da natureza, com reprodução de detalhes cujos tipos de cortes, justaposições e pontos de vista estarão mais tarde presentes na fotografia. Assim, a fotografia só teria sido concebível graças às experiências pictóricas (FABRIS, 1991, p. 228). Entretanto a fotografia não apenas se constitui enquanto linguagem própria, mas será responsável pela transformação em senso comum de uma visualidade, que germinava no círculo restrito dos produtores de obra de arte. Ao nível temático, a fotografia marca nítidas diferenças com a pintura. Ela privilegia a imagem industrial e urbana, pautando‑se no ideário de difusão do progresso técnico e econômico para toda a humanidade. Nesse sentido, a fotografia possui um caráter projetivo e se afasta do realismo pictórico, o qual procura banir de suas telas qualquer referência ao futuro. Observe uma fotografia desse mesmo segmento da Coleção Gilberto Ferrez: Figura 97 – Alameda central do Jardim Botânico do Rio de Janeiro 1870‑1875 – Foto Fritz Busch. Coleção Gilberto Ferrez Na pintura o renascimento do paisagismo parece estar associado não só a uma reação interna a determinadas tradições no campo da arte, mas a uma tentativa de recuperar valores e situações que se viam ameaçados pelas transformações que o crescimento da indústria pressupunha. 106 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade III Resumo A hominização do nosso ancestral pode ser identificada de várias formas, uma delas é a manifestação artística encontrada nos sítios arqueológicos brasileiros que datam de 13.000 a.C. A linguagem da arte rupestre, como pudemos observar, era um complemento da expressão verbal e gestual, mas representa muito mais que simples signos: foi uma forma de comunicação e representação de relações ancestrais, nação e sonhos de referências semânticas. No Brasil a arqueologia classifica o ordenamento das diferentes manifestações iconográficas da arte rupestre em tradições, respeitando as semelhanças no estilo e na técnica de elaboração. Tão expressiva quanto a arte rupestre, as artes indígenas combinam as artes primitivas com os estilos artísticos de outras sociedades considerando a diversidade, distinções e especificidades nas manifestações artísticas dos grupos indígenas brasileiros, que somam cerca de 200 etnias diferentes. O significado representativo do grafismo indígena brasileiro, além do estético, tem também valores sociológicos e religiosos. As formas geométricas variam entre abstrações e naturalísticas simplificadas, que demonstram não apenas códigos internos, mas coloca o artista/artesão indígena como protagonista pelo reconhecimento étnico do grupo ao qual pertence. O grafismo, aplicado em diversos artefatos, como no corpo, na cerâmica e na cestaria, do mesmo modo que a arte plumária, possuem sistemas visuais que simbolizam a vida social comunitária e em atividades próprias a cada sexo e idade, ou seja, que expressam a identidade da tribo, de seus indivíduos e das atividades atribuídas a cada um deles. Com a vinda dos missionários da Companhia de Jesus no Brasil Colônia, vimos os jesuítas, a partir do segundo século de colonização, passarem a serem empreendedores entre os primeiros construtores do Brasil, tornando‑se ainda os principais expoentes do desenvolvimento da arquitetura e das artes brasileiras. A Missão foi responsável pelas obras da 1ª fase do barroco brasileiro, o chamado barroco jesuítico, até serem expulsos, em 1759. Nessa época introduzia‑se no Brasil o barroco tardio italiano, logo seguido pelo rococó francês, e, posteriormente, o barroco mineiro, originário da miscelânea de estilos que emergiram em uma forma arquitetônica original, batizada de estilo Aleijadinho, em homenagem ao mestre ícone do barroco brasileiro. 107 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 HISTÓRIA DA ARTE Exercícios Unidade III Questão 1. A imagem a seguir pertence ao Sítio Boqueirão da Pedra Furada, em Piauí. É um sítio arqueológico brasileiro de grande valor histórico. Figura Sobre essa pintura rupestre, patrimônio cultural brasileiro, analise as afirmativas a seguir. I. A pintura representa a guerra entre os povos indígenas e os europeus durante o processo de colonização do Brasil, nos séculos XVI e XVII. II. A pintura representa a vida cotidiana de grupos na pré‑história do Brasil, período no qual o homem domesticou animais selvagens. III. A pintura representa figuras humanas e animais. Essas figuras compõem ações que se referem a técnicas de subsistência, atividades cotidianas e cerimoniais. Está correto apenas o que se afirma em: A) Todas as afirmativas são corretas. B) I e II. C) I e III. D) II e III. E) III. Resposta correta: alternativa E. 108 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade III Análise das afirmativas I – Afirmativa incorreta. Justificativa: a pintura não representa uma guerra entre os povos indígenas e os europeus no período de colonização do Brasil, nos séculos XVI e XVII. II – Afirmativa incorreta. Justificativa: na Pré‑História, a relação entre homens e animais era de predador e presa, visto que o homem, neste período, era nômade. III – Afirmativa correta. Justificativa: a pintura mostra, de fato, figuras humanas e animais. As figuras “compõem ações que se referem a técnicas de subsistência, atividades cotidianas e cerimoniais”. Questão 2. Leia o texto e analise a imagem a seguir. Antônio Francisco Lisboa (1738‑1814), mais conhecido como Aleijadinho, nasceu em Vila Rica, atual Ouro Preto, Minas Gerais. Foi escultor, entalhador, arquiteto e carpinteiro. Ele é um dos personagens mais importantes da história da arte brasileira e é objeto de diversos estudos e biografias. Seu primeiro biógrafo afirma que ele nasceu em 1730, no entanto, há historiadores que questionam sua paternidade e mesmo sua existência. Estima‑se que cresceu em Ouro Preto com a família da sua madrasta e do seu pai, o arquiteto português Manoel Francisco Lisboa (?‑1767). Tudo indica ser com ele e com o pintor João Gomes Batista (s.d.) que Aleijadinho aprendeu as primeiras noções de arquitetura, desenho e escultura. De 1750 a 1759, frequenta o internato do Seminário dos Franciscanos Donatos do Hospício da Terra Santa, em Ouro Preto, onde estuda gramática, latim, matemáticae religião. Em 1752, realiza seu primeiro projeto individual, um chafariz para o Palácio dos Governadores de Ouro Preto. Em 1756, viaja ao Rio de Janeiro, onde vê obras arquitetônicas importantes para seu trabalho futuro. Figura 109 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 HISTÓRIA DA ARTE I. As estátuas dos 12 profetas da igreja de São Luiz dos Campos, em Congonhas do Campo (imagem anterior), são as mais notáveis e impressionantes obras de sua produção. II. As esculturas de Aleijadinho apresentam um padrão de estilo e técnicas. A primeira fase, por exemplo, marcada por elevado e sólido padrão de harmonia, clareza e serenidade de espírito. III. As informações acerca da vida de Aleijadinho são precisas, graças ao rigor das pesquisas feitas pelo seu biógrafo. O grande nome das artes barrocas do Brasil aprendeu o ofício com o pai. Está correto apenas o que se afirma em: A) I. B) II. C) III. D) I e III. E) II e III. Resolução desta questão na plataforma.
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