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Processo Legislativo Constitucional Professor João Trindade _1 1. LEIS COMPLEMENTARES 1.1. Objeto (matéria) Não é qualquer matéria que pode ser regulamentada por meio de lei complementar. É dizer: o legislador não é livre para definir quais os casos em que regulamentará o tema por meio de lei complementar. Só se deve aprovar lei complementar nas hipóteses taxativamente previstas no texto da Constituição. Assim, por exemplo, o § 3º do art. 14 da CF prevê que “são condições de elegibilidade, na forma da lei (...)”: então, a lei a regulamentar essa matéria deve ser ordinária. Ao revés, o mesmo art. 14 (já no § 9º) dispõe que “lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade [...]”: nesse caso, a matéria é tratada por lei complementar, pois há expressa previsão constitucional. Realmente, o STF já decidiu que, “quando a Constituição exige lei complementar para disciplinar determinada matéria, essa disciplina só pode ser feita por essa modalidade normativa” (Pleno, ADI nº 2.436-MC/DF, Relator Ministro Moreira Alves, DJ de 9/5/2003). Questão de Concurso ) ( (Cespe/STF/Técnico/2008) Só cabe lei complementar, no sistema normativo brasileiro, quando formalmente for necessária a sua edição por norma constitucional explícita. Gabarito: certo. 1.2. Quórum O quórum exigido para a aprovação de leis complementares é substancialmente mais elevado que o necessário para se aprovar uma lei ordinária. Na realidade, no procedimento comum ordinário, o quórum de aprovação é de maioria simples (relativa) – art. 47 –, ao passo que, na tramitação dos projetos de lei complementar, exige-se a aprovação por maioria absoluta. Façamos uma tabela comparando as duas votações (lei ordinária, maioria simples; lei complementar, maioria absoluta) em situações hipotéticas no Senado Federal (lembrando que o total de Senadores, atualmente, é igual a 81, e imaginando que todos os votos sejam sim ou não): Senadores presentes Maioria simples (relativa) Maioria absoluta 50 26 41 60 31 41 70 36 41 81 41 41 Como se percebe, a maioria absoluta não varia de acordo com o número de presentes. E é um número sempre maior que a maioria simples, ou pelo menos igual a ele. Simbolicamente: MA ≥ MS Isso significa que, se uma lei foi aprovada como complementar (maioria absoluta), necessariamente também conseguiria ser aprovada se fosse uma lei ordinária (maioria simples), mas a recíproca não é verdadeira. Divergência doutrinária! Quanto à hierarquia das leis complementares, existe grande controvérsia na doutrina. Uma corrente clássica defende que as leis ordinárias seriam inferiores às leis complementares. Já a corrente mais moderna, capitaneada por Celso Bastos, considera que tanto as leis complementares quanto as ordinárias encontram-se no mesmo patamar hierárquico, apenas tratam de matérias distintas. Defendem a teoria clássica, por exemplo: Pontes de Miranda, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Geraldo Ataliba, Alexandre de Moraes. Já a favor da teoria moderna posicionam-se, entre outros; Michel Temer e Celso Bastos. A jurisprudência pacífica do STF afirma que não há hierarquia entre leis complementares e leis ordinárias; e essa é a posição que deve ser adotada em concursos públicos. Questão de Concurso ) ( (Cespe/TJCE/Técnico/2008) Leis complementares são hierarquicamente superiores às ordinárias. Gabarito: errado. Jurisprudência do STF. 1.3. Conflitos entre lei ordinária e lei complementar 1.3.1. Primeiro conflito: lei ordinária invade o assunto de lei complementar Pode acontecer (e acontece!) de o Congresso Nacional (por erro ou má-fé) aprovar uma lei ordinária para tratar de um assunto que a Constituição reserva para a lei complementar. Nesse caso, a lei ordinária será inválida, inconstitucional, porque violou a regra constitucional que Processo Legislativo Constitucional _2 reserva a matéria ao tratamento por lei complementar (na teoria clássica, a lei ordinária seria declarada ilegal). Deverá, então, ser declarada inconstitucional pelo Poder Judiciário, por provocação de qualquer prejudicado pela legislação, ou, especificamente, pelo STF, em ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 102, I, a), por provocação de qualquer dos legitimados para tanto (CF, art. 103, I a IX). 1.3.2. Segundo conflito: lei complementar invade assunto de lei ordinária Também pode ocorrer de o Congresso regulamentar por meio de lei complementar um assunto a ela não reservado pelo constituinte, ou seja, aprovar uma lei complementar que invade o assunto de lei ordinária. Ao se adotar a lógica geral citada no item anterior, a lei complementar deveria ser declarada inconstitucional, por violar a regra constitucional que deixou o assunto à disposição da lei ordinária. Todavia, por uma questão de utilidade, a lei complementar será aproveitada. Realmente, se a normatização foi aprovada por maioria absoluta, então fatalmente também teria sido aprovada por maioria simples. Nada impede, portanto, que se aproveite a manifestação de vontade do Legislativo em aprovar aquela normatização. A lei complementar, nesse caso, será considerada válida, constitucional. Entretanto, caso a lei ficasse valendo como complementar, estar-se-ia permitindo ao legislador dar maior estabilidade a um assunto ao qual o constituinte não desejou conferir tal atributo. Por isso, a lei complementar aprovada com invasão de assunto reservado à lei ordinária é válida (é constitucional), mas com força de lei ordinária (com status de lei ordinária): será uma lei formalmente complementar (terá nome e número de lei complementar), mas materialmente ordinária (terá status de lei ordinária, valerá como se fosse uma lei ordinária, podendo até ser revogada por outra lei ordinária). Essa é a única hipótese em que uma lei ordinária pode revogar uma lei (formalmente) complementar: quando esta (complementar) tiver invadido o assunto da lei ordinária. E poderá revogar porque, em tais hipóteses, a lei é apenas formalmente complementar: na prática, vale como se fosse uma lei ordinária, podendo ser revogada por outra lei ordinária (STF, RE nº 377.457/PR). Diferenças entre lei complementar e lei ordinária: LEI MATÉRIA QUÓRUM INVASÃO Lei complementar Taxativa Maioria absoluta Mais da metade do total de membros (invariável) Lei complementar que invade assunto de lei ordinária é válida, mas com força de lei ordinária Lei ordinária Residual Maioria simples ou relativa – maioria dos votos dos presentes Lei ordinária que invade assunto de lei complementar é inválida e inconstitucional Questão de Concurso ) ( (Cespe/DPE-CE/Defensor/2008) Lei ordinária pode revogar lei complementar. Gabarito: certo. De acordo com a jurisprudência do STF (Pleno, RE nº 377.457/PR), lei ordinária pode revogar lei complementar que tenha invadido seu âmbito material. É a única hipótese em que tal revogação pode existir. Como a questão usou a expressão pode revogar, e existe uma possibilidade, a assertiva está certa. 2. LEIS DELEGADAS A elaboração das leis delegadas é responsabilidade do Presidente da República, por delegação do Congresso Nacional, verdadeiro detentor da função legislativa ordinária. Assim, a delegação legislativa deve ser solicitada pelo Chefe do Executivo, por meio de mensagem enviada ao Poder Legislativo. É o que dispõe o caput do art. 68 da CF, in verbis: “As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional”. A delegação legislativa – como qualquer forma de legislação pelo Executivo – é tingida pela marca da excepcionalidade. Isso induz duas características: a temporariedade (afinal, a delegação se exaure na elaboração da lei objeto de transferência temporária de competência, e o Legislativo pode sempre, a qualquer momento, legislar sobre a matéria) e a restrição material. Com efeito, a delegação de função típica não é a regra no esquema constitucional de separação dosPoderes (CF, art. 2º). Por isso, há determinadas matérias que não podem ser objeto de delegação, assim como existem temas que não podem ser veiculados por medida provisória (art. 62, § 1º, entre outros dispositivos). Segundo o § 1º do art. 68 da CF, não podem ser objeto de delegação as matérias a seguir enumeradas. 1. Matérias de competência exclusiva do Congresso Nacional ou de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal (art. 68, § 1º, caput). 2. Matérias reservadas à regulamentação por lei complementar (art. 68, § 1º, caput). 3. Organização do Poder Judiciário e do Ministério Público e as garantias dos seus membros (art. 68, § 1º, I). 4. Nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais (art. 68, § 1º, II). 5. Planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos (art. 68, § 1º, III). Segundo o § 3º do art. 68, a delegação legislativa “terá a forma de resolução do Congresso Nacional, que especificará seu conteúdo e os termos de seu exercício”. Assim sendo, a mensagem presidencial solicitando a delegação converter-se-á em verdadeira iniciativa de resolução do Congresso, que será votada em sessão conjunta do Congresso. Quando aprova a resolução, o Congresso Nacional deverá especificar os termos e limites da delegação, isto é, quando delega a tarefa de legislar ao Presidente da República, o Legislativo deverá especificar: Processo Legislativo Constitucional _3 a. sobre qual matéria o Chefe do Executivo poderá legislar por delegação; b. qual o prazo que o Presidente terá para editar a lei delegada; c. se elaborada a lei delegada, será necessária a aprovação posterior do Congresso. Há dois tipos de delegação: a. delegação própria (ou típica): o Congresso Nacional, ao delegar a tarefa de legislar ao Presidente da República, poderá prever que a lei delegada deva, antes de ser promulgada, ser aprovada pelo Plenário do Parlamento. Quando essa exigência não constar expressamente da resolução, não será necessária a apreciação da lei delegada pelo Congresso. Nesses casos, uma vez elaborada a lei delegada pelo Presidente, ela será diretamente promulgada e publicada. É a chamada delegação própria (= típica); b. delegação imprópria (ou atípica): o Congresso pode exigir que a lei delegada só seja promulgada se for aprovada pelo Plenário do Parlamento. Nesses casos, fala-se em delegação imprópria. Para tanto, será preciso que tal necessidade de aprovação pelo Congresso esteja expressamente prevista na resolução. Sobre o tema, a Constituição dispõe que: “Se a resolução determinar a apreciação do projeto pelo Congresso Nacional, este a fará em votação única, vedada qualquer emenda”. Como se vê, ao deliberar sobre o projeto, o Congresso não pode emendar o projeto: ou o aprova integralmente ou o rejeita in totum. Questão de Concurso ) ( (Cespe/OAB/2008) A delegação legislativa é instituto de índole excepcional, devendo ser solicitada pelo Presidente da República ao Congresso Nacional. Gabarito: certo. 3. DECRETOS LEGISLATIVOS E RESOLUÇÕES Os decretos legislativos e as resoluções guardam entre si várias semelhanças e algumas diferenças. Por isso mesmo, preferimos tratar de ambas as espécies conjuntamente, deixando para depois as distinções mais relevantes. É importante notar que a Constituição nada estabelece acerca da tramitação dos decretos legislativos e das resoluções, de modo que a regulamentação da matéria é dada de forma quase exclusiva, pela doutrina e pelos regimentos internos das Casas Legislativas e do Congresso Nacional. Normalmente, decretos legislativos e resoluções possuem hierarquia legal, isto é, situam-se no mesmo patamar hierárquico das leis (ordinárias, complementares e delegadas). A distinção entre decretos legislativos e resoluções e as leis é apenas a matéria de que cada espécie trata, mas o status que ocupam na hierarquia do ordenamento jurídico é igual. Tanto no caso de decreto legislativo quanto em relação à resolução não existe a fase de deliberação executiva. Não há sanção nem veto em nenhuma das duas espécies normativas. Realmente, só cabe ao Presidente da República sancionar ou vetar projetos de lei (arts. 84, IV e V, e 66), o que não abrange os decretos legislativos e resoluções, que, uma vez aprovados, seguem direto para a promulgação. Distinções entre decretos legislativos e resoluções É tradicional na doutrina definir o decreto legislativo como sendo o ato normativo primário editado pelo Congresso Nacional, sem a participação do Presidente da República, para regulamentar as matérias de competência exclusiva do Poder Legislativo, e geralmente com efeitos externos. Já as resoluções são normalmente definidas como atos normativos primários de cada Casa do Congresso Nacional, isoladamente, com efeitos internos (interna corporis), que servem para regulamentar as matérias de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal. Competência Enquanto os decretos legislativos são editados pelo Congresso Nacional, como um todo (ambas as Casas, conjuntamente), as resoluções são atos de cada Casa do Congresso, isoladamente (atos da Câmara dos Deputados, sozinha, ou do Senado Federal, sozinho). Embora haja exceções a essa regra, é um parâmetro seguro para diferenciar, num primeiro momento, essas duas espécies normativas. Matéria Essa diferença já apontada traz, por conseguinte, outra distinção: a matéria (= conteúdo) a ser tratada individualmente por esses dois instrumentos normativos. Efeitos Mais uma vez, estamos diante de uma regra geral, que admite exceções, é verdade, mas que pode ser útil no estudo da matéria. Decretos Legislativos Resoluções Competência Congresso Nacional Câmara ou Senado (exceto nos casos de delegação legislativa, em que a resolução é do Congresso) Matéria Art. 49 e art. 62, § 3º Arts. 51 e 52; art. 68; art. 155, § 1º, IV, e § 2º, V, b Efeitos Externos Internos (interna corporis), exceto alguns casos, como delegação legislativa, matéria tributária, suspensão da eficácia da lei declarada inconstitucional pelo STF em controle difuso etc. * Observação. Resoluções que possuem efeitos externos: delegação legislativa (art. 68, § 2º); matéria tributária Processo Legislativo Constitucional _4 (art. 155, § 1º, IV; § 2º, IV e V, b); suspensão da eficácia de lei declarada inconstitucional pelo STF em controle difuso (art. 52, X), entre outras. Questão de Concurso ) ( (Cespe/Bacen/Procurador/2009) As resoluções constituem atos normativos secundários que dispõem acerca da regulação de determinadas matérias do Congresso Nacional não inseridas no âmbito de incidência dos decretos legislativos e da lei. Gabarito: errado. As resoluções são atos primários, com força de lei, e não secundários. 4. A SUSTAÇÃO DE ATOS NORMATIVOS PELO PODER LEGISLATIVO (CF, ART. 49, V): Nos termos do conhecido inciso V do art. 49 da CF, dentre as competências exclusivas do Congresso Nacional inclui- se a de “sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”. 4.1. Origem da norma Parte da doutrina aponta como antecessora dessa norma a regra insculpida no art. 91 da Constituição de 1934. Para Gilmar Ferreira Mendes, “O art. 49, V, da Constituição de 1988 restabeleceu, parcialmente, na ordem constitucional brasileira, instituto que havia sido introduzido e ntre nós na Constituição de 1934 (CF, art. 91, II), autorizando o Congresso Nacional a sustar os atos legislativos que ultrapassem os limites da delegação outorgada (lei delegada) ou os atos normativos que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa. Trata -se de fórmula excepcional no sistema constitucional brasileiro, que, por isso mesmo, há de merecer uma interpretação estrita. Nas suas anotações à Constituição de 1934, observou Pontes de Miranda a propósito: ‘...o inciso II do art. 91 constitui atribuição importantíssima.É a primeira vez que adotamos exame 1 MENDES, Gilmar Ferreira. O Poder Executivo e o Poder Legislativo no controle de constitucionalidade. In: Revista de Informação Legislativa, a. 34, n. 134, abr.jun/1997, p. 15. 2 Cf. FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Comentários ao art. 49. In: LEONCY, Léo Ferreira (org.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/ Almedina, 2013, p. 1028. Para Marcos Valadão, “a doutrina cita a Constituição de 1934, que em seu art. 91, incisos I e II, atribuía ao Senado Federal competência semelhante. Contudo, o arcabouço constitucional em que estava inserido o Senado Federal, na Carta de 1934, era diferente, não se tratava de casa legislativa em sua acepção plena, mas estava mais próxima de ser um órgão de coordenação dos poderes federais. Tal dispositivo, embora a Carta de 1934 tenha tido curta duração, foi objeto de polêmica na doutrina”. VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira. Sustação de atos do Poder Executivo pelo Congresso Nacional com base no artigo 49, inciso V, da Constituição de 1988. In: Revista de Informação Legislativa, a. 38, n. 153, ján./mar.2002, p. 289. 3 MENDES, Gilmar Ferreira. Op. Cit., p. 14. 4 BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 89. 5 FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Op. Cit., p. 1029. 6 DEZEN JÚNIOR, Gabriel. Constituição Federal. Brasília: Alumnus, 2015, p. 741. 7 VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira. Op. Cit., p. 290. O autor consigna expressamente que, “em ambas as situações, é indubi- tável que se configura caso de inconstitucionalidade. Se um decreto presidencial vai além do que está previsto na lei, ou seja, exorbita do poder regulamentar, trata-se de inconstitucionalidade do decreto pela via indireta. Também, se a uma lei dele- gada editada pelo Poder Executivo extrapolar os limites da competência legislativa delegada pelo Congresso Nacional, confi- gura-se inconstitucionalidade da mesma lei. Assim, promovendo a sustação desses atos, o Congresso Nacional promove o controle de constitucionalidade dos mesmos”. dos regulamentos sem o caso concreto, exame da lei em si mesma, em sua existência (...). A Constituição brasileira vai além, posto que só se exerça o poder de exame depois de emitidos. Um pouco função de Alta Corte constitucional, como preconizamos em 1932. O poder do Senado Federal, no caso do inciso II, é total e definitivo. Pode refugar parte ou todo o regulamento. É um intérprete da Constituição e das leis, a respeito de regulamentos do Poder Executivo’” 1 . Há, porém, quem discorde parcialmente dessa afirmação, salientando que o papel exercido pelo Senado Federal, à época da Constituição de 1934, era bastante dessemelhante às funções legislativas do Congresso Nacional atual2. De qualquer sorte, o art. 91 da Constituição de 1934 não deixa de ser um antepassado da atual prerrogativa atribuída ao Congresso Nacional, de maneira que a experiência das polêmicas hermenêuticas sobre o alcance, a finalidade e os efeitos do dispositivo são úteis para o entendimento do regramento atual. 4.2. Natureza do controle consubstanciado no ato de sustação De acordo com a doutrina, ambas as hipóteses (sustação de atos normativos exorbitantes do poder regulamentar e sustação de lei delegada que extrapolar os limites da delegação legislativa) constituem espécie de controle político de constitucionalidade. É a posição, por exemplo, de Gilmar Ferreira Mendes3, Luís Roberto Barroso4, Anna Cândida da Cunha Ferraz5, Gabriel Dezen Júnior6 e Marcos Aurélio Pereira Valadão7. Após análise mais detida, porém, é possível perceber que as situações são distintas. Com efeito, quando se susta a execução de lei delegada que extrapolou os limites da delegação legislativa (conferida nos termos do § 2º do art. 68 da CF), está-se a declarar a inconstitucionalidade direta da norma. Uma lei delegada editada sem autorização, ou além da autorização, é ato eivado de inconstitucionalidade formal, pois que editada em desrespeito aos seus pressupostos específicos (art. 68). Não é o mesmo caso da sustação de outros atos normativos. Nessas hipóteses, suspende-se a execução de atos do Poder Executivo que, a pretexto de regulamentarem uma lei, exorbitem seus mandamentos – isto é, tenham conteúdo contra legem ou praeter Processo Legislativo Constitucional _5 legem8. Não se trata, aqui – ao menos não num conceito estrito – de inconstitucionalidade direta, mas sim de mera inconstitucionalidade reflexa. Em outras palavras: o caso é de controle de legalidade, e não de constitucionalidade, já que a norma-parâmetro do controle será a lei, e não a CF. Nessa hipótese, o Legislativo, por meio de decreto legislativo, retira a eficácia da norma infralegal, em virtude de sua incompatibilidade com a legislação ordinária. Fazemos esse esclarecimento no sentido de explicitar e justificar a segunda parte desta nota, em que será analisada a compatibilidade material entre a Portaria nº 61, de 2015, do MS, em face das leis ordinárias que regem a matéria. 4.3. Motivos da sustação de atos normativos do Poder Executivo que exorbitem os limites do poder regulamentar O objeto do controle de constitucionalidade político previsto no inciso V do art. 49 da CF não é o mérito do ato (sua conveniência e oportunidade), nem mesmo sua inconstitucionalidade material, mas apenas sua inconstitucionalidade formal, especificamente por exorbitância do poder regulamentar9. Dessa forma, não podem os congressistas sustarem um ato normativo do Poder Executivo apenas por discordarem do seu conteúdo, ou das políticas por ele instituídas, ou até mesmo por considerarem o conteúdo da normatização materialmente inconstitucional. Para o primeiro caso (discordância quanto ao mérito), a solução seria, se for o caso, a aprovação de projeto de lei ordinária com conteúdo distinto ao do ato em questão10. Para o caso em que se identifica uma possível inconstitucionalidade material, a solução seria provocar o Poder Judiciário. O controle por meio do ato de sustação afeta os atos normativos do Poder Executivo se, e somente se, tais atos forem violadores do princípio da legalidade (CF, art. 5º, II, e art. 37, caput), por extrapolarem os limites da lei que buscavam regulamentar (é dizer, se não cumprirem o mandato do inciso IV do art. 84 da CF, de que devem ser “fieis” à lei). Em outras palavras: o controle legislativo previsto no inciso V do art. 49 da CF não é um controle de mérito nem de inconstitucionalidade material. O que se controla é a constitucionalidade formal dos atos normativos do Poder Executivo. Claro que essa análise não prescinde de uma apreciação do conteúdo da lei (norma-parâmetro) e do ato 8 Cf. MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. São Paulo: Atlas, 2013, p. 1016. No mesmo sentido: FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Op. Cit., p. 1030. 9 Nesse sentido: VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira. Op. Cit., p. 292. 10 Dizemos “se for o caso” porque, caso se trate de matéria tipicamente administrativa, de competência exclusiva do Poder Executivo, nem isso será possível, sob pena de violação ao princípio da reserva de administração, verdadeira decorrência lógica do preceito da separação de poderes (CF, art. 2º). 11 Idem, ibidem, p. 290. 12 AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. O Poder Legislativo na democracia contemporânea: a função de controle político dos parlamentos na democracia contemporânea. In: Revista de Informação Legislativa, a. 42, n. 168, out./dez.2005, p. 12. 13 Nesse sentido: MENDES, Gilmar Ferreira. Op. Cit., p. 15. Para Marcos Valadão, “o decreto legislativo que veicula a sustação do ato do Poder Executivo pode ser objeto do controle concentrado de constitucionalidade, com base no art. 102, inciso I, e seu § 1º, e art. 103, § 4º, i.e., por via de ação direta de inconstitucionalidade, de argüição de descumprimento de preceito fundamental e de ação declaratória de constitucionalidade, respectivamente. (...) Jáforam mencionadas as ADIns nº 748- 3/RS e 1.553-2/DF, cujos objetos eram decretos legislativos estaduais editados para sustar atos regulamentares de governa- dores. Por via dessas ADIns, ficou estabelecido que o decreto legislativo sustador pode ser objeto de controle concentrado.”. O autor prossegue afirmando que, “no caso de haver constitucionalidade formal do decreto legislativo, i.e., a hipótese de sua edição é plausível e os trâmites legislativos pertinentes foram cumpridos de maneira escorreita, restará ainda por parte do STF a análise da questão de mérito, ou seja, se o ato do Poder Executivo pode ou não ter exorbitado do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa.” (VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira. Op. Cit., pp. 294/295). objeto de controle. Essa verificação, contudo, distingue- se totalmente de um juízo de valor sobre o conteúdo do ato: trata-se, em verdade, de um juízo jurídico sobre uma questão se o ato normativo cingiu-se à lei por ele regulamentada, ou se a desrespeitou. Com efeito, se se admitisse que o Congresso Nacional controlasse via decreto legislativo a discricionariedade do Poder Executivo, tal situação “refugiria completamente ao sistema de pesos e contrapesos entre os três Poderes, podendo derivar para uma confusão de competências”11. Com a mesma orientação ora apresentada, José Levi Mello do Amaral Júnior sustenta que “ainda que se trate de um controle político, a sustação somente pode ser levada a efeito quando houver “(...) o desbordamento, pelo Executivo, do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa”12. Em resumo, portanto, pode-se afirmar que a hipótese do art. 49, V, representa um caso específico de controle de constitucionalidade/legalidade, não podendo ser exercido apenas para combater atos dos quais se desgoste, ou de cujo conteúdo se discorde. Dessa maneira, argumentos (muitas vezes presentes na justificação de projetos de decreto legislativo embasados no inciso V do art. 49 da CF) sobre o mérito da medida que se visa a sustar são absolutamente irrelevantes. Isso porque, se o ato normativo exorbitar os limites da lei, deverá ser sustado, ainda que seu mérito seja louvável; ao revés, se o ato não desbordar dos limites da lei, não poderá ser suspenso, mesmo que se discorde da solução por ele dada ao tema. É importante ressaltar esse fato, inclusive, porque os decretos legislativos que sustem atos do Executivo podem ser objeto de revisão judicial. É dizer: se o Congresso Nacional, sob o pretexto de sustar atos que exorbitem o poder regulamentar, extrapolar, ele mesmo, os limites que lhe são postos pelo inciso V do art. 49 da CF, poderá ter sua atuação invalidada judicialmente13. 4.4. Atos passíveis de sustação A competência congressual atinge mesmo atos normativos editados por outros órgãos do Executivo (federal), que não o Presidente da República. Isso porque, a partir de uma interpretação literal, vê-se que o inciso V do art. 49 trata de “atos normativos [e não apenas regulamentares] do Poder Executivo”. Contra, entendendo que só podem ser sustados atos do Presidente da República, posiciona-se Marcos Valadão, para quem: Processo Legislativo Constitucional _6 “Parece-nos que a resposta é no sentido negativo. O problema aqui é que não compete ao Congresso Nacional, diretamente, por via legislativa (decreto legislativo) se amiscuir (sic) em atos regulamentares, melhor dizer atos normativos, editados no âmbito do Poder Executivo, por autoridades que não o Chefe do Poder Executivo. Há outros mecanismos para se proceder a esse controle, a cargo do Poder Judiciário, de maneira genérica, e, em situações específicas, do Tribunal de Contas da União (art. 71, incisos IX, X e XI). Além do que, essa modalidade de atos não se amolda, em sentido estrito, ao conceito de ato regulamentar, decorrente do poder regulamentar, mas sim ao de ato executivo, inserindo-se no âmbito dos atos normativos.”14 Anna Cândida da Cunha Ferraz também considera que o poder de sustação abrange apenas os atos do Chefe do Poder Executivo, “não alcançando atos administrativos de outras autoridades, ainda que normativos, tais como as instruções normativas ministeriais”15. A própria autora, contudo, reconhece que “este é ainda um ponto em aberto na doutrina e na jurisprudência, pois (...) o Supremo Tribunal Federal admitiu, em tese, que Resolução (...) pudesse ser objeto da sanção estabelecida no art. 49, V, em exame (ACO-QO 1048)”. É certo, entretanto, que o STF entendeu não poderem ser sustados atos judiciais, ainda que editados pelo Tribunal Superior Eleitoral, no exercício de seu poder regulamentador da legislação eleitoral. A Corte refutou, portanto, a interpretação ampliativa do disposto no inciso V do art. 49, para alcançar também atos normativos emanados do poder regulamentar de outros Poderes da República, ainda que tal competência seja combinada com o inciso XI do mesmo art. 49 (segundo o qual compete ao Congresso Nacional “zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes”). Nesse sentido, a jurisprudência distanciou-se de parte da doutrina, que previa a possibilidade de o ato de sustação congressual atingir outros Poderes, além do Executivo. 4.5. Efeitos jurídicos do ato de sustação O conteúdo do decreto legislativo consiste na sustação do ato impugnado. Trata-se de ato definitivo (a não ser que invalidado judicialmente, por motivos lógicos), que opera no plano da eficácia da norma, retirando-lhe a possibilidade de produzir efeitos, tendo como causa a sua invalidade. Não atinge, assim, o aspecto da existência, uma vez que não possui o condão de revogar o ato do Executivo. Quanto à extensão dos efeitos do ato de sustação, pode-se que são prospectivos (ex nunc) e para todos (erga omnes), a partir da publicação e entrada em vigor do decreto legislativo. 14 VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira. Op. Cit., p. 293. 15 FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Op. Cit., p. 1030. Processo Legislativo Constitucional Professor João Trindade _7 PROCESSO LEGISLATIVO CONSTITUCIONAL (COMPLETO) 1. INTRODUÇÃO O processo legislativo – assim entendido como o processo de formação das leis – tem sua matriz prevista na Constituição Federal (CF, arts. 59 a 69). Todavia, não se esgota nos procedimentos mencionados na Carta Magna, uma vez que é regulamentado por diversos outros instrumentos normativos, tais como os regimentos internos das Casas legislativas e a Lei Complementar nº 95/1998. O procedimento é o modo como se desenrola o processo, os vários caminhos que podem ser tomados. Assim, o processo legislativo é o mecanismo de formação das leis, que, por sua vez, abrange vários procedimentos legislativos (caminhos que o projeto de lei pode tomar). Os procedimentos dividem-se em comum e especiais. O procedimento comum é a regra, o padrão, o standard. No nosso contexto, procedimento comum é o procedimento de aprovação das leis ordinárias. O procedimento comum pode ainda subdividir-se em: a. procedimento ordinário; b. procedimento sumário; c. procedimento abreviado. O procedimento comum ordinário constitui a tramitação completa do projeto de lei ordinária, ou seja, em todas as fases possíveis (inclusive discussão em Plenário) e sem prazo definido. Já o procedimento sumário (ou procedimento da urgência constitucional) caracteriza- se por ter as mesmas fases do procedimento ordinário, mas prevê a existência de prazos para a deliberação do Congresso Nacional (CF, art. 64, §§ 1º e seguintes). Por fim, o procedimento abreviado dispensa a apreciação do projeto de lei ordinária pelo Plenário da Câmara ou do Senado, considerando-se aprovado se for aceito pelas comissões de cada Casa (diz-se que o projeto tramita em caráter terminativo ou conclusivo: CF, art. 58, § 2º, I). Por outro lado, os chamados procedimentos especiais regulam a tramitação que não segue totalmente os padrões da aprovação de uma lei ordináriacomum. Desse modo, qualquer diferenciação substancial no trâmite de uma proposição legislativa significa que se trata de um procedimento especial. Temos, então, como procedimentos especiais: a. leis orçamentárias (embora sejam leis ordinárias, a matéria de que tratam é tão específica que determina várias diferenças de tramitação, previstas principalmente no art. 166 da CF); b. emendas constitucionais; c. leis complementares; d. leis delegadas; e. medidas provisórias; f. decretos legislativos; g. resoluções. 2. PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO O procedimento comum ordinário é o procedimento- padrão de aprovação das leis ordinárias. Trata-se de um procedimento complexo, completo e demorado. A elaboração de leis, como se sabe, é algo sério, que demanda longo tempo de maturação, sob pena de se editarem atos com defeitos, ou mal redigidos, etc. No procedimento comum ordinário (ou, simplesmente, procedimento ordinário), não há prazo para a deliberação do Congresso Nacional, e o projeto precisa passar tantos pelas comissões (órgãos fracionários que analisam aspectos específicos) quanto pelo Plenário. O procedimento comum ordinário compõe-se de três fases básicas (isso já foi cobrado em prova oral!): a. fase pré-parlamentar, ou preliminar, composta pela etapa da iniciativa; b. fase constitutiva, em que a lei é efetivamente produzida, por meio de decisões (deliberações): » deliberação legislativa (discussão e votação); » deliberação executiva (sanção ou veto); c. fase complementar, que serve para dar eficácia a uma lei já existente (promulgação e publicação). CUIDADO!!! A lei nasce (passa a ter existência no mundo jurídico) com a sanção (ou com a rejeição do veto, que a substitui), mas não pode ainda entrar em vigor, porque isso só pode acontecer após a publicação (que é condição para a eficácia da lei). Procedimentos Legislativos Comum (lei ordinária) Especiais (demais espécies normativas) Sumário (urgência constitucional) Abreviado (poder terminativo ou conclusivo das comissões) Ordinário (tramitação padrão, procedimento complexo e demorado) Processo Legislativo Constitucional _8 Caso se cobre em prova que a lei nasce com a promulgação, isso estará errado. A promulgação é ato meramente formal e declaratório, que apenas confirma que uma nova lei nasceu (o que já ocorreu, no momento da sanção). Para usarmos uma metáfora, poderíamos dizer que a sanção é o parto (nascimento da lei), ao passo que a promulgação é a certidão de nascimento dela. Fases Preliminar Cada fase se subdivide em etapas Etapas Significado da etapa Iniciativa Ato que deflagra o processo Discussão Debates, apresentação de emendas e pareceres das comissões Votação Ocorre, normalmente, no Plenário de cada Casa Sanção (ou veto) É com a sanção que a lei nasce (passa a ter existência) Promulgação Ato que declara que uma nova lei surgiu Publicação Ato que torna a lei potencialmente vigente Constitutiva Complementar Questão de concurso: ) ( (Cespe/DPDF/Defensor/Prova Oral/2013) Identifique as três fases básicas do processo legislativo ordinário ou comum, explicitando as diversas etapas em que se desdobram e o significado de cada uma dessas etapas. Resposta: A doutrina classifica as fases do processo legislativo em fase preliminar (propositura, isto é, iniciativa), constitutiva (discussão, votação e sanção/veto) e complementar (promulgação e publicação). A segunda fase trata da existência da lei (que só passa a existir após a sanção), enquanto a terceira fase serve para dar eficácia a uma lei já existente. Assim, pode-se afirmar que o procedimento comum ordinário compõe-se de três fases básicas: a. fase pré-parlamentar, ou preliminar, ou iniciativa; b. a fase constitutiva, em que a lei é efetivamente produzida, por meio de decisões (deliberações): » deliberação legislativa (discussão e votação); » deliberação executiva (sanção ou veto); c. fase complementar, que serve para dar eficácia a uma lei já existente (promulgação e publicação). A iniciativa é o ato que dá início à tramitação do projeto de lei – PL (que recebe número quando é protocolado na Mesa da Casa respectiva – Câmara ou Senado). É o ato que deflagra o processo legislativo. A discussão é o momento em que o projeto de lei é encaminhado para que o Poder Legislativo possa apreciá-lo, analisá-lo. É nessa fase que o PL pode sofrer emendas e recebe os pareceres das comissões. A votação, realizada em regra em Plenário, constitui a decisão parlamentar sobre a rejeição ou aprovação do PL. Como último ato da fase constitutiva, tem-se a sanção ou veto, dois atos do Presidente da República em que ele declara, respectivamente, sua concordância ou discordância em relação ao PL. Finalmente, a promulgação é o ato que declara que a ordem jurídica foi inovada, ao passo que a publicação consiste na divulgação oficial do conteúdo da lei, tornando-a potencialmente eficaz. Processo Legislativo Constitucional Professor João Trindade _9 PROCEDIMENTO COMUM SUMÁRIO (REGIME DE URGÊNCIA CONSTITUCIONAL – ART. 64, §§ 1º A 4º) Depois de analisarmos como se dá a tramitação dos projetos de lei pelo procedimento comum ordinário (padrão), é hora de estudarmos outro caminho (procedimento) que os projetos de lei ordinária podem tomar dentro do Congresso Nacional: o procedimento da urgência constitucional (procedimento comum sumário). 1. Legitimidade para requerer a urgência De acordo com o texto constitucional, somente o Presidente da República (na esfera federal, obviamente) está autorizado a requerer ao Congresso Nacional que determinado projeto de lei tramite em caráter de urgência constitucional. 2. Projetos em que pode ser requerida urgência Segundo a Constituição Federal (art. 64, § 1º), o Presidente da República só pode solicitar urgência nos projetos de lei de sua iniciativa, isto é, dele mesmo, Presidente. Assim, o Chefe do Executivo não pode requerer, por exemplo, que tramite em caráter de urgência projeto de lei de autoria de um Deputado Federal ou de um Senador. Também não é admitida a urgência em relação a projetos de código, em virtude da complexidade e extensão do seu objeto. 3. Prazos Nos termos do art. 64, §§ 2º e 3º, da CF, os prazos aplicáveis para a discussão e votação de projetos de lei, quando há requerimento de urgência apresentado pelo Presidente da República, são de : a. 45 dias para apreciação do projeto na Casa Iniciadora (que, nessa hipótese, será necessariamente a Câmara, pois se trata de projeto de iniciativa do Presidente da República); b. 45 dias para apreciação na Casa Revisora (que, nesse caso, será sempre o Senado Federal); c. 10 dias para apreciação, na Câmara, de eventuais emendas apresentadas pelo Senado Federal. Desde já, nota-se que o prazo constitucional máximo para a tramitação do projeto de lei em regime de urgência, no Congresso Nacional, é de 90 dias (45+45), se não houver emendas no Senado, ou 100 dias (45+45+10), caso haja tais modificações na Casa Revisora. E qual a consequência jurídica em caso de desrespeito, por parte do Congresso, a esses prazos constitucionais? Como não existe mais (felizmente) aprovação por decurso de prazo, a consequência será o trancamento de pauta da Casa responsável pelo descumprimento (isto é, da Casa que violou os prazos constitucionais). Como em todos os demais prazos do processo legislativo, ocorre a suspensão desses prazos durante o recesso, isto é, o início do recesso faz para a contagem, que volta (de onde tinha sido suspensa) com o retorno dos trabalhos. NÃO CONFUNDA!!! No caso de projeto de lei em regime de urgência constitucional, cada Casa tem 45 dias para apreciar a proposição, diferentemente do que ocorre com as medidas provisórias, em que o prazo de 45 dias refere-se à apreciação em ambas as Casas do Congresso Nacional. PROCEDIMENTO (COMUM) ABREVIADO 1. Característica O procedimento abreviado, previsto no inciso I do § 2º do art. 58 da CF, tem comoprincipal característica dispensar a apreciação em Plenário, de modo que o projeto é discutido e votado apenas nas comissões. Veja a diferença: no procedimento ordinário, o projeto é discutido nas comissões e depois discutido e votado em Plenário. Isso, porém, demora muito, em especial porque a pauta do Plenário de cada Casa (a chamada “Ordem do Dia”) é muito cheia de matérias. Por isso, quando um projeto tramita em caráter abreviado, ele pega um “atalho”, passando apenas pelas comissões. 2. Objeto O chamado procedimento abreviado – caracterizado “poder terminativo” (Regimento Interno do Senado Federal – RISF, art. 91) ou conclusivo (Regimento Interno da Câmara dos Deputados – RICD, art. 28, II) das comissões – é utilizado nos casos previstos no Regimento Interno de cada Casa Legislativa. Por exemplo: no Senado Federal, tramitam em procedimento abreviado os projetos de lei de autoria de Senador (RISF, art. 91, III). Como isso é uma matéria que depende de cada regimento interno, pode até mesmo acontecer de que um projeto tramite em procedimento abreviado em uma Casa e em procedimento ordinário em outra. Pode um projeto que tramita em caráter de urgência constitucional ser submetido ao poder terminativo das comissões? Sim, nada impede a cumulação dos procedimentos sumário (fixação de prazo) com o abreviado (dispensa da discussão e votação em Plenário). No procedimento abreviado, a decisão tomada pela comissão (aprovação ou rejeição) se tornará definitiva, sem necessidade de apreciação do projeto em Plenário. Se, porém, no prazo regimental, houver recurso apresentado por 1/10 (10%) dos membros da Casa, a matéria precisará ser votada em Plenário, saindo do procedimento abreviado. Processo Legislativo Constitucional _10 3. Recurso Se alguns parlamentares da Casa em que o PL estiver tramitando discordarem da decisão das comissões (seja a decisão pela aprovação, seja pela rejeição), poderão, no prazo previsto no regimento interno, apresentar recurso. Esse recurso precisa ser assinado (subscrito) por 1/10 dos membros da Casa (9 Senadores ou 52 Deputados, conforme o caso), e seu pedido é de que a matéria seja apreciada em Plenário. Sendo apresentado recurso, o PL, na prática, “sai” do procedimento abreviado, voltando ao procedimento comum ordinário. PROCEDIMENTOS LEGISLATIVOS ESPECIAIS 1. Emendas à Constituição 1.1 Iniciativa A iniciativa de leis ordinárias é atribuída, em geral, a qualquer Deputado (isoladamente), Senador (idem) ou Comissão (da Câmara, do Senado ou do Congresso Nacional), ao Presidente da República, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e até mesmo ao povo (CF, art. 61, caput). Esse procedimento não acontece com a iniciativa de propostas de emendas à Constituição (PEC). De acordo com o rol taxativo (fechado) do art. 60, podem propor emendas à Constituição Federal: a. 1/3 dos Deputados (=171 Deputados); b. 1/3 dos Senadores (= 27 Senadores); c. o Presidente da República; d. a maioria absoluta (= mais da metade) das Assembleias Legislativas estaduais (incluindo a Câmara Legislativa do DF1), manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa (= maioria simples) dos seus membros. CUIDADO! Não há iniciativa popular de emenda constitucional! Realmente, por absoluta falta de previsão constitucional, não há iniciativa popular de emendas à Constituição Federal. Há doutrinadores – como José Afonso da Silva – que defendem essa possibilidade, mas a corrente é francamente minoritária. Para provas de concursos e OAB, recomendamos adotar a negativa pura e simples, ainda que, se se tratar de prova discursiva, seja recomendável registrar a existência da posição minoritária. 1 14 Assembleias, portanto. Há, até hoje, um só caso de PEC apresentada pelas assembleias estaduais; trata-se da PEC nº 47, de 2012, em tramitação no Senado Federal, e que busca ampliar as competências legislativas estaduais. ATENÇÃO!!! Ainda sobre o tema da iniciativa de PEC, o STF já decidiu, diversas vezes, que as hipóteses de iniciativa privativa não se aplicam às propostas de emenda à CF: o leading case foi a ADI nº 3.367/DF, em que se questionava a criação de órgão do Poder Judiciário (Conselho Nacional de Justiça) por PEC de iniciativa parlamentar. Na esfera estadual/distrital, contudo, a jurisprudência do STF considera que não se pode, por meio de PEC, “driblar” a iniciativa privativa do Governador para criar órgãos no Executivo ou dispor sobre regime jurídico dos servidores públicos (ex: STF, Pleno, ADI nº 5.075/DF). Definição da Casa Iniciadora Assim como ocorre com os projetos de lei, as propostas de emenda à Constituição tramitam por ambas as Casas do Congresso Nacional, podendo ser propostas em qualquer uma delas, de acordo com o legitimado que a inicia. Assim, se a proposta nascer da vontade de 1/3 dos Deputados, terá início, obviamente, na Câmara dos Deputados, funcionando o Senado Federal como Casa Revisora. Ao revés, se for proposta de 1/3 dos Senadores, a situação se inverte, e a PEC começará a tramitar no Senado Federal, funcionando a Câmara dos Deputados como Casa Revisora. No caso de PEC de iniciativa do Presidente da República, a Casa Iniciadora será a Câmara, ao passo que, no caso de PEC proposta pelas Assembleias Legislativas, caberá ao Senado o papel de se pronunciar primeiramente sobre a PEC. 1.2 Número de turnos Enquanto as demais proposições legislativas só precisam, em regra, ser aprovadas em um turno em cada Casa do Congresso, as propostas de emenda à Constituição devem ser apreciadas por cada Casa duas vezes (dois turnos), totalizando quatro votações. A proposta será considerada aprovada se for acatada em todas as quatro votações. Perdendo em uma delas, estará rejeitada e será arquivada, expondo-se à limitação do § 5º do art. 60, adiante explicada. Perceba-se que os turnos devem ser consecutivos, isto é, primeiro vota-se a PEC em dois turnos na Casa Iniciadora; se for aprovada, segue para votação também em dois turnos na Casa Revisora. A PEC pode sofrer emendas? Sim, como qualquer proposição legislativa, a PEC também pode sofrer emendas. Elas precisam, porém, ser subscritas por 1/3 dos Deputados (se a proposição estiver tramitando na Câmara dos Deputados) ou por 1/3 dos Senadores (caso a PEC esteja no Senado Federal). Processo Legislativo Constitucional _11 Aprofundamento– os interstícios Não há, na Constituição, exigência de um lapso temporal – interstício – entre os turnos de votação, mas essa salutar providência é prevista em sede regimental2. Questiona-se sobre a possibilidade de superação dessa norma regimental, com a chamada “quebra de interstício” ou “calendário especial” (votação dos dois turnos da PEC sem respeitar o intervalo regimental). Há quem sustente tratar-se a questão de tema meramente regimental, verdadeira matéria interna corporis, sobre a qual o Parlamento seria soberano para deliberar. Com essa tese, aliás, alinhou-se o STF, no julgamento da ADI nº 4.425/DF, quando ficou decidido que: “A Constituição Federal de 1988 não fixou um intervalo temporal mínimo entre os dois turnos de votação para fins de aprovação de emendas à Constituição (CF, art. 62, § 2º), de sorte que inexiste parâmetro objetivo que oriente o exame judicial do grau de solidez da vontade política de reformar a Lei Maior. A interferência judicial no âmago do processo político, verdadeiro locus da atuação típica dos agentes do Poder Legislativo, tem de gozar de lastro forte e categórico no que prevê o texto da Constituição Federal. Inexistência de ofensa formal à Constituição brasileira.”3. Dessa forma, pode-se dizer que, à luz da jurisprudência do STF, não há inconstitucionalidade em aprovar uma PEC em dois turnos na mesma sessão, por exemplo, sendo isso uma questão interna corporis. Na doutrina, porém, há quem sustente que o intervalo mínimo entre os dois turnos (interstício) é norma constitucional implícita (posição de GabrielDezen Júnior e Heraldo Pereira de Carvalho), ou até mesmo uma norma “interposta” (norma do Regimento, mas que concretiza a Constituição, posição de Leonardo Augusto Barbosa). Para provas de concursos, recomenda-se adotar a posição do STF, ainda que, se for prova discursiva ou oral, com a ressalva da doutrina especializada. 1.3 Quórum O quórum exigido para a aprovação de emendas à Constituição é substancialmente maior que o necessário para aprovar as demais propo-sições legislativas. Enquanto para as leis ordinárias basta o apoio da maioria dos votos dos presentes (maioria simples ou relativa), e para aprovar leis complementares exige-se a maioria do total de membros da Casa (maioria absoluta, mais de 50% do total), as PECs só podem ser consideradas aprovadas se obtiverem pelo menos 3/5 (=60%) do total de votos dos membros da Casa em que se dá a votação. Isso significa que são necessários votos favoráveis de pelo menos 49 Senadores e 308 Deputados, sem o que a proposta será considerada rejeitada, ainda que não haja nenhum voto “não”. 2 O Regimento Interno do Senado Federal dispõe que o “interstício entre o primeiro e o segundo turno será de, no mínimo, cinco dias úteis” (art. 362). Já o Regimento da Câmara prevê que: “A proposta será submetida a dois turnos de discussão e votação, com interstício de cinco sessões” (art. 202, § 6º). 3 STF, Pleno, ADI nº 4.425/DF, Relator Ministro Luiz Fux, DJe de 18.12.2013. Essa exigência de quórum explica-se pela necessidade de evitar que maiorias eventuais tenham o poder de alterar a Constituição. Ainda assim, a realidade brasileira tem demonstrado que o alto quórum não tem confe-rido a necessária segurança jurídica ao texto constitucional, que, em pouco mais de 27 anos, já foi emendado nada menos que 95 vezes, fora as emendas de revisão. 1.4 Irrepetibilidade absoluta na mesma sessão legislativa A PEC rejeitada ou havida por prejudicada não pode ter seu conteúdo objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa. É o que se depreende do § 5º do art. 60: “A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa”. Trata-se de uma aplicação do princípio da irrepetibilidade que se aplica aos projetos de lei rejeitados (art. 67), só que muito mais rígida: aqui, a PEC não pode ser reeditada na mesma sessão legislativa em hipótese alguma. A irrepetibilidade na mesma sessão legislativa é absoluta, ao contrário do que ocorre com os projetos de lei, em que se cuida de uma proibição relativa, que pode ser derrubada com o apoio da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas do Congresso. Projeto de Lei PEC Irrepetibilidade na mesma sessão legislativa Sim Sim Previsão Art. 67 Art. 60, § 5º Característica da irrepetibilidade Relativa (pode ser derrubada com o apoio da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas) Absoluta CUIDADO!!! O STF já decidiu, todavia, que a irrepetibilidade se aplica apenas à proposta de emenda que foi rejeitada ou tida por prejudicada (a PEC principal), e não àquela que foi objeto de substitutivo que restou rejeitado. Com efeito, se é proposta uma emenda, na forma de um substitutivo, e este é rejeitado, a PEC original volta a tramitar normalmente, podendo ser imediatamente votada. Não se aplica a irrepetibilidade, já que esta só incide quando a PEC principal é rejeitada. Por exemplo: foi apresentada a PEC A, que recebe o Substitutivo B; em Plenário, o Substitutivo B é rejeitado; a PEC A pode ser votada na mesma sessão? Sim. Eis o precedente: STF, Pleno, MS 22.503/DF, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ de 06.06.1997. Processo Legislativo Constitucional _12 Veja como esse assunto já foi cobrado em prova objetiva de concurso: (FGV/Prefeitura de Niterói-RJ/Fiscal Tributário/2015) O Presidente da República apresentou, ao Congresso Nacional, uma proposta de emenda constitucional, a qual, por ocasião de sua análise no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, foi alvo de substitutivo, aprovado pela Comissão e posteriormente rejeitado pelo Plenário da Casa Legislativa. À luz da sistemática constitucional, com a rejeição do substitutivo: a. a proposta de emenda constitucional não pode continuar a tramitar, devendo ser arquivada; b. a proposta original pode ser votada, desde que na sessão legislativa seguinte; c. a proposta, em respeito ao bicameralismo, deve seguir para a apreciação do Senado Federal; d. a proposta original pode ser votada na mesma sessão legislativa; e. o substitutivo rejeitado pode ser desarquivado na sessão legislativa seguinte. Resposta: D 1.5 Inexistência da fase de deliberação executiva Como já afirmamos, ao tratar do procedimento comum ordinário, a fase de deliberação executiva (sanção ou veto) só existe na tramitação de projetos de lei (ordinária ou complementar). Logo, não existe a fase de sanção ou veto no caso das propostas de emenda à Constituição – que, uma vez aprovadas, seguem direto à promulgação e publicação. 1.6 Promulgação Como a PEC não é encaminhada ao Presidente da República (pois não há sanção nem veto), a promulgação não será tarefa do Chefe de Governo. Na verdade, segundo o texto constitucional, a “emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem” (art. 60, § 3º). A CF silencia sobre quem deve publicar a EC, por isso entendemos que deva ser essa competência atribuída à mesma autoridade que a promulga (Mesas da CD e do SF). Processo Legislativo Constitucional Professor João Trindade _13 MEDIDAS PROVISÓRIAS 1. Medidas Provisórias Pode-se conceituar medida provisória como um ato normativo primário, excepcional no quadro da separação de Poderes, editado pelo Presidente da República em matérias relevantes e situações de urgência, e sujeita a condição resolutiva. Primeiramente, fica claro que a medida provisória é um ato normativo primário, isto é, retira seu fundamento de validade diretamente da Constituição; pode criar direitos e obrigações; tem, no dizer da Constituição, força de lei (art. 62, caput). Não é lei, pois nela só se transformará se for aprovada pelo Congresso Nacional; mas, enquanto isso, vale como se lei fosse. Dito de outra forma: é um projeto de lei que já vale como lei. Ademais, está sujeita a condição resolutiva. Editada pelo Presidente da República, deve ser imediatamente publicada e remetida ao Congresso para apreciação. A partir daí, começará a correr o prazo de validade (ou melhor, de vigência) da MP (sessenta dias, prorrogáveis por mais sessenta). Se, nesse período, o Congresso rejeitar a medida ou não apreciá-la, o ato deixará de produzir efeitos (condição resolutiva). Caso, porém, a medida seja votada e aprovada pelo Congresso, pode-se dizer, grosso modo, que deixará de ser uma medida provisória para se transformar em lei, definitivamente (quer dizer, até que seja revogada por outra lei). Por fim, deve ficar claro que a medida provisória, uma espécie de legislação pelo Executivo, não é a regra no esquema da separação de Poderes. Realmente, a função de legislar é prerrogativa principal do Legislativo. Qualquer ato editado pelo Presidente da República no exercício da função legislativa, ou com força de lei (lei delegada, medida provisória, decreto autônomo), configura uma exceção, e como exceção deve ser interpretado (ou seja, deve ser encarado de forma restritiva). 1.1 Pressupostos de validade A medida provisória, com a natureza excepcional que tem, só deve (ou deveria) ser utilizada pelo Presidente da República em situações absolutamente (permita-se a repetição) excepcionais. Por isso mesmo, as medidas provisórias, no Brasil, só podem ser utilizadas para tratar de matérias relevantes, importantes, fundamentais. É inconstitucional, por violação ao art. 62 da Constituição, medida provisória que trate, por exemplo, de matériassecundárias, como instituição de loteria para auxiliar os clubes de futebol (como infelizmente já tivemos). Contudo, existe outro pressuposto constitucional para a edição de MPs que deve ser preenchido cumulativamente com aquele já citado (relevância): é a urgência. Com efeito, o normal é que o Presidente da República, como detentor da iniciativa de projetos de lei (art. 61, caput e § 1º), remeta as matérias que julgar pertinentes, de regulamentação ao Congresso, por meio de projeto de lei. Nos casos em que considere essa aprovação absolutamente urgente, poderá remeter o projeto com a mensagem de urgência, o que fará com que o Legislativo delibere sobre o projeto no prazo máximo de 100 dias (descontados os períodos de recesso) – ver art. 64, §§ 2º a 4º. Apenas nos casos em que nem mesmo esse prazo de 100 dias pudesse ser respeitado é que o Presidente estaria autorizado a editar medidas provisórias, com vigência imediata. Em um primeiro momento, o Supremo Tribunal Federal entendeu que, por se tratar de ato político, a medida provisória não se submeteria à análise do Judiciário, quanto aos pressupostos de relevância e urgência. Numa evolução jurisprudencial, a Corte passou a entender que, embora os conceitos de relevância e urgência sejam discricionários, pode a medida provisória ser declarada inconstitucional, quando evidentemente não preenchesse os pressupostos constitucionais. Porém, essa apreciação deve resguardar-se a casos excepcionais (cf. Pleno, ADI- MC nº 4.048/DF, Relator Ministro Gilmar Mendes). Questão de concurso: ) ( (Cespe/PC-GO/Agente/2016) Por força do princípio da separação de poderes, é vedado ao Poder Judiciário examinar o preenchimento dos requisitos de urgência e de relevância por determinada medida provisória. Resposta: errado. O Judiciário pode, embora excepcionalmente, analisar a existência dos requisitos de relevância e urgência de uma MP. 1.2 Competência A edição de medidas provisórias é atribuição exclusiva do Presidente da República, na qualidade de chefe de governo (Chefe do Executivo). Segundo a doutrina majoritária e a jurisprudência predominante, governadores e prefeitos podem editar MP, desde que haja previsão expressa na respectiva constituição estadual ou lei orgânica municipal (e desde que respeitado o mesmo regramento previsto na Constituição Federal). 1.3 Limitações materiais Como ato de natureza excepcional que é, a MP não pode tratar de quaisquer temas. Ao contrário, há uma série de restrições materiais esparsas na CF, ou até mesmo implícitas: Processo Legislativo Constitucional _14 Matérias em que não pode ser editada medida provisória Vedações explícitas Regulamentação do Fundo Social de Emergência ADCT, art. 73 Exploração de gás canalizado pelos Estados-membros Art. 25, § 2º Regulamentação de artigo da Constituição cuja redação foi alterada entre 1º de janeiro de 1995 e 11 de setembro de 2001 Art. 246 Nacionalidade, cidadania, partidos políticos e Direito Eleitoral Art. 62, § 1º, I, a Direito Penal, Processual Penal e Processual Civil Observação: Direito Civil pode! Art. 62, § 1º, I, b Garantias dos membros do Judiciário e do MP Art. 62, § 1º, I, c Matéria orçamentária (só pode autorizar a abertura de créditos ex- traordinários: ADI nº 5.048/DF) Art. 62, § 1º, I, d Art. 167, § 3º Matéria reservada a lei complementar Art. 62, § 1º, III Detenção ou sequestro de ativos financeiros Art. 62, § 1º, II Matéria constante de projeto de lei pendente de sanção ou veto do Presidente Art. 62, § 1º, IV Vedações Implícitas Matérias de iniciativa exclusiva dos demais Poderes Arts. 96, 93, 51, IV, e 127 Matérias de decreto legislativo ou resolução Arts. 49, 51 e 52 CUIDADO!!! Há doutrinadores de direito penal que defendem poder uma MP tratar de matéria penal, caso o regramento seja benéfico ao réu. Esse entendimento é inaceitável, do ponto de vista constitucional. Em primeiro lugar, porque fere frontalmente a alínea b do inciso I do § 1º do art. 62 da CF. E, além disso, porque traz indevidamente para a lógica da validade dos atos normativos uma questão que só diz respeito à sua aplicabilidade temporal. Expliquemos: uma coisa é uma lei válida ser retroativa porque benéfica ao réu (CF, art. 5º, XL); outra coisa, inviável, é uma lei inválida ser aceita porque benéfica ao réu. Há até mesmo autores que citam um precedente do STF admitindo essa possibilidade (STF, Pleno, RE 254.818, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, julgado em 08.11.2000), mas que é anterior a existência dessa vedação expressa, que foi incluída pela EC nº 32, de 2001. Costuma-se citar, como pretenso exemplo de MP em matéria penal, a chamada “abolitio criminis temporária” trazida pelas diversas MPs que alteraram o Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03), para prorrogar o prazo de entrega de armas de fogo, com garantia de não punição. Apesar disso, não se trata de MP em matéria penal. O que as MPs alteraram foi a parte administrativa do Estatuto (prazo de regularização das armas de fogo, constantes dos arts. 30 e 32), e não os dispositivos penais dessa norma (o Capítulo IV da Lei, cujos arts. 12 a 21 tratam dos crimes e das penas, não foi alterado). Logo, não se pode citar esse exemplo como um pretenso precedente de MP em matéria penal. O que se tem, na verdade, é um caso de MP sobre matéria administrativa, mas com reflexos penais, e não uma MP sobre direito penal. Para provas de concursos, na parte de direito constitucional, não há dúvida: não se admite MP em matéria penal, ainda que seja benéfica ao réu (entendimento que já foi cobrado, por exemplo, na prova Cespe/PC-BA/delegado/2013). Medida provisória pode criar tributos ou majorar-lhes a alíquota? Sim, exceto para aqueles tributos que tenham de ser instituídos por lei complementar (CF, art. 154, c/c/ art. 62, § 1º, III). O § 2º do art. 62 afirma que “Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada”. Questão de concurso: ) ( (Cespe/TCU/Procurador/2015) Em caso de omissão do Congresso Nacional em legislar sobre determinado tema, medida provisória poderá dispor sobre matéria de lei complementar, cuja edição for requerida para pôr em execução a CF. Resposta: errado. MP não pode tratar de matéria reservada a lei complementar (CF, art. 62, § 1º, III), ainda que haja omissão do Congresso Nacional. ) ( (Cespe/TRT8/Técnico/2016) Permite-se a edição de medidas provisórias concernentes a matéria de direito eleitoral. Resposta: errado. É vedada a edição de MP sobre matéria eleitoral (CF, art. 62, § 1º, I, a). ) ( (Cespe/PC-PE/Escrivão/2016) Dispositivo do Código Penal relativo ao inquérito policial não pode ser alterado por medida provisória. Resposta: errado. Matéria penal e processual penal não pode ser tratada por meio de MP (CF, art. 62, § 1º, I, b). Processo Legislativo Constitucional _15 1.4 Efeitos A medida provisória é, ao mesmo tempo, ato normativo (tem força de lei) e proposição legislativa (submetida à apreciação do Congresso Nacional, que pode aprová-la com ou sem emendas, ou rejeitá-la). Logo, produz, segundo a explicação de Paulo Gustavo Gonet Branco, dois efeitos básicos: inova a ordem jurídica imediatamente, e provoca o Congresso Nacional a deliberar sobre o assunto. Questão de Concurso ) ( (Cespe/TCU/Analista de Controle Externo – Área Auditoria Governamental/2008) As MPs produzem, ao serem editadas, pelo menos dois efeitos: o efeito inovador da ordem jurídica e o efeito provocador do Congresso Nacional para que este delibere sobre o assunto. Gabarito: Certo. 1.5 Prazos Quanto às medidas provisórias, é preciso destacar a existência de dois prazos diferentes que correm em paralelo: a. um prazo de vigência, que é de 60 dias, prorrogáveis automaticamente por mais60; b. um prazo de trancamento de pauta do Congresso, que corresponde a 45 dias. Esses dois prazos correm em paralelo, de forma independente, e têm o mesmo termo inicial: a edição da MP. O término de cada um deles produz diferentes efeitos jurídicos: a. escoado o prazo de vigência da MP, sem apreciação do Congresso, considera-se que ela perdeu os efeitos: foi tacitamente rejeitada pelo Legislativo; b. esgotado o prazo de trancamento de pauta, a Casa Legislativa em que a MP esteja tramitando sofrerá o sobrestamento das demais deliberações, enquanto não apreciar a MP (trancamento de pauta). Vale registrar que tais prazos não correm durante o recesso do Congresso Nacional. Também merece advertência o fato de que existe medida provisória sem prazo: as que estavam em vigor quando da edição da EC nº 32, de 11 de setembro de 2001, foram atingidas pelo art. 2º desta EC: permanecerão em vigor até que sejam revogadas, ou até que o Congresso sobre elas delibere. 1.5.1 Extensão do trancamento de pauta e “solução Temer” O art. 62, § 6º, dispõe o seguinte: “Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando”. Embora o dispositivo diga que ficam sobrestadas “todas as demais deliberações legislativas”, foi (e é) adotada no Congresso a interpretação, capitaneada pelo então Presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, de que só ficam sobrestados os projetos de lei ordinária – e, mesmo assim, apenas em relação a matérias que possam ser tratadas por medida provisória. As demais espécies normativas poderiam ser discutidas e votadas mesmo com medida provisória trancando a pauta da Casa Legislativa. É de se ter cuidado, porém, que essa interpretação ainda não foi referendada pelo STF. O que houve foi a decisão monocrática do Relator, Ministro Celso de Mello, que indeferiu o pedido de medida cautelar no MS nº 27.931/ DF (DJe de 31.03.2009). Aguardemos a decisão definitiva do Plenário do STF, mas a interpretação adotada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal parece ir contra a literalidade do texto constitucional. Para provas discursivas, recomenda-se noticiar a existência da divergência, sem necessariamente defender um dos dois pontos de vista (doutrina tradicional – a MP tranca tudo; “solução Temer” – a MP tranca apenas projetos de lei ordinária sobre matéria que possa ser objeto de MP). 1.6 Tramitação A medida provisória, uma vez editada, deve ser imediatamente submetida pelo Presidente da República à apreciação do Congresso Nacional. A apreciação se dá pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, isolada e sucessivamente. Entre as Casas do Congresso, fica claro que a função de Casa Iniciadora caberá à Câmara dos Deputados (art. 62, § 8º), até mesmo por se tratar de ato do Presidente da República (art. 64, caput). Antes mesmo do encaminhamento à Câmara, porém, a MP precisa ser apreciada por uma comissão mista do Congresso Nacional. A própria Constituição estabelece que a “deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais” (art. 62, § 5º). Esse parecer prévio é dado por uma comissão mista de Deputados e Senadores, designada, caso a caso, para analisar se a Dia 1: MP está em vigor e não tranca a pauta Dia 46: MP está em vigor, mas já tranca a pauta Dia 90: MP ainda está em vigor e ainda está trancando a pauta Dia 121: MP deixa de vigorar e, consequentemente, de trancar a pauta Processo Legislativo Constitucional _16 medida provisória preenche os requisitos de relevância e urgência (e, nos termos da Resolução nº 1/2002-CN, também sobre o mérito da MP e sua compatibilidade financeira). Recentemente, no julgamento da ADI nº 5.029/DF, o STF considerou inconstitucional, com efeitos prospectivos (da decisão em diante), a aprovação de MP sem que a Comissão Mista emita parecer. As medidas provisórias podem, como as proposições em geral, sofrer emendas (propostas de alteração). Porém, essas emendas precisam tratar do mesmo tema objeto da MP. Ou seja: exige-se pertinência temática entre a emenda e o objeto da MP. Foi o que o STF decidiu no julgamento da ADI nº 5.127/DF, ocorrido em 15/10/2015, em que se considerou, dali por diante, inconstitucional a prática (até então comum no Congresso) de se inserirem matérias estranhas à MP por meio de emendas (os chamados jabutis ou contrabandos legislativos). Após o parecer da comissão mista, a MP será encaminhada diretamente ao Plenário da Câmara dos Deputados (sem passar pelas comissões desta Casa, portanto) e, se aprovada, ao Plenário do Senado Federal (também sem passar pelas comissões no Senado). Sua tramitação segue, em linhas gerais, a lógica dos projetos de lei: se rejeitada em qualquer Casa, será arquivada; se aprovada em ambas as Casas na mesma versão, seguirá à próxima fase (veja os itens seguintes); se aprovada pelo Senado com alteração em relação ao que foi aprovado na Câmara, retornará a esta Casa, que decidirá a respeito. VEJA BEM!!! Estas são as principais peculiaridades da tramitação de uma MP em relação a um PL: a) não há apreciação nas comissões da Câmara e do Senado (esse papel é exercido com exclusividade pela Comissão Mista); b) a discussão e votação no Plenário de cada Casa é feita em duas etapas: primeiro vota-se a admissibilidade (relevância e urgência, não tratar de matéria vedada, etc.) e só depois, se for o caso, o mérito da MP (aprovação ou rejeição); c) as emendas à MP são votadas no Plenário de cada Casa, mas são apresentadas (propostas) na Comissão Mista. CUIDADO!!! Se um Deputado ou Senador quiser apresentar emendas à MP quando ela já estiver no Plenário, não conseguirá, pois terá havido a preclusão. O momento adequado à apresentação das emendas à MP é quando da sua análise na Comissão Mista. Questão de concurso: ) ( (Cespe/PC-PE/Escrivão/2016) É de competência do Senado Federal examinar as medidas provisórias e emitir parecer sobre elas, antes que sejam apreciadas pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional. Resposta: errado. Nos termos do § 9º do art. 62, o papel de examinar as MPs e sobres elas emitir parecer é da comissão mista. 1.7 Rejeição Se a medida provisória for rejeitada pela Câmara ou pelo Senado, estará definitivamente arquivada, nos termos do que ocorre com os projetos de lei. Quanto às MPs, porém, a rejeição pode ser expressa ou tácita: esta última se verifica quando o Congresso deixa escoar o prazo de 60+60 dias sem votar o ato. Nesse caso, a medida perderá seus efeitos, isto é, será tida como rejeitada tacitamente. Uma vez rejeitada a MP (repita-se, seja de forma tácita ou expressa), deixará imediatamente de produzir efeitos. Deixará de existir. E mais: a matéria constante da MP rejeitada não poderá ser objeto de nova medida provisória na mesma sessão legislativa, em hipótese alguma. Confira-se o § 10 do art. 62 da CF: “É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo”. • Edita a MP • Requisitos: relevância e urgência • Emite parecer (obrigatório, mas não vinculante) • Recebe as emendas parlamentares, que serão votadas no Plenário de cada Casa• 1ª discussão/votação: admissibilidade • 2ª votação/ discussão: mérito • Só para apreciar as emendas do SF, caso haja • Só se a MP tiver sido aprovada com emendas em relação à versão original em vigor • 1ª discussão/votação: admissibilidade • 2ª votação/ discussão: mérito PR Comissão Mista Plenário da CD Plenário da CD Plenário do SF PR (sanção ou veto) 1 PROJETO DE LEI REJEITADO 1.1 A matéria dele constantepode ser objeto de nova proposição: 1.1.1 Em outra sessão legislativa? sim. 1.1.2 Na mesma sessão legislativa (ano parlamentar)? 1.1.2.1 Em regra: não. 1.1.2.2 Existe exceção: sim (maioria absoluta dos membros de uma Casa). Processo Legislativo Constitucional _17 LEMBRE-SE!!! A irrepetibilidade da MP rejeitada é igual à da PEC (CF, art. 60, § 5º, e art. 62, § 10). Questão de concurso: ) ( (Cespe/PC-PE/Escrivão/2016) Uma medida provisória somente poderá ser reeditada no mesmo ano legislativo se tiver perdido sua eficácia por decurso de prazo, mas não se tiver sido rejeitada. Resposta: errado. De acordo com o § 10 do art. 62, a irrepetibilidade ocorre tanto se a MP for expressamente rejeitada, quanto se ela sofrer a perda de eficácia por decurso de prazo (rejeição tácita). 1.7.1 Efeitos da rejeição O que acontece com os efeitos que a MP já produziu? Rejeitada a medida provisória (ou perdida a eficácia pelo escoamento do prazo, o que equivale a uma rejeição tácita), deixa imediatamente de produzir novos efeitos. Quanto aos efeitos já produzidos, a regra geral é que a MP continuará aplicável, a não ser que o Congresso, em 60 dias (a contar da rejeição), edite decreto legislativo dispondo de forma diversa. A rejeição (expressa ou tácita) da MP pelo Congresso produz, em regra, efeitos ex nunc (de agora em diante, daqui para frente), a não ser que o Congresso resolva dar efeitos retroativos à rejeição (efeitos ex tunc) – para tanto, deverá, em até 60 dias, editar um decreto legislativo específico. Outros efeitos que decorrem da rejeição de MP são: a) sua imediata perda de vigência; b) a volta automática da legislação anterior, o que a doutrina tem chamado de “efeito repristinatório”; e c) a irrepetibilidade (art. 62, § 10). Questão de concurso: 1. (FGV/OAB/2015.2) A Medida Provisória Z (MP Z), editada pelo Governador do Estado H com o propósito de diminuir o alto grau de evasão escolar, regulou a concessão de bolsas escolares a alunos carentes matriculados em escolas públicas estaduais. Em virtude de crise política que surgiu entre o Executivo e o Legislativo, a referida Medida Provisória não foi convertida em lei. Ultrapassado o prazo de 60 dias, a Casa Legislativa não disciplinou as relações jurídicas surgidas no período em que a MP Z vigorou. João, que se beneficiou por três meses da referida bolsa, apreensivo, relatou a Carlos, um amigo, servidor da Assembleia Legislativa, que teme ter de devolver a totalidade do valor recebido. Carlos tranquilizou-o e informou-lhe que a crise política fora debelada, de modo que a Assembleia apenas aguarda a reedição da Medida Provisória, a fim de convertê-la em lei, ainda no mesmo ano legislativo em que a MP Z perdeu a eficácia. Considerando que a Constituição do Estado H regulou o processo legislativo em absoluta simetria com o modelo usado pela Constituição Federal, responda aos itens a seguir. a. João terá de devolver aos cofres públicos o dinheiro recebido a título da bolsa? Fundamente. (Valor: 0,75) b. A informação passada por Carlos a João encontra-se em harmonia com a sistemática constitucional? Justifique. (Valor: 0,50) Resposta: a. Não será necessário que João devolva quaisquer valores. Rejeitada a medida provisória (ou perdida a eficácia pelo escoamento do prazo, o que equivale a uma rejeição tácita), ele deixa imediatamente de produzir novos efeitos. Quanto aos efeitos já produzidos, a regra geral é que a MP continuará aplicável, a não ser que o Congresso, em 60 dias (a contar da rejeição) edite decreto legislativo dispondo de forma diversa. É o que se colhe da interpretação conjunta dos §§ 3º e 11 do art. 62 da CF. Assim, nesse caso, não será necessário devolver quaisquer valores recebidos, uma vez que, não editado o decreto legislativo no prazo constitucional, os efeitos produzidos pela MP se tornaram definitivos. b. Não, a informação prestada por Carlos está incorreta. Uma vez rejeitada a MP (seja de forma tácita – por decurso de prazo – ou expressa), a matéria constante da MP rejeitada não poderá ser objeto de nova medida provisória na mesma sessão legislativa, em hipótese alguma. Confira- se o § 10 do art. 62 da CF: “É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo”. Trata-se de uma aplicação do princípio da irrepetibilidade que se aplica aos projetos de lei rejeitados (art. 67), só que muito mais rígida: aqui, a MP não pode ser reeditada na mesma sessão legislativa em hipótese alguma. A irrepetibilidade na mesma sessão legislativa é absoluta, ao contrário do 2 MEDIDA PROVISÓRIA REJEITADA 2.1 A matéria dele constante pode ser objeto de nova proposição: 2.1.1 Em outra sessão legislativa? sim. 2.1.2 Na mesma sessão legislativa (ano parlamentar)? 2.1.2.1 Em regra: não. 2.1.2.2 Existe exceção: não (vedação absoluta na mesma sessão legislativa). Processo Legislativo Constitucional _18 que ocorre com os projetos de lei, em que se cuida de uma proibição relativa, que pode ser derrubada com o apoio da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas do Congresso. Assim, tendo a MP sido rejeitada (não convertida em lei), não poderá ser reeditada na mesma sessão legislativa em que se deu a rejeição. 1.8 Aprovação 1..8.1 Aprovação sem emendas (de conteúdo) Uma vez aprovada a medida provisória sem emendas que alterem a essência, o conteúdo do ato originalmente editado pelo Presidente da República, a MP estará automaticamente convertida em lei. Não é necessário retornar à Presidência para sanção ou veto. A MP foi confirmada, e deixará, então, de existir, para dar lugar à lei objeto de sua conversão. 1.8.2 Aprovação com emendas (de conteúdo) Se a medida provisória for aprovada, na essência, mas o Congresso fizer emendas (de conteúdo) ao texto originalmente editado pelo Presidente da República, a MP não estará definitiva e automaticamente convertida em lei. Nesse caso, a MP se transforma num projeto de lei de conversão (PLV), que deverá ser encaminhado (como qualquer projeto de lei) à sanção ou ao veto do Presidente da República. Entretanto, deve ser lembrado que o prazo para sanção ou veto é de 15 dias úteis. Durante esse tempo, o que acontece com a MP? O texto originalmente editado pelo Presidente continua a valer (ainda que ultrapasse os 120 dias de vigência!), enquanto o Chefe do Executivo não se manifestar sobre o PLV, sancionando-o ou vetando-o. A partir da sanção ou veto, o texto original da MP deixa definitivamente de vigorar, e o PLV seguirá a tramitação normal de um projeto de lei. Processo Legislativo Constitucional Professor João Trindade _19 2. PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO O procedimento comum ordinário é o procedimento- padrão de aprovação das leis ordinárias. Compõe-se de três fases básicas: a. fase pré-parlamentar, ou preliminar, ou iniciativa; b. fase constitutiva, em que a lei é efetivamente produzida, por meio de decisões (deliberações): b.1. deliberação legislativa (discussão e votação); b.2. deliberação executiva (sanção ou veto); c. fase complementar, que serve para dar eficácia a uma lei já existente (promulgação e publicação). 2.1. Iniciativa A iniciativa é o ato que dá início à tramitação do projeto de lei – PL (que recebe número quando é protocolado na Mesa da Casa respectiva – Câmara ou Senado). É o ato que deflagra o processo legislativo. A iniciativa geralmente se desenvolve na Câmara; apenas no caso de projeto proposto por Senador ou Comissão do Senado é que a tramitação terá início no Senado (CF, arts. 64 e 65). Dessa forma, a Casa Iniciadora é, geralmente, a Câmara. O poder de iniciativa é o poder de provocar o Congresso Nacional para que delibere sobre uma determinada proposição legislativa. A iniciativa pode ser classificada segundo a titularidade, ou seja, de acordo com quem pode suscitar a deliberação do Congresso Nacional. Assim, a iniciativa pode ser:
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