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Cinema Novo - Louhana Oliveira e Pedro Costa

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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO MULTIDISCIPLINAR
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
LOUHANA OLIVEIRA E PEDRO COSTA 
DA CHANCHADA AO CINEMA NOVO
NOVA IGUAÇU
2020
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO	3
CAPÍTULO I	7
CAPÍTULO II	15
CONCLUSÃO	21
FONTES PRIMÁRIAS	22
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS	23
INTRODUÇÃO
A mudança do estado da arte, entre a antiguidade e o mundo moderno, vide capitalista, já passava pelos ensaios de Walter Benjamin em A Obra de Arte na era de sua Reprodutibilidade Técnica, de 1936. O cinema como arte reproduzida em massa e como sinônimo de repetição se torna fruto do nascimento de uma indústria cultural, levando ao paradoxo do seu uso como propaganda política, mas por outro lado também pode ser levado em seu caráter revolucionário. 
Não é à toa que o cinema assumiu formas de instrumentalização política no século XX, associado a sua concepção de modernização, de modo que “a ideia de se fazer reproduzir pela câmara exerce uma enorme atração sobre o homem moderno”. A estetização da política levou a uma produção técnica, como o embelezamento e encantamento, usada a posteriori como propagação política, transformando a arte em um instrumento de controle e de dominação de uma coletividade de massa. A politização da arte, por sua vez, paradoxalmente também pode levar a conscientização política, levando a sociedade a consciência de classe.[footnoteRef:1] Para Benjamin, é esse, portanto, o caráter dialético do cinema.  [1: BENJAMIM, 1987. p. 196] 
Existem, entretanto, diversas formas de interação que um pesquisador pode ter ao relacionar o cinema e a História. Temos o entendimento de que esta arte do século XX, através de sua linguagem e indústria própria, nunca parou de ser um objeto de interferência na História contemporânea, a modificando-a por completo, desta forma, o cinema também pode se apresentar como um fonte primordial e inesgotável para o trabalho historiográfico. Através do cinema é possível aprender uma nova perspectiva da própria história do século XX e da contemporaneidade.
O historiador que busca utilizar o cinema como fonte, acaba por observar que o cinema serve “não só como meio de expressão cultural, mas também como um meio de representação”.[footnoteRef:2] Desta forma, quando o cinema é visto como agente direto da História, apresenta três eixos fundamentais. Em primeiro lugar, a sociedade que contextualiza o filme mostra também a sua própria linguagem, ou seja, o lugar que produz cinema, também é o lugar que o recebe. Em segundo lugar, o cinema é produto da História, melhor, qualquer obra cinematográfica, seja um documento ou pura ficção, é sempre portadora de retratos, de marcas e de indícios significativos da sociedade que a produziu. Por último, o cinema pode se apresentar como uma representação historiográfica, isso quer dizer que, este objeto revela-se como uma fonte imprescindível para a história cultural, política e econômica uma vez que apresenta imaginários, visões de mundo, relações de poder, comportamentos, mentalidades, sistemas de hábitos, hierarquias sociais cristalizadas em formações discursivas e muitos outros aspectos. [2: BARROS, 2012. p.62] 
Existem então, duas questões primordiais a serem consideradas antes de utilizar qualquer método para observar o cinema como fonte: De um lado, o cinema introduz ao mundo da cultura, uma nova linguagem, dotada de suas próprias singularidades, que apresenta muitos modos de expressão e é uma arte multidisciplinar e pluridiscursiva. De outro lado, é um ponto de confluência de diversas outras linguagens para além daquela linguagem verbal-escrita com a qual os historiadores estão acostumados. Sendo uma linguagem que precisa ser aprendida, Jean-Claude Carrière consegue nos dar um exemplo perfeito que ilustra a questão:
“Um homem, num quarto fechado, aproxima-se de uma janela e olha para fora. Outra imagem, outra tomada, sucede a primeira. Aparece a rua, onde vemos dois personagens - a mulher do homem e o amante dela, por exemplo. Para nós, atualmente, a simples justaposição dessas duas imagens, naquela ordem e até na ordem inversa (começando na rua), revela-nos claramente, sem que precisemos raciocinar, que o homem viu, pela janela, a mulher e o amante na rua. Nós sabemos; nós o vimos no ato de ver. Interpretamos, corretamente e sem esforço, essas imagens superpostas, essa linguagem. Nem percebemos mais essa conexão elementar, automática, reflexiva; como uma espécie de sentido extra, essa capacidade já faz parte do nosso sistema de percepção. Há oitenta anos, no entanto, isso constituiu uma discreta, mas verdadeira revolução.”[footnoteRef:3] [3: BARROS, 2012. p.97 apud CARRIÈRE, 1995, p.15] 
Como forma de analisar “da Chanchada ao Cinema Novo”, não como forma de progressão do pensamento crítico da sociedade, mas sim suas diferentes linguagens, contextos e seus diferentes usos e reações políticas, dentro da sociedade e da história, buscou-se neste trabalho, a partir da abordagem teórica de Walter Benjamin e José D’Assunção Barros, entender a linguagem fílmica, e conhecer essa dita linguagem como fonte para compreender os movimentos culturais que se passavam no país, dos anos 30 a 80, seus respectivos objetivos, além dos dois caminhos traçados pelo cinema durante o período e seus respectivos auges e crises.
O primeiro são as Chanchadas, produções cinematográficas baseadas em paródias e sátiras que envolviam o malandro, o trabalhador, o jeito brasileiro e as temáticas carnavalescas que embelezavam a produção, em um contexto de estado autoritário varguista e de propaganda política, que vive seu auge em períodos democráticos populistas, porém no movimento do queremismo e posterior retorno de Vargas ao poder.
O segundo é o Cinema Novo, movimento cinematográfico que tem seu auge a partir na década de 60, envolvido em um contexto nacional e influência internacional diferentes, com outra concepção de modernidade e de identidade nacional. Os filmes produzidos possuíam um tom crítico da realidade brasileira que levaram, durante a ditadura militar, e especialmente após o embrutecimento do regime, a censuras.
Utilizamos como fontes para este trabalho alguns dos filmes realizados no período, com destaque para Alô, Alô Carnaval! (1936), Nem Sansão, Nem Dalila (1954), Vidas Secas (1963), Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) e Terra em Transe (1967), que nos deram a possibilidade de compreender a linguagem e temáticas do período, além de entrevistas com Victor Viana e Jean Claude Bernardet e jornais que trouxeram notícias acerca da censura durante a ditadura e a recepção dos filmes no exterior.
A entrevista de Bernardet, bem como os periódicos produzidos foram consultados no acervo online do Arquivo Nacional e da Biblioteca Nacional, respectivamente. Assim, o trabalho nos possibilitou um maior contato direto com as fontes e a exploração dos ditos acervos.
Para isso, desenvolvemos o trabalho dividindo em dois capítulos, levando-se em consideração que os dois gêneros estavam inseridos em contextos específicos e que cada um se desdobrou em suas fases, não sendo, portanto, durante seus momentos de produção, películas homogêneas, até por conta de seus diferentes contextos e produção em um determinado tempo, Porém, apesar disso, constituíram-se gêneros cinematográficos que representaram grande sucesso em seus respectivos períodos.
Dessa forma, no capítulo 1, abordamos o Estado Novo e a concepção de modernidade atrelada aos ideais de urbanização e industrialização do país, levando em consideração a dicotomia entre o rural e o urbano, o arcaico e o moderno que se passava nos discursos, além de todos os demais fatores no período. A defesa das ideias de um Estado Centralizador e o vínculo entre Estado/Nação emergiram um contexto do populismo varguista, cujas propagandas se tornaram marcadas na figura do executivo personalizado por Getúlio Vargas. Buscou então, nesse contexto, ressignificar o caráter do ser brasileiro e da identidade nacional através da instrumentalização das mídias, em específico o rádioe o Cinema - objeto de nosso estudo -, no qual verificamos a pedagogia política de propagar os valores do Estado que, após o fim do Estado Novo e a volta do populismo de Vargas em 1951, observa-se o auge das produções chanchadescas e maiores sátiras ao populismo. 
As relações que se estabelecem entre o rádio e o cinema, no período são o caminho que utilizamos para entender o sucesso das Chanchadas e da produtora Atlântida, verificando - como objetivo geral - os postos-chaves que levaram a esse auge e os motivos que levaram e contribuíram para a valorização desse gênero no meio popular e a constituição das Chanchadas como gênero nacional para a posterior historiografia do cinema. 
No capítulo 2, analisamos as obras cinematográficas Vidas Secas (1963), Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), Terra em Transe (1967) e O dragão da maldade contra o santo guerreiro (1969). Todas produzidas, respectivamente, em períodos do governo de João Goulart e pré-golpe de 64; o ano do golpe militar; durante seu fechamento; e, finalmente, pós a promulgação do Ato Institucional número 5. Tais analises puderam proporcionar uma visão panorâmica das diferentes fases do Cinema Novo, levando em consideração que apesar de ser um movimento diverso, caracterizou-se por um gênero unitário.[footnoteRef:4] [4: RAMOS, 2000. p.5] 
	Por fim, salientando nossos objetivos com o presente trabalho, buscamos através da bibliografia, da análise das fontes e do debate, compreender o auge e declínios das produções cinematográficas – Chanchada e Cinema Novo – no período do Estado Novo a Ditadura Militar, devidamente inseridos em seus contextos.
CAPÍTULO I
Estado Novo, Populismo e Chanchada
Durante o Estado Novo de Vargas, observa-se uma dimensão restauradora como uma construção da nação do Brasil, com a devida produção de uma cultura que são elementos da identidade nacional. Ângela de Castro Gomes, acerca do projeto político no Brasil, analisa a construção de uma arquitetura institucional de Estado, no qual este interfere na esfera social, cultural e econômica, que até então não eram interferidas pela ordem pública. Nota-se uma maior centralização do Estado, que além disso, centralizava-se na figura de presidente e na criação do mito Vargas, cuja unificação era também sinônimo de modernização e nacionalização do poder público no Brasil.[footnoteRef:5] Prova disso, sinônimas na época de modernidade, as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo passavam por processos de industrialização e urbanização, atrelados ainda a ondas de migração do campo para a cidade - o êxodo rural.  [5: GOMES, 2007. p. 86-87.] 
O discurso do Brasil como país rural e logo, arcaico, era presente nos debates de intelectuais do período, ainda mais por se tratar de debates contemporâneos acerca dos poderes locais de latifundiários. Dessa forma, nasce o Estado Novo sobre o discurso dicotômico de que o passado era marcado pela República Velha, elaborado e implementado como forma de combater o atraso do país em suas esferas econômicas, sociais, culturais, políticas e intelectuais. Além disso, a crise de 29 proporcionou uma série de reações ao liberalismo econômico e possibilitou a maior defesa ao Estado centralizador.
Mergulhadas em um contexto populista, a exaltação do caráter popular redefine questões do que é “ser brasileiro”, assim, observa-se novamente a necessidade da constituição da identidade nacional em seus aspectos culturais e a afirmação de uma identidade brasileira, que continua um desafio nos anos 30 para o Estado, os intelectuais e artistas. Assim, existe um esforço do Estado Brasileiro de que esses artistas e intelectuais produzam e sejam os tradutores do elemento nacional. Nesse sentido, vemos o movimento modernista - em suas abordagens literárias e artísticas - buscando os elementos que tornam o Brasil um país único e quais elementos constituem a nossa nacionalidade.
Criado em 1934, o DPDC (Departamento de Propaganda e Difusão Cultural) e, em 1939, reformulado e atualizado para o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), não realizou apenas a propaganda política do regime, como também trabalhou como um sensor do que podia ser produzido durante essa fase, censurando e autorizando as várias produções culturais. O mecanismo serviu como um difusor das ideias e valores morais e culturais do Estado Novo que encontraram o lar dos brasileiros através dos meios de comunicação de massa, em especial o rádio, pois atingia também a população analfabeta e se tornando o instrumento de integração nacional. A imagem da persona de Vargas como líder pater do Estado/Nação e a atribuição da figura de pai dos trabalhadores foi garantida através de propaganda política, mas também devido às ações práticas de desenvolvimento dos ministérios da Educação e Saúde, do Trabalho, Indústria e Comércio, e ganhos efetivos para a classe trabalhadora, como a criação da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) e da carteira de trabalho. Desse modo, “a relação direta entre o governo/presidente e o povo tinha, nesses termos, a dupla feição da representação de interesses e da representação simbólica, e Vargas transformava-se no terminal adequado para ambas”.[footnoteRef:6] Assim, verifica-se uma maior relação com o Estado e os interesses populares da sociedade. A construção de uma coletividade nacional, no qual Vargas, “como a pessoa maior a encarnar o Estado/Nação, traduzia essa dimensão e possibilidade político-cultural”.[footnoteRef:7] [6: GOMES, 2007. p.100] [7: GOMES, 2007. p.103] 
Havia censura, porém, havia também uma certa tolerância quanto a popularização da imagem do líder e da idealização do que é o ser brasileiro, levando em consideração a humanização da figura do presidentE. Paradoxalmente, a invenção do Trabalhismo, associada ao valor ético do trabalho e como ética nacional, era parte do projeto político do governo, no qual o ser cidadão era “pertencer a uma totalidade econômica (trabalhar=produzir riquezas); jurídica (possuir carteira de trabalho) e moral (compreender o trabalho como um dever/direito”,[footnoteRef:8] em contraposição aos desempregados, mendigos, criminosos, marginais, ao boêmio e ao malandro. [8: GOMES, 1988. p.229.] 
A Nação criada horizontalmente, de cima para baixo, é parte de um modelo de Estado Novo de democracia autoritária, no qual esta noção de democracia é ressignificada, mas também está presente uma relação entre capital e trabalho, caminhando para a modernização do poder público e privado.
Podemos identificar como tais elementos da nação, de caráter popular, e que são consagrados como os símbolos da cultura brasileira, seguiam as manifestações e tradições populares a serem recuperadas como patrimônio da nação, tal como o samba, o carnaval, o futebol, o resgate do folclore e sem esquecer a grandeza do território e da geografia nacional, já desde o início do século pensadas como marcas da identidade nacional.[footnoteRef:9] [9: Afonso Celso, por exemplo, escreve em 1908 a obra "porquê me ufano de meu país", na qual se observa a exaltação do território geográfico brasileiro como símbolo da nação.] 
Em 1931 foi instituída a Associação Brasileira Cinematográfica e em 1932 a I Convenção Nacional do Cinema e, no mesmo período, a constituição Da Associação Cinematográfica dos Produtores Brasileiros. Nos anos seguintes, observa-se o surgimento das produtoras cinematográficas privadas Cinédia, de Adhemar Gonzaga; a Brasil Vox Filmes, posteriormente Brasil Vita Filmes, de Carmen Santos; em 1941, a produtora Atlântica; e, em 1949, Vera Cruz. Por outro lado, os investimentos do Estado na produção cinematográfica, como se observa com a fundação do INCE (Instituto Nacional do Cinema Educativo), em 1936, demonstra a importância da ação do Estado na produção cultural e artística nacional, mas para além disso, nas ações educativa e de entretenimento que as películas traziam. Assim, o cinema educativo, com maior presença do Estado, abordava questões como a história do Brasil, geografia do Brasil, filmes sobre grandes heróis que formam a Nação Brasileira, como objetivo de “civilizar, instruir e educar”.[footnoteRef:10] [10: DUTRA, 2015. p. 249.] 
Dessa forma, a instrumentalização do Estado Varguista da rádio e do cinema atesta o uso dos aparelhos para além da diversão, mas como uma chave de promoção dos valores morais do governo e de uma campanha pedagógica. 
No entanto, na contramão do Estado Varguista e confrontado pela pressão da cultura de massas, os imperativos técnicos e financeiros, as circulações e a própria recepção do mercado da indústria cultural - voltadas às produções de Hollywood - resultaram nas produções de maior alcance do público: as produções de musicais, carnavalescas e as chamadas Chanchadas. 
Sinônimo para a diversão e entretenimento, as Chanchadas foram produzidas entre os anos 1930 e 1960, com seu auge nos anos 50. Filmes como Alô, Alô Brasil (1935), Alô, Alô Carnaval (1936), Este mundo é um pandeiro (1947), Carnaval no Fogo (1949), Aí vem o Barão (1951), Nem Sansão, nem Dalila (1953), O Cangaceiro (1953) - ganhador do Festival Internacional de Cannes -, e Matar ou Correr (1954) foram sucessos nas salas nacionais que, além de atraírem o público devido sua linguagem mais vulgar e de humor, consagrava também as relações entre o rádio e o cinema. 
Vale lembrar que a rádio era o veículo de maior circulação de informações e de produções culturais, como a música (em especial o samba), haja vista uma sociedade cuja população em grande parte não possuía alfabetização, e o rádio era, portanto, o aparelho mais popularizado para o uso do Estado Novo em suas propagandas políticas, ideológicas e de produção da identidade brasileira. Desse modo, os atores de peças de rádio e cantores adentravam os cinemas, seja como atores ou cantores dos musicais e os sambas e músicas carnavalescas se tornavam presentes. Nas palavras de Lima, era como se o rádio ganhasse imagem.[footnoteRef:11] [11: LIMA, 2007. p.119] 
Assim, em 1933, A Voz do Carnaval, de Adhemar Gonzaga e Humberto Mauro, estreia com Carmen Miranda no cinema, e novamente, em 1936, em Alô, Alô, Carnaval!, de Adhemar Gonzaga, trazendo outros grandes cantores da época, como Francisco Alves, Mário Reis e Luís Barbosa, que atraíam o grande público.
Cartaz do filme Alô, Alô Carnaval! (1936). De forma chamativa, o musical traz em seu cartaz nomes consagrados na rádio nacional, como cantores e compositores.
Nesse tempo, observamos o crescimento da produtora Atlântida Cinematográfica, fundada em 1941, produzindo uma média de três chanchadas por ano. No total, no mercado nacional, entre 1951 e 1955, foram realizadas 27 chanchadas por ano, o que evidencia o grande auge do gênero e da produtora,[footnoteRef:12] que se manteve por mais de 20 anos. Por sua vez, em 1949, é criada a Vera Cruz pelo italiano Franco Zampari, explorando o mercado de São Paulo, que apesar dos altos investimentos, fecha as portas em 1954. [12: LIMA, 2007. p.120] 
 A Vera Cruz, por sua vez, financiou maiores produções, com referência ao aparato da moderna Hollywood e se situa em um maior desenvolvimento econômico de São Paulo, cujas elites intelectuais também se preocupavam com ideais de modernização e de uma estética da burguesia cultural, em contraposição ao Rio de Janeiro, capital política do país. No entanto, obras como Mazzaropi, protagonizadas pelo ator Amácio Mazzaropi, ainda assim representavam a estética do rural e do lavrador como o atrasado e desajeitado e realizando sátiras aos estereótipos caipira, evidenciando os ideais de modernização da época. Apesar dos investimentos, o alto gasto com as produções devido ao modo de produção hollywoodiano e a demora na comercialização e na produção de filmes resultaram em seu fechamento.
Enquanto isso, por outro lado é possível verificar uma maior produção da Atlântida Cinematográfica em temas carnavalescos e de baixo investimento. Observa-se que a baixa burguesia, ao contrário da burguesia dominante, possuía uma precariedade nos investimentos e produções, que, no entanto, eram as linguagens mais comuns da população, trazendo também os ícones da rádio e configurando o gênero chanchada como um gênero cinematográfico nacional. Além disso, vemos nas sátiras presentes nas chanchadas através das paródias do cinema hollywoodiano e a satirização do malandro, do “jeitinho brasileiro”, ao contrário dos valores que eram reforçados no projeto cultural varguista, baseado na exaltação ao trabalho, no qual a figura exaltada ideal é o trabalhador - possuidor da carteira de trabalho - e não o do malandro. Vale ressaltar que mesmo após o fim do Estado Novo, o mito de Vargas permaneceu até resultar no queremismo em 1945, e seu posterior retorno ao executivo em 1951. 
No entanto, as chanchadas ainda assim possuíam um determinado tom crítico, como afirma Bernardet:
“filmes que conservam um tipo de sátira muito ligado à vida cotidiana. Então problemas do tipo “as cenouras aumentaram”, “o leite ficou mais caro”, problemas políticos municipais, de trânsito – que realmente alimentam as piadas, alimentam as situações”[footnoteRef:13] [13: Entrevista concedida por Jean Claude Bernardet à Revista Cinema.] 
	Apesar de surgirem e terem conquistado o público durante o Estado Novo, as chanchadas têm seu auge durante o segundo governo de Getúlio Vargas, mais marcado pelo desenvolvimentismo e populismo. Assim, podemos analisar, por exemplo, o filme recorde de bilheteria Nem Sansão, Nem Dalila (1954), paródia do filme americano Sansão e Dalila, lançado em 1950. Com figurino carnavalesco, as alusões ao presidente também são diretas e realizam críticas ao governo populista de Vargas, cujo suicídio foi no mesmo ano.
“Trabalhadores de Gaza, [imitando a voz de Getúlio] a situação política nacional tá uma pouca vergonha. As mamatas andam soltas por aí. E todos querem se defender. [...] E o mais importante do que tudo isso, vou criar a aposentadoria dos que trabalham e dos que não trabalham. Vou criar a indústria do cinema, um apêndice e o banco do estado.”[footnoteRef:14] [14: Nem Sansão, Nem Dalila, 1951] 
Além disso, é preciso salientar a questão comercial e mercadológica das produções. Em entrevista, Victor Lima, diretor e roteirista, afirmou o caráter mercantil das Chanchadas, de modo que
“É uma questão de comércio. O cinema nacional, você sabe que ele não tem aquela - não tinha e não tem - importância de propaganda. Quer dizer, o [filme] americano já vem com aquela propaganda feita e etc. Daí, tem um público certo. E o cinema brasileiro, para atrair público, ele tem de aproveitar um pouco dessa propaganda. Então como aproveitar? Vem uma fita aí, fez um grande sucesso, vamos aproveitar o pedestal que ergue essa fita e, vamos usar daí e vamos partir para uma nossa. E aí, surge uma ideia... Nem Sansão, Nem Dalila foi uma delas, mas acho que tínhamos várias [ideias] antes dela. Mas a que saiu primeiro foi Nem Sansão, Nem Dalila, que pegamos uma fita que tinha feito sucesso, foi muito badalada, aproveitamos aquilo e saímos com alguma coisa.”[footnoteRef:15] [15: Entrevista com Victor Lima, realizada em 4 de outubro de 1980. p.14.] 
Dessa forma, é importante ressaltar a conjuntura das relações bilaterais entre Brasil e Estados Unidos da América no período. A política da Boa Vizinhança entre os países, inicializada no governo de Franklin D. Roosevelt nas décadas de 30 e 40, resultou também em uma interferência cultural. Carmen Miranda, mencionada anteriormente, era o símbolo da cultura brasileira nos Estados Unidos, assim como crescia a influência dos filmes Hollywoodianos no Brasil. As paródias realizadas dos filmes americanos, somadas às sátiras ao malandro, a presença dos cantores de samba e o tom carnavalesco contribuíram na grande recepção do público.
É impossível dissociar o crescimento do gênero de seu contexto. Assim, temos como alavancas a construção do Estado Novo Varguista; os aparelhos institucionais de propaganda política; o populismo; a construção da identidade brasileira atrelada às tradições populares; os valores relacionados ao trabalhismo, a ética do trabalho e valorização do trabalhador,somada a seus ganhos práticos; a instrumentalização do rádio como integralizador da nação e, a partir dele, o alcance significativo da propaganda política do governo, nos programas de notícias, nas músicas populares - em especial o samba - e dos atores de rádio; da conjuntura internacional e das relações bilaterais Brasil X EUA; dos ideais de modernização que assume no Brasil a dicotomia entre o moderno e atrasado, do urbano e rural; somada a ideia de cinema como algo moderno e ainda fortemente relacionado ao aparelho do rádio com a “imagem” dos cantores e artistas. Tudo isso favoreceu uma maior recepção do público às chanchadas produzidas na época e explica o seu sucesso e nos ajudam a entender também como as chanchadas continuaram a fazer sucesso mesmo com o fim do Estado Novo, que no entanto também auxiliam a entender o queremismo e o retorno de Vargas ao executivo em 1951.
Em 1962 a Atlântida Cinematográfica encerrou as produções, com a saturação da fórmula das produções, perdendo público também com o advento da televisão. Além disso, o novo contexto social moldou novas concepções de modernidade e como os intelectuais passaram e enxergar a realidade brasileira e a própria identidade nacional. Ao longo do tempo, estabelecida e constituída na historiografia do cinema como um gênero nacional, a Chanchada se tornou grande estrela da produção brasileira até os anos 60, com o surgimento da proposta alternativa do Cinema Novo, cujos cineastas eram extremamente críticos às chanchadas, principalmente em desconstruir a comédia, sob o argumento que era uma produção acrítica, que não levava em conta os problemas reais da sociedade brasileira. 
CAPÍTULO II
Cinema Novo: “O sertão vai virar mar, e o mar, vai virar sertão”
“Uma estética da violência antes de ser primitiva é revolucionária, eis aí o ponto inicial para que o colonizador compreenda a existência do colonizado” - Glauber Rocha
Como analisado no capítulo anterior, a concepção de modernidade interferiu no processo da linguagem cinematográfica. É preciso salientar, por sua vez, que o processo não se deu por uma ruptura, mas sim por um caminho de transição em que não apenas se transformou a forma de filmar e o roteiro, como também o contexto interno e externo que se vivia. A transição não se deu por uma ruptura brusca das concepções de modernidade, mas por uma transformação do conceito, que se adaptava à nova realidade, atreladas ao novo contexto e, paradoxalmente, a antiga concepção de desenvolvimento nacional, mas também aos novos debates políticos que se põem.
As rádios e as Chanchadas em seus tons carnavalescos e com o samba, deram lugar a Bossa Nova dentro dos lares. A nova realidade de um país moderno e industrializado, amplamente reforçada pelo governo JK, além do surto do nacional-desenvolvimentismo, estabeleceu uma nova concepção de modernidade, produzindo também contrariedades, como a favelização, o aumento do êxodo rural e das desigualdades sociais produzidas por um novo padrão de consumo.[footnoteRef:16] Representada através das artes e arquitetura, Brasília, a nova capital desenhada por Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, é projetada e simbolizada no exterior e dentro do próprio país. Além disso, uma maior atenção é dada ao polígono das secas com a implementação da SUDENE e as discussões acerca das reformas de base, principalmente a reforma agrária, já se encontravam em debate; uma maior atuação dos movimentos estudantis e sindicatos que despertava uma “brasilidade revolucionária”.[footnoteRef:17] [16: MALAFAIA, 2012. p.95] [17: RIDENTI, 2010. p. 85-119] 
Para além de conceitos como modernidade, modernismo e modernização, a revolução era presente nos debates políticos, culturais, na vida pública e privada, e assim, “em todos os sentidos e com os significados mais variados, marcaram profundamente o debate político e estético”.[footnoteRef:18] De mesma forma, o ideal do romantismo revolucionário tinha palavras de ordem e de valorização do passado, como resposta ao acelerado crescimento do capitalismo, mudança no padrão de consumo e transformação social, que ganhava as esquerdas. O homem valorizado é justamente o homem rural, o campo, no qual “buscava-se no passado uma cultura popular autêntica para construir uma nova nação, ao mesmo tempo moderna e desalienada, no limite, socialista.”.[footnoteRef:19] [18: RIDENTI, 2003. p.135] [19: RIDENTI, 2003. p.136] 
No cenário internacional, a Guerra-fria e polarização política, a revolução cubana, a descolonização dos países afro-asiáticos, além da Guerra do Vietnã e o surgimento de movimentos de “rebeldia” juvenis de contestação a guerra e a favor de libertação sexual, o movimento dos hippies e se processava “uma mutação geracional, refletida nos costumes e em múltiplos aspectos espirituais, inclusive no que se chamou de contracultura”.[footnoteRef:20] Esses fatores influenciaram o novo campo cinematográfico que, como resposta, produziu filmes que mostrassem a realidade brasileira. Criou-se “um ambiente apropriado à produção de novas ideias e propostas no campo artístico e intelectual”[footnoteRef:21] para o auge do Cinema Novo dentro de seu ciclo de espectadores, produção independente e de baixo custo. [20: GORENDER, 2003. p.159] [21: MALAFAIA, 2012. p.37] 
Dessa forma, a nova esquerda e o movimento da cultura revolucionária criam no Cinema Novo uma marca de enfrentamento e oposição à ditadura. Antonio Callado, Glauber Rocha, Ruy Guerra, são algumas das figuras que tomaram a agência nesse papel, que, no entanto, segundo Marcelo Ridenti, também esteve presente no teatro, nas canções e nas artes plásticas, somadas ainda a configuração das esquerdas armadas brasileiras.[footnoteRef:22] Esses grupos se preocupavam em querer transformar a realidade brasileira, instrumentalizando a arte para tal – a arte engajada, não pensada somente na estética, mas usada com fins políticos. Entretanto, a mesma revolução que se dizia distanciar do estrangeiro e do imperialismo hollywoodiano tradicionalmente imposto pela importação de cultura de massa, teve inspirações muito claras de outros movimentos clássicos como o Neorrealismo Italiano e a Nouvelle Vague Francesa. [22: RIDENTI, 2007. p.33] 
As críticas ao status quo e as mudanças nos padrões culturais geraram a criação de uma nova cultura e padrões estéticos e criação de um novo homem e uma nova nação, que partia então do próprio homem e do artista, não do Estado. E sendo assim, o autêntico homem novo é o homem do povo, resgatado do passado. O homem rural, retirante, empobrecido e não contemplado com a realização do Plano de Metas e das promessas do nacional-desenvolvimentismo. Coloca-se, portanto, mais uma vez, o problema da identidade nacional.
A exemplo das primeiras produções, temos Vidas Secas (1963) sob a direção de Nelson Pereira dos Santos, adaptação do livro de Graciliano Ramos, publicado em 1938. O romance retrata a vida simples e miserável de uma família de retirantes nordestinos que, sempre buscando trabalho e sobrevivência, é obrigada a se deslocar de suas terras de tempos em tempos por conta da seca que cerca a região, o filme apresenta o mesmo contexto e tenta mostrar uma realidade pura da época em que foi produzido. No contexto cinematográfico da época, mostrava-se uma verdadeira face do Brasil, que não era presente em nenhuma obra cinematográfica.
Todo esse contexto é apresentado ao espectador visualmente pelo cenário do filme, que sempre representa uma natureza triste, sem vida, seca, calorosa, fatores que com o passar do filme, podem ser percebidos e que dominam tudo ao seu redor. Existe também um relacionamento regional muito forte presente dentro da obra, que nesse caso representa parte do interior do Nordeste Brasileiro da década de 1960.
Outro fator que pode ser observado dentro da obra, é que o tema central do filme passa uma certa falta de humanidade nos personagens, mostrando que são pessoas sem uma presença de mundo, sem importância.
Os próprios personagens acabam por trazer todo um estigma presente das personalidadesnordestinas do interior, estereótipos que estão gravados desde aquela época e que continuam perceptíveis até os dias atuais. Fabiano é exatamente um “pai de família”, um homem que não tem o dom das palavras e se admira muito com aqueles que possuem boa eloquência. Já Sinhá Vitória, a esposa de Fabiano, se comporta como uma mulher devota e de muita fé, que além de cuidar dos filhos e do local por onde os mesmos passam, tentando sobreviver, ajudava no trabalho do marido, algo que retrata não só o modo tradicional rural familiar brasileiro, mas também evidencia fatores tradicionais e patriarcais.
Por fim, no caso de Vidas Secas (1963), podemos observar um movimento cíclico. O final da obra é uma referência clara ao início, demonstrando que todo aquele movimento presente dentro da família, acaba por tratar de um curso de miséria, sem fim, uma perspectiva que fica evidenciado pelo pensamento da esquerda na época, cuja fase de uma “revolução nacionalista”, preocupada com as reformas de base e que encontram na contradição do modelo nacional-desenvolvimentista a não-contemplação do trabalhador rural. 
Toda essa abordagem que se preocupava em mostrar um outro lado da sociedade da época e que tinha como preocupação denunciar todas essas injustiças, partiu em partes de tal pensamento revolucionário. Glauber Rocha com seu lema “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, sintetiza uma experiência de filmagem inovadora e independente, sem a necessidade de grandes estúdios nem de atores consagrados, diferente das chanchadas em suas relações com a rádio. 
Dessa forma, Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra e muitos outros cineastas acabaram sendo os principais precursores do Cinema Novo, o movimento tinha esse lema justamente porque saíam pelas ruas do país com suas câmeras em busca da genuidade do povo brasileiro, o camponês, o trabalhador, o morador das favelas. Realizando críticas às Chanchadas que, segundo tais diretores, era visto mais como um produto de alienação do estado, que junto com o samba, o carnaval e o futebol, servia para a alienação social da população e negar o pensamento crítico.[footnoteRef:23] [23: RAMOS, 2000. p.3] 
Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) critica veementemente a desigualdade social que é proeminente no Brasil. O longa retrata dois movimentos distintos, o primeiro deles o messianismo, interpretado como Deus e que nesse caso é representado pelo Beato Sebastião, e o cangaço, que na obra pode ser interpretado como o Diabo e é representado pelo cangaceiro Corisco. O filme acaba, assim como Vidas Secas, por retratar a miséria presente no sertão brasileiro, que é o principal motivo por toda a série de acontecimentos que o filme impõe dentro da vida das personagens.
Dentro da obra existem uma série de críticas que podem ser diretamente relacionadas a desigualdade social presente no Brasil. A personagem Coronel Moraes, relata em um momento que existem uma série de leis que estão ao seu favor, se referenciando não às leis jurídicas de fato, mas sim ao que está ligado a sua posição e classe social. O poder da elite então, é algo que acaba sendo evidenciado dentro da obra, não só com a forma monetária, mas também com a forma da violência física. O coronelismo e o latifundiário são demonstrados como um demônio covarde que explora os sertanejos, e demostra a defesa e o debate presente acerca da reforma agrária.
Entretanto, após o golpe militar em abril de 1964, o cenário do Cinema Brasileiro muda. Com a constituição do golpe, se testemunharia, segundo Marcelo Ridente, uma “superpolitização da cultura, indissociáveis dos canais de repressão política, de modo que muitos buscavam participar da política inserindo-se em manifestações artísticas”.[footnoteRef:24] Assim, também há um afastamento de alguns cineastas dos Centros Populares de Cultura que discordavam da instrumentalização política da arte, mas que buscavam nela um ideal de arte nacional-popular As produções passam a exprimir um valor mais reflexivo e velado, nesse contexto, várias obras diferentes são lançadas, como é o caso de Terra em Transe (1967) de Glauber Rocha. [24: RIDENTI, 2003. p.143] 
Terra em Transe é um filme brasileiro de 1967 que, sob o roteiro e direção de Glauber Rocha, evidencia a valorização do irracional e autoafirmação cultural do terceiro mundo.[footnoteRef:25] O longa conta a história de Paulo Martins, jornalista e poeta inteiramente ligado ao partido conservador. Criada dentro do universo ficcional do filme, a cidade de Eldorado compõe a figura de Porfírio Diaz, um líder carismático de direita que sempre é vitorioso na política da cidade. Paulo é um personagem que acaba por nos mostrar duas facetas distintas presentes dentro do longa, de um lado com esse conservadorismo presente em Diaz, e do outro, o populismo ineficiente de Vieira, um outro líder, supostamente progressista, que guiaria toda a cidade para que a mudança pudesse ser feita. Assim, os personagens políticos presentes na obra podem ser traduzidos como sátiras ao populismo brasileiro e “as responsabilidades políticas exigidas pelo ideal revolucionário”.[footnoteRef:26] [25: RIDENTI, 2003. p. 146] [26: RAMOS, 2000. p.4] 
O filme foi, por fim, censurado em 1967, sob a alegação do regime de ser “excessivamente marxista”[footnoteRef:27], o que provoca reações da esquerda cinematográfica na época, visto que também fora bem avaliado no exterior e concorrendo a prêmios internacionais que, nas palavras de Alex Viany, “o Cinema Novo, novo de fato, não caiu nem cairá no 1º de abril.”[footnoteRef:28] [27: Diário do Paraná, 1967] [28: Alex Viany em Última Hora, 1965] 
Segundo Gorender, “à medida que o novo regime se consolidava, aumentavam as perseguições e prisões”[footnoteRef:29]. O embrutecimento do regime militar consumado pela promulgação do AI-5 em 1968, por sua vez, refletiu também no controle e na censura total e no aumento das perseguições políticas, no qual se [29: GORENDER, p.15. ] 
“criou um ambiente marcado pela opressão e pela censura, provocando uma intensa transformação nas relações de produção existentes na área cultural, não só pela exacerbação da censura e da repressão política, mas ainda pelo fato de que criou condições para a definitiva implantação de um mercado cultural, nos moldes de uma economia capitalista desenvolvida, limitando o espaço existente às produções alternativas, inovadoras estética e politicamente.”[footnoteRef:30] [30: MALAFAIA, 2012. p.56] 
	No ano anterior ao AI-5, vemos, no entanto, uma ditadura que já se fechava, assim mostrada no Diário de Notícias, em 1966.
“Glauber Rocha abandonou, pelo menos por enquanto, o projeto de filmagem de A Terra em Transe. A situação política do país e, sobretudo o recrudescimento repressivo da censura foram os motivos principais do abandono do filme, que seria coproduzido por Roberto Batalin e que situa sua ação a partir da morte de Getúlio Vargas, relatando a influência dos acontecimentos nacionais na psicologia e no comportamento das personagens centrais”[footnoteRef:31] [31: Diário de Notícias, 1966] 
A partir do AI-5, observa-se um novo rearranjo dos cineastas do Cinema Novo, nos quais de adaptavam a nova ordem do regime e se afastaram do ideal revolucionário e a busca romântica. Destaca-se também o período do “milagre brasileiro” e da organização estatal através da Embrafilme, que promovia a indústria cinematográfica, que por sua vez passou a contar com a colaboração dos artistas.[footnoteRef:32] Além disso, “com a terceira revolução tecnológica e a esfera cultural e artística envolvidas na mercantilização, deixou de ser um campo à parte dentro da vida social.”[footnoteRef:33] Aliado a esse fator, o enfraquecimento das esquerdas e da luta armada favoreceu a crise das produções cinemanovistas, cujos agentes aos poucos se adaptavam à ordem. [32: RIDENTI, 2003. p.155] [33: RIDENTI, 2003. p. 156] 
Marca disso se torna o filme O dragão da maldade contra o santo guerreiro (1969), Glauber se aproxima do regime militar. No final, o representante da repressãopolicial e caçador de cangaceiros vence, sendo muito diferente de Deus e o Diabo na terra do Sol (1964), cuja empatia pelos camponeses é demonstrada.[footnoteRef:34] [34: GORENDER, 2003. p.82] 
	Observa-se a crise do movimento no mesmo caminho do enfraquecimento da luta armada das esquerdas, a expansão do capitalismo e sua mercantilização das produções cinematográficas. Por fim, o Cinema Novo e suas produções são fontes de rico valor para entender o movimento cultural no período, em seus momentos de auge e crise, além da situação política das esquerdas na época, apesar de ter sido circulado em dentro de uma bolha de artistas e intelectuais da época, excluindo a relação com a grande população, enquanto a grande parte dela ainda preferia as chanchadas e a televisão.
CONCLUSÃO
Assim, a presente pesquisa nos proporcionou obter um panorama da produção cinematográfica do período do Estado Novo à Ditadura Militar, além de perceber suas linguagens e contexto. O contato com as entrevistas e periódicos da época também possibilitaram uma visão mais ampla acerca dos diretores, suas produções e o alcance do público.
Fora possível observar não só como o cinema pode servir de fonte para este determinado período, mas como certos filmes conseguem traduzir as facetas da sociedade frente a observação, analisando sempre o contexto no qual foi produzido e que aspirações os personagens que o compõem desejavam transmitir.
Também é determinante destacar e perceber como a sociedade como um todo altera as formas artísticas de seu entorno, podendo aprovar ou reprovar a forma que determinados contextos políticos se apresentam, ainda mais se forem opressores e modificadores potentes da cultura. Evidencia-se uma reação artística, em um período em que modernização, identidade nacional e revolução são conceitos elásticos e que se traduzem de diferentes formas ao longo do período analisado. Além disso, demonstra nos períodos democráticos de 45 a 64, o auge das produções, as críticas ao populismo e a defesa da liberdade, da revolução e da arte engajada, no qual os aparatos da censura não se encontravam fortemente presentes e se gritavam palavras como liberdade.
Por fim, observamos também a estetização da política, como a prática de governos autoritários e populistas e a politização da arte, por sua vez, como resposta dos intelectuais das esquerdas. E analisando as produções cinematográficas de maior sucesso, ressaltamos as palavras de Walter Benjamin de que “uma das principais tarefas da arte sempre foi criar um interesse que ainda não conseguiu satisfazer totalmente”. 
FONTES PRIMÁRIAS
Películas
Alô, Alô Carnaval! (1936)
Nem Sansão, Nem Dalila (1954)
Matar ou Correr (1954)
Vidas Secas (1963)
Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964)
Terra em Transe (1967)
O dragão da maldade contra o santo guerreiro (1969)
Entrevistas
VIEIRA, João Luiz. PEREIRA, Lucas dos Reis Tiago. FREIRE, Rafael de Luna. Paródia e Chanchada: Entrevista com Victor Lima. (Entrevista). C. Legenda. Estudos de exibição e públicos cinematográficos, nº36, 2018.
Entrevista concedida por Jean Claude Bernardet à Revista Cinema, Arquivo Nacional, código de referência: BR_dfanbsb_v8_mic_gnc_aaa_74101354_d0001de0002
 
Periódicos
Tribuna da Imprensa - Ano 1965/Edição 04665 
Diário de Notícias - Ano 1966/Edição 13363
Diário do Paraná - Ano 1967/Edição 03528
Última Hora - Ano 1965/Edição 01515 
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