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Universidade Estadual do Ceará Centro de Humanidades Curso de Letras Disciplina: Linguística Aplicada Professora: Dr.ª Maria Eduarda Gonçalves Alune: Girassol Lino de Aguiar Resumo crítico do texto “A transdisciplinaridade é possível em Linguística Aplicada?” (p. 113-128), de Luiz Paulo da Moita Lopes Ao discorrer acerca da possibilidade de considerar a Linguística Aplicada um campo científico situado no paradigma da transdisciplinaridade, Moita Lopes (1995) tece um texto em que a trama representa uma possível LA transdisciplinar e o urdume, o questionamento quanto à interdisciplinaridade no fazer atual dessa ciência. Há, ao longo do texto, vozes que levam o leitor a refletir a respeito das pesquisas atuais em LA, uma vez que, na visão detalhada e coerente do autor, a maioria não se localiza em uma perspectiva interdisciplinar de se fazer ciência, limitando-se a uma única disciplina: a Linguística. Moita Lopes (1995) – ora explícita, ora implicitamente – elabora o questionamento norteador da discussão, cujo resumo pode ser descrito da seguinte maneira: “Como, então, atribuir ao processo de produção de conhecimento em Linguística Aplicada a característica de transdisciplinar sem que ‘a natureza interdisciplinar [...] tenha sido suficientemente entendida e praticada (LOPES, 1995, p. 113)’?” Situando o leitor quanto à visão contemporânea de LA defendida pela maioria dos cientistas do campo, cuja investigação tem como ponto de partida uma problemática localizada em contextos reais de uso da língua e é pautada em uma perspectiva interdisciplinar – tornando a análise complexa, uma vez que diz respeito a situações entre sujeitos também complexos –, Moita Lopes (1995) leva a “júri linguístico” o processo de pesquisa dos diversos linguistas aplicados, argumentando que estes não efetivam o caráter interdisciplinar da LA, haja vista que, em vez de situarem a problemática em questão na convergência entre duas ou mais ciências, tomam exclusivamente a Linguística como base teórica, atuando dentro dos limites de uma disciplina, isto é, limitando-se ao modo disciplinar de se fazer ciência. No campo das discussões concernentes à natureza interdisciplinar da LA, há, ainda, a problemática do poder do conhecimento. A interdisciplinaridade – por reclamar o “derramar-se” sobre outras áreas do saber, buscando analisar uma ou mais questões a partir de uma “compreensão teórica globalizadora” (id, 1995, p. 115) – desestabiliza as estruturas acadêmicas, rompendo com a ótica dos “gênios” cientistas e das disciplinas detentoras de conhecimento, ou, nas palavras do autor, “desarticula os velhos caciques e seus poderes” (id, 1995, p. 114). Moita Lopes (1995), ao assumir a postura de “juiz linguístico” e chamar para “ringue” a concepção disciplinar e a interdisciplinar de se fazer ciência, expõe, de modo coerente, claro e engenhoso, como a concepção interdisciplinar não tem sido efetivada no campo da Linguística Aplicada, cujo caráter, pelo menos em teoria, deveria situar-se no paradigma da interdisciplinaridade. Ao discutir as noções relativas à transdisciplinaridade, o autor recorre ao The New Production of Knowledge, obra lançada em 1994 que descreve uma nova forma de produção de conhecimento científico, e analisa cinco relevantes aspectos característicos desse novo modo de geração do saber. Relacionando esses tópicos à visão contemporânea de LA, Moita Lopes (1995) conclui, brilhantemente, que há uma aproximação teórica entre as concepções caracterizadoras do processo de produção de conhecimento atual das ciências e a natureza teórico-metodológica hodierna da LA. Essas similaridades estão situadas nos seguintes campos: I. Fito, contexto e colaboração: A produção de conhecimento se localiza, necessariamente, no campo social, envolvendo problemática(s) real(is) e altamente contextualizada(s) e fitando à sua resolução, igualmente contextualizada e inevitavelmente eficaz. No caso da LA, a investigação está situada nos problemas de uso da linguagem em contextos reais, isto é, na prática social da linguagem. Além disso, por tratar-se de uma análise de cunho social, é indubitavelmente necessária a participação de sujeitos, sendo considerados, portanto, colaboradores da pesquisa e estando diretamente engajados na produção de conhecimento. O pesquisador, portanto, não é o único produtor do conhecimento nem o único detentor dele; cada ser que participa da investigação colabora com a resolução da(s) problemática(s). II. Descentralização do espaço produtor de conhecimento e responsabilidade social: Ao descentralizar o sujeito produtor de conhecimento, descentraliza-se também o espaço onde o conhecimento é gerado. Logo, as universidades não são mais o único lugar em que o saber é produzido, uma vez que os sujeitos e as situações reais das quais fazem parte transcendem os muros universitários, localizando-se, por exemplo, em museus, escolas, instituições não-governamentais, shoppings centers etc. Essa descentralização, ao envolver não mais exclusivamente sujeitos pesquisadores, abre espaço para questionamentos acerca da responsabilidade social da pesquisa – uma vez que ela precisa, necessariamente, ser útil e produzir resultados que sejam eficazes, que satisfaçam os anseios dos participantes (aumentando a distribuição social do conhecimento) e que sejam contextualizados. “Para que e para quem fazer pesquisa?”, esta talvez seja a pergunta norteadora do processo investigativo e resolutivo. III. Teoria influenciada pela prática: A produção teórica, além de localizar-se posterior à prática, é modificada pelo aspecto prático da pesquisa, posto que, nas palavras do autor, “para se formular conhecimento que tenha efeito no mundo social, ele tem que ser informado pela prática social onde as pessoas agem” (id, 1995, p. 124). Apesar, no entanto, de haver determinadas aproximações teórico-metodológicas entre o novo modo de produção de conhecimento e a Linguística Aplicada, nem esta nem outras ciências podem ser consideradas transdisciplinares, uma vez que a transdisciplinaridade é entendida como portadora de uma natureza dinâmica – ou seja, os produtos de pesquisas que “caminham pelas avenidas da transdisciplinaridade” podem se tornar novas descobertas, continuar seus percursos de desenvolvimento científico – e uma junção temporária de conhecimentos científicos em prol da resolução de (uma) problemática(s) – ou seja, constitui um campo em que os produtos gerados não existiriam sem a contribuição de diferentes áreas do saber. Nesse sentido, o autor ressalta o caráter, sim, interdisciplinar da Linguística Aplicada, visto que situa esta ciência no paradigma do social e, consequentemente, da complexidade; no entanto, não caracteriza a LA como uma ciência transdisciplinar, haja vista que nem mesmo para as outras ciências o autor abre essa possibilidade de caracterização. O que existe, na verdade, são possibilidades de construção de pesquisas localizadas no campo transdisciplinar, onde há a “compreensão teórica comum [...] e a interpenetração mútua de epistemologias disciplinares” (Gibbons et al, 1995, p. 19), resultando em uma “resolução de problemas enraizados disciplinarmente e [na criação] de uma teoria homogeneizada transdisciplinarmente” (id, ibid). Ao retomar, portanto, ao questionamento norteador da discussão e à pergunta-título do texto escrito por Moita Lopes, conclui-se que, à época em que analisou, a interdisciplinaridade representava característica quase nula frente às pesquisas feitas em LA, sendo estas limitadas ao campo da disciplinaridade. No entanto, apesar de, hodiernamente, a maioria das investigações em LA está situada no paradigma da interdisciplinaridade, há uma parte que, ainda, restringe-se exclusivamente à Linguística no processo de produção de conhecimento. Além disso, pode-se concluir, também, que a Linguística Aplicada não pode ser caracterizada enquanto uma ciência transdisciplinar, visto que o modus operandi da transdisciplinaridadenão permite tal caracterização, nem mesmo de quaisquer ciências. Produzir conhecimento científico que diz respeito às problemáticas sociais complexas requer um modo de produção também complexo e heterogêneo, distante das limitações do campo exclusivamente disciplinar.
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