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Diretor Executivo DAVID LIRA STEPHEN BARROS Diretora Editorial ANDRÉA CÉSAR PEDROSA Projeto Gráfico MANUELA CÉSAR ARRUDA Autor FRANCIANE HEIDEN RIOS Desenvolvedor CAIO BENTO GOMES DOS SANTOS Olá. Meu nome é Franciane Heiden Rios. Sou formada em Pedagogia, Mestre em Educação, Especialista em Educação Especial e Inclusiva e Tecnologias Educacionais. Estou na Educação desde o início da minha vida profissional, cursei Magistério, ingressei como estagiária e da escola nunca mais sai. Esse espaço rico de aprendizagens humanas me oportunizou pensar sobre diferentes questões e perceber as pessoas em suas diferentes necessidades. Durante dez anos fui servidora concursada, professora, do Município de São José dos Pinhais, também atuei como Educadora pela Prefeitura Municipal de Curitiba e, atualmente, sou supervisora do curso de Pedagogia da UNIVESP – Universidade Virtual do Estado de São Paulo e diretora pedagógica da CuriosaIdade, instituição que atua em parceria com redes de ensino para desenvolvimento de boas práticas educativas tendo como subsídio a perspectiva do Desenho Universal para a Aprendizagem. Acredito no princípio básico da Inclusão e no respeito pela diversidade, portanto, escrever, palestrar, capacitar ou qualquer outra ação ou prática profissional relacionada ao tema são hoje meu foco de atuação. Desejo que tenhamos juntos um caminho rico de aprendizagens significativas, que o material aqui proposto em suas ideias, reflexões e discussões permitam a você se construir enquanto um profissional interdisciplinar, que navega entre as mais diversas áreas do conhecimento em prol de uma melhor prática educativa, avançando para a qualidade na educação e consequente transformação social. Autor FRANCIANE HEIDEN RIOS INTRODUÇÃO: para o início do desenvolvimen- to de uma nova competência; DEFINIÇÃO: houver necessidade de se apresentar um novo conceito; NOTA: quando forem necessários obser- vações ou comple- mentações para o seu conhecimento; IMPORTANTE: as observações escritas tiveram que ser prioriza- das para você; EXPLICANDO MELHOR: algo precisa ser melhor explicado ou detalhado; VOCÊ SABIA? curiosidades e indagações lúdicas sobre o tema em estudo, se forem necessárias; SAIBA MAIS: textos, referências bibliográficas e links para aprofun- damento do seu conhecimento; REFLITA: se houver a neces- sidade de chamar a atenção sobre algo a ser refletido ou discutido sobre; ACESSE: se for preciso aces- sar um ou mais sites para fazer download, assistir vídeos, ler textos, ouvir podcast; RESUMINDO: quando for preciso se fazer um resumo acumulativo das últimas abordagens; ATIVIDADES: quando alguma ativi- dade de autoapren- dizagem for aplicada; TESTANDO: quando o desen- volvimento de uma competência for concluído e questões forem explicadas; Iconográficos Olá. Meu nome é Manuela César de Arruda. Sou a responsável pelo pro- jeto gráfico de seu material. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez que: SUMÁRIO Introdução.............................................................................10 Competências......................................................................12 Epistemologia e ciência: Caminhos para a neuroeducação...................................................................13 Conhecimento: apontamentos gerais....................................13 Origem da epistemologia................................................................15 Epistemologia e neuroeducação...............................................17 Categorização e concepções na epistemologia e sua relação com a neuroeducação......................................21 Delineamentos da epistemologia.............................................22 Questões filosóficas para a concepção de Ciência..........23 Categorias Epistemológicas.........................................................26 Epistemologia genética de Jean Piaget.....................32 Jean Piaget: breve biografia..........................................................33 Conceitos-chave da epistemologia genética de Jean Piaget............................................................................................................34 Epistemologia histórica de Bachelard.......................39 Gaston Bachelard: uma breve biografia...............................40 Conceitos-chave da Epistemologia Histórica de Bachelard,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,.........................................................43 Bibliografia...........................................................................48 Atuação interdisciplinar e Neuroeducação 9 UNIDADE 02 BASES EPISTEMOLÓGICAS CONTEMPORÂNEAS Atuação interdisciplinar e Neuroeducação10 Você sabe o que é ciência? Será que ciência necessitam de verificações sistematizadas e comprovações a partir de princípios científicos? Será ciência uma organização do conhecimento empírico? Será ciência uma “roupagem” para o senso comum? Será ciência aquele conhecimento produzido em laboratório? Quando falamos a palavra Ciência, qual das imagens a seguir você considera ser mais compatível? Observe as figuras a seguir: INTRODUÇÃO Figura 1: O que é Ciência Fonte: Pixabay Atuação interdisciplinar e Neuroeducação 11 Figura 2: O que é Ciência Fonte: Pixabay A relação que você estabeleceu com as imagens é fundamental para o que propomos nessa unidade. Se você relacionou ciência com a primeira figura, associou diretamente com uma perspectiva formal, estruturada e controlada da produção do conhecimento. Aquela que se faz possível em laboratórios e busca a forma absoluta descritiva e comprovada. Porém, como seria possível fazer esses experimentos nas Ciências Humanas? Em relação à neuroeducação que se efetiva na relação humana, nos mais diversos contextos, é possível “fazer ciência” e produzir conhecimentos? Como “matematicar” o que o aluno aprende no sentido mais amplo de sua formação humana? Como relacionar o biológico – esse que pode ser registrado com um exame de imagem, com a existência? É aí que a segunda imagem passa a fazer sentido: Como produzir conhecimentos em áreas que não “são duras”, que permitem e necessitam de interpretações e narrativas? É por esse caminho que seguiremos: na busca de respostas para essas questões. E de você como estudante e entusiasta da área, pedimos curiosidade e perspectiva para, juntos, ampliarmos a concepção que temos de ciência e, consequentemente, da produção do conhecimento. Vamos lá? Atuação interdisciplinar e Neuroeducação12 Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 2 – Bases epistemológicas contemporâneas. Nosso objetivo é auxiliar você no desenvolvimento das seguintes competências profissionais até o término desta etapa de estudos: 1. Apresentar e discutir as relações entre ciência e epistemologia; 2. Conceituar e categorizar epistemologia; 3. Conhecer, conceituar e discutir a Epistemologia Genética de Jean Piaget, uma das principais linhas epistemológicas contemporâneas; 4. Conhecer, conceituar e discutir a Epistemologia Histórica de Bachelard, outra das principais linhas epistemológicas contemporâneas. Então? Preparado para uma viagem sem volta rumo ao conhecimento? Ao trabalho! COMPETÊNCIAS Atuação interdisciplinar e Neuroeducação 13 Epistemologia e ciência: caminhos para a neuroeducação Ao término deste capítulo você será capaz de perceber e refletir sobre as principais relações entre epistemologia e ciência, identificando o processo complexo de construção de conhecimento que, na neuroeducação, é estabelecido a partir desses princípios: interdisciplinaridade, complexidade e reflexão dinâmica e ininterrupta. Isto será fundamental para que você avance na perspectiva da neuroeducação enquanto um campo/área de produção de conhecimento e não apenas um repositório de saberes de outras áreas. Assim, a intenção é que você se aproprie do papel de pesquisador e possaativamente “fazer ciência”. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante! Conhecimento: apontamentos gerais Para avançarmos na relação da neuroeducação enquanto ciência, é fundamental que alguns conceitos relacionados à ciência sejam esclarecidos, entre eles, a definição de conhecimento. Afinal, você sabe o que é conhecimento? Conseguiria nesse momento esboçar uma definição concreta desse termo? Essas questões não são tão simples, tampouco, suas respostas são pontuais ou definitivas. Elaborar em conceito o que é conhecimento é uma das buscas constantes do campo filosófico que é conhecida como Epistemologia ou Teoria do conhecimento. Epistemologia significa ciência e conhecimento. Consiste no estudo científico das questões relacionadas às crenças e aos conhecimentos, em sua natureza e Atuação interdisciplinar e Neuroeducação14 limitações. Busca compreender o alcance humano sobre o que é conhecimento e suas origens. Assim, podemos afirmar que a Epistemologia estuda a origem, estrutura, métodos e validade do conhecimento, portanto, sendo sinônimo para Teoria do Conhecimento. Outro aspecto importante é que a epistemologia, em diversas e diferentes áreas, busca um “grau de certeza” sobre o conhecimento produzido, evidenciando a importância desse para a sociedade/ humanidade. REFLITA: Você já parou para pensar sobre alguns saberes que tomamos como “verdades”, mas que, quando analisados pela perspectiva da Teoria do Conhecimento, pouca ou nenhuma comprovação é identificada? No campo da neuroeducação não é diferente e, por isso, é a partir de um método científico coerente que será possível separar o “joio do trigo”. Um exemplo dessa separação são os neuromitos, os quais já vimos na primeira unidade. Assim, ao compreender a neuroeducação enquanto campo de produção de conhecimento é fundamental discutir as concepções “por trás” dessa produção, afinal, será que ciência necessita de verificações sistematizadas e comprovações a partir de princípios científicos? Será ciência uma organização do conhecimento empírico? Será ciência uma “roupagem” para o senso comum? E como tudo isso se articula em áreas que não “são duras”, que permitem e necessitam de interpretações e narrativas? Atuação interdisciplinar e Neuroeducação 15 Entretanto, para podermos buscar essas respostas, sé é que elas existem, é preciso percorrer um caminho sobre a constituição da ciência de forma geral. Vamos lá? ACESSE: Acessem e o vídeo “O Mito do Efeito Mozart” que apresenta um exemplo de neuromito que se tornou uma “verdade” em decorrência de sua projeção. Link: https://www.youtube.com/ watch?v=dwPHQaAQtCk Origem da epistemologia A epistemologia teve seu início com Platão. Em suas buscas, esse filósofo se opunha ao conceito de que crença ou opinião podem ser consideradas conhecimento. Para ele, a crença ou opinião é subjetiva, já o conhecimento é uma crença verdadeira e que tem justificativas. Exemplo: A grande diferença entre crença e conhecimento é a explicação que acompanha o discurso sobre o fato. Um exemplo é a relação entre “sol” e “Terra”. Quando olhamos para o céu, durante o dia, podemos perceber que o “sol” se movimenta, até “sumir” no horizonte dando lugar para a noite. Essa seria uma explicação que tem uma crença que a estrutura, afinal, sabemos que ela não procede. Em relação à Terra, o sol não se movimenta, é sim o planeta que no movimento de rotação faz com que tenhamos essa perspectiva de “dia” e “noite”. Esse seria o “conhecimento” pois, apresenta estudos, comprovações via tecnologia e outros indícios. https://www.youtube.com/watch?v=dwPHQaAQtCk https://www.youtube.com/watch?v=dwPHQaAQtCk Atuação interdisciplinar e Neuroeducação16 Figura 3: Dia e noite Figura 3: Empirista X Racionalista Fonte: Pixabay Fonte: Elaborada pela autora (2019) Sistematizando, podemos afirmar que da perspectiva de Platão, o conhecimento é compreendido como um conjunto de informações que descrevem e explicam o mundo social e natural no qual estamos inseridos. E, dessa conceituação, emergem duas perspectivas: a empirista e a racionalista. Veja: • Conhecimento é baseado na experiência. • É resultado do que foi aprendido durante a vida. • Conhecimento tem como fonte a e não a experiência. EMPIRISTA RACIONALISTA Atuação interdisciplinar e Neuroeducação 17 Na Educação o conhecimento também é resultado de processos, porém, essa dualidade entre “empírico” e “racional” não permitiria o respeito necessário à complexidade da existência humana. Nesse sentido, a interdisciplinaridade se fez necessária, permitindo a superação da visão fragmentada, compreendendo que a ciência emerge do cotidiano e de uma pragmática, da relação entre sujeitos, de suas interações e de suas escolhas, portanto, o objeto e o sujeito do conhecimento assumem concomitantemente esses papeis e com isso, o conhecimento em Educação se configura como um processo. “[...] na base da prática científica existe essa ação humana e não um objeto que seria dado. A ciência emerge pouco a pouco do discurso cotidiano e/ou artesanal” (FOUREZ, 1995, p. 107). Epistemologia e neuroeducação Sendo um processo, o conhecimento na neuroeducação é conduzido a partir da perspectiva que o pesquisador assume, ou seja, do paradigma que o orienta. Para Kuhn (1997), consiste na estrutura mental que é composta por teorias, experiências e métodos, que serve para organizar a realidade e os pensamentos. Ainda, essa “estrutura mental” é compartilhada por sujeitos pertencentes de uma mesma comunidade científica, ou seja, quando o conjunto de crenças, valores, técnicas e proposições é aceito por todos de um grupo científico, consiste em um paradigma. Assim, na perspectiva de que a construção do conhecimento na neuroeducação, ao se aproximar ao da Educação, é coletiva e cultural e diretamente Atuação interdisciplinar e Neuroeducação18 influenciada pelo paradigma do pesquisador, faz-se necessário uma mudança de perspectiva no campo da ciência dessa área na tentativa de caracterizar o conhecimento resultante como conhecimento científico. Podemos afirmar que, diante da perspectiva dualista e fragmentada do processo de construção de conhecimento, privilegia-se métodos que não sejam determinísticos, tampouco, descritivistas, mas sim, flexíveis, adaptáveis, narrativos, metafóricos e exemplificáveis em seus métodos. Exemplo: Para melhor compreender a discussão até aqui proposta, observe a imagem. Figura 4: Cérebro Fonte: Pixabay Trata-se de um cérebro humano, mas, desse cérebro, as apropriações seriam diferentes, bem como os métodos para a construção do conhecimento. A neurociência poderia utilizar um exame de ressonância para observar e registrar o funcionamento cerebral na ausência de luz, no escuro, e como essa condição afeta as sinapses. A neuropsicologia atuaria na perspectiva Atuação interdisciplinar e Neuroeducação 19 de compreender como esse “funcionamento biológico” se projeta em comportamentos, ou seja, buscaria compreender como a ausência de luz interfere nas funções cognitivas, como a atenção, por exemplo. Já o neuroeducador, teria como objetivo se apropriar dos conhecimentos dessas duas áreas (neurociência e neuropsicologia), que indicam que a ausência da luz interfere nas sinapses e na atenção dos alunos, para, em uma turma de Educação de Jovens e Adultos, no qual todos trabalhar cerca de 10 horas por dia e vão direto para a escola, ou seja, cansados física e mentalmente, propor uma aula na qual as luzes estejam apagadas para a projeção de slides seria uma péssima estratégia. Portanto, para a neuroeducação, a construção desse conhecimento percorreu uma narrativa pois, é ela que permite compreender e considerar: o cansaço, a condição social, a condição cultural, a condição econômica, entre outras. Portanto, conforme aponta Tokuhama-Espinosa (2008), aos neuroeducadores que seguemna produção de conhecimentos, cabe o exercício constante de flexibilidade de pensar, agir e de definir prioridades, visto que são várias as áreas que se relacionam, sendo necessário integrá-las de forma equilibrada. Assim, em linhas gerais, podemos afirmar que com a interdisciplinaridade de outras áreas, a neuroeducação emerge para evidenciar práticas e processos de ensino-aprendizagem aprimorados, articulando questões neurobiológicas e neuropsicológicas da aprendizagem humana, porém, na perspectiva complexa da área da Educação, que tem em sua estrutura processos sociais, culturais e históricos. Atuação interdisciplinar e Neuroeducação20 RESUMINDO: E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido que epistemologia significa ciência e conhecimento. Consiste no estudo científico das questões relacionadas às crenças e aos conhecimentos, em sua natureza e limitações. Busca compreender o alcance humano sobre o que é conhecimento e suas origens. Vimo que, diante desse conceito, podemos afirmar que a Epistemologia estuda a origem, estrutura, métodos e validade do conhecimento, portanto, é sinônimo de Teoria do Conhecimento, e que busca um “grau de certeza” sobre o conhecimento produzido, evidenciando a importância desse para a sociedade/humanidade. Avançamos na perspectiva da neuroeducação enquanto campo de produção de conhecimento, identificando que, para isso, é fundamental ao neuroeducador discutir as concepções “por trás” dessa produção, discussão que traz questões filosóficas e amplas, para quais necessita-se de uma formação interdisciplinar não para responde-las apenas, mas, para “navegar” por entre as possibilidades de respostas. Ao voltarmos às origens da epistemologia, vimos que Platão foi o percursor e, em suas buscas, esse filósofo se opunha ao conceito de que crença ou opinião podem ser consideradas conhecimento. Para ele, a crença ou opinião é subjetiva, já o conhecimento é uma crença verdadeira e que tem justificativas. Avançando, vimos que o conhecimento é resultado de Atuação interdisciplinar e Neuroeducação 21 processos e que, especificamente na neuroeducação pela sua proximidade com a Educação, é fundamental superar a dualidade entre “empírico” e “racional”, pois, essa não permitiria o respeito necessário à complexidade da existência humana. Esse é um dos principais apontamentos para compreendermos o porquê de se afirmar a neuroeducação enquanto área interdisciplinar. Por fim, na perspectiva de que a construção do conhecimento na neuroeducação é coletiva e cultural e diretamente influenciada pelo paradigma do pesquisador, identificamos a necessidade de uma mudança de perspectiva no campo da ciência dessa área na tentativa de caracterizar o conhecimento resultante como conhecimento científico, sendo fundamental privilegiar métodos que não sejam determinísticos, tampouco, descritivistas, mas sim, flexíveis, adaptáveis, narrativos, metafóricos e exemplificáveis em seus métodos. Categorização e concepções na epistemologia e sua relação com a neuroeducação Ao término deste capítulo você será capaz de entender como o que é epistemologia e as perspectivas que ela assume a partir de diferentes contexto e percepções. Enquanto pesquisador e profissional que precisará atuar de maneira interdisciplinar, esses conhecimentos permitirão que você amplie seus conhecimentos gerais e, com isso, tenha “outras cartas na manga” para avançar na produção do conhecimento na neuroeducação. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante! Atuação interdisciplinar e Neuroeducação22 Delineamentos da epistemologia Como vimos, de maneira breve, a epistemologia consiste no estudo do processo para a construção do conhecimento, ainda, que na neuroeducação esses processos são diversos diante da interdisciplinaridade dessa área. Nesse sentido, é importante compreender os delineamentos das questões epistemológicas. Observe: • Perspectiva do prolongamento da reflexão gnoseológica e metodológica. • A epistemologia é entendida como uma reflexão filosófica sobre o conhecimento científico, pelo que constitui tarefa de filósofos. • Exemplos: Peirce, Husserl ou Cassirer. • A epistemologia é considerada como uma tarefa que só o cientista pode realizar, analisando e refletindo sobre a sua própria atividade científica, explicitando as suas regras de funcionamento, o seu modo próprio de conhecer. • Neste caso, o cientista como que ultrapassa o seu papel assumindo o do filósofo. • Exemplos: Einstein, Heinsenberg ou Monod. Eistemologia como ramo da Filosofia Epistemologia como atividade emergente da própria atividade científica Figura 5: Três delineamentos fundamentais da Epistemologia enquanto disciplina Atuação interdisciplinar e Neuroeducação 23 • A epistemologia é considerada como uma investigação metacientífica, uma “ciência da ciência”, disciplina de segundo grau constituindo domínio de epistemólogos e que tem o seu próprio objeto: o discurso científico e/ou a atividade científica e os seus produtos e o seu próprio método • Exemplos: análise lógica da linguagem científica no neo- positivismo de Carnap, Hempel, Raichenbach ou Nagel; o método psicogenético e histórico-crítico piagetiano de uma Epistemologia Genética; o comparativismo transcendental de G. G. Granger de uma epistemologia comparatista; ou ainda as abordagens mais teoréticas e especulativas de Bachelard, Popper, Kuhn ou Lakatos. Epistemologia como disciplina autônoma Fonte: Elaborada pela autora com base em Pombo, 2003 Diante dessa categorização, seguiremos para ampliá-las no sentido de responder as seguintes questões: O que cada delineamento propõe à Ciência? Como cada proposta se projeta na neuroeducação? Questões filosóficas para a concepção de Ciência Filosofia e Ciência desde sempre se relacionam de maneira íntima. A Ciência é, de fato, um dos objetos de reflexão da Filosofia que, com o tempo e diante das transformações, também sofre alterações em sua perspectiva. De forma sistematizada, podemos identificar três períodos de transformação dessa relação da Filosofia com a Ciência, no qual as questões que orientam as interfaces são transformadas, são eles: Atuação interdisciplinar e Neuroeducação24 1º Período: A Ciência é ou não possível? Para essa questão, duas perspectivas emergem no mundo antigo: a dos céticos, que afirmariam não ser possível um conhecimento universal diante da subjetividade do mundo e; dos pensadores que propunham sistemas filosóficos, como Aristóteles e Platão, que afirmavam sua possibilidade. Com o Renascimento, uma predileção cética toma corpo. Como exemplo, temos Montaigne que afirmava ser impossível um conhecimento universal pela própria limitação humana de “saber”, ou seja, afirmava “[...] nada saber e nada ser possível saber” (POMBO, 2003, online). Em contraposição a essa perspectiva, novamente os sistemas filosóficos urgem para defender a possibilidade da Ciência, tendo como exemplos Descartes e Leibniz, que já passam a se apropriar dos avanços da ciência experimental de Copérnico e Galileu. 2º Período: Quais as condições que permitem a Ciência ser possível? Com Kant no século XVIII, tendo como suporte toda a produção de Newton, passa-se afirmar que não é mais viável questionar se a ciência é ou não possível, afinal, trata-se de um fato constituído. Nesse sentido, debruça-se para compreender como é possível a Ciência, quais as condições que a permitem avançar do conhecimento subjetivo determinado para um conhecimento universal. 3º Período: O que é Ciência? Esse período persiste até os dias atuais e essa questão não é tão simples na formulação de sua resposta. A priori, a complexidade já está na própria formulação da questão, quepode seguir por dois caminhos fundamentais: Atuação interdisciplinar e Neuroeducação 25 a) Quais as condições que diferenciam o que é e o que não é uma explicação científica? – Proposta normativa b) Quais os métodos e a natureza dos processos que se relacionam no funcionamento da Ciência? Quais as relações que estabelece com os diversos e variados tipos de conhecimento? – Proposta descritiva Na proposta formativa, podemos identificar três possíveis respostas à questão identificada: Figura 6: Respostas normativas • os enunciados científicos distanciam-se dos não científicos porque têm a possibilidade de serem confirmados positivamente pela experiência. Assim, haverá sempre algures, na relação entre o sujeito e o mundo, a presença do facto, enquanto forma positiva de confirmar um enunciado. Este tipo de resposta corresponde à posição positivista e neo-positivista. • um enunciado é científico, não porque possa ser confirmado pela experiência, mas precisamente quando por ela pode ser refutado. Esta posição, Bachelariana na sua origem, é fundamentalmente desenvolvida por Popper o qual afirma que um dado enunciado pode ser considerado científico quando for possível fazer tentativas no sentido de o refutar. • um enunciado é científico quando é internamente compatível com um dado conjunto de proposições que formam um sistema a partir do qual podem ser operativamente deduzidas um leque significativo de consequências. Confirmação positiva Confirmação negativa Confirmação formalista Fonte: Elaborada pela autora (2019) Atuação interdisciplinar e Neuroeducação26 Assim, de acordo com a confirmação formalista, é possível identificar uma premissa que não tangencia ao ceticismo, mas, que também aponta que não há possibilidade de confirmar os enunciados científicos perante a realidade. Isso resulta em uma proposta que atribui à Ciência uma linguagem própria. Já a perspectiva descritiva vem a convergir com a necessidade da neuroeducação, afinal, apesar dela remontar conhecimentos de pesquisas de laboratórios e em situações mais restritivas, necessita descrever e perceber todo o contexto do processo de ensino- aprendizagem, sendo esse narrativo e descritivo. Categorias Epistemológicas Diante da diversidade das respostas à questão “O que é Ciência?” É possível evidenciar que não há apenas uma, mas sim, várias concepções de ciência. Essa variedade pode ser classificada e categorizada em quatro categorias epistemológicas: Figura 4: Entrevista pessoal Fonte: Elaborada pela autora com base em Pombo (2003) Epistemologias Gerais e Regionais Epistemologias Continuístas e Descontinuistas Epistemologias Cumulativistas e Não cumulativas Epistemologia Internalistas e Externalistas Atuação interdisciplinar e Neuroeducação 27 Figura 7: Augusto Comte Fonte: Wikimedia Commons As epistemologias gerais e Regionais dizem respeito à extensão de seu campo de análise. Seguem uma perspectiva generalista considerando a Ciência em sua totalidade. Pensa, portanto, a ciência em sua globalidade ou no seu conjunto. As primeiras teorias do conhecimento foram regionais, sob a forma de história. Como exemplo temos a História da Matemática, formulada por Augusto Comte no século XIX. Portanto, ao se referir a “regional”, refere-se à área específica, trata-se de uma ciência em particular como a matemática, a biologia, a sociologia, entre outras. Augusto Comte definia que as várias ciências consistiam na expressão da “atividade do espírito humano”, embora cada tenha suas características e especificidades. Assim, é possível se ter Teorias do conhecimento, ou seja, epistemologia da física, da matemática, das ciências humanas, entretanto, para Atuação interdisciplinar e Neuroeducação28 a verdadeira compreensão da ciência é necessário articular todas áreas, reconhecendo suas relações ao objeto/relação da pesquisa. No campo das epistemologias continuístas e descontinuístas, pensa-se sobre a compreensão do modo como se entende o progresso da ciência. Para seus representantes da perspectiva continuísta, a ciência se desenvolve a partir de uma anterior: o conhecimento anterior em seus fragmentos permite que a próxima ciência se desenvolva, sendo uma teoria “prolongada” por uma outra. Já para os descontinuístas, a ciência avança por meio de rupturas, quando se passa a negar as teorias anteriores. Assim, evidenciam as diferenças entre as teorias, aquilo que as separa. O progresso não se dá pelo acréscimo, mas sim, pela quebra da tradição e substituição por uma nova teoria. IMPORTANTE: Kuhn convergia com a perspectiva descontinuista, afirmando que não é apenas a teoria que muda, mas sim, todo o paradigma. Vimos anteriormente que paradigma é a “orientação” que o pesquisador segue para selecionar objetos, métodos e relações para a produção do conhecimento, sendo assim, Kuhn propõe a “quebra de paradigma”, termo recorrente na literatura da área da Educação. Observe as diferenças entre essas duas concepções: Atuação interdisciplinar e Neuroeducação 29 Teoria 01 Teoria 02 Teoria 03 Nova teoria- Teoria 04 Continuístas Teoria 01 Teoria 02 Teoria 03 Nova teoria- Teoria 04 Descontinuístas Figura 8: Diferença entre as concepções Fonte: Elaborada pela autora (2019) No sentido das perspectivas cumulativas e não cumulativas, busca-se a compreensão da relação temporal entre ciência e verdade. Os epistemólogos da vertente cumulativa defendem a ciência como progressiva, decorrente de um acréscimo de saber, de uma acumulação de conhecimento durante um período/escala de tempo. Ou seja, cada nova teoria seria mais verdadeira que a anterior. Na perspectiva não cumulativista, não necessariamente se considera a “nova teoria” como a mais verdadeira, mas sim, entende-a como uma outra maneira de ver o mundo. A busca pela verdade incontestável não é objetivada, que importa é “[...] avaliar de que modo, cada nova teoria, além de constituir uma diferente maneira de pensar o mundo, possui um campo de aplicação maior ou menor que as anteriores.” (POMBO, 2003, online). Atuação interdisciplinar e Neuroeducação30 As perspectivas epistemológicas internalistas e externalistas pensam sobre as relações que as ciências estabelecem com as demais atividades humanas. Nessa teoria, a ciência é autônoma em relação ao conhecimento que produz. Amplia-se a possibilidade de abstração, permitindo que se desenvolvam os próprios objetos, leis, métodos e processos para a ciência. Ou seja, a ciência deve ser estudada independentemente de quem a produz e das condições históricas que a permite. Já a perspectiva externalista vê a ciência como uma atividade humana que, portanto, para ser compreendida necessita ser incluída no conjunto de todas as atividades humanas, ou seja, o social, econômico, cultural, entre outros fatores, influem diretamente na Ciência. Essa última perspectiva concebe um modelo de ciência que se estabelece frente à três dimensões essenciais: psicológica, filosófica e sociológica. Diante dessa breve sistematização do sentido e concepção de ciência, qual o caminho e perspectiva da neuroeducação? Como se dá a análise para esse campo que busca se sustentar enquanto ciência? Essas questões serão desenvolvidas à frente, tendo como premissa a relação entre sujeito e objeto, na perspectiva da epistemologia como viva e significativa, priorizando nessa unidade a proposta construtivista e estruturalista de Jean Piaget e a histórica de Bachelard. Atuação interdisciplinar e Neuroeducação 31 RESUMINDO: E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido que é possível compreender a Epistemologia a partir de três grandes perspectivas: Epistemologia enquanto ramo da Filosofia, Epistemologia enquanto atividade emergente da própria atividadecientífica e Epistemologia enquanto disciplina autônoma. Vimos que Filosofia e Ciência desde sempre se relacionam de maneira íntima, sendo a produção de conhecimento um dos objetos de reflexão da Filosofia que, com o tempo e diante das transformações, também sofre alterações em sua perspectiva. Dessas transformações, vimos que é possível sistematizar três períodos, cada qual com uma questão norteadora: 1º Período: A Ciência é ou não possível? - do mundo antigo emergem as perspectivas céticas e os sistemas filosóficos. 2º Período: Quais as condições que permitem a Ciência ser possível? – do século XVIII emergem discussões sobre quais as condições que a permitem avançar do conhecimento subjetivo determinado para um conhecimento universal. 3º Período: O que é Ciência? – o momento atual, que contempla a complexidade da própria questão, evidenciando dois caminhos fundamentais: a proposta normativa e a Atuação interdisciplinar e Neuroeducação32 Epistemologia Genética de Jean Piaget Ao término deste capítulo você poderá identificar as principais características e discussões da Epistemologia Genética de Jean Piaget. Perceberá como se configura o processo de construção de conhecimento nessa perspectiva. Isto será fundamental para que, em atuação interdisciplinar, tenha uma base teórica que já é consagrada no campo educacional, mas, que não se limita a ele. E então? proposta descritiva. Dessas propostas, vimos que há categorizações epistemológicas, sendo elas: • Epistemologias gerais e Regionais: dizem respeito à extensão de seu campo de análise. Seguem uma perspectiva generalista considerando a Ciência em sua totalidade. • Epistemologias continuístas e descontinuístas: pensam sobre a compreensão do modo como se entende o progresso da ciência, buscando a compreensão da relação temporal entre ciência e verdade. • Epistemologias cumulativa e não cumulativas: defende a ciência como progressiva, decorrente de um acréscimo de saber, de uma acumulação de conhecimento durante um período/escala de tempo. Ou entendem o “conhecimento novo” como uma outra maneira de ver o mundo. • Epistemologias internalistas e externalistas: pensam sobre as relações que as ciências estabelecem com as demais atividades humanas. Atuação interdisciplinar e Neuroeducação 33 Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante! Jean Piaget: breve biografia Figura 9: Jean Piaget Fonte: Wikimedia Commons O biólogo e psicólogo Jean William Fritz Piaget nasceu em 9 de agosto de 1896, na cidade de Neuchâtel, Genebra. Viveu até 16 de setembro de 1980 e pode ser considerado um dos mais importantes pensadores do século XX. Como pesquisador, defendeu a abordagem interdisciplinar para a construção do conhecimento, ou seja, considerava necessária a articulação das diversas áreas para a investigação epistemológica. De seus estudos e pesquisas, desenvolveu a Epistemologia Genética, teoria do conhecimento que tem como base a origem psicológica do pensamento humano. Atuação interdisciplinar e Neuroeducação34 SAIBA MAIS: Para saber mais leia o artigo “Piaget, o biólogo que colocou a aprendizagem no microscópio”, por Márcio Ferrari, para a Revista Nova Escola. Nele é discutida a perspectiva de Piaget que revolucionou o modo de encarar a educação de crianças, principalmente, ao afirmar que o pensamento infantil difere do adulto e que elas, as crianças, constroem o próprio aprendizado. Disponível em: https://novaescola.org.br/ conteudo/1709/jean-piaget-o-biologo-que- colocou-a-aprendizagem-no-microscopio Piaget parte da seguinte questão-problema em seus estudos: Como se avança de um estado para outro mais complexo de conhecimento? Dessa motriz, evidencia o papel ativo do sujeito na construção da aprendizagem, em suas relações com o universo de significados. Ampliando sua questão, podemos identificar que o que pretendia Piaget era desenvolver uma teoria que permitisse compreender como a humanidade avança de um estado menor para um maior. Nessa perspectiva, estabeleceu um método clínico, o qual previa, a partir de perguntas, compreender como o sujeito pensa em determinada situação e como esse pensamento resulta em novas perguntas. Conceitos-chave da epistemologia genética de Jean Piaget Na sua perspectiva, Piaget especifica quatro fatores responsáveis pelo desenvolvimento do intelecto da criança. São eles: o fator biológico, o exercício e a experiência, as interações e transmissões sociais e a equilibração das ações. https://novaescola.org.br/conteudo/1709/jean-piaget-o-biologo-que-colocou-a-aprendizagem-no-microsco https://novaescola.org.br/conteudo/1709/jean-piaget-o-biologo-que-colocou-a-aprendizagem-no-microsco https://novaescola.org.br/conteudo/1709/jean-piaget-o-biologo-que-colocou-a-aprendizagem-no-microsco Atuação interdisciplinar e Neuroeducação 35 Para ele, o fator biológico está relacionado ao crescimento e à maturação do sistema nervoso. O exercício e a experiência se relacionam com a ação do sujeito. As interações sociais, que ocorrem por meio da linguagem e do processo educacional e, por fim, a equilibração, que seria, de modo simplificado, a “consolidação” da aprendizagem no sujeito. De forma geral, a premissa de Piaget compreende o processo de construção do conhecimento da seguinte forma: Figura 10: Esquematização da construção do conhecimento na Epistemologia Genética de Jean Piaget Fonte: Elaborada pela autora (2019) Assim, temos conceitos-chave que são essenciais para compreender toda a teoria desenvolvida por Piaget na Epistemologia Genética, são eles: 1. Esquemas mentais: consistem na “estruturação” das experiências e exercícios, ou seja, é a síntese das ações já realizadas que permitem uma nova atividade e a relação entre o conhecimento que se tem com o novo. 2. Objetos: são os elementos que circundam o sujeito e o permitem estabelecer relações: pessoas, objetos, textos, ideias, entre outros. Atuação interdisciplinar e Neuroeducação36 3. Operação: é a ação que se internaliza no sujeito e modifica o objeto. 4.Adaptação: diz respeito ao acesso ao conhecimento e está diretamente relacionada com a assimilação e acomodação. 4.1: Assimilação: é significar os objetos. Trata-se de uma condição própria do sujeito e que, portanto, só pode ser realizada por ele. É quando ele transforma o objeto em algo compatível com seus esquemas. 4.2: Acomodação: é a modificação do sujeito para compreender o objeto. Consiste na modificação dos esquemas mentais. Assim, a aprendizagem se efetiva quando o processo de equilibração se sustenta. Equilibração é a regulação entre a assimilação e a acomodação, ou seja, quando a assimilação e a acomodação se regulam, entram em equilíbrio, a aprendizagem se efetiva. SAIBA MAIS: Para saber mais assista ao vídeo “Teoria da Equilibração” com o Professor Fernando Becker, para o canal Lumia, da UFRGS, disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=wezvP3pTdEE Desses conceitos primeiros, podemos perceber que a Teoria de Piaget implica na neuroeducação ao: Outorgar ao aluno um papel central em suas aprendizagens, aceitar que o processo de aprendizagem é um processo reconstrutivo, lento, no qual o aluno deve carregar o peso da https://www.youtube.com/watch?v=wezvP3pTdEE https://www.youtube.com/watch?v=wezvP3pTdEE Atuação interdisciplinar e Neuroeducação 37 atribuição de significados, pensar que o processo de equilibração é essencial em qualquer construção de conhecimentos, defender que o ensino deve favorecer as situações nas quais ocorra esta aprendizagem significativa e que não deve ser um processo mecânico e repetitivo. (MARTI, 1996, p. 23 apud CORREIA, 2001, p. 557). É, portanto, uma epistemologia da ação, que propõe que o sujeito mediante sua ação constitui o conhecimento. Consiste na perspectiva do “movimento do conhecimento”, esse que sempre avança para seu enriquecimento, quando do “desequilíbrio” e “equilibração”.ACESSE: Epistemologia Genética – Por Jean Piaget Assista aovídeo do próprio Jean Piaget descrevendo a Epistemologia Genética em 1977. Disponível em: https://www.youtube. com/watch?v=1rRFtzYvGqE https://www.youtube.com/watch?v=1rRFtzYvGqE https://www.youtube.com/watch?v=1rRFtzYvGqE Atuação interdisciplinar e Neuroeducação38 RESUMINDO: E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido que o biólogo e psicólogo Jean William Fritz Piaget pode ser considerado um dos mais importantes pensadores do século XX. Que, como pesquisador, defendeu a abordagem interdisciplinar para a construção do conhecimento, considerando necessária a articulação das diversas áreas para a investigação epistemológica. Ainda, que de seus estudos e pesquisas, desenvolveu a Epistemologia Genética, teoria do conhecimento que tem como base a origem psicológica do pensamento humano, que é uma das abordagens epistemológicas de destaque na contemporaneidade. Vimo que seus estudos e pesquisas partem da questão-problema: Como se avança de um estado para outro mais complexo de conhecimento? Pretendendo, portanto, desenvolver uma teoria que permitisse compreender como a humanidade avança de um estado menor para um maior. Nessa investigação ele identifica quatro fatores responsáveis pelo desenvolvimento do intelecto da criança: o fator biológico, o exercício e a experiência, as interações e transmissões sociais e a equilibração das ações, sendo: 1. Fator biológico: relacionado ao crescimento e à maturação do sistema nervoso. Atuação interdisciplinar e Neuroeducação 39 2.Exercício e a experiência: a ação do sujeito. 3.Interações sociais: que significam a ação do sujeito. 4.Equilibração: que de modo simplificado consiste na “consolidação” da aprendizagem no sujeito. Foram apresentadas as concepções dos conceitos-chave dessa epistemologia, com destaque para os esquemas mentais, assimilação, acomodação e equilibração. Por fim, foi possível identificar essa perspectiva como uma epistemologia da ação, que propõe que o sujeito mediante sua ação constitui o conhecimento, coerente com o entendimento do “movimento do conhecimento”, esse que sempre avança para seu enriquecimento, quando do “desequilíbrio” e “equilibração”. Epistemologia Histórica de Bachelard Ao término deste capítulo você poderá identificar as principais características e discussões da Epistemologia Histórica de Guston Bachelard. Perceberá como se configura o processo de construção de conhecimento nessa perspectiva. Isto será fundamental para que, em atuação interdisciplinar, tenha uma base teórica que já é consagrada no campo educacional, mas, que não se limita a ele. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante! Atuação interdisciplinar e Neuroeducação40 Gaston Bachelard: uma breve biografia Gaston Bachelard pretendia forma-se engenheiro, porém, com a Primeira Guerra Mundial, seu projeto não seguiu adiante, migrando para a docência em cursos secundários, diretamente com as matérias de física e química. Passou a estudar Filosofia aos 35 anos, com o intuito, também, da docência. Em 1930 é convidado para lecionar na Faculdade de Dijon e, em 1940 ingressa em Sorbonne, onde passa a lecionar e se destacar pela imensa aceitação e procura de suas aulas pelos estudantes. Em 1955 ingressa na Academia das Ciências Morais e Políticas da França, sendo laureado com o Prêmio Nacional de Letras em 1961. Em 1962 Bachelard falece com grande destaque e produções que são referências em sua área. Figura 11: Gaston Bachelard Fonte: Wikimédia Commons Atuação interdisciplinar e Neuroeducação 41 Sua obra se desenvolve no contexto da Revolução Científica do século XX, marcada pela Teoria da Relatividade de Albert Einstein. Seus estudos tinham como objetivo a busca do significado epistemológico dessa “nova ciência”, significando uma filosofia compatível. Teve como principais formulações a historicidade da epistemologia e a relatividade do objeto, rompendo com as perspectivas anteriores em termos epistemológicos, considerando a relação com o objeto que, nesse dinâmica, não é mais absoluto, é complexo! Suas reflexões e proposições convergem com a perspectiva da descontinuidade, compreendendo que o "novo espírito científico" tange à ruptura com o anterior. Essa "ruptura epistemológica" entre a ciência contemporânea e o senso comum é uma das suas principais contribuições. IMPORTANTE: Bachelard atua no âmbito da história das ciências, afirmando que o conhecimento não pode ser avaliado em termos de acúmulos. Em sua perspectiva a avaliação só é possível no campo das rupturas, de retificações e em um processo dialético. Assim, o conhecimento científico é construído na constante análise e ponderação dos erros anteriores. Atuação interdisciplinar e Neuroeducação42 O espírito científico é essencialmente uma retificação do saber, um alargamento dos quadros do conhecimento. Julga o seu passado condenando-o. A sua estrutura é a consciência dos seus erros históricos. Cientificamente, pensa-se o verdadeiro como retificação histórica de um longo erro, pensa- se a experiência como retificação da ilusão comum e primeira. (BACHELARD, 2004, p. 30). Assim sendo, sua luta era superar a: “[...] perenidade das ideias científicas e a continuidade destas com o senso comum.” (BACHELARD, 2004, p. 180). Para isso, propôs uma filosofia das ciências que prevê revisões e ajustes de concepções conforme a sociedade avança. Para ele "todo conhecimento é polêmico. Antes de constituir-se, deve destruir as construções passadas e abrir lugar a novas construções.” (idem). Figura 12: Ruptura Fonte: Pixabay Atuação interdisciplinar e Neuroeducação 43 É este movimento dialético que constitui a tarefa da nova epistemologia". (BACHELARD, 2004, p. 180). Assim, sua perspectiva racionalista tem um sentido próprio e uma preocupação constante com a aplicação, identificando como necessidade a dialética entre a experiência e a teoria. Conceitos-chave da Epistemologia Histórica de Bachelard “Chega uma altura em que o espírito gosta mais daquilo que confirma o seu saber do que daquilo que o contradiz, prefere as respostas às perguntas”. (Bachelard) Rompendo com as evidencias cartesianas, a Epistemologia histórica propõe uma pedagogia da complexidade, que reafirma a necessidade reler o simples para o múltiplo, considerando o todo complexo. Nesse sentido, podemos citar os seguintes conceitos-chave e suas relações na perspectiva da epistemologia histórica: 1. Educação: está diretamente relacionada com as interações humanas e psicológicas, no qual a confiança e o respeito intelectual são obrigatórios. Considera que se desenvolve na tentativa do “aluno superar o mestre”, assim, o professor com interesse no desenvolvimento intelectual, moral, ético e científico de seu aluno, investe para que ele avance exponencialmente. Veja o processo de ensinar e aprender para Bachelard: Atuação interdisciplinar e Neuroeducação44 Figura 13: Epistemologia em Bachelard Fonte: Elaborada pela autora (2019) 1.1. Produção de conhecimento: implica nos pressupostos da racionalidade científica e da pedagógica. Produzir conhecimento não pode estar dissociado da prática: “[...] o ato de ensinar não se destaca tão facilmente quanto se crê, da consciência de saber”. (Bachelard, 2003, p.74). 1.2. Cultura: identifica como elemento que oportuniza raciocinar e pensar a partir de todas as variações do pensamento, é a consciência em mutação e o ensino que permite não ser dogmático. SAIBA MAIS: Você sabe o que é dogma? Dogma é qualquer doutrina de caráter indiscutível, que se assume enquanto verdade absoluta e que, portanto, não pode ser discutida ou questionada. Atuação interdisciplinar e Neuroeducação45 1.3. Pesquisa e ensino: são interligados e dinâmicos e, portanto, resultam na assunção da Educação enquanto prática filosófica, histórica, social e crítica. 1.4. Professor: é a figura que ensina e pesquisa, aprende e ensina. Necessita de formação multidisciplinar e interdisciplinar para que possa desenvolver diálogos teóricos/metodológicos. 2. Defasamento: é a lógica de retificação dos conhecimentos anteriores, que consiste na chave de todo progresso científico. IMPORTANTE: Ciência, portanto não é um conhecimento absoluto, tampouco rigoroso, apenas uma aproximação do sentido profundo da natureza. 3. Crítica: a nova pedagogia científica pensada por Bachelard é essencialmente crítica e estimula professores e alunos a exercitarem o pensamento aberto na busca de fenômenos e problemáticas complexos e na capacidade de formular questões problemas e de construir objetos de pesquisa, “procurando no real aquilo que contradiz conhecimentos anteriores”. (Bachelard) O professor, na prática pedagógico-científica, pode ser muito menos alguém que ensina e mais alguém que desperta, estimula, provoca, questiona e se deixa questionar. Tal atitude permite estabelecer relações pedagógicas colaborativas, abertas e construtivas. A ambiência afetiva e pedagógica estimulará, com certeza, o aluno a criar, criticar, produzir, inovar, pesquisar etc. 4. Ruptura: no campo Educação, especificamente da Pedagogia, essa ruptura permite um caráter Atuação interdisciplinar e Neuroeducação46 criativo na intenção de instruir novos saberes a partir da ruptura com o senso comum. É a superação do modelo cartesiano para um modelo dialético, no qual seja possível a orientação dos estudantes para avançarem do conhecimento estreito e ingênuo para o científico. Prevê o “deformar-se” para “formar-se”, garantindo múltiplos olhares para o mesmo objeto. 5. Obstáculos: a ciência é, portanto, entendida como um processo de negação dos conhecimentos atuais. Faz-se críticas às concepções continuístas, priorizando o ideário da “descontinuidade”. 6. Erro: o erro, portanto, é fundamental para que o conhecimento se figure em “permanente estado de crise”, impelindo na sua constante revisão e transformação. Assim, na perspectiva da epistemologia histórica, é possível compreender o pensamento científico como “construções”, no qual há espaço e possibilidades para diversas configurações e perspectivas. Atuação interdisciplinar e Neuroeducação 47 RESUMINDO: E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido que Gaston Bachelard foi um professor de destaque, apesar da docência não ser seu plano inicial, pois, pretendia forma-se engenheiro. Que, como principais formulações nos deixou a historicidade da epistemologia e a relatividade do objeto, rompendo com as perspectivas anteriores em termos epistemológicos, considerando a relação com o objeto que, nesse dinâmica, não é mais absoluto, é complexo! Vimos que suas reflexões e proposições convergem com a perspectiva da descontinuidade, compreendendo que o “novo espírito científico” tange à ruptura com o anterior. Essa “ruptura epistemológica” entre a ciência contemporânea e o senso comum consiste em uma das suas principais contribuições. Tinha como objetivo superar a “[...] perenidade das ideias científicas e a continuidade destas com o senso comum.” (BACHELARD, 2004, p. 180) e, para isso, propôs uma filosofia das ciências que prevê revisões e ajustes de concepções conforme a sociedade avança. Para ele “todo conhecimento é polêmico. Por fim, a partir de suas análises e considerações, é possível compreender a Ciência não mais como um conhecimento absoluto, tampouco rigoroso, mas sim, como uma aproximação do sentido profundo da natureza. Atuação interdisciplinar e Neuroeducação48 BIBLIOGRAFIA Ribeiro, L.O.M.; Timm, M.I.; Becker, F. e Zaro, M.A. (2005). 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