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Diretor Geral Gilmar de Oliveira Diretor de Ensino e Pós-graduação Daniel de Lima Diretor Administrativo Eduardo Santini Coordenador NEAD - Núcleo de Educação a Distância Jorge Van Dal Coordenador do Núcleo de Pesquisa Victor Biazon Secretário Acadêmico Tiago Pereira da Silva Projeto Gráfico e Editoração André Oliveira Vaz Revisão Textual Kauê Berto Web Designer Thiago Azenha FICHA CATALOGRÁFICA FACULDADE DE TECNOLOGIA E CIÊNCIAS DO NORTE DO PARANÁ. Núcleo de Educação a Distância; LUPION, Marcia Regina de Oliveira. Metodologia do Ensino Religioso. Marcia. Regina de Oliveira Lupion. Paranavaí - PR.: Fatecie, 2020. 108 p. Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Zineide Pereira dos Santos. UNIFATECIE Unidade 1 Rua Getúlio Vargas, 333, Centro, Paranavaí-PR (44) 3045 9898 UNIFATECIE Unidade 2 Rua Candido Berthier Fortes, 2177, Centro Paranavaí-PR (44) 3045 9898 UNIFATECIE Unidade 3 Rua Pernambuco, 1.169, Centro, Paranavaí-PR (44) 3045 9898 UNIFATECIE Unidade 4 BR-376 , km 102, Saída para Nova Londrina Paranavaí-PR (44) 3045 9898 www.fatecie.edu.br As imagens utilizadas neste livro foram obtidas a partir do site ShutterStock Professora Doutoranda Marcia Regina de Oliveira Lupion • Doutoranda em História, Cultura e Narrativas com ênfase em História das Religiões e Religiosidades – Universidade Estadual de Maringá. • Mestre em História Social – Universidade Estadual de Maringá. • Especialista em História das Religiões – Fundamentos para a Pesquisa e o Ensino – Universidade Estadual de Maringá. • Graduação em História pela UEM – Universidade Estadual de Maringá. • Membro do Laboratório de Estudos em Religiões e Religiosidades – LERR – Universidade Estadual de Maringá. • Atuação como docente da Rede Pública entre 2012 e 2016; • Atuação como docente da Universidade Estadual de Maringá entre 2004 e 2006 e 2016 e 2017. • Atuação como docente da Faculdade SMG – Santa Maria da Glória entre 2013 e 2016; • Atuação como docente da Especialização em Religião e Cultura no Ensino de História do Brasil pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Mandaguari, FAFIMAN; • Atuação como docente da Especialização em História das Religiões – Fundamentos para a pesquisa e o ensino pela UEM – Universidade Estadual de Maringá. • Coautora do livro “Nas Águas de Lobato: uma micro-história construída a partir das falas de seus moradores”, 2008, resultado da pesquisa de mestrado desenvolvida entre os anos 2001 e 2004. Áreas de concentração: Religiões e Religiosidades com ênfase na Religiosidade Católica; História de Cidades, Micro-história, Biografia, História das Sensibilidades, História Regional e História Oral. Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/6053672753953434 AUTORA http://lattes.cnpq.br/6053672753953434 http://lattes.cnpq.br/6053672753953434 Bem-vindo Estudante! O Livro de Metodologia do Ensino Religioso é um convite à introdução aos estudos em religiões e religiosidades e também um material didático pois, os temas e problemas abordados são um convite à reflexão acerca do papel da disciplina de Ensino Religioso no âmbito escolar. Pautado sobre os fundamentos teóricos pertinentes ao estudo das religiões e religiosidades a apostila busca definir conceitos e fundamentos teóricos de forma que o fenômeno religioso seja compreendido considerando sua estrutura de formação histórica e cultural. Para contribuir com essa compreensão, o Livro foi dividido em quatro Unidades sendo que na Unidade I são abordados os conceitos de Metodologia e os primeiros autores que fundamentaram os estudos em religiões e religiosidades. Na Unidade II a abordagem recairá sobre o conceito amplo e complexo de Religião, Princípios religiosos e definição de Sagrado. Em seguida, apresentaremos, a título de exemplo, características históricas de algumas manifestações sagradas ocorridas desde o Paleolítico até os dias atuais. Dada a relevância das mudanças ocorridas no universo religioso cristão no Século XVI, no Unidade III a temática recairá sobre a Reforma Protestante ocorrida nesse período de forma que possamos contemplar os motivos que levaram a essa mudança no seio da cristandade ocidental. Como forma de pensar as religiões e religiosidades na atualidade, a Unidade IV traz uma discussão envolvendo questões ligadas ao incentivo à tolerância religiosa proposto pelo governo federal. Documentos institucionais elaborados pela Secretaria de Direitos Humanos embasam essa unidade que se propõe ainda, refletir sobre o papel da disciplina de Ensino Religioso na promoção do respeito à diversidade religiosa existente em nossa sociedade. Espero que apreciem a leitura e que a vejam como uma introdução aos estudos do fenômeno religioso e da tolerância religiosa assim como também, aluno e aluna, que vocês compreendam a relevância da disciplina de Ensino Religioso na promoção da paz em nossa sociedade. Uma disciplina não proselitista, mas, científica e historicamente comprometida com essa promoção. Obrigada pela leitura, e bons estudos!!! APRESENTAÇÃO DO MATERIAL SUMÁRIO UNIDADE I ...................................................................................................... 6 Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado UNIDADE II ................................................................................................... 30 A Religião e a Humanidade UNIDADE III .................................................................................................. 61 A Reforma Protestante no Século XVI UNIDADE IV .................................................................................................. 78 Religiões e Religiosidades no Brasil 6 Plano de Estudo: • Conceito de Metodologia Científica. • O Positivismo: conceitos, definições e autores. • A Fenomenologia: conceitos, definições e autores. • O Materialismo Histórico: conceitos, definições e autores. Objetivos de Aprendizagem: • Conceituar Metodologia Científica. • Estudar as escolas positivista, fenomenológica e histórico-materialista em suas proposições metodológicas. • Compreender a diversidade de metodologias utilizadas para o estudo das religiões e religiosidades. UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado Professora Me. Marcia Regina de Oliveira Lupion 7UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado INTRODUÇÃO Olá, estudante da disciplina de Metodologia do Ensino Religioso! É com alegria e satisfação que compartilho esse livro, que foi elaborado pensando exclusivamente numa forma de melhor apresentar essa importante disciplina, para você. Esperamos que esse seja um espaço de compartilhamento e aprendizado de ambas as partes e que você se sinta instigado(a) a buscar novos conhecimentos sobre a disciplina e o tema ao final desse trabalho. Iniciemos então nossos estudos acerca da Metodologia do Ensino Religioso! Muitas vezes ao ler, ouvir ou ver uma obra científica ficamos encantados com os resultados apresentados pelo autor ou pelos autores, e nos perguntamos como um resultado tão impressionante pôde ter sido obtido diante da temática proposta. Às vezes, tais obras são recheadas de imagens gráficas, paisagísticas, documentais etc., que dão rostos e formas ao tema proposto; outras vezes é a trilha sonora e/ou as imagens presentes em vídeos e músicas que atraem nossos olhares. Noutras, ainda, as obras se destacam por utilizarem uma narrativa que seduz ora por seu discurso ora pelas informações que contém. Em qualquer dos suportes citados ou dos estilos narrativos devemos ter sempre em mente que a pesquisa que resultou em um trabalho tão gracioso e relevante foi elaborada a partir de uma metodologia específica, ou seja, a partir de um método ou caminho percorrido. Esse processo de elaboração, que soma tanto a atividade prática quanto a intelectual, é compreendido como metodologia do trabalho científico,o que nos leva a considerar que uma pesquisa não é algo dado, espontâneo. Todo trabalho científico demanda um esforço prático e racional. Portanto, a obra que nos encantou e que nos levou a refletir acerca de sua elaboração deve ser compreendida em várias etapas, sendo a metodologia uma delas. Considerando a relevância da metodologia dentro do escopo dos trabalhos científicos, organizamos esta unidade a partir de dois eixos temáticos interligados, que são a apresentação do conceito de metodologia científica e o fato que, a partir do século XIX, a produção científica do conhecimento elaborou caminhos diversos, ou seja, metodologias múltiplas para obter esse saber considerando os pressupostos teóricos aos quais a produção intelectual se identifica. Além desses objetivos, pretendemos apresentar como tais discussões podem 8UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado contribuir para a metodologia do ensino religioso, tendo em vista que a presente apostila tem como objeto principal exatamente essa área de conhecimento. Dadas a inúmeras escolas de conhecimento que têm contribuído para pensar cientificamente as religiões e religiosidades, e que elaboraram teorias e metodologias no campo das Ciências Humanas, vamos circunscrever nossos estudos em apenas três escolas que são o Positivismo, a Fenomenologia e o Materialismo Histórico. 9UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado 1 METODOLOGIA: CONCEITOS BÁSICOS Fonte: EmprendeMentes (2019). Em primeiro lugar, cabe destacar que todo conhecimento que se propõe ser científico pressupõe um método de trabalho, ou seja, um caminho cujo percurso realizado tenha possibilitado alcançar o conhecimento científico desejado. Assim como um chef de cozinha descreve a forma como o prato servido ao cliente foi elaborado, citando tanto ingredientes quanto sua técnica de produção, também o cientista descreve os caminhos ou os meios pelos quais alcançou os resultados de suas pesquisas. Em alguns casos, os caminhos ou meios – ou seja, a metodologia –, tornam-se referência para abordagens cujas temáticas inscrevem-se dentro da linha de pesquisa ou 10UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado área de concentração em que tal metodologia foi criada. No entanto não é regra que uma metodologia criada por uma determinada área do saber deva ser utilizada somente por pesquisadores daquela linha de pesquisa. Por exemplo, diversos estudos em História das Religiões seguem o método comparativo proposto por Mircea Eliade, filósofo de formação, mas que se destacou como estudioso das religiões, sobretudo por sua abordagem tangencial como antropólogo acerca do “sagrado”. Ou seja, os historiadores utilizam a abordagem de um filósofo que desenvolveu estudos em antropologia para analisar o universo religioso. Como visto, temos utilizado diversas vezes a palavra “caminho” e também a palavra “meios” para nos referir ao conjunto de “métodos”, ou a já citada metodologia, sobre as quais uma pesquisa científica se sustenta. Portanto, é lícito afirmar que toda pesquisa científica necessita de uma metodologia que defina a forma como determinado conhecimento foi gerado. 1.1 O Conceito e os Conceitos De acordo com o Dicionário Michaelis (2019), o conceito de metodologia possui cin- co significados: 1 Parte da lógica que trata dos métodos aplicados nas diferentes ciências. 2 Estudo dos métodos, especialmente dos métodos científicos. 3 Conjunto de regras e procedimentos para a realização de uma pesquisa. 4 Estudo e pesquisa dos componentes e do caráter subjetivo de um texto narrativo, poético ou dramático (na literatura). Com esses breves dados inferimos duas condições: 1. O uso do conceito metodologia está intrinsecamente ligado à produção de conhecimento científico. 2. Metodologia e método são partes de uma mesma ação dentro das pesquisas científicas. As condições citadas remetem a uma terceira situação. Se metodologia e método são partes da produção do conhecimento científico, o que vem a ser conhecimento científico? De acordo com Antonio Carlos Gil (2008), conhecimento científico é todo conhecimento gerado mediante linguagem apropriada e rigorosa, que vise formular leis que regem os fenômenos. Na busca por manter o rigor em suas pesquisas, o pesquisador encontra na metodologia seu ponto de apoio, pois sua validade resulta dos métodos aos quais os dados da pesquisa foram submetidos (LAVILLE; DIONNE, 1999). 11UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado Figura 1 - Metodologia A essa altura de nossos estudos já é possível observar a relevância do método para a produção do conhecimento científico. Cabe agora refletir acerca de sua origem e conceito. É ponto comum entre cientistas em geral que René Descartes, filósofo moderno, seja considerado o criador do método científico, o que ficou registrado no livro O discurso do método, em 1637. Segundo Descartes (1967), conforme citado por Laville e Dionne (1999, p. 11), “O método são regras precisas e fácies, a partir da observação exata das quais se terá certeza de nunca tomar um erro por uma verdade, e, sem aí desperdiçar inutilmente as forças de sua mente, chegar ao conhecimento verdadeiro de tudo do que se é capaz”. Assim, temos que a origem do método, enquanto um dos elementos do processo de produção do conhecimento, encontra-se nos primórdios da formação da sociedade moderna e, de forma bastante contundente, atrelada à obra do francês René Descartes. Quanto à etimologia da palavra método, é também em Laville e Dionne (1999, p. 11, grifos do autor) que encontramos uma definição precisa. Segundo eles, “método é derivado do grego methodos, formado por meta, ‘para’, e hodos, ‘caminho’. Poder-se ia, então, traduzir a palavra por ‘caminho para’ ou então, ‘prosseguimento’, ‘pesquisa’”. Dada essa definição, com ênfase na ideia de caminho, prosseguimento e pesquisa, é possível inferir o conceito de método como sendo aquele que “indica regras, propõe um procedimento que orienta a pesquisa e auxilia a realizá-la com eficácia” (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 11), de forma que o produto resultante seja confiável e válido. É inegável o fato de que o século XVII inaugurou uma forma de pesquisar baseada 12UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado no método, mas foi no século XIX que esse modelo se expandiu para além das ciências naturais. Com as intensas mudanças ocorridas nas sociedades, tanto no ritmo quanto nas descobertas do século XIX, inaugura uma nova forma de conceber o conhecimento científico, sobretudo com relação ao saber relativo dos seres humanos, suas ações e reflexões perante o mundo. Até então as reflexões sobre o fazer humano partiam do universo filosófico, mas no século XIX, O método empregado no campo da natureza parece tão eficaz que não se vê razão pela qual também não se aplicaria ao ser humano. É com esse espírito e com essa preocupação que se desenvolvem – serão inventadas, poder-se- -ia dizer – as ciências humanas na segunda metade do século XIX (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 26). É nesse ponto da história da ciência que acontece a especialização dos saberes e, assim, disciplinas como a antropologia, a história, a geografia, a sociologia e a psicologia passam a concorrer com a filosofia na construção de explicações acerca dos homens e das mulheres em relação ao universo que os cerca. Com as experiências adquiridas, cada um desses campos desenvolveu suas próprias teorias e metodologias, de forma que demarcaram seus espaços de trabalho. Essa demarcação, longe de afastar os saberes produzidos ou os métodos criados, acabou por tornar ainda mais ricas as análises que souberam utilizar a interdisciplinaridade como elemento para suas pesquisas, ainda que esse não tenha sido o primeiro caminho utilizado. Postas essas definições,é possível concluir, com mais assertividade, que por metodologia compreende-se o caminho para se chegar a um determinado fim e que esse caminho, dentro das pesquisas científicas, é composto tanto por procedimentos intelectuais quanto técnicos que visam atingir um determinado conhecimento (GIL, 2008, p. 8). 1.2 Metodologia do Ensino Religioso No que tange à metodologia do ensino religioso, os trabalhos desenvolvidos nessa área encontram-se alinhados com as pesquisas desenvolvidas por uma série bastante diversificada de autores. Contribuem para o conhecimento sobre o fenômeno religioso pesquisadores das áreas da antropologia, sociologia, história, filosofia, ciências da religião e, atualmente, geógrafos e, inclusive, biólogos, como Richard Dawkins. Ou seja, o estudo do universo religioso não se restringe apenas às ciências humanas e sociais. O interesse pelo sagrado e as formas como os seres humanos agem e reagem perante essa condição extrapolam as barreiras, sempre maleáveis, dos campos científicos. 13UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado Por esse motivo, a metodologia do ensino religioso está atenta às formas como esses estudos se organizaram, para analisarem seus objetos de pesquisa. A metodologia do ensino religioso é, portanto, uma metodologia rica e variada, pois agrega saberes diversos em sua composição. O trabalho com a disciplina de Ensino Religioso em sala de aula pode e deve se apropriar dessa diversidade de caminhos para, com isso, intentar atingir o proposto, por exemplo, no livro elaborado pela Secretaria da Educação do Paraná, intitulado Ensino religioso: diversidade cultural e religiosa: No contexto da educação laica e republicana, as interpretações e experiên- cias do sagrado devem ser compreendidas racionalmente como resultado de representações construídas historicamente no âmbito das diversas culturas, tradições religiosas e filosóficas. Não se trata, portanto, de viver a experiên- cia religiosa ou a experiência do sagrado, tampouco de aceitar tradições, ethos, conceitos, sem maiores considerações, trata-se, antes, de estudá-las para compreendê-las e de problematizá-las, ou seja, tratar o Ensino Religio- so como uma disciplina escolar, diferente das aulas de religião, pois nosso enfoque é conhecimento sobre a diversidade do Sagrado e não a crença (PARANÁ, 2013, p. 12). Com foco no sagrado e não na crença, a Metodologia do Ensino Religioso é herdeira de um expressivo conjunto de conhecimentos sobre as religiões. Sendo construída, sobretudo, a partir do século XIX, quando religião passou a ser concebida como um fenômeno e, portanto, algo passível de ser estudado cientificamente. Vejamos como algumas das escolas que compõem esse conjunto de estudos organizaram suas metodologias de trabalho, de forma que podem ser consideradas, em maior ou menor grau, colaboradoras dos estudos voltados para o universo religioso. Numa perspectiva cronológica, iniciaremos a apresentação a partir do Positivismo, seguido dos estudos marcados pela Fenomenologia, até alcançar a metodologia proposta pelo Materialismo Histórico. 14UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado 2 O POSITIVISMO Fonte: UFRGS (2019). Neste tópico vamos estudar o Positivismo, uma escola de pensamento que propunha encontrar regras que pudessem organizar e conduzir as sociedades rumo ao progresso. Elaborada na França pós-Revolução, o modelo explicativo conhecido como positivismo traz a marca de uma proposta que tinha, na supressão do caos em que se encontrava a sociedade francesa, a aplicabilidade de uma teoria. Como visto anteriormente, a partir do século XIX surgiram disciplinas especializadas em estudar o ser humano, só ou coletivamente, de forma científica. O positivismo foi uma construção do saber científico, que tinha por objeto de estudo exatamente as sociedades humanas, ou seja, foi uma ciência da sociedade. Seu criador foi o francês Isidore Auguste Marie François Xavier Comte, ou simplesmente Auguste Comte (1798-1857). Em meio a uma conturbada vida privada, na qual se separou de sua esposa, foi internado com perturbações mentais que o levaram a uma tentativa de suicídio e viveu um amor platônico pela jovem Clotilde de Vaux, o pensador desenvolveu aquela que seria sua contribuição para os estudos acerca das sociedades. Objetivava criar leis que pudessem organizá-las de forma positiva, ou seja, para que atingissem o progresso tão alardeado pela sociedade ocidental do século XIX (BOURDÉ; MARTIN,1990). Esses estudos se deram entre os anos de 1830 e 1852, quando Comte publicou o Curso de filosofia positiva. O curso foi dividido em seis volumes, com mais de sessenta lições que tratam da formação das ciências e da evolução das sociedades. 15UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado SAIBA MAIS Por seus trabalhos, Comte pode ser considerado como o inventor da “sociologia”, visto que, com sua abordagem e método, [...] pôs em evidência o caráter irredutível da realidade social; procurou de- terminar a posição da Sociologia entre as outras ciências humanas e em relação às ciências sociais da natureza; pôde enriquecer a sociologia com as conquistas da história e da etnografia; finalmente, sentiu a dificuldade metodológica de uma ciência em que o sujeito e o objeto podem confundir- -se, em que um homem se entrega ao estudo dos outros homens (BOUR- DÉ; MARTIN, 1990, p. 52). O método de estudo proposto por Comte partia dos mesmos princípios das pesquisas realizadas pelas ciências da natureza e é marcado por cinco características: Quadro 1 – Características da construção do conhecimento de acordo com o Positivismo Empirismo Para o conhecimento positivo, qualquer forma de conhecimento – como cren- ças e valores, por exemplo – que não derive da experiência não resulta em conhecimento científico. Objetividade O conhecimento positivo estabelece dois elementos essenciais dentro da pes- quisa: o pesquisador e o objeto pesquisado. Cabe ao pesquisador – sujeito co- nhecedor – dotar-se de procedimentos que reduzam ao mínimo sua interven- ção sobre o objeto pesquisado, de forma a respeitar a integralidade do objeto1. Experimentação O conhecimento positivo se alicerça sobre a experimentação. A observação de um fenômeno leva o pesquisador ao levantamento de uma ou mais hipóteses que expliquem sua ocorrência. Ao testar a(s) hipótese(s), ou seja, ao experi- mentá-la(s) é que sua precisão pode ser estabelecida. Validade A ciência positiva é herdeira das ciências da matemática, portanto, quantitati- va. Ao controlar os experimentos, o saber positivista acredita afastar as pertur- bações que possam incidir sobre o mesmo e, com isso, validar e generalizar os resultados obtidos. Leis e previsão Para o conhecimento positivo é possível estabelecer, assim como no domínio físico, as leis que regem os seres humanos. O cientista, no domínio dessas leis, poderá prever os comportamentos sociais e geri-los de acordo com a ciên- cia, no caso, a ciência social. 1Fonte: adaptado de Laville e Dionne (1990, p. 28). 1 Uma das maiores críticas recebidas pelo conhecimento positivo é exatamente sua ênfase na objetividade. Pois, não raro, pesquisadores em religiões e religiosidades buscaram essa temática por fazer parte do universo que pesquisam. Michel de Certeau, por exemplo, foi um padre jesuíta que dedicou grande parte de sua produção historiográfica ao estudo das práticas religiosas. 16UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado Pelas características do modelo proposto para o estudo das sociedades ocidentais emergentes no século XIX, Comte criou o método experimental e, assim como seus seguidores, acreditava que esse método poderia ser aplicado a todos os objetos de conhecimento, tanto naturais quanto humanos. Mas, a realidade se mostrou diferente, sobretudo no que diz respeitos aos fenômenosligados aos seres humanos (LAVILLE; DIONNE, 1990, p. 31). Émile Durkheim (1858-1917) é considerado um dos pais do positivismo nas ciências humanas. Esse pesquisador francês realizou seus trabalhos considerando que os fatos humanos, longe de serem previsíveis, como os fatos naturais, encerram na realidade uma complexidade bastante distinta, sendo, portanto, necessário serem analisados de forma diferente. Para tanto, Durkheim (2004, p. 47) fundiu o conceito de “Fato social” que consiste em: “[...] toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma ação exterior: ou então, que é geral no âmbito de uma sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existência própria, independente das suas manifestações individuais”. Devido a complexidades dessa natureza é que o positivismo, nas ciências sociais e humanas, resultou numa abordagem diferente do positivismo aplicado às ciências da natureza. Pois “o verdadeiro, em ciências humanas, apenas pode ser um verdadeiro relativo e provisório” (LAVILLE; DIONNE, 1990, p. 35). Como visto no início desta unidade, Comte produziu sua teoria numa França conturbada politicamente. Para o pensador, as condições em que a França se encontrava na primeira metade do século XIX eram equivalentes a uma situação de anarquia. Para superar essa condição, Comte acreditava ser necessário a adoção de um novo sistema orgânico, científico, mas que, curiosamente, foi batizado por ele de Religião da Humanidade (HERMANN, 1997). Segundo Bourdé e Martin (1990, p. 54), o pensamento de “A. Comte, marcado inicialmente por um certo racionalismo, acaba numa religiosidade exaltada”. Mas, mesmo diante desse fato, o positivismo se manteve como modelo de análise do social, mas com alterações, cujos maiores exemplos são, o já citado, Émile Durkheim e, o economista alemão, Max Weber. Dadas as especificidades dessa apostila, estudaremos apenas a contribuição 17UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado desses dois pensadores no que afeta a metodologia do Ensino Religioso. 2.1 O Positivismo e a Metodologia do Ensino Religioso A produção intelectual de Émile Durkheim e de Max Weber contribuiu para os estudos sobre o fenômeno religioso na medida em que suas abordagens elaboraram teorias e métodos que levaram em conta a complexidade dos fatos humanos. Sendo dois autores cujas obras remetem à estruturação da disciplina de sociologia, Hermann (1997, p. 331) considera que: [...] o estudo do papel social das religiões, ou de suas crenças e práticas, beneficiou-se ainda da constituição de novo campo de conhecimento que se estruturava como disciplina autônoma a partir do final do século XIX: a socio- logia. Na medida em que as categorias de estudo, seus diversos elementos constitutivos – e entre eles a religião – passaram a merecer também maior atenção e estudos mais objetivos e sistemáticos. As contribuições de Durkheim para os estudos sobre a religião podem ser sistematizadas considerando o já citado conceito de fato social. Para o intelectual, os estudos acerca da religião partiam de sociedades ideais, modelos imutáveis organizados por leis também imutáveis e, portanto, imunes a transformações no tempo e na história. Seu método visava apreender essas leis e a relação entre os grupos que a compunham. Para isso, partia de casos mais simples para casos mais complexos, considerando como ápice de sociedade, exatamente a sociedade europeia de seu tempo. Assim, buscava compreender os elementos constitutivos das religiões que pesquisou, como a vida religiosa dos aborígenes australianos, através da observação e descrição das vivências desses povos. Nesse sentido, podemos considerar que Durkheim foi quem elaborou o primeiro esboço teórico-metodológico para a análise dos sistemas religiosos (HERMANN, 1997). Mas, seu modelo explicativo, considerado por muitos como a “sociologia religiosa”, embora inovador, sofreria algumas críticas. Sem desmerecer a relevância da contribuição durkheimiana, seu modelo explicativo foi questionado por ser fortemente influenciado pelo evolucionismo, pois, para o sociólogo, a vida religiosa dos aborígenes australianos seria a forma exemplar da mais elementar das crenças religiosas, sendo a base numa pirâmide que tinha a sociedade europeia como topo (HERMANN, 1997). Sua proposição teórico-metodológica, entretanto, ainda seria o alicerce sobre o qual outro estudioso do mundo religioso estabeleceria sua própria teoria. Max Weber, por exemplo, não só assumiu em seus estudos a ideia de sociedade ideal, criada por Durkheim, 18UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado como aliou ao modelo de análise das comunidades religiosas o conceito de “tipos ideais”. Com base nessa premissa, para se conhecer um fenômeno social seria necessário utilizar como método a comparação e, a partir dessa comparação, estabelecer as leis e normas sob as quais o fenômeno ocorre ou ocorreu e, com isso, definir os tipos ideias. Por exemplo, em sua obra mais conhecida, intitulada A ética protestante e o “espírito” do capitalismo, publicada em 1905, o autor ao buscar compreender a origem do sistema capitalista e, segundo o tradutor de sua obra no Brasil, Maurício Tragtenberg (1997, p. 11): Para conhecer corretamente a causa ou causas do surgimento do capitalis- mo, era necessário fazer um estudo comparativo entre as várias sociedades do mundo ocidental (único lugar em que o capitalismo, como um tipo ideal, tinha surgido) e as outras civilizações, principalmente as do Oriente, onde nada de semelhante ao capitalismo ocidental tinha aparecido. Após esses estudos, Weber, citado por Tragtenberg (1997, p. 11), postula a tese de que há uma íntima ligação entre capitalismo e protestantismo e conclui que: Qualquer observação da estatística ocupacional de um país de composição religiosa mista traz à luz, com notável frequência, um fenômeno que já tem provocado repetidas discussões na imprensa e literatura católicas e em con- gressos católicos na Alemanha: o fato de os líderes do mundo dos negócios e proprietários do capital, assim como os níveis mais altos de mão-de-obra qualificada, principalmente o pessoal técnico e comercialmente especializado das modernas empresas, serem preponderantemente protestantes. Embora o estudo presente na obra de Max Weber seja essencial para conhecer não só a hipótese levantada pelo sociólogo, como seu método, para os fins desta apostila vamos nos ater ao fato de que, com a sociologia, a metodologia aplicada sobre análises dos fenômenos religiosos teve um reforço inestimável. De forma que podemos notar que a metodologia do ensino religioso se fortaleceu à proposta de Durkheim e de Weber, sobretudo com o método comparativo proposto pelo último. 19UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado 3 A FENOMENOLOGIA A Fenomenologia será estudada nesse subtópico, considerando suas contribuições para duas áreas do saber, que são a filosofia e a religião. Dentro dos estudos filosóficos temos o criador da ideia de fenomenologia, o filósofo Edmund Husserl, e em relação à religião nosso foco será sobre a proposição de Mircea Eliade, pensador romeno conhecido por seus estudos acerca do sagrado e da religião como um fenômeno. Iniciemos por Husserl. A fenomenologia surgiu no século XIX com os estudos do filósofo Edmund Husserl (1859-1939). Nascido em Prossnitz, Morávia, então pertencente ao império Austro-Húngaro, Husserl formou-se primeiro em matemática e posteriormente em filosofia, área na qual se destacou exatamente por seus estudos acerca dos fenômenos (HUSSERL, 2005, p. 5). De acordo com esse pensador, fenomenologia é a descrição dos fenômenos manifestados na experiência cotidiana aos sentidos humanos e à consciência humana imediata. Objetivamente, fenomenologia é a descrição imediata, anterior a qualquer descrição teórica dosfatos e das ocorrências psíquicas. Antes de entrarmos em definitivo na proposição de Husserl acerca dos estudos dos fenômenos, é interessante compreender como o filósofo compreende o mundo. Para Husserl, os seres humanos acreditavam espontaneamente que as coisas exteriores existem tais como podem ser visualizadas e que, para superar essa forma de visão, denominada por ele de “atitude natural”, seria necessário colocar tal atitude entre parênteses, ou seja, algo como isolar o objeto/fenômeno para poder estudá-lo. Nesse Fonte: Alexandru Darida (2019). 20UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado sentido, colocar entre parênteses um fenômeno resulta, de fato, em tornar as coisas objeto de uma investigação intencional ou consciente (HUSSERL, 2005). Nesse sentido, o conceito de fenomenologia, como uma área do saber, refere-se ao estudo dos fenômenos. A palavra fenômeno, por sua vez, vem do grego phainémenon e significa “coisa que aparece”. Assim, fenômeno é algo que está dentro, mas também fora da consciência. O que posso apreender pelos sentidos, o que não posso, sendo esse último, a coisa em si ou sua essência. É comum denominarmos como um fenômeno algo extraordinário, como um tufão ou a rápida ascensão de um artista no mundo da música. Esses dois exemplos representam fenômenos que são facilmente captados por um ou mais de nossos cinco sentidos. Mas existem categorias menos extraordinárias de fenômenos que são cotidianas e nos passam despercebidas, como sentir o sabor dos alimentos, ouvir o barulho dos carros, olhar para uma horta de legumes. Em princípio, portanto, os fenômenos podem se caracterizar por ser algo da ordem da aparição. Contudo, nem todos os fenômenos são dados ao conhecimento através dos sentidos. Nesse sentido, para Husserl, um fenômeno não captável por meio dos sentidos é algo que precisa ser revelado. Para promover essa revelação, Husserl propôs um método que ficou conhecido como “método da redução”, que consistia em uma: [...] operação pela qual a existência efetiva do mundo exterior é “posta entre parênteses”, para que a investigação se ocupe apenas com as operações realizadas pela consciência sem que se pergunte se as coisas visadas por ela existem ou não realmente (HUSSERL, 2005, p. 10). Esse revelar-se, no entanto, se dá de forma intencional. Por exemplo, cada vez que compramos um celular novo precisamos aprender e apreender as funções disponíveis no aparelho. Algumas são conhecidas, outras são parte das intensas inovações tecnológicas que acompanham esse tipo de objeto. Se tomarmos por referência a tese de Husserl sobre a redução, a revelação e a consciência/intencionalidade, esse processo de aprender e apreender as novas funções presentes no celular é um fenômeno. Nesse sentido, a consciência seria algo plástico, maleável, passível de sofrer alterações, pois se adapta às etapas necessárias da revelação que permitem conhecer aquilo que, em princípio, necessitava ser revelado ou desvelado para ser compreendido, o que a torna algo que está vinculado ao seu tempo histórico. Com esta compreensão acerca do vem a ser um fenômeno, Husserl contribuiu para o estabelecimento de um método que fortaleceu não somente a filosofia, mas, também, 21UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado outras áreas do conhecimento, como os estudos sobre as religiões e religiosidades. Um dos nomes mais expressivos de pesquisadores do mundo religioso é o, já citado, intelectual Mircea Eliade, nascido na Romênia, em 1907, e morto em Chicago, em 1986. Definir o campo de trabalho de Mircea Eliade é, no entanto, algo no mínimo impreciso. Historiador das religiões, antropólogo e cientista são algumas das definições que o saber produzido por esse estudioso das religiões e religiosidades costuma ser apresentado. É fato, porém, que Eliade é um nome necessário quanto se toca no tema fenomenologia, sobretudo no que diz respeito às religiões. Segundo Jaqueline Hermann (1997), Eliade é o mais consistente representante do enfoque que passou a ter como objeto específico de estudo a origem das religiões de uma lado e a essência da vida do homem religioso do outro. Nesse sentido, a análise proposta por Eliade fugia aos propósitos da sociologia religiosa, que se preocupava com o fenômeno religioso na medida em que ele pudesse desvelar leis gerais para o funcionamento das sociedades (HERMANN, 1997). Em sua proposta de estudo sobre a origem da religião e a essência da vida do homem religioso, Eliade escreveu o livro O sagrado e o profano, a essência das religiões, no qual a ideia de fenômeno se destaca como elemento essencial para a compreensão da essência da religião – no singular. Com uma descrição densa das diversas modalidades de religião, o trabalho de Eliade pode ser compreendido, ainda, como uma introdução à história das religiões, por sua dedicação fundamental às suas estruturas originais, ou seja, aos seus fundamentos (HERMANN, 1997). Partindo da premissa de que o sagrado se constitui em oposição ao pro- fano, Eliade localiza, nas chamadas sociedades tradicionais (e não só as “primitivas”), o “homo religiosus” em estado bruto, aquele que contém todos os atributos essenciais e necessários para o entendimento do sentido e da importância da esfera do sagrado na vida social (HERMANN, 1997, p. 336). Ao buscar, de forma sistemática, a essência do sagrado, Eliade foi, aos poucos, construindo a morfologia, ou seja, as conformações do sagrado, e inventariando suas semelhanças entre as religiões por ele estudadas. Por essa busca sistemática pela essências dos fenômenos religiosos, sua abordagem é considerada como uma abordagem fenomenológica. As contribuições de Eliade para os estudos acerca do sagrado auxiliaram na formulação de um roteiro importante para a abordagem histórica das religiões e da vivência religiosa quando introduziu a questão dos mitos, da estrutura dos símbolos e da cosmogonia 22UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado como espaços que permitem uma percepção da religião nas diversas culturas. 3.1 Metodologia do Ensino Religioso e Fenomenologia Como visto, o estudo sobre o universo religioso foi alavancado a partir do momento em que Edmund Husserl passou a considerar todo e qualquer fenômeno como algo passível de análise sistemática. Aceita essa premissa, os estudos de Mircea Eliade estimularam ainda mais as pesquisas sobre o sagrado, o que resultou no fato de que seus trabalhos se tornaram essenciais para todos e todas os que desejam adentrar no mundo das religiões. Vejamos agora como outra corrente de pensamento altamente influenciadora das ciências sociais atuou sobre a dimensão religiosa presente nas sociedades humanas, o materialismo histórico. 23UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado 4 MATERIALISMO HISTÓRICO Fonte: Mário Dionisio (1946). “Salesman”. SAIBA MAIS Mário Dionísio (1916-1993) é autor da obra que ilustra essa unidade, intitulada Sales- man, produzida no ano de 1946. Artista português, Mário Dionísio teve uma atividade bastante diversificada, tendo trabalhos publicados tanto na área da literatura quanto das artes plásticas. Membro atuante do movimento literário, conhecido como Neo-realismo português “que nos anos de 1940 e 1950, à luz do materialismo histórico, valorizou a dimensão ideológica e social do contexto literário, enquanto instrumento de intervenção e de conscientização” tem na obra Salesman um dos trabalhos realizados a partir da perspectiva materialista histórica. Fonte: Pedro Ribeiro Simões (2016). Neste tópico vamos abordar o modelo Materialista Histórico, criado por Karl Marx (1818-1883) com contribuições de Friedrich Engels (1820-1895), que consiste em um método de estudo das sociedades humanas, considerando o caráter histórico e as relações de produção existentesnelas. O materialismo histórico foi uma corrente de pensamento que influenciou diversas áreas de saber durante quase todo o século XX. No decorrer dos anos 1980, no entanto, essa forma de analisar a sociedade sofreu um sensível declínio, sobretudo, com o advento dos estudos marcados pela abordagem culturalista. 24UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado Karl Marx, o primeiro nome dessa teoria, nasceu em Trèves, na Alemanha, em 1818, e morreu em Londres, em 1883. Formado em filosofia, em seus estudos sobre economistas ingleses, Marx elaborou sua teoria sobre a alienação do trabalhador (BOURDÉ; MARTIN, 1990). De acordo com essa teoria, o trabalhador especializado encontra-se diante de um objeto estranho, pois desconhece as demais etapas de produção desse objeto. Acolhido pelo também alemão Friedrich Engels em 1851, Marx e sua família instalam-se em definitivo na cidade de Londres. Engels era industrial e tornou-se, junto com Karl Marx, o teórico do materialismo histórico. Sua obra mais conhecida é A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, publicada em 1845 (BOURDÉ; MARTIN, 1990). Nessa obra, Engels descreve as péssimas condições vividas pelos trabalhadores ingleses nas cidades de Manchester e Salford. Após diversos estudos em conjunto, os amigos elaboraram aquela que viria a ser a base do pensamento histórico-materialista. O fato de que seriam as condições materiais as determinantes do desenvolvimento das sociedades ao longo da história. Assim, em 1859, Marx publica Contribuição crítica da economia política, obra que traz no prefácio as ideias-forças do materialismo histórico, que são os conceitos de “relações de produção” e de “forças produtivas” (BOURDÉ; MARTIN, 1990, p. 154). De acordo com a teoria materialista, relações de produção referem-se “às relações sociais que os homens estabelecem entre si a fim de produzirem e de dividirem entre si os bens e os serviços” (BOURDÉ, MARTIN, 1990, p. 154), enquanto que o conceito de forças produtivas congrega duas formas de produção: a material e a humana. No universo das forças produtivas materiais, o materialismo histórico distingue quatro tipos de forças. A primeira das forças trata-se das fontes de energia, como a madeira, o carvão e o petróleo, por exemplo. As matérias primas, como o algodão, a borracha e o minério de ferro etc., constituem o segundo grupo das forças produtivas; enquanto que as máquinas – moinho de vento, máquina a vapor, cadeia de montagem etc. – representam o terceiro grupo das forças produtivas materiais. O quarto grupo é formado pelas forças humanas, foi estabelecido a partir do momento em que, em seus estudos sobre as condições dos trabalhadores nas indústrias e fábricas, Marx e Engels perceberam que existe um saber sobre o trabalho marcado pelo domínio da técnica (BOURDÉ, MARTIN, 1990). Com essa proposição marcada pela ideia de que entre os trabalhadores e os donos dos modos de produção ou empresários – donos dos meios de produção – sempre há um conflito, Marx e Engels, após analisarem a sociedade, desde a formação dos primeiros grupos humanos, consideram que somente por meio de uma relação conflituosa entre trabalhadores e empresários foi possível às sociedades, sobretudo as industriais, chegaram 25UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado aos patamares existentes no século XIX. Nesse sentido, o enfoque materialista encerra em seus aportes teóricos a ideia de que as sociedades evoluem por etapas e colocam a dimensão histórica como um dos elementos para compreender as sociedades e as relações de trabalho existentes. A dimensão temporal, portanto, é uma das maiores contribuições do materialismo histórico para os estudos em ciências humanas e sociais. 4.1 Metodologia do Ensino Religioso e Materialismo Histórico Segundo Jaqueline Hermann (1997), Marx e Engels pouco contribuíram para a valorização da história das religiões como objeto de investigação. Em seus estudos, o universo religioso está submetido às relações de produção e, portanto, sujeito “às possibilidades históricas de manipulação das crenças para a dominação social e o exercício do poder” (HERMANN, 1997, p. 334). Podemos considerar, no entanto, que, embora essa teoria não tenha contribuído de forma específica para a metodologia do ensino religioso, ela o fez tangencialmente ao demonstrar a relevância dos processos históricos para a compreensão das sociedades, pois evidenciou a importância não só das relações de produção como também das relações culturais. SAIBA MAIS Atualizações acerca dos estudos realizados sobre o sagrado, as religiões, as religiosi- dades e as práticas religiosas podem ser encontradas tanto em estudos antropológicos quanto históricos, sociológicos ou entre cientistas da religião. Citaremos apenas dois autores, a título de exemplo. Atualmente, os estudos sobre as religiões e a religiosidades – no plural – têm sido rea- lizados considerando a relevância das culturas para sua compreensão. Sem perder de vista o fato de que as religiões e suas manifestações podem ser consideradas como fenômenos passíveis de serem estudados de forma sistemática e por meio de metodo- logias diversas. Autores como Roger Chartier (1945-) e Michel de Certeau (1925-1986) trouxeram inestimáveis contribuições para essa área do saber, notadamente no campo da história das religiões. Chartier (2002), ao cunhar o conceito de representações, demonstrou que a apreensão do mundo social estaria submetida à “figura” criada pelos grupos que as desenvolveram e às quais atribuem sentido. Ou seja, o conceito de representação está intimamente 26UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado ligado à especificidade dos grupos que as elaboraram. Por exemplo, para os católicos o sagrado, se manifesta tanto em objetos quanto em locais criados pelos homens e nos vestígios de sua história. Já para os povos indígenas do Alto Rio Negro, na Amazônia, não somente objetos distintos são considerados sagra- dos, mas também lugares, como a Cachoeira Iauaretê, um fenômeno natural. Já Michel de Certeau, ao se debruçar sobre a crença na obra A debilidade de crer (2006), demonstrou a relevância dos rituais e das orações como elementos essenciais para compreender a morfologia das crenças. Para ele, as orações criam espaços sa- grados, uma vez que, por seu intermédio, se define toda uma linguagem intencional que leva à comunicação entre os pares, ou seja, entre pessoas que comungam do mesmo léxico cultural. Por exemplo, quando uma pessoa se coloca diante de um túmulo de um ente querido e ali faz suas orações, o túmulo torna-se um espaço topofílico, ou seja, um espaço no qual o afeto entre duas pessoas, ainda que uma já esteja morta, se manifesta. Com Certeau (2006) temos, portanto, que a oração é algo topofílico, ou seja, um “local” em que os afetos se manifestam e se encontram. REFLITA Ensino Religioso = Proselitismo? “Um Ensino Religioso de caráter doutrinário, como ocorreu no Brasil Colônia e no Brasil Império, estimula concepções de mundo excludentes e atitudes de desrespeito às dife- renças culturais e religiosas” (PARANÁ, 2019). 27UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado CONSIDERAÇÕES FINAIS Caro(a) aluno(a), concluímos aqui alguns estudos sobre a Metodologia do Ensino Religioso. Esperamos que tenha aproveitado a leitura e aprecie as sugestões de filmes. Como dito no início desta apostila, por vezes nos perguntamos como uma obra foi realizada. Esperamos que ao final de nossos estudos você já tenha a resposta dessa questão. Pois vimos, ainda que forma bastante sucinta, que todo o conhecimento parte de um método de trabalho ou de uma metodologia. No corpo desta unidade buscamos abordar as diversas formas como a metodologia proposta pelas ciências naturais e humanas contribuíram para os estudosacerca das religiões e das religiosidades, sobretudo a partir de meados do século XIX. Como pudemos constatar, as contribuições nesse sentido foram muitas e bastante relevantes, demonstrando que, de fato, os fenômenos religiosos são parte fundamental para compreender as sociedades e o sagrado presente em cada uma delas. Desde as contribuições de Comte, com a elaboração do método experimental, que influenciaram os sociólogos Durkheim e Weber, passando por abordagens menos expressivas sobre o sagrado, oriundas dos trabalhos de Marx e Engels, até alcançarmos abordagens como a de Eliade, nas quais o fenômeno religioso é compreendido como algo mais do uma alienação ou estado fora da consciência. Vimos surgir perante nossos olhos uma série de propostas metodológicas que buscam validar os estudos desse objeto ao mesmo tempo tão presente e tão difícil de ser definido nas sociedades. Com isso concluímos nossa proposta inicial, que foi a de demonstrar que foram múltiplas as metodologias propostas para o estudo dos fenômenos religiosos e que cada uma delas contribuiu decisivamente para os estudos sobre os fenômenos religiosos na atualidade. Esperamos que, com essas palavras iniciais, o tema suscite seu interesse e que busque outras obras e autores – alguns sugeridos a seguir – que permitam o aprofundamento dos conhecimentos sobre essa que é uma dimensão singular no seio das sociedades humanas, ou seja, a religião e suas práticas. Bons Estudos! 28UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado LEITURA COMPLEMENTAR ● LÖWY, M. Marx e Engels como sociólogos da religião. Lua Nova, São Paulo, n. 43, 1998. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi- d=S0102-64451998000100009. Acesso em: 30 ago. 2019. ● MARTINS, G. P.. Auguste Comte e a religião da humanidade. Revista Brasileira de História das Religiões, Maringá, v. III, n. 9, jan/2011. Disponível em: http://www.dhi. uem.br/gtreligiao/pdf8/ST9/003%20-%20Gabriela%20Pereira%20Martins.pdf. Aces- so em: 30 ago. 2019. ● ZILLES, U. Fenomenologia e teoria do conhecimento em Husserl. Revista da Abor- dagem Gestáltica, v. XIII, n. 02, p. 216-221, jul-dez, 2007. Disponível em: http:// pepsic.bvsalud.org/pdf/rag/v13n2/v13n2a05.pdf. Acesso em: 29 ago. 2019. 29UNIDADE I Metodologia Científica – Os Diversos Caminhos para o Aprendizado MATERIAL COMPLEMENTAR LIVRO Título: Ensino religioso: diversidade cultural e religiosa Autor: Secretaria de Estado de Educação. Superintendência de Educação. Editora: Secretaria de Estado de Educação - Paraná. Sinopse: Livro que dispõe sobre a forma de trabalho com a metodologia do ensino religioso, considerando os atuais aportes teóricos e metodológicos propostos pelas legislações que regem a disciplina e os autores que se debruçam sobre o estudo das religiões. FILME/VÍDEO Título: O Corpo Ano: 2000 Sinopse: Debates sobre fé e método científico se digladiam nesse longa do ano 2000, quando uma arqueologista (Olivia Williams), ao realizar um trabalho de campo em Jerusalém, encontra um corpo crucificado, cujo exames apontam que ele é do primeiro século antes de Cristo. Ao saber do corpo, o Vaticano envia um padre (Antonio Banderas), que tem por missão investigar se o corpo encontrado seria de Jesus Cristo, que viveu exatamente nesta época. A ameaça de que as suspeitas estejam corretas desestabiliza a Igreja Católica, que pode ter sua credibilidade de séculos arruinada, já que, como Cristo ressuscitou, não pode haver um corpo seu na Terra. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=bCsqGS60Wow https://www.youtube.com/watch?v=bCsqGS60Wow 30 Plano de Estudo: • Conceitos e Definições de Princípios Religiosos e Religião. • A religião ao longo da História. Objetivos de Aprendizagem: • Conceituar e contextualizar religião. • Compreender o conceito de sagrado. • Conhecer os desdobramentos das religiões ao longo da história. UNIDADE II A Religião e a Humanidade Professora Me. Marcia Regina de Oliveira Lupion 31UNIDADE II A Religião e a Humanidade INTRODUÇÃO Caríssimo(a), nesta unidade vamos analisar o conceito de princípios religiosos, na acepção mais ampla de sua definição, e estudar a religião ao longo da história, considerando as formas como o sagrado se manifesta ou é manifesto pelos homens desde o período paleolítico até os dias atuais. É salutar esclarecer que as poucas páginas presentes nesse material didático são palavras introdutórias e sempre incompletas acerca da temática. Afinal, antropólogos, historiadores, biólogos, religiosos, cientistas sociais e uma infinidade de outros estudiosos se debruçaram e se debruçam constantemente sobre o estudo das religiões e das religiosidades, cujas explicações se modificam de acordo com cada campo de abordagem, sua metodologia e com cada cultura na qual se expressa. Assim, esse trabalho é apenas um ponto de apoio para você, estudante, do sagrado e tem por objetivo primeiro suscitar o interesse pelo tema mais do que apresentar conclusões únicas e acabadas. Iniciemos nossa jornada histórica pelo mundo das religiões! 32UNIDADE II A Religião e a Humanidade 1 PRINCÍPIOS RELIGIOSOS Fonte: Savage (2007). 1.1 Princípios religiosos – o conceito Antes de iniciarmos o estudo sobre o conceito de princípios religiosos, vamos nos deter perante o complexo conceito de religião. 1.1.1 Religio, Relegere, Religare O termo religião, com o sentido de “religar”, no caso religar o homem a Deus, data dos primeiros séculos do cristianismo. Entretanto, antes que esse conceito se tornasse 33UNIDADE II A Religião e a Humanidade preponderante, o termo religião estava ligado à ideia de zelo para com os deuses nas ações cotidianas dos romanos e era designado pela palavra religio (AZEVEDO, 2010, p. 90). O praticante da religio era denominado de religiosus, assim, o termo religio estava ligado não só ao culto, mas também à prática em relação a esse culto. Ao realizar escrupulosamente os rituais, o religiosus entrava em contato direto com a divindade. Esse contato via rituais foi conceituado como relegere, ou seja, uma relação respeitosa para com os deuses, que se manifestam na disciplina zelosa para com os ritos e os cultos. Por associação, relegere diz respeito a “recolher-se, a fazer nova escolha, a retomar uma síntese para recompô-la” (AZEVEDO, 2010, p. 91). Com o advento do cristianismo e suas pretensões universalizantes, uma das primeiras medidas adotadas para alcançar esse objetivo foi traçar fronteiras entre o mundo pagão politeísta e o mundo monoteísta cristão. Uma dessas fronteiras foi exatamente a mudança no conceito de religio, que passou a designar não mais o zelo em relação aos cultos e deuses em geral, e sim, a “religião verdadeira”, ou seja, o cristianismo. As experiências das outras culturas, que poderiam estar relacionadas com a esfera sagrada, foram consideradas “primitivas”, necessitando de uma in- terpretação, de uma explicação; tratava-se de um estágio primitivo do pen- samento que, necessariamente, em uma linha determinada pelo progresso, teria que alcançar o máximo de sua evolução no monoteísmo do verdadeiro Deus (AZEVEDO, 2010, p. 93). Com as mudanças propostas pelo cristianismo, o termo religio passa a ser relacionado com religare. Desse termo surge a ideia de que a religião consiste no laço de piedade através do qual os homens e as mulheres estão ligados a Deus. Sendo que cabe aos primeiros servir e obedecer ao Deus único e verdadeiro. Nesse sentido, não mais a observância meticulosa dos rituais aproxima os homens e mulheres de Deus, e sim, a relação de dependência, passividade e submissão que estes passam a sentir em relação a Deus e seu infinito amor. Considerando esse último sentido, portanto, o conceito de religião, cunhado a partir do termo religare, está em acordo com as acepções mais aceitas na atualidade. Contudo, a prática zelosa dos ritos, rituais e cultos, ou seja, a relegere, é umarealidade existente em todas as religiões, que não pode ser simplesmente excluída. Assim, Azevedo (2010, p. 95) sugere que quando [...] ouvirmos o termo religio, devemos ter em mente mais do que uma re- conciliação entre duas origens etimológicas possíveis; trata-se de uma com- plementaridade: a observância escrupulosa do culto, a prática religiosa, e os laços de piedade e amor que unem os homens ao deus único. 34UNIDADE II A Religião e a Humanidade Assim, em termos de etimologia, o termo religião congrega em si a complementaridade citada por Azevedo. Em seguida, vejamos como as ciências humanas definem religião. 1.2 O Conceito de Religião para a Ciência De acordo com Schwikart (2001), o conceito de religião está ligado a questões fundamentais para o homem, como “quem sou?”, “de onde vim?”, “para onde vou?”. E, estando presente em todas as culturas e tempos, sob as mais diferentes formas, torna-se bastante difícil definir o que de fato vem a ser religião. Durkheim (2008, p. 39) considera que “a religião é coisa eminentemente social” e, portanto, “exprimem realidades coletivas”. Eliade compartilha do conceito estabelecido por Durkheim e considera que “sendo a religião uma coisa eminentemente humana, é também, de fato uma coisa social” (ELIADE, 2010b, p. 3). Kuchenbecker (2004, p. 23), cientista social e teólogo, compreende a religião como “parte do sistema de vida de um povo”, que envolve crenças e condutas. Nesse sentido, a religião é explicada como um fenômeno cultural que não pode ser compreendido somente pela razão, mas também pela fé (KUCHENBECKER, 2004). Ligada a questões existencialistas, vista como uma coisa social e humana ou como um fenômeno cultural e de fé, a religião, portanto, não pode ser definida de forma objetiva, mas sim, compreendida a partir da complexidade que a envolve e na qual interagem entre si princípios, emoções, práticas, tempos, lugares e culturas. Diante dessa afirmação de complexidade, podemos compreender porque se utiliza o termo religiões no plural e não religião no singular quando estamos estudando esse tema de forma genérica. Por isso, a metodologia do estudo com o ensino religioso parte do princípio de que existe uma pluralidade de religiões, cada uma com estrutura própria, que garante o seu funcionamento e permanência, formada por elementos materiais e imateriais. 1.2.1 O Sagrado como elemento condutor Outro ponto interessante a ser abordado quando pensamos as religiões ao longo do tempo, refere-se ao conceito de sagrado. Para Eliade (1992, p. 12), o sagrado deve ser compreendido na complexidade da relação entre sagrado e profano, não somente como algo irracional. Assim, quando o sagrado se manifesta, acontecem as hierofanias, e em sua ausência quem surge é o profano. 35UNIDADE II A Religião e a Humanidade Manifestando o sagrado, um objeto qualquer torna-se outra coisa e, contudo, continua a ser ele mesmo, porque continua a participar do meio cósmico envolvente. Uma pedra sagrada nem por isso é menos uma pedra; aparente- mente (para sermos mais exatos, de um ponto de vista profano) nada a dis- tingue de todas as demais pedras. Para aqueles a cujos olhos uma pedra se revela sagrada, sua realidade imediata transmuda se numa realidade sobre- natural. Em outras palavras, para aqueles que têm uma experiência religiosa, toda a Natureza é suscetível de revelar-se como sacralidade cósmica. O Cos- mos, na sua totalidade, pode tornar-se uma hierofania (ELIADE, 1992, p. 13). Importante salientar que o espaço do profano não carrega consigo conotações negativas universais, apenas apresenta-se como algo oposto ao sagrado, ou no qual há a ausência deste. Na sociedade hodierna, ou seja, na atualidade, o conceito de sagrado tornou-se ainda mais amplo. Quando, por exemplo, estádios de futebol, espaços historicamente profanos, passam a significar locais sagrados, a partir do momento em que recebem eventos que são da ordem das religiões. Nesse sentido, o sagrado, tanto quanto as religiões, é elemento plástico que se modela de acordo com a cultura envolvente. 1.3 Princípios Religiosos Princípios religiosos podem ser compreendidos como orientações para a conduta do seguidor de determinada religião, e tem por base a reordenação dos cosmos ou, no caso, do mundo, e a manutenção mesma da religião. Em geral, as religiões, cada uma a seu modo, buscam despertar e manter valores como a compaixão, a fraternidade, a sinceridade, a honestidade, a humildade, a mansidão e, principalmente, o amor. Entretanto nosso cotidiano é repleto de atitudes de ausência de respeito entre integrantes de religiões diversas. Em muitos casos, existe um oceano de preconceitos que impede a convivência pacífica entre praticantes de religiões diferentes e, na atualidade, essa intolerância tem se acirrado. Ainda que propagandas e ações assertivas tenham sido criadas, tanto pelas próprias igrejas, por meio de encontros ecumênicos, quanto por organizações, como a ONU e a UNESCO, envolvendo tanto formação de pessoal quanto elaboração de materiais didáticos escritos, imagéticos e audiovisuais, que visem a promoção da paz entre pessoas de religiões diferentes, o respeito ao sagrado alheio ainda não se efetivou de forma plena. Como forma de contribuição para a promoção da convivência pacífica, a disciplina de Ensino Religioso caminha na direção proposta pelas igrejas que apostam no ecumenismo e pela ONU/UNESCO. Por isso o proselitismo não é pauta nessa disciplina, que visa à harmonia entre os praticantes das diversas religiões existentes. 36UNIDADE II A Religião e a Humanidade Estudar como uma religião organiza sua realidade e religiosidade é essencial nesse processo de promoção e manutenção da harmonia entre as religiões e seus praticantes. Como dito anteriormente, para despertar e manter uma religião, foi-se construindo, ao longo do tempo, uma série de normas e leis, juntamente com dogmas, rituais e consagração de espaços físicos e humanos, como forma de representar e manter a relação estabelecida entre os homens e sua fé. Por serem plurais, as religiões também o são em suas manifestações e em sua estrutura de funcionamento. Nesse sentido, é bastante útil o conceito criado por Pierre Bourdieu (2007), denominado “campo religioso” para estudar as religiões e suas estruturas. Tendo em vista que a maior parte das religiões objetiva retomar a ordem das origens do mundo, os processos de reordenação resultantes do encontro entre o universo social e o universo cosmológico dos diferentes grupos sociais constituem o que Bourdieu (2007), chamou de fenômeno religioso. Para que este fenômeno se estabeleça, é necessário que ele corresponda à demanda e ao consumo dos bens simbólicos, ou como concluiu o autor: [...] a religião contribui para a imposição (dissimulada) dos princípios de estrutu- ração da percepção e do pensamento do mundo e, em particular, do mundo so- cial, na medida em que impõe um sistema de práticas e de representações cuja estrutura objetivamente fundada em um princípio de divisão política apresenta- -se como a estrutura natural-sobrenatural do cosmos (BOURDIEU, 2007, p. 33). A teoria criada por Bourdieu observa a forma de organização usada pela religião para se estabelecer junto a um determinado grupo social. A partir dessa observação, ele elabora sua teoria a partir de questões como: 1. a formação de um corpo de especialistas que monopolizam e manipulam o saber e os bens sagrados; 2. a desqualificação dos saberes e das simbologias sobre as quais as culturas ou grupos sociais invadidos constituem sua religiosidade e, acima de tudo, 3. considerando a questão relativa à práxis, ou prática, como método de manutenção de novos clientes ou fiéis. Em conjunto, os três elementos organizacionais citados formam o que o autor denominou de “campo religioso”. Com relação à formação do grupo de especialistas, podemos tomar, por exemplo, os seminários formadoresde padres, as faculdades que formam teólogos-pastores e os ritos de iniciação que permitem a ascensão na Umbanda: Independentemente deste SIM do mundo espiritual, para a concretização no plano material se o adepto será sacerdote na Umbanda, cada escola do movimento umbandista, possui um caminho de iniciação (conjunto de obri- gações ritos/litúrgicas), que proporcionam o progresso religioso dos seus fi- lhos-de-fé. Esse aprendizado envolve desde os ensinamentos básicos até os necessários para que eles adquiram a autonomia de poder caminharem sozinhos (OMOLU, 2007). null 37UNIDADE II A Religião e a Humanidade Já a desqualificação dos saberes e das simbologias envolve questões mais delicadas, pois, em muitos casos, algumas religiões utilizam discursos negativos envolvendo a religiosidade do outro. Nesse processo, supervalorizam sua organização religiosa, seus dogmas, ritos, enquanto tratam como inimigas outras denominações. Não é novidade que tais atitudes levaram, e levam ainda hoje, a ações de intolerância, tanto a pequenos grupos quanto a sociedades inteiras. O terceiro ponto levantado por Bourdieu (2007), diz respeito à prática. Talvez seja o elemento mais amplo dentro do campo religioso proposto por ele. Pois colocar em prática o que uma religião propõe exige tanto um asseio pessoal quanto um envolvimento coletivo. Pessoalmente, o adepto de uma religião necessita manter-se em acordo com os dogmas e os princípios de sua religiosidade, assim como manifestá-la em sociedade. No caso dos praticantes da Umbanda, a prática dos ritos e a conduta em sociedade são fatores determinantes para o aspirante alcançar níveis mais elevados dentro da hierarquia umbandista. Ou seja, a práxis citada por Bourdieu (2007), remete ao fato de que existe um componente ético que acompanha a formação e manutenção do campo religioso. Gaarder, Hellern e Noraker (2005, p. 34, grifos do autor), concordam com isso: As religiões com frequência não fazem distinção entre o plano ético e o plano religioso. Os costumes da tribo, as regras ou os princípios morais da casta são tão religiosos quanto os sacrifícios e as orações. Entre os dez manda- mentos que Moisés deu aos judeus havia os que tratavam a religião – “Não terás outros deuses diante de mim” – e os relativos à ética – “Não matarás”. Incluem-se nos cinco pilares do muçulmano tanto o orar a Deus como o dar esmolas aos pobres. Não há aqui distinção entre ética e religião. A noção de ser humano como uma criação divina implica que ele é responsável perante Deus por tudo o que faz, ritual, moral, social e politicamente. Outro exemplo que nos permite compreender como os princípios religiosos buscam ordenar não somente a retomada e manutenção da ordem no mundo a partir das ações e condutas de seus praticantes é o Taoísmo. Os princípios do taoísmo estão ligados ao próprio sentido da palavra Tao que seria a suprema ordem do universo, que deve ser seguida pelo praticante dessa religião. Como aspecto harmônico do mundo, o Tao é tido como a “verdadeira base da qual todas as coisas são criadas, ou delas jorram” (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 89). Mas não se deve confundir o Tao (criador de tudo) com o Deus das religiões monoteístas, por exemplo, pois, embora o Tao remeta à origem do cosmos, sua representação não encontra expressão na realidade humana, de forma que [...] o homem não pode investigar ou estudar a verdadeira natureza do tao, mas pode usar o intelecto para compreendê-lo. Ele deve meditar, imerso numa tranquilidade sem nexos e esquecer todos os seus pensamentos a 38UNIDADE II A Religião e a Humanidade respeito de coisas externas, como o lucro e o progresso na vida. Só então irá alcançar a união com o tao e será preenchido pelo te, a força vital (GAAR- DER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 89). Ao longo do tempo, os princípios do taoísmo foram se modificando, sobretudo, em relação à passividade do praticante, pois um dos princípios taoístas é exatamente a não- ação. Para alguns críticos dessa religião, a passividade tornava seus adeptos suscetíveis a governos autoritários, devido à ingenuidade com que tal atitude os mantinha. Com o tempo, o taoísmo foi incorporando rituais mais complexos que apenas a meditação e a não-ação como procissões, oferendas de alimentos aos deuses e cerimônias em honra dos vivos e dos mortos (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005). Como visto, a administração do sagrado demanda uma série de elementos, sistematizado por Bourdieu no conceito de campo religioso, que nos permite compreender como os princípios religiosos são criados e regidos, tanto pelo corpo de especialistas quanto pelos praticantes. Esses princípios orbitam em torno de uma prática marcada por elementos morais e éticos assim como também por um processo de delimitação de espaços e valores – por vezes geradores de intolerância –, que devem ser explorados quando estamos envolvidos com a disciplina de Ensino Religioso. Assim, ao ofertar às alunas e alunos o maior número de informações e exemplos de religiões e suas religiosidades, a disciplina se contribui para a promoção do respeito para com o outro e sua prática religiosa. Em seguida, apresentaremos aspectos de algumas religiões ao longo da história. Esperamos que tais informações possam colaborar com a proposta de Ensino Religioso vista até o presente momento. 39UNIDADE II A Religião e a Humanidade 2 RELIGIÃO AO LONGO DA HISTÓRIA Fonte: Quackenbush (2019). 2.1 Religião ao longo da História Neste tópico estudaremos aspectos de algumas religiões ao longo da história humana. Para a discussão, adotamos perspectivas que se adequam ora às formas como as manifestações religiosas se apresentam, ora a uma cronologia marcada pela temporalidade sempre numa perspectiva histórica. Seria ousadia supor que todas as manifestações religiosas ou sagradas serão abordadas nesse estudo. Além de ser uma tarefa hercúlea, certamente ela jamais seria completa, pois o sagrado é algo que não só ultrapassa o tempo de suas manifestações, como se altera ao longo de suas trajetórias culturais que são múltiplas e plurais. Mesmo Mircea Eliade sentiu o peso de tal empreitada ao tentar elaborar um estudo que fosse conciso acerca das religiões e, no prefácio ao volume I da obra História das ideias e das crenças religiosas, o estudioso conta sobre seu fracassado intento em produzir algo em torno de 400 páginas sobre o tema. No total foram 4 volumes produzidos – algo em torno de 1500 páginas – como forma de compilar o sagrado em todas as eras e povos, sendo que nos 3 primeiros o autor estuda detalhadamente o fenômeno religioso manifesto, desde a Idade da Pedra até as reformas ocorridas na Modernidade, passando pela história da religião na Mesopotâmia e Egito antigos, Grécia, Irã, Israel, Índia, Germânia, China, Roma, dentre outros. É no sentido de sugerir uma metodologia para o estudo das religiões ao longo da história e menos um texto enciclopédico que adotamos a perspectiva de pensar as 40UNIDADE II A Religião e a Humanidade manifestações religiosas para algumas sociedades ao longo do tempo considerando elementos institucionais, espaciais e culturais, como veremos a seguir. 2.2 Existiu Religião na Pré-História? SAIBA MAIS Houve uma época em que período da Pré-História estava limitado ao momento em que a escrita começou a ser utilizada pelos homens. Contudo estudos na área da linguís- tica demonstraram que são diversas as formas de comunicação utilizada pelos seres humanos e, por isso, o conceito tornou-se mais abrangente. Na atualidade, é consenso entre os pesquisadores que o termo Pré-História é definidor do período que vai desde a existência dos primeiros hominídeos até o Neolítico. Para saber mais, você pode ler: FUNARI, P. P.; NOELLI, F. S. Pré-História do Brasil. São Paulo: Contexto, 2009. Há um acordo entre os pesquisadores de que os paleantropídeos tinham “religião”, mas é praticamente impossíveldeterminar o conteúdo desta (ELIADE, 2010b) Contudo os pesquisadores acreditam que “documentos” que datam do paleolítico recente, algo em torno de 30 mil anos antes do presente (AP), como ossadas humanas, ferramentas de pedra, pigmentos e objetos encontrados em túmulos, possam revelar, ainda que de forma opaca, uma intencionalidade religiosa de parte dos primeiros hominídeos. Eliade (2010b) afirma que todo documento tem a sua opacidade, cabendo ao pesquisador decifrá-lo, integrando-o a um sistema de significações. Por exemplo, a disposição de ossadas em sepulturas ou a conservação de crânios humanos observada por paleontólogos pode levar o pesquisador a refletir acerca da relação do paleantropídeo com a morte. As pinturas rupestres, ou grafismos rupestres, levam os estudiosos a refletir acerca de suas simbologias. O que representam? Quais seus significados? Dado o fato de que a maioria das imagens rupestres presentes nas grutas encontram-se nas partes mais profundas das cavernas, isso levou os pesquisadores a considerarem que tais locais eram tidos como santuários. Têm-se interpretado ursos, leões e outros animais selvagens crivados de fle- chas, ou as modelagens de argila encontradas na gruta de Montespan, repre- sentando leões e um urso com perfurações redondas e profundas, como pro- vas da “magia da caça”. A hipótese é plausível, mas algumas dessas obras poderiam ser interpretadas como a reatualização de uma caçada primordial (ELIADE, 2010b, p. 29; grifos do autor). 41UNIDADE II A Religião e a Humanidade Já figuras femininas e objetos representando falos, descobertas no último período glacial, em torno de 11.500 anos atrás, são tidos pelos pesquisadores como objetos que denotam uma certa polaridade entre os gêneros. Destacam-se, nesse conjunto de objetos, estatuetas femininas, conhecidas como Vênus. Talhadas de forma simples e com abdômen avantajado, essas estatuetas de damas foram encontradas em diversos locais da Europa e sua simbologia não foi totalmente determinada. Supõem-se, porém, que elas representem alguma sacralidade com poderes para proteger a habitação e as famílias, assim como a fertilidade, tanto da mulher quanto das lavouras. Outro elemento do pensamento religioso presente no período paleolítico são os ritos. A partir do momento em que os homens e mulheres começaram a perceber a constância das fases lunares esse conhecimento passou a ser acumulado, cerimoniais e ritos puderam ser pensados com antecedência. Esse saber acumulado e a prática intencional de um ritual teriam sido desenvolvidos, sobretudo no paleolítico superior, algo em torno de 15 mil anos antes do surgimento da agricultura. Observa-se que o sagrado atribuído pelos estudiosos aos homens e mulheres do paleolítico superior não configura uma religião como a conhecida na atualidade, e sim uma série de práticas cotidianas inscritas no desenvolvimento cultural dos grupos que os praticavam. Assim, nos períodos mesolítico e neolítico, o sentimento do sagrado tornou-se cada vez mais complexo, assim como a cultura que foi sendo criada, experimentada, mantida e desenvolvida pelos homens e mulheres que viveram aqueles momentos. Entre os séculos X e III a. C., ou seja, no período neolítico, a história ocidental costuma identificar duas grandes sociedades modelo que são sociedades estabelecidas ao longo dos rios Tigre e Eufrates, conhecidos como povos mesopotâmicos, e os povos e culturas surgidos ao longo do rio Nilo, no Egito (ELIADE, 2010a, passim). A relevância que a descoberta da agricultura tem para a organização dessas sociedades nos permite compreender como esses povos passaram a organizar, de forma sistemática, seu universo religioso. Nessas sociedades, é possível delimitar com clareza o campo religioso em seus três elementos constitutivos, pois há, nas religiões praticadas tanto por mesopotâmicos quanto por egípcios, um corpo de sacerdotes – especialistas – que detém o poder e o saber sobre sagrado; que determinam e criam as leis, assim como os ritos que devem ser realizados, mantidos e também criados. 42UNIDADE II A Religião e a Humanidade Sendo sagrado tudo o que é determinado pelos especialistas, e profano aquilo que foge às normas impostas, sacerdotes egípcios e mesopotâmicos fortalecem a ideia de que a organização do cosmos está submetida à repetição, tanto dos rituais celebrados em coletividade quanto dos executados na vida cotidiana. Nesse sentido, a ideia de religião assume o papel de condutora moral, ética e de princípio – religioso – norteador das ações de seus participantes. As ações humanas há muito têm sido vistas como possíveis promotoras de caos ou de equilíbrio cósmico, haja vista os tabus existentes desde as sociedades consideradas mais simples. Como atos condenados, os tabus têm carga negativa, pois sua realização por um ou mais membros do grupo interfere na harmonia cósmica e coloca em risco o grupo todo. Nas sociedades mais complexas, como as mesopotâmicas e egípcias, o zelo pela manutenção dessa harmonia cabe aos sacerdotes, dada sua relevância dentro do grupo, uma vez que são os grandes detentores dos mistérios do sobrenatural. Por isso são eles os administradores do sagrado, e por isso fazem parte da esfera do poder político, que, nessas duas sociedades, se encontra intimamente ligado ao poder religioso. Conselheiros de muitos faraós, os sacerdotes eram os primeiros a serem consultados pelo governante, tanto em questões cotidianas quanto de Estado. Historicamente a religião praticada no Egito antigo, marcada pelo politeísmo e mitologia própria, foi se transformando ao longo do tempo e, atualmente o islamismo é a mais forte representação religiosa no país. 2.3 Religião Grécia Antiga Na Grécia antiga predominavam os cultos aos personagens mitológicos, cujas façanhas estavam ligadas às origens da Terra, do Universo e das ações humanas. Um deus ou deusa gregos, especialmente os viventes do Olimpo, possuíam a particular característica de serem ao mesmo tempo deuses, mas com atitudes humanas. Por isso sentiam e externavam emoções, como raiva, amor, ciúmes ou ainda promoviam discórdias e criavam intrigas. Embora não seja uma característica presente apenas na Grécia antiga, as narrativas que rememoram as origens do universo e dos homens trouxeram para o estudo dessa sociedade a ideia de mito ou mitos. Para Eliade (1972, p. 9), “o mito é uma realidade cultural extremamente complexa, que pode ser abordada e interpretada através de perspectivas múltiplas e complementares”, pois “o mito conta uma história sagrada; ele retrata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do ‘princípio’” (ELIADE, 43UNIDADE II A Religião e a Humanidade 1972, p. 9). Ou seja, ao criarem mitos, como os ligados à origem do universo ou do próprio homem, as sociedades sacralizam esse fato que, inscrito na ordem do imaginário, toma forma de verdade na medida em que fornece os modelos para a conduta humana, conferindo, por isso mesmo, significação e valor à existência de homens, mulheres e da sociedade (ELIADE, 1972, p. 06). É assim que os mitos gregos e suas representações divinas (Zeus, Afrodite, Hefesto etc.), exaustivamente narrados em livros, filmes, peças teatrais e na própria internet, foram cultuados em forma de estátuas e ritos e participavam ativamente do cotidiano da sociedade. Uma das obras mais interessantes para o estudo da religião praticada na Grécia antiga é a Teogonia de Hesíodo. Como a obra data dos primeiros séculos em que a escrita foi sendo inserida na sociedade grega, os estudiosos da Teogonia calculam que ela deve ter sido escrita entre o final do século VIII e início do século VI a. C. Nessa obra, Hesíodo narra a origem do universo, a genealogia dos deuses, suas linhagens e poderes. De acordo com essa narrativa, o universo se formou a partir do Caos, que, por sua vez, gerou três divindades: Gea, Tártaro e
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