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Estudos Bíblicos: Pentateuco Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr. Paulo Roberto Pedrozo Revisão Textual: Profa. Ms. Natalia Conti A Fonte Eloísta como Coleção Complementar • A origem da fonte Eloísta • Semelhanças e divergências com a teologia Javista. • Teologia da fonte E. • Análise Estrutural. • A hipótese da Fonte N. · Apresentar o segundo estrato fonte, a coleção Eloísta, bem como fomentar a reflexão sobre seus textos e a cultura greco-romana. OBJETIVO DE APRENDIZADO A Fonte Eloísta como Coleção Complementar Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como o seu “momento do estudo”. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo. No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE A Fonte Eloísta como Coleção Complementar A Fonte Eloísta como Coleção Complementar Com a unidade anterior chegamos à metade de nossa disciplina. As próximas unidades, a partir desta que ora começamos, serão destinadas à análise das demais fontes de composição do Pentateuco de acordo com a Hipótese Documentária. Nesta unidade nos dedicaremos ao estudo da Fonte Eloísta, ou simplesmente, Fonte E. O nome Eloísta (E) serve para designar o autor como a fonte de onde se originaram boa parte dos documentos constituintes dos cinco primeiros livros da Bíblia. A designação Eloísta se deve ao fato de que o autor destes textos identifica a divindade pelo nome hebraico Elohim, que significa Senhor. Somente após a revelação de Deus a Moisés, conforme o disposto em Êxodo 3: 14 e seguintes, que o autor dos documentos desta fonte passa a usar também a expressão Yahweh. Contudo, não é somente a fonte E que usa a designação Elohim para se referir a Deus. Os documentos atribuídos à fonte Sacerdotal (P) também fazem uso desta identificação. Por isso, o mais correto a se afirmar a respeito é que a fonte E é uma das fontes que faz uso do termo Elohim para se referir à divindade nos relatos dos primeiros acontecimentos. Da mesma forma que fizemos na seção anterior, passamos agora a identificar os textos constituintes da fonte Eloísta. São eles: Gênesis 15 – Promessa feita a Abraão sobre a posse do país e de descendentes. 20 – Sara em situação de perigo em Gerara. 21: 1b a 6 – Nascimento de Isaque. 21: 8 a 21 – Expulsão de Agar e Ismael. 21: 22 a 34 – Aliança de Abraão com Abimeleque. 22: 1 a 19 – Caminhada de Abraão para o sacrifício. 24 – Isaque e Rebeca. 25: 11ª e 26: 3b a 5 – Bênção de Isaque. 25: 27 e 27: 1 a 45 – Jacó engana Esaú. 28: 10 a 12, 17, 20 a 22 – Sonho de Jacó em Betel. 29: 1 a 14 – Chegada de Jacó à casa de Labão. 29: 31 a 30: 24 – Filhos de Jacó. 30: 25 a 43 – Contrato de trabalho de Jacó com Labão. 31: 1 a 16 – Riqueza de Jacó; ordem de regresso. 31: 17 a 43 – Fuga de Jacó. 31: 44 a 32: 1 – Acordo de Jacó com Labão. 8 9 32: 2 a 22 – Antes do encontro com Esaú. 32: 24a e 33: 1 a 16 – Encontro com Esaú. 33: 18 a 20 – Jacó junto a Siquém. 34 – Assassinato de Siquém. 35: 1 a 6 – Construção do altar em Betel. 35: 8 a 14 – Morte de Débora. 35: 16 a 20 – Nascimento de Benjamim e morte de Raquel. 36: 2b e 9 a 39 – Descendentes de Esaú, de Seir e Edomitas. 37: 3 a 6; 39: 1 a 46: 5; 46: 28 a 48: 2; 48: 8 a 22; 50: 1 a 11 e 14 a 26 – José. Êxodo 1: 12b – Opressão no Egito. 1: 22 e 2: 1 a 10 – Nascimento, exposição e salvação de Moisés. 2: 15; 3: 1 a 15; 4: 10 a 31; 5: 1 a 6: 1 – Fuga de Moisés para Madiã. 7: 14 a 25; 9: 13 a 35 e 10: 12 a 27 – Vocação de Moisés e pragas no Egito. 11: 1; 12: 31 e 39b – Morte dos primogênitos, a Israel é permitido partir. 13: 17 a 14: 31 – Perseguição e libertação de Israel. 17: 1 a 7 – Milagre da fonte no Horeb. 18 – Introdução de um ornamento na administração da justiça. 19: 2 a 20 – Chegada ao monte de Deus, encontro com Deus. 20: 1 a 17 – Decálogo. 20: 18 a 21 – Impressão causada sobre o povo. 20: 22 a 23: 19 – O Código da Aliança. 23: 20 a 33 – Despedida do Povo. 24: 3 a 8 – Compromisso do Povo. 24: 12 a 18 e 31: 18b – Moisés recebe as tábuas de pedra. 32 – Culto ao bezerro de ouro. 33: 5 a 11 – Tenda da revelação. Números 11: 4 a 35 – Maná, inspiração dos anciãos. 12 – Revolta de Aarão e Miriam contra Moisés. 20: 1b – Morte de Miriam. 20: 14 a 21 – Edom recusa passagem. 21: 4 a 9 – A serpente de bronze. 21: 10 a 20 – Caminhada até Fasga. 21: 21 a 35 – Vitória sobre Seon. 22: 2 a 24: 25 – Balaão. 32: 1 a 38 – Partilha de terras a Gad e Ruben na Transjordânia. 9 UNIDADE A Fonte Eloísta como Coleção Complementar Deuteronômio 31: 14 a 17 e 23 – Preparativos para a instalação de Josué. 33 – Bênçãos de Moisés. 34: 1 – Morte de Moises. Pelo que podemos depreender desta lista alguns textos não são exclusivos da fonte E. Na verdade, há histórias que se completam entre fontes diversas, principalmente quando considerados os estratos J – estudado anteriormente – e o atual E. Esta intertextualidade é mais rara em relação à outras fontes, mas podemos adiantar que o Decálogo também foi reproduzido pelo estrato Deuteronomista, além de outras passagens comuns à fonte Sacerdotal (P). Estes estratos serão abordados nas duas unidades finais de nossa disciplina. Problemas enfrentados no Estabelecimento de E Em função das repetições acima mencionadas, a crítica bíblica teve que responder às objeções quanto ao reconhecimento de uma fonte independente de J, o estrato E como estamos analisando. Pelo fato de que muitos textos atribuídos ao estrato fonte E aparecerem entrelaçados com os documentos da fonte J, alguns historiadores chegaram a negar sua existência. Para alguns destes estudiosos, em particular os pertencentes à escola alemã, estes textos são apenas tradições paralelas ao Javista, oriundos de épocas diversas e pertencentes a diferentes autores. Em um exame mais detalhado da passagem de Êxodo 1 a 12, atribuído tanto a J como a E, verificou-se que os textos que são atribuídos à fonte Eloísta se assemelham nas ideias de composição quando comparadas ao Javista, mas em alguns momentos também apresentam diferenças de estilo e linguagem. Há alguns aspectos interessantes no estrato fonte Eloísta que devem ser levados em consideração. O início é um deles. Ele começa pela passagem que na Bíblia corresponde ao capítulo 15 de Gênesis. As primeiras palavras são: “depois destes acontecimentos...” Esta maneira de começar revela que a coleçãoleva em consideração outros escritos, outras narrativas que davam sentido a esta sequência. Para a maioria dos especialistas em AT e Pentateuco, o autor de E está se referindo aos documentos Javistas. Ao que tudo indica o autor do estrato Eloísta começa a história do mundo com a narrativa sobre Abraão. A saga do patriarca se torna a excelência narrativa do documento, diferentemente da fonte que estudamos anteriormente que documenta uma das histórias da criação. 10 11 Outros destaques desta fonte E recaem sobre Jacó e seus filhos, reforçando a ideia da herança étnica. Ainda há ênfase na tradição referente a Moisés, Decálogo, Código da Aliança e, por último, a bênção final de Moisés. O documento E destaca a figura da formação de um povo em particular, o povo de Israel e suas lutas e contradições com as outras culturas e formas de fé. A Fonte Eloísta contém alguns elementos que lhe são bastante característicos, dentre eles a citação extraída do Livro das Guerras de Yahweh (Números 21: 14), o Cântico do Poço (Números 21: 17), uma canção satírica a respeito de Seon , rei dos amorreus (Números 21: 27 a 30), o Código da Aliança, as bênçãos de Jacó e Moisés (Gênesis 49 e Deuteronômio 33). São bênçãos que partem de uma coleção de sentenças relativas às tribos de Israel. Um aspecto de ordem teológica é também importante em E. Os documentos Eloístas dividem a história em etapas. O uso de diferentes nomes para se referir a Deus, levados adiante em épocas anteriores e posteriores a Moisés, divide a história em dois blocos, a saber, os ancestrais que serviram a deuses estrangeiros e aqueles que não cometeram este deslize. É como se a história da gênese de Israel tivesse dois começos distintos. O primeiro, que remonta desde o chamado de Abraão e culmina com a libertação do Egito, caracteriza um povo que por razões diversas se viu exposto à diversas culturas e credos. Depois da libertação, para bem delimitar o novo período, os desdentes herdeiros da “terra prometida” (na verdade a mesma terra dos ancestrais, mas de roupagem nova) não deveriam mais ser submetidos a outros deuses e culturas. Todas as guerras de conquista narradas pelos documentos constituintes do Pentateuco apontam para o movimento da fidelidade. Se fosse fiel, o povo de Israel alcançaria a vitória desejada. Caso contrário, morreria nas mãos de seus inimigos. Assim, um novo Israel deveria nascer após a peregrinação no deserto que se seguiu à libertação da escravidão no Egito. Para marcar bem estes dois períodos, os documentos de E se referem a Deus como Senhor, Elohim, até no máximo o advento de Moisés. Depois da libertação, passa a usar a expressão Yahweh em respeito às formas de manifestação de Deus no Êxodo, identificando-se como o Eu Sou, sendo, Yahweh a forma conjugada do verbo SER em hebraico, na primeira pessoa do singular do tempo presente. Há ainda nos documentos de E a ausência de tradições marcantes da cultura judaica, como por exemplo, referências à figura de Ló e à cidade de Sodoma. Nem mesmo Abraão ganha muito espaço. O patriarca por excelência será Jacó. A figura de José também será detalhadamente exposta pelos documentos Eloístas. Outro dado importante diz respeito da adesão aos santuários de Betel e Siquém, na região norte de Israel. E por fim, nesta linha de destaques, temos que notar a grande importância que é dada à figura de Moisés a quem é atribuída a autoria do Código da Aliança e dos ditos a respeito das tribos israelitas. Estes ditos podem ser encontrados nas bênçãos de Moisés. 11 UNIDADE A Fonte Eloísta como Coleção Complementar Moisés é quem recebe a designação de profeta, inspirado por Yahweh, capaz de anunciar a vontade divina, alguém que é dotado de poderes e exerce a função de intercessor entre Deus e os homens. Há uma referência interessante em Números 11: 29 onde se lê que é seu desejo que todo o povo de Yahweh seja um povo de profetas a quem Deus conceda seu espírito. Quem quiser saber mais sobre os aspectos que dão suporte à pesquisa documentária e ao papel central da figura de Moisés nos documentos Eloístas poderá encontrar neste link outras informações: https://goo.gl/JxXh61 Ex pl or Figura 1 – Rodolfo Amoedo - A Partida de Jacó , 1884 Fonte: Wikimedia Commons Figura 2 – Moisés – Obra de José de Ribera Fonte: Wikimedia Commons 12 13 Características da Teologia Eloísta Tanto as características de conteúdo como as principais linhas teológicas da fonte E devem ser estudadas conjuntamente. A princípio podemos destacar uma certa preocupação em acentuar a distância de Deus em relação ao mundo e também ao homem. O Deus descrito em E não anda pelo mundo. Ele habita os céus. É a partir dos céus que ele decide se dirigir aos homens, usando para isto seus mensageiros. Veja os textos de Gênesis 21: 17 e Gênesis 28: 12 como exemplos. A divindade descrita pelo Eloísta também se manifesta em sonhos e em visões durante a noite, conforme descrevem Gênesis 20: 3 a 6; 28: 12 e 31: 11. À divindade não são atribuídos aspectos sensíveis não permitindo que sintamos características denominadas antropomórficas, isto é, quando Deus tem características humanas. Diante desta figura divina, o homem comporta-se com temor. É a partir da teologia Eloísta que são apresentados os patriarcas como modelos para os homens, com uma descrição de seus sentimentos humanos tais como a piedade de Abraão em relação à sua escrava (Gênesis 21: 11), ou até mesmo o seu sofrimento diante do possível sacrifí- cio de seu filho que lhe foi exigido conforme o texto de Gênesis 22. Esta é uma referência bastante polêmica. Ainda que guardássemos as falas do filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard a respeito da coragem demonstrada pelo patriarca Abraão no caminho para o sacrifício de Isaque, amplamente demonstrada pelos textos Eloístas, não podemos ignorar, como fazem os exegetas da Análise Estrutural mencionada anteriormente, que a história tem um paralelo na cultura grego romana. Reforçando assim a hipótese de um autor único para os textos de Gênesis a II Reis, que teria vivido na época helenista. Figura 3 – Soren Kierkegaard – 1813/1855 Fonte: Wikimedia Commons 13 UNIDADE A Fonte Eloísta como Coleção Complementar Segundo esta tradição, há a história do sacrifício de Frixo, personagem da mitologia grega. A história diz mais ou menos o seguinte: “Dos filhos de Éolo, Átama governava a Beócia e, com Néfele, gerou um filho, Frixo, e uma filha, Hele. E ele se casou com uma segunda esposa, Ino, com quem teve Learco e Melicertes. Mas Ino conspirou contra os filhos de Néfele, convenceu as mulheres a tostarem o trigo e obteve o trigo que elas tostaram sem o conhecimento dos homens. Mas a terra, sendo semeada com trigo tostado, não deu as suas safras anuais; assim, Átamas enviou mensageiros a Delfos para consultarem como ele poderia ser livrado da escassez. Ora, Ino os persuadiu a dizer que foi predito que a infertilidade cessaria se Frixo fosse sacrificado a Zeus. Quando ouviu isso, Átamas foi forçado pelos habitantes da terra a trazer Frixo ao altar. Mas Néfele pegou a ele e a sua filha e lhes deu um carneiro com um Velocino de Ouro, o qual ele havia recebido de Hermes e, carregados pelo céu pelo carneiro, eles cruzaram terra e mar. ” (Apolodoro, Biblioteca I) Esta narrativa em muito se assemelha à história do sacrifício de Isaque. Para a teologia Eloísta esta história é usada para reafirmar que Yahweh jamais iria requerer o sacrifício de seres humanos, como mais tarde até mesmo reis de Israel o fizeram em adoração ao Deus Moloque. Ainda que a inspiração tenha sido extraída da literatura, a teologia de E atesta uma certa resistência aos cultos sacrificiais. Outro fator importante da teologia Eloísta diz respeito à auto compreensão de Israel. Neste estrato fonte o aspecto religioso e teológico reforça o aspecto nacional. Nesta linha aparecem as ideias de Yahweh como rei, conforme Números 23: 21 e seguintes se as compararmos com o que encontramos no Javistaem Números 24: 7 e 18 e seguintes. Ainda as bênçãos de Abraão transferidas para Isaque, de acordo com Gênesis 22: 17 e seguintes são interpretadas como uma ênfase no aspecto religioso da escolha de Israel, dando a esta nação uma certa visão de exclusividade. Ao contrário do que acontece na teologia Javista, os documentos Eloístas concentram aspectos nacionais e religiosos. Na verdade, a soberania divina e a comunhão com Deus ficam circunscritas a Israel. Como consequência deste movimento, a separação de Israel acaba se transformando em segregação. Os demais são convertidos simplesmente em pagãos, como o que está bem expresso no Cântico de Balaão, Números 23: 9b, onde se lê: “Eis um povo que habita só, um povo que não é contado entre as nações pagãs.” Pode-se concluir daí que os demais deuses devam ser eliminados (Gênesis 35: 2), seus cultos devem ser punidos como crime grave contra Yahweh (Êxodo 32), os sacrifícios humanos devem ser banidos como afirmamos acima (Gênesis 22: 1 a 19). Até as placas funerárias dos cananeus recebem um novo significado, são utilizadas como lápides comemorativas ou como monumentos funerários e coisas semelhantes, Gênesis 28: 18 e seguintes e 35:20. 14 15 O próprio acontecimento histórico é considerado na fonte Eloísta muito mais intensamente como uma espécie de julgamento divino a respeito do pecado humano, coisa esta que não acontece tão frequentemente no Javista. A Hipótese de um Estrato Fonte entre E e J Alguns exegetas consideram a existência de um terceiro estrato Fonte, neste caso seria um intermediário entre J e E. Seria o estrato Fonte N, inicial de Nômade. Este terceiro estrato fonte, sobre o qual não há consenso entre os estudiosos, teria surgido também na época anterior ao exílio babilônico do século VI a.C. Em termos textuais, N começa com a história dos primórdios. Seus textos enfatizam o caráter nômade do povo de Israel como um critério de escolha. Apenas para nosso conhecimento, vamos conferir o quadro de textos atribuídos à fonte N. Entre parênteses aparece quando o texto é compartilhado com outro estrato fonte. Gênesis 2: 8 s – O homem no Éden, árvore da vida e expulsão do Paraíso – (J). 3: 18, 19, 21, 22 e 24 – Os Cainitas. 4: 17 a 24 – Cultura. 6: 1 a 4 – Origem dos Gigantes. 9: 21 a 27 – Noé e a Videira. 11: 1 a 9 – A construção da Torre e a Dispersão. 12: 1 a 4 – Partida de Abraão e Ló. Bênçãos. 12: 6 a 9 – Construções dos altares em Siquém e Betel. 12: 10 a 20 – Situação de perigo para Sara em Gerara. 13: 1 a 5; 7 a 11; 12 a 13 – Separação de Abraão e Ló. 13: 14 a 18 – Promessa da posse do país e de descendentes. 18: 1 a 15 – Promessa do nascimento de Isaque (J). 18: 16 a 22 – Partida dos visitantes para Sodoma. 19: 1 a 28 – Sodoma e Gomorra (J). 19: 30 a 38 – Origem dos Moabitas e Amonitas. 25: 1 a 6 – Descendentes de Abraão com Cetura. 25: 11 – Residência de Isaque. 25: 21 a 26 – Nascimento de Esaú e Jacó. 25: 29 a 34 – Esaú compra o direito de primogenitura. 26: 12 a 23 e 26 a 33 – Riquezas de Isaque – Abimeleque. 29: 1 a 14 – Chegada de Jacó à residência de Labão (J) e (E). 29: 15 a 30 – Casamento de Jacó com Lia e Raquel. 30: 25 a 43 – Contrato de trabalho de Jacó com Labão (J) e (E). 15 UNIDADE A Fonte Eloísta como Coleção Complementar 31: 1, 3 – Ordem de voltar. 31: 17 a 43 – Fuga de Jacó (J), (E), (P). 31: 44 a 32:1 – Acordo de Jacó com Labão (J) e (E). 32: 24 a 33 – Luta de Jacó em Fanuel. 33: 18 a 20 – Jacó em Siquém (E) e (P). 34 – Violação de Diná e matança em Siquém (E). 35: 5, 21 e 22 – Infâmia praticada por Ruben. 36: 2b e 9 a 39 – Descendentes de Esaú, de Seir e Edomitas (J) e (E). 38 – Judá e Tamar. Êxodo 1: 7, 9 e 10, 11 a 14 – Opressão no Egito (P). 2: 15b a 22 – Casamento de Moisés em Madiã (J). 3: 21 ss; 4: 1 a 9, 19 a 20, 24 a 26, 30 a 31 – Vocação de Moisés. 11: 2 s, 12 a 21, 23 a 27b – Preparativo para a morte dos primogênitos. 12: 33 a 37 e 38 a 39 – Partida de Israel. 13: 17 a 14: 31 – Perseguição e Libertação de Israel (J) e (E). 15: 20 s – Cântico de Miriam. 15: 22 a 27 – Marcha em direção a Mara e a Elim. 16 – Maná (J) e (P). 17: 1 – Chagada a Rafidim. 17: 8 a 16 – Vitória sobre os Amalecitas. 19: 2 a 25 – Sinai e descida de Yahweh (J) e (E). 20: 18 a 21 – Impressão causada sobre o povo (J) e (E). 24: 1 a 2 e 9 a 11 – Refeição junto a Yahweh. 24: 13 a 15 – Moisés e Josué no monte. 32: 17 a 29 – Desregramento do povo e castigo. 33: 3 e 4 – Ordem de partida. Números 10: 29 a 36 – Partida (J). 11: 1 a 3 – Revolta em Tabeera. 11: 4 a 35 – Codornizes (J) e (E). 12 – Revolta de Aarão e Miriam contra Moisés (E). 13: 17 a 14: 45 – Exploração do país (J), (E) e (P). 20: 1 a 13 – Milagre da fonte de Meriba (P). 20: 21 – Edom recusa passagem. 21: 1 a 3 – Derrota dos Cananeus. 21: 21 a 35 – Vitória sobre o rei dos Amorreus (J) e (E). 25: 1 a 5 – Culto de Beelfegor e castigo (J). 32: 39 a 42 – Conquista dos filhos de Maquir, de Jair e de Nobé na Transjordânia. 16 17 Uma Análise: A Origem do Mal Quando nos deparamos com o texto de Gênesis 3, logo algumas questões vêm à mente: qual a origem do mal? Se Deus sabia que Adão e Eva cederiam à tentação, por que Ele permitiu que fossem tentados? Essas e outras perguntas se justificam diante do desafio proposto pelo texto do capítulo 3 de Gênesis – descobrir a ori- gem do mal. Estamos diante de um trabalho da tradição Javista (J) que se completa na fonte N. Os autores tinham que responder a questão sobre a origem do mal, já que afirmavam a existência de um Deus que era bondade por excelência, não havia portanto razão lógica para a maldade humana. O autor faz então uso de um gênero literário muito comum no Antigo Testamento: a narrativa através do mito. Todos sabiam que os animais não falavam. Esta era uma capacidade intrínseca aos homens. Mas a preocupação manifesta no texto era a de comunicar algo que ia além da razão. O primeiro diálogo que existe na Bíblia é mitológico e construído como uma verdadeira obra-prima para expressar um anseio das comunidades do judaísmo primitivo. Havia uma certa crença de que o mal andava de mãos dadas com o bem. Os mitos dos caldeus revelavam que os homens verdadeiramente felizes eram aqueles capazes de chorar. A dor era companheira da felicidade. Os autores de Gn. 3 encontram um caminho para explicar essa crença e partem para a narrativa da tentação, de uma maneira que quase justifica a queda do gênero humano. O mito é antes de mais nada um gênero literário. Uma maneira, através da qual os autores da época vétero-testamentária comunicavam suas mensagens. Quando o assunto era demasiadamente difícil, ou exigia muita abstração de seus ouvintes para ser compreendido, o autor lançava mão do mito, que aproximava com exemplos e com suposições o público da mensagem pregada. Um exemplo do uso do mito nos tempos de Jesus era a utilização de parábolas. O teólogo alemão Johannes B. Bauer, declara que “o mito, ao contrário das verdades abstratas racionalmente demonstradas, é um olhar de conjunto concretizado, obtido pelo homem primitivo em seu contato com a realidade e por ele assim transmitido”. Nada de associar a palavra mito ao conceito moderno de fábulas. O mito foi um recurso utilizado legitimamente pelos literários do Antigo Testamento e graças a ele pudemos entrar em contato com muitas coisas próprias da época. É claro que ninguém acredita hoje em dia, que a serpente seja um animal capaz de travar um diálogo com qualquer ser humano, mas ninguém duvida que o instinto de maldade ganhou os corações humanos através de uma investida tentadora, que o autor de Gn. 3 achou mais simples de explicar na forma de um diálogo mitológico. 17 UNIDADE A Fonte Eloísta como Coleção Complementar Aos Personagens A história de Gn. 3 é recheada de símbolos que nos apontam os caminhos da interpretação do texto. Vamos a eles. 3.1 A Serpente: aparece como o único animal concreto da criação. Foi o que primeiro ganhou a menção distinta dentreos outros seres vivos criados, além do homem é claro. Na tradição do Novo Testamento, a serpente é símbolo de inteligência (Mt. 10, 16). Parece que o autor de Gn.3 não via com bons olhos o fato de Deus ser o autor da primeira tentação da raça humana. Isso aconteceu em outras passagens do AT (Gn 22:1 e II Sam. 24:1). A escolha que recaiu sobre a serpente serviu para condenar o culto à fertilidade, praticado pelos cananeus, cujo símbolo litúrgico era a serpente. Outros cultos prestados à serpente, também foram condenados nesta narrativa. Veja as referências de Nm. 21: 6 a 9: II Reis 18:4. Mais tarde, a serpente foi identificada como o diabo, conforme Ap. 12:9 e 20:2. 3.2 A Tentação: o diálogo entre a mulher e a serpente tem uma trajetória a ser seguida. Ele começa por semear a dúvida na cabeça da mulher. Em seguida propicia o campo para a revolta, “abre os olhos” para um bem quase imediato (ser como Deus) e em seguida vence a resistência da mulher e em consequência do homem. Essa narrativa de tentação difere da tentação neo-testamentária, experimentada por Jesus, porque aqui a vitória é do tentador. 3.3 O Pudor: o pudor não nasce com o homem. A partir da queda, ele funciona como um sinal do rompimento entre Deus e o homem. Embora não faça parte dos castigos enumerados a partir do versículo 14, o pudor aparece como um desequilíbrio causado diretamente pela desobediência. 3.4 O Confronto com Javé: em seu segundo passeio pelo jardim (o primeiro constou das proibições sobre a árvore do conhecimento do bem e do mal), Javé encontra-se com o homem decaído. Os transgressores escondem-se de vergonha e de medo. O inquérito é implacável, recai sobre o homem e a mulher. Javé não questiona a serpente. Não há necessidade. Animais não falam. Nesta altura do texto ela deixou de ser um simples animal da criação. É agora o símbolo de toda maldade existente no cosmos. 3.5 Os Castigos: a punição prometida em Gn. 2:17 em caso de desobediência era a morte. Contudo, esta morte não está expressa de forma imediata. Homem e mulher não são fulminados ante a confissão da desobediência. A morte em Gênesis é mais do que a morte física, significa a dor de viver. O gênero humano fora condenado a isso. Primeiro, a serpente foi condenada a rastejar e a comer pó. Como que um animal tão repugnante poderia ser objeto de culto? Mais uma vez está presente a crítica ao culto dos caldeus, destinado à adoração da serpente. A mulher sofrerá as dores de parto e o homem será também escravo do trabalho fatigante. O trabalho é visto numa perspectiva de castigo. O trabalho humano, no tempo da escrituração de Gn.3 era basicamente de atividade agrícola, que dependia 18 19 das condições de temperatura para o seu sucesso. Como não podia intervir neste processo, o homem via-se escravo da sorte, ou da providência. Com a necessidade do trabalho, acentuava-se a relação entre empregado e empregador, sinal das primeiras diferenças de classes sociais. Mas isso não é tudo. A morte vem aí com força total. A Luta por uma Via sem Morte A morte do homem, que segundo Gn. 3 é uma consequência da desobediência a Deus, na verdade, revela uma luta travada no interior do pensamento humano no sentido de tornar-se imortal ou igual a Deus. Não foi sem razão que o argumento mais forte da serpente foi aquele que prometeu aos homens a possibilidade de eles se tornarem iguais a Deus – leia-se imortais. Um texto de escrituração mais antiga do que as primeiras fontes do AT, é o poema babilônico de Gilgamesh. Em algumas partes, este poema trata da busca da imortalidade empreendida por Gilgamesh. Abaixo reproduzimos alguns trechos a título de comparação: “Então, quem sobe, amigo, dentre os homens, ao céu? Perto de Shamash moram para sempre somente os deuses, os dias dos homens, porém, estão contados, só fica um vão hálito de brisa, façam eles o que fizerem! ” (Gilgamesh que dirige a palavra ao seu amigo Enkidu) “Gilgamesh, para onde corres? A vida que procuras, não encon- trarás. Quando os deuses criaram a humanidade, criaram a morte para a humanidade, retiveram a vida nas suas mãos. ” (Palavras de Siduri a Gilgamesh). O mesmo poema conta que Gilgamesh um dia recebera das mãos de Urshanabi uma planta, que ao ser tocada em seus espinhos garantira a vida eterna. Ao tomar a planta, Gilgamesh quer guardá-la para sempre e resolve plantá-la no fundo de um poço. De lá uma serpente retira a planta e faz com que Gilgamesh perca a chance da vida eterna. A narrativa de morte que está aqui presente é muito parecida com a que encontramos em Gn. 3. Para Gilgamesh, o pior não era a mortalidade, mas sim ter perdido a chance da imortalidade. Assim, o vocábulo morte que encontramos em Gn. 3 também traduz a perda da chance da vida eterna. Morrer é suportar a dor de ter que continuar a viver. Em Gn. 3:15 lemos a maldição que é imposta à serpente. “Porei hostilidade entre ti e a mulher, entre a tua linhagem e a linhagem dela. Ela te esmagará a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar”. 19 UNIDADE A Fonte Eloísta como Coleção Complementar Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros Introdução ao Antigo Testamento FOHRER, G. & SELLIN, E. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Edições Paulinas, 1983. Temor e Tremor KIERKEGAARD, Soren. Temor e Tremor. São Paulo: Editora Hemus, 2000. A Origem de Javé: o Deus de Israel e seu nome RÖMMER, Thomas. A Origem de Javé: o Deus de Israel e seu nome. São Paulo: Paulus, 2015. Argonautas do Deserto: análise estrutural da Bíblia Hebraica WAJDENBAUM, Philippe. Argonautas do Deserto: análise estrutural da Bíblia Hebraica. São Paulo: Paulus, 2015. 20 21 Referências KIERKEGAARD, Soren. Temor e Tremor. São Paulo: Editora Hemus, 2000. RÖMMER, Thomas. A Origem de Javé: o Deus de Israel e seu nome. São Paulo: Paulus, 2015. WAJDENBAUM, Philippe. Argonautas do Deserto: análise estrutural da Bíblia Hebraica. São Paulo: Paulus, 2015. 21