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AULA 12 - A FILOSOFIA DO DIREITO CONTEMPORÂNEA

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1 
 
A FILOSOFIA DO DIREITO CONTEMPORÂNEA 
 
A DOUTRINA DO DIREITO NATURAL 
Sumário: 89. Concepção dualista do Direito. 90. A natureza humana como fonte do Direito 
Natural. 91. Caracteres fundamentais do Direito Natural. 92. Direito Positivo e Direito 
Natural. 93. Princípios constitucionais do Direito Natural. 94. O Direito Natural visto como 
ideologia. 95. A realidade do Direito Natural. 96. O caráter não ideológico do Direito Natural. 
Alguns temas na Filosofia Jurídica provocam relativa convergência de opiniões, mas, pode-se afirmar, 
na ciência altior do Direito não há questões definitivamente julgadas e arquivadas. As polêmicas apenas 
variam de amplitude e as dificuldades, em graus. Em torno do Direito Natural as indagações são múltiplas e 
daquelas que suscitam acesos e intermináveis debates. A primeira pergunta que se põe à análise refere-se ao 
problema da existência. Enquanto esta é rejeitada por positivistas e historicistas, os jusnaturalistas 
apresentam uma concepção dualista, convictos de que, paralelamente à ordem institucionalizada pelo Estado, 
haveria o Direito Natural, ordem não escrita, não promulgada pelos homens. Internamente, tanto os monistas 
quanto os dualistas divergem na fundamentação, o que oferece ao analista um campo rico e variegado de 
ideias. 
O pensamento acerca do Direito Natural é antiquíssimo. Na Filosofia, o primeiro pensador que expôs 
uma doutrina sobre o Direito Natural foi o grego Heráclito de Éfeso (aproximadamente 535-470 a.C.), que 
professou um jusnaturalismo cosmológico de fundo panteísta. Embora alimentasse a ideia de que tudo flui; 
que a realidade é um eterno devenir, daí não se poder banhar duas vezes na mesma água, pensava na 
existência do logos, lei universal eterna, responsável pela harmonia entre os opostos. O logos, que seria 
divino, se identificava com as forças da natureza, especialmente o fogo, e indicava aos homens a norma de 
conduta. Para Heráclito, cognominado “O Obscuro” em razão de seu estilo melancólico, as leis humanas 
fundavam-se naquela lei única, acessível ao conhecimento pela via da razão. 
Entre os antigos, também na literatura grega há o registro da crença em um Direito superior ao positivo. 
O fato foi traspassado da mitologia para a tragédia Antígone, por Sófocles (494-406 a.C.). Morto em uma 
batalha, acusado de traição à pátria, Polinice não pôde ser sepultado por ordem de seu tio, o rei Creonte. 
Antígone, ao ser surpreendida quando enterrava o corpo de seu irmão, arrostando perigo, dirigiu-se ao tirano, 
dizendo-lhe que as ordens que ditava não eram superiores às leis não escritas e imutáveis dos deuses, 
existentes de longa data. 
O Direito Natural é referência para o legislador e para as consciências individuais. O homem médio da 
sociedade, além de orientar-se socialmente pelo chamado conhecimento vulgar do Direito, guia-se também 
pelos princípios do Direito Natural. Se o apurado conhecimento desta ordem se obtém pela reflexão, certo é, 
também, que a simples experiência de vida induz à percepção de seus princípios mais fundamentais. Estes 
configuram verdadeira fonte ordenadora da conduta e não se reduzem à ordem moral. Direito Natural e 
Moral, por seus princípios, estão presentes na consciência humana. Conquanto não se circunscrevam no 
mundo da cultura, a percepção mais ampla das duas esferas pressupõe espírito adaptado ao meio civilizado. 
Quanto mais culto o homem, maior a sua capacidade de compreender e teorizar aqueles princípios; a 
2 
 
vivência concreta de valores espirituais, porém, não tende a ser maior nas camadas mais intelectualizadas. O 
sentimento de respeito aos ditames jusnaturalistas e morais é imanente à pessoa humana e se revela a partir 
dos primeiros anos da existência. Embora afins, as duas ordens não se confundem. Mais abrangente, a Moral 
visa à realização do bem, enquanto o Direito Natural se coloca em função de um segmento daquele valor: o 
resguardo das condições fundamentais da convivência. O homem isolado mantém-se portador de deveres 
morais sem sujeitar-se aos emanados do Direito Natural, pois estes pressupõem vida coletiva. 
Tanto quanto o Direito Positivo, o Natural pode ser considerado subjetiva e objetivamente. Sob o 
primeiro aspecto, identifica-se com o poder de viver e desfrutar de liberdade, sob a garantia de igual 
oportunidade. Na acepção objetiva, é conjunto orgânico de princípios que deve orientar o Estado em sua 
tarefa de organizar a sociedade, tomando-se por referência a natureza humana. Pensamos que nesta síntese se 
acha a ideia básica do Direito Natural. As dificuldades surgem quando se pretende o arrolamento dos 
princípios e se intensificam na medida em que se busca a pormenorização. A existência do Direito Natural se 
justifica por uma cadeia de raciocínios lógicos, sem recurso a dogmas. Como todo ser, a pessoa humana 
possui natureza e se dispõe a realizar fins. Estes sofrem condicionamentos ditados pela natureza. Os fins não 
são um todo cerrado e sem alternativas, mas um leque de amplas possibilidades de realizações. Os fins são 
aqueles que a natureza do homem e do mundo físico permitem e não encontram censura na razão. O Direito 
Natural é uma tutela de fins. Seus princípios consideram a natureza humana e os fins que os homens buscam. 
A filosofia atual não abandona os subsídios da razão nas tarefas de determinação do Direito Natural. 
Nem poderia fazê-lo, pois não há como se induzirem princípios sem as operações do intelecto. A experiência 
observa fenômenos, mas a constatação e enunciado de leis é algo afeto à razão. O Direito Natural, em si, não 
pressupõe senão a vida humana em sociedade. A sua compreensão pelo homem requer, sim, experiência e 
raciocínio. O seu existir coincide com a vida cultural; o seu conhecimento, porém, é fato cultural, que não 
aflora na consciência humana de modo espontâneo. É certo que a natureza do homem possui intuições do 
justo, que se revelam, todavia, sem a plena consciência de sua dimensão. 
Embora não se possa confundir o Direito Natural com a justiça, o certo é que aquela ordem constitui 
um ideal de justiça e um dos caminhos que levam o pensador ao Jus Naturae é a sua insatisfação com a 
carência de justiça nos estatutos legais. O homem, ser eminentemente racional, sonda a razão de ser das 
coisas, não se submetendo passivamente a qualquer ordenamento. Procura-se o fundamento ético das leis e 
das decisões. O espírito crítico apela para a busca de orientação, de referência, na ordem natural das coisas. 
O Direito, como instrumento de promoção da sociedade, há de estar adequado à razão, há de se apresentar 
em conformidade com a natureza humana. 
Quando o filósofo chega à conclusão de que nem tudo é contingente e variável no Direito e que alguns 
direitos pertencem aos homens por sua condição de ser humano, alcança-se a ideia do Direito Natural, que 
deve ser a grande fonte a ser consultada pelo legislador. Diferentemente do que alguns pensam, o Direito 
Natural, assim formado, não é obstáculo ao desenvolvimento social; não é contra a história. O legislador há 
de lançar mão desses princípios na elaboração dos textos legais, a partir do constitucional. Com ele, deve 
moldar a estirpe do ordenamento jurídico e tecer os modelos legais. 
Preservar o Direito Natural não significa perda de espaço para o legislador, apenas iluminação de 
caminhos. As alternativas não desaparecem quando o construtor da ordem jurídica recorre ao Direito 
Natural. Mesmo atrelado a esta ordem, o Jus Positum mantém-se móvel, apto a acompanhar a marcha da 
história. Há limites, mas estes se assentam na razão e não embaraçam a atividade legiferante. A exemplo da 
lei da gravidade, que impõe restrições não lamentadas pelo ser humano, o Direito Natural condiciona, sem 
3 
 
impedir ou constranger. Os planos sociais, em vez de coartados pelo Direito Natural, se viabilizam, fecunda 
e duradouramente, na medida em que consagram aqueles princípios. 
A NATUREZAHUMANA COMO FONTE DO DIREITO NATURAL 
A natureza humana, de um modo geral, é apontada pelos jusnaturalistas como selecionadora dos fins 
humanos e fonte do Direito Natural. O seu conceito é objeto de amplas divergências filosóficas. 
Indubitavelmente, o núcleo conceptual forma-se pelo denominador comum existente no gênero humano. Daí 
se infere, por aplicação de postulado lógico, que o seu grau de compreensão deve ser o menor possível a fim 
de se obter a máxima extensão. Refletindo sobre a matéria, Rudolf Stammler reconheceu como única 
qualidade comum aos homens a sua condição de ser natural, da qual, porém, não admitiu que se extraíssem 
os fins humanos.1 Pensamos que a natureza humana se define pela gama de instintos comuns aos seres 
racionais, como o da preservação da vida, da liberdade. A observação revela-nos que a generalidade das 
pessoas tem ânsia de liberdade e que sem esta não é capaz de se realizar nos planos físico e espiritual. Em 
consequência, a liberdade é valor fundamental à espécie humana e se erige em princípio básico do Direito 
Natural. A pesquisa nos sistemas jurídicos vigentes indica que o valor liberdade, em suas plúrimas 
dimensões, é polarizador de leis, tratados e convenções. 
A essência e componentes da natureza humana são questões polêmicas e que dividem opiniões. O eixo 
das discussões gira em torno de antíteses: o biológico e o cultural; a hereditariedade e o meio ambiente; a 
natureza e a educação; o instintivo e o condicionado. Para Leslie Stevenson, tais fatores são reconhecidos 
pelos filósofos, que não se entendem, todavia, quanto à proporção entre o inato e o assimilado. Alguns 
pensadores enfatizam a importância do social, como Platão, Marx e Skinner, que preconizam a mudança das 
pessoas por meio de transformação nas estruturas sociais. Já a corrente filosófica formada pelo cristianismo e 
pensamento de Freud e de Lorenz defende a ideia de que os limites da transformação do homem se acham 
em sua natureza inata e universal.2 
No plano filosófico, inúmeras outras indagações se colocam no campo de análise quanto ao natural na 
espécie humana. As teorias materialistas e dualistas questionam a composição do ser humano. Para a 
primeira corrente, o homem se compõe apenas de matéria, nada lhe podendo restar com a morte. Todas as 
funções humanas teriam base e explicação em fenômenos físicos. Para o dualismo, a pessoa, além de 
matéria, teria a dimensão espiritual, não se podendo reduzir as suas manifestações vitais a reações corporais. 
Outro dissenso filosófico em torno da natureza humana se manifesta quanto à base das ações. Para o 
determinismo, não haveria espontaneidade no agente, que atuaria motivado por certos impulsos, 
identificados por Marx com o econômico e, por Freud, com o elemento interno ao próprio ser. Em oposição 
ao determinismo, situa-se a teoria do livre arbítrio, cujos adeptos situam a liberdade na base das ações. Os 
homens seriam livres na eleição de seus valores e em suas decisões. 
Após a análise das concepções de sete teorias sobre a matéria, reunindo os pensamentos de Platão, da 
corrente do cristianismo, de Marx, Freud, Sartre, Skinner e Lorenz, o professor da Universidade de Oxford, 
Leslie Stevenson, concluiu que as diferentes opiniões, embora registrem sérias discordâncias, não são 
antitéticas ou inconciliáveis. Cada qual apresenta importantes aspectos à mais ampla compreensão da 
natureza humana. 
CARACTERES FUNDAMENTAIS DO DIREITO NATURAL 
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https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788530990244/epub/OEBPS/Text/23_chapter15.xhtml?favre=brett#pg186fne0c1
4 
 
Os direitos naturais são eternos, imutáveis e universais? Partindo-se do entendimento, hoje 
generalizado, de que o Jus Naturae não possui caráter normativo e se compendia em grandes princípios, cuja 
fonte é ordem natural das coisas, é possível reconhecer-lhe os atributos de fixidez e generalidade. O direito à 
vida, à liberdade, à igual oportunidade são a-históricos e se impõem incondicionalmente. O seu 
desdobramento em princípios de menor abstração ou em regras práticas é passível de mutação no tempo e no 
espaço. O avanço gnoseológico, a mudança nos costumes, o surgimento de crises sociais e de progresso dão 
nova fisionomia à sociedade e reclamam adequada renovação nos instrumentos legais. As estruturas de 
poder, em consequência, devem promover a reformulação da ordem jurídica. A criação de novos institutos 
ou a modernização de antigos códigos é providência a ser tomada em consonância com a vontade popular, de 
que os detentores do poder devem ser intérpretes, respeitados sempre aqueles princípios majoritários, 
verdadeiras matrizes do direito universal. Não há incompatibilidade entre o Direito Natural e o processo 
histórico ou dialético. O substrato é fixo; as aplicações, variáveis. Como princípio, é inquestionável. A 
extensão de seu exercício, porém, é cambiável em função das condições históricas. A regulamentação 
positiva do Direito exige o concurso da razão e a presença do valor justiça, a fim de que as fórmulas de 
adaptação preservem a sua essência. 
Ao desenvolver a sua tese do Direito Natural de conteúdo variável, R. Stammler sustentou que “não há 
possibilidade alguma de afirmar o conteúdo condicionado de uma norma jurídica qualquer como um ideal 
absoluto para todos os tempos e todos os lugares”.3 Embora a uniformidade do Direito Natural conste de 
princípios e não de normas, os sistemas jurídicos contemporâneos registram regras com validade invariável. 
Nesse sentido: matar alguém, fato punível; reduzir o ser humano à condição de escravo, delito; ato ilícito, 
indenização devida. 
O pensamento stammleriano, segundo o qual “não há uma só norma jurídica que possa afirmar-se a 
priori quanto ao conteúdo que se encerra”,4 é refutado pela experiência. Se há regras assentes no Direito 
universal e que se perpetuam no tempo, infere-se a possibilidade apriorística de sua promulgação. 
Georges Renard sustentou a tese do Direito Natural de conteúdo progressivo, partindo da ideia de que 
o Jus Naturae se caracterizaria apenas pela finalidade de orientar a elaboração do Direito Positivo. A lei 
natural seria fixa, enquanto o conhecimento humano a seu respeito, progressivo. Para o jurisfilósofo francês, 
o progresso do Direito Natural seria o desenvolvimento das virtualidades contidas em seu princípio. 
Enquanto o Jus Positum “representa a categoria da estabilidade, o Direito Natural representa a categoria do 
progresso”.5 
Tanto o Direito Comparado quanto a História do Direito confirmam os atributos citados. O Direito de 
variados povos registra ponderáveis coincidências axiológicas, que não decorrem do acaso, mas de uma 
razão superior: a universal natureza humana. A distinção de culturas implica certamente a distinção de 
estatutos coercitivos, que se distanciam no acidental e se homogeneizam no fundamental. 
A proteção à vida, à liberdade, à integridade física e moral, ao patrimônio é denominador comum, pois 
as fórmulas legislativas não se apresentam unitárias em face da multiplicidade das experiências 
sociais. Matar alguém é delito previsto na legislação de todos os povos civilizados em razão do direito 
natural à vida. A espécie de punição e a sua intensidade; os motivos excludentes de criminalidade; as 
circunstâncias que agravam, ou diminuem a pena, embora revelem certa convergência entre as legislações, 
são particulares a cada sistema jurídico. A pesquisa histórica oferece, também, atestado de estabilidade e 
permanência ao Direito Natural. O demasiado recuo no tempo pode acusar o contrário, fato esse a ser 
atribuído a atrasos culturais, conforme se passou com o instituto da escravidão ou da chamada morte civil 
entre os romanos. 
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5 
 
Esta linha de pensamento não retrata o Direito Natural como obstáculo ao desenvolvimento, antes o 
assimila e o situa como processo de adaptação social tanto quanto o Direito Positivo, desde que 
consideremos as aplicações como seu prolongamento. Não há antítese, pois, entre o jusnaturalismo 
contemporâneo e os reclamos da história. Os princípios do Direito Natural não constituem objeto cultural, 
mas o seu desdobramento é produto da experiência humana. Oposição entre a doutrina jusnaturalista e 
história somente existe na concepção radical do historicismo, para o qual tudo é contingente e mutável no 
Direito. A prevalecer tal versão, o Direito perderia a sua condição de ciência, pois esta pressupõe elementos 
necessários e universais. Pelo menos em relação ao Direito material é o Jus Naturae que garante a 
cientificidade do Direito. Se a presença do Direito Natural na lei de fundo é nítida, não se pode negar a sua 
influência também na formulação da lei instrumental ou processual, onde as partes devem ser tratadas com 
igualdade, onde ninguém pode ser julgado sem a oportunidade de defesa. 
Apoiando-se em Kant, para quem não era possível derivar o dever-ser do ser, Gustav Radbruch, que se 
converteu ao jusnaturalismo, rebateu o positivismo, o historicismo e o evolucionismo, sob o fundamento de 
que derivam o dever-ser jurídico, respectivamente, daquilo que é, foi ou virá a ser.6 
O Direito Natural não é, em si, conservador ou revolucionário. A tábua de valores que encerra deve 
nortear sempre o Jus Positum. Assim, quando este é uma projeção daquele, o argumento do Jus Naturae se 
revela conservador; quando há desarmonia entre ambos, a evocação de seus princípios se faz visando à 
transformação, mantendo-se, assim, de índole revolucionária. Em outras palavras, encontramos este 
pensamento expresso por Gustav Radbruch: “Vemos, na história, ora o Direito Natural estar a serviço do 
Direito Positivo, para o fortalecer, ora, inversamente, ser um auxiliar na luta contra o Direito Positivo, para o 
reformar.”7 
Em sua primeira fase de pensamento, quando rejeitava a tese jusnaturalista, escreveu Radbruch que a 
pretensão do Direito Natural de constituir-se fonte de normas universais e imutáveis não poderia ser refutada 
empiricamente; o argumento decisivo contra o Direito Natural não teria sido apresentado pela História do 
Direito ou pelo Direito Comparado, que não registram, efetivamente, igualdade nos sistemas jurídicos de 
diferentes povos, mas pela teoria do conhecimento, especificamente pela versão kantiana, que afirmou não 
ser a razão um depósito de conhecimentos teoréticos ou de normas morais e estéticas, mas tão somente o 
meio de se alcançar o conhecimento e as normas.8 Entendendo que o universal seria apenas a categoria do 
direito justo, não as suas aplicações, admitia poder identificar-se aquela categoria pela expressão Direito 
Natural.9 
DIREITO POSITIVO E DIREITO NATURAL 
Enquanto as leis positivas ordenam a sociedade, o Direito Natural influencia as fontes geradoras de 
normas jurídicas, que devem ser receptivas àqueles princípios maiores. Importante, todavia, é que o papel do 
Direito Natural não se esgota em sua função indicativa. É opinião prevalente na Filosofia do Direito que o 
sistema de legalidade, por si só, não é suficiente, pois pressupõe ainda legitimidade e entre as fontes de 
legitimidade encontra-se o Direito Natural. Não houvesse oportunidade, sob certas condições, para que o 
Direito Natural se impusesse diretamente na ordem social, os conceitos de lei e de Direito se igualariam e 
razão assistiria a Hans Kelsen com a sua teoria pura do Direito. Se o Direito Natural se limitasse à função 
indicativa, haveríamos de concordar com Tobias Barreto, para quem “não existe um Direito Natural; mas há 
uma lei natural do Direito”, assim como “não existe uma linguagem natural, mas existe uma lei natural da 
linguagem; não há uma indústria natural, mas há uma lei natural da indústria; não há uma arte natural, mas 
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6 
 
há uma lei natural da arte”.10 Ocorre, todavia, que o Direito Natural possui também função ordenadora, que se 
manifesta quando se identificam, com ele, os princípios gerais de Direito; quando se autoriza o magistrado a 
decidir com equidade; quando se registram diferentes formas de resistência ao direito ilegítimo. 
Se no Direito Natural se destaca a atuação do filósofo e no Direito Positivo, a figura do jurista, é de 
reconhecer que não podem as duas ordens se apresentar como departamentos alheios entre si. A formação do 
Direito Positivo e a sua aplicação exigem a atuação do jurista prático e a presença do teórico, identificado 
este com o jurisfilósofo. Se o conjunto de princípios é alcançado pela reflexão, a sua conversão em Direito 
Positivo, sem se esgotar, exige o jurista prático. Como a tarefa do Direito Natural não se limita a orientar ao 
legislador, pois deve influenciar na aplicação do Direito aos casos concretos, o juiz há de possuir o pendor 
para a reflexão, pois a sua missão não lhe impõe o sacrifício da neutralidade axiológica. 
O Direito Costumeiro, que possui alguns elementos em comum com o Direito Natural, não se confunde 
com este. Como as normas do Direito Natural, as costumeiras não são produções estatais e não são escritas. 
Embora não aflorem no ordenamento jurídico tão espontaneamente quanto se propala, há muito 
de natural na sua formação. O Direito Costumeiro tende a ser uma expressão do natural que existe no 
homem e na sociedade, enquanto o Direito Natural não é uma tendência do natural que existe no homem, 
mas a própria expressão da natureza humana e não resulta do modus vivendi da sociedade. Neste último 
aspecto, impõe-se uma distinção: por consubstanciar-se em grandes princípios, o Direito Natural é aplicável 
com variação no tempo e no espaço. A sua região ontológica não é o mundo da cultura, conforme o Direito 
Costumeiro, mas o da natureza humana. 
Há uma tendência no Direito Costumeiro de consagrar os princípios do justo, mas não há uma garantia 
a esse respeito, pois fatores diversos podem influenciar na cristalização de normas que se afastem do bem. 
O Jus Naturae é a encarnação do justo, que dele não se dissocia. Quando o Direito Costumeiro torna-se 
escrito deixa de ser consuetudinário e se transforma em Direito legal; quando consagrado em textos 
legislativos, os princípios do Direito Natural se convertem em Direito Positivo. No primeiro caso, tem-se 
o Jus Positum de raiz costumeira; no segundo, o Jus Positum com origem jusnaturalista. Em ambas 
hipóteses, tem-se Direito que se legitima pela fonte. 
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO NATURAL 
Para que haja correspondência entre o Direito Natural e a sua efetiva concreção, é indispensável que se 
identifique aquela instância superior com princípios estruturais que, em contato com a realidade fática, se 
desdobrem em princípios menos amplos, em normas jurídicas. Para expressar a natureza humana e, ao 
mesmo tempo, atender às necessidades do momento histórico, forçosamente há de reunir princípios 
amplamente abstratos e abrangentes, aptos à modelagem de regras sintonizadas com a práxis. As concepções 
jusnaturalistas atuais apartam-se do racionalismo imperante nos séculos XVII e XVIII, que convertia o 
Direito Natural em códigos reguladores da vida social. Hodiernamente, não se concebe o Jus Naturae de 
índole normativa,mas, a exemplo do projetado na Idade Média, em grandes princípios, a partir dos quais o 
legislador e o aplicador do Direito podem deduzir fórmulas menos abstratas. 
Tutela à vida, garantia à liberdade e à igualdade de oportunidade, em nossa opinião, formam os 
princípios constitucionais do Direito Natural. Cada qual possui um núcleo de ilimitado potencial, capaz de 
irradiar princípios com plasticidade e poder de adaptação ao movimento social. Se colocarmos em parênteses 
o que há de contingente nas normas jurídicas, os princípios remanescentes hão de revelar nítida convergência 
àqueles focos potenciadores. 
https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788530990244/epub/OEBPS/Text/23_chapter15.xhtml?favre=brett#pg189fne0c3
7 
 
Os princípios constitucionais são acessíveis através da indução, a partir da observação das tendências 
comuns ao gênero humano. É fato da experiência que o homem atribui valor excelso à vida, dispensando-lhe 
especial cuidado, tanto por instinto quanto racionalmente. Salvo exceções patológicas, o homem atua junto à 
natureza e desenvolve a cultura, individual e socialmente, visando à segurança de sua vida. Esta se apresenta 
pelo binômio matéria e espírito que, em uma visão realista, se interdependem. A proteção a esse bem 
superior se faz provendo às exigências básicas corporais e anímicas. 
Pressuposto para a fruição de todos os outros bens, a vida humana é envolvida por certezas e dúvidas. 
Certezas quanto a sua finitude e carências; dúvidas quanto a sua origem, fim e razão fundamental. O homem 
questiona a vida sob o ângulo da justiça, mas dela não abdica. Qualquer ordenamento jurídico, 
necessariamente, há de ser concebido a partir da preocupação com a coexistência, ou seja, com a promoção 
do social e proteção à vida individual. O direito à vida se revela antecedente aos demais direitos. Consistindo 
a vida no binômio referido, a sua proteção não se opera exclusivamente com a criminalização do homicídio, 
infanticídio ou aborto. Protege-se a vida quando se pune o abandono material, preserva-se a ecologia, 
resguarda-se a saúde, garantem-se as condições mínimas de sobrevivência. Além da tutela estritamente 
biológica, a vida humana requer atenção e respeito à honra, à dignidade que lhe é inerente. 
Ontologicamente distintas em suas noções, vida e liberdade se interdependem. A abordagem do valor 
vida prescinde, até certo ponto, de referência à liberdade. À medida, porém, que se aprofunda na análise, 
torna-se indispensável a evocação desse valor. Sendo a vida humana, fundamentalmente, um atuar e 
um poder atuar perenes, havemos de reconhecer que a liberdade é uma de suas condições. 
Se a liberdade é fator essencial à vida, somente haverá vida onde houver liberdade. Em face da 
realidade exterior, a razão indica ao homem as alternativas possíveis; a escolha e realização são atos de 
liberdade. O Direito não proporciona efetiva proteção à vida sem a concomitante promoção da liberdade. 
Esta se desdobra nos planos fático e intelectual e significa autodeterminação. Liberdade é ausência de 
restrição convencionalmente imposta pelo mundo exterior e não decorrente da razão. Associamos, assim, a 
ideia de liberdade ao continente das relações sociais. O limite que a lei natural estabelece não constitui uma 
restrição à liberdade, pois esta se situa na esfera de um leque possível de atuações. Por conseguinte, o fato de 
o homem não possuir a faculdade de voar não configura cerceamento à sua liberdade. 
Desenvolvendo-se em sociedade, a vida humana deve ser considerada no plexo das demais vidas, 
dentro de uma relação em que a liberdade de um não se manifesta em detrimento da liberdade de outro. Viver 
em sociedade pressupõe, ao mesmo tempo, busca de proteção e espírito conformado a limitações e 
cobranças. As limitações, todavia, têm também os seus limites. A parte da liberdade que os homens abdicam 
pela participação na sociedade não pode ser a essencial, a que diz respeito à sua própria dignidade e que é 
indispensável ao exercício da vida. 
Tanto quanto a vida, a liberdade há de ser protegida pelo Direito. Essa tutela é necessária e não 
constitui dádiva do legislador, mas imperativo da razão. Por traduzir permanente anseio do homem, não é 
algo contingente ou fenômeno histórico. Ínsita à natureza humana, a liberdade é um bem fundamental que 
não se deve condicionar a ideologias, nacionalidades, mas tão somente à liberdade geral. No ordenamento 
jurídico brasileiro, a máxima afirmação da liberdade se acha gravada na Constituição da República 
Federativa, artigo 5o, item II: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em 
virtude de lei.” Embora relevante, tal princípio não é suficiente para a garantia da liberdade, que exige, ainda, 
seja a lei substancialmente justa, e isto ocorre quando a medida legal dá efetivamente a cada um o que é seu. 
O terceiro princípio que enunciamos é de natureza complementar: igualdade de oportunidade a ser 
promovida pela ordem jurídica. A vida e a liberdade dos indivíduos não se efetivarão plenamente se a 
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sociedade não se achar organizada sob a égide desse princípio. É preciso que o princípio não se limite ao 
texto de lei e obtenha efetividade na estrutura social. Impõe-se, por ele, não apenas a eliminação das 
discriminações; é preciso que se ofereça oportunidade a todas as pessoas, primeiramente para o seu 
desenvolvimento e formação e, depois, para alçar posições e projetar-se socialmente em razão de seu mérito 
ou capacidade. 
O DIREITO NATURAL VISTO COMO IDEOLOGIA 
A tentativa de comprometer o Direito Natural com uma determinada ordem política ou econômica, para 
situá-lo no plano das injunções sociais, apesar de ma-nifestar-se nos domínios da Filosofia do Direito, não 
foi idealizada em um processo de reflexão jurídica; não é o resultado de um pensamento amadurecido sobre 
os fundamentos do Direito. Tal pretensão originou-se além do território jurídico: no âmbito da doutrina 
marxista, nesse vastíssimo campo monopolizado pela visão econômica do universo. Não constitui, pois, 
articulação isolada, mas uma das muitas derivações de uma concepção genérica e abrangedora da vida social. 
A teoria desencadeante dessa linha de pensamento é representada pela interpretação materialista da 
história, que faz da economia o centro de gravidade de todo o processo cultural da sociedade. Para ela, na 
exposição de Hans Kelsen, “no es la consciencia (Bewusstsein) de los hombres lo que determina su 
existencia (Sein), sino por el contrario su existencia social (gesellschaftliches Sein) la que determina su 
consciencia”.11 Os meios de produção, como infraestrutura social, condicionam a superestrutura, formada 
pelos segmentos culturais: Direito, Moral, Religião, Política, entre outros, que são manipulados pelo fator 
econômico. Tais processos ocultam interesses materiais, assumindo, por conseguinte, caráter ideológico. O 
desdobramento dessa ideia-matriz, segundo alguns autores, alcançaria o Direito Natural, que também estaria 
“contaminado”, pois se relaciona com o Direito Positivo, indicando-lhe princípios básicos e alguns limites. 
Para o pensamento marxista “las ideas eternas del derecho y la justicia son ilusiones”.12 Eugeny B. Pasukanis 
chegou a afirmar que seria ridículo admitir um critério eterno e absoluto para a ideia de justiça. Esta teria um 
alcance limitado, pois se referia apenas às relações de troca.13 
Ao afirmar que não haveria direitos naturais inalienáveis, mas apenas algo “conveniente” para o 
momento histórico, Friedrich Engels representou a ideia do Direito Natural a partir de uma visão 
utilitarista.14 Tal pensamento foi absorvido pelos juristas soviéticos, que alegaram já não ser suficiente ao 
Direito burguês, em seu propósito de enganar os trabalhadores, proclamar o equilíbrio e a justiça de seus 
princípios. Conforme V. A. Tumánov, em obra coletiva dirigida por N. G. Alexándrov, torna-se 
indispensável encobrir-seo ordenamento jurídico com um “rico ornamento sociológico-filosófico, que trata 
de complicar la naturaleza del Derecho y de ocultar la esencia explotadora y de clase del Derecho 
burgués”.15 O Direito Natural seria um instrumento capitalista, com dupla função: justificar as mudanças 
contínuas que se operam na superestrutura jurídica da sociedade burguesa e pretexto para o abandono da 
legalidade. 
A doutrina marxista, ao fixar a sua perspectiva de análise no elemento histórico, contesta o 
jusnaturalismo em suas diversas manifestações. Ao chamado “Direito Natural divino”, foi atribuída a função 
de suporte das pretensões capitalistas. Seus princípios justificavam a propriedade privada e esta promovia a 
desigualdade social “supuestamente necesaria para que Dios ponga a prueba las virtudes 
humanas”.16 Somente a lei burguesa seria Direito, pois apenas ela consagrava a propriedade privada e a 
“exploração do homem pelo homem”. Em consequência de tal premissa, a legislação socialista não seria 
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Direito, pois não admitia tanto a propriedade privada quanto a “exploração”. Ainda para V. A. Tumánov, 
“las apelaciones que a Dios hacen los neotomistas rebosan de una refinada demagogia social”. 
Referindo-se ao jusnaturalismo da época da Revolução Francesa como “a função ideológica do direito 
natural, função de ocultação”, Michel Miaille interpreta o papel dessa doutrina no século XVIII: “O direito 
racional, que se apresenta como ideal, eterno e universal, mais não faz do que ocultar a função própria e real 
que desempenha: permitir a passagem a um outro tipo de economia e de relação político-social, sem dizer 
evidentemente a favor de quem se realiza esta passagem.”17 Em relação ao século XIX, declara que as lutas 
travadas indicam “o caráter profundamente enganador deste pretenso direito natural, igual para todos, e 
promotor da dignidade humana”. 
Na interpretação de V. A. Tumánov, o papel reservado ao “novo Direito Natural” – jusnaturalismo 
contemporâneo – difere daquele atribuído pelas teorias dos séculos XVII e XVIII, período em que a 
burguesia ainda não havia assumido o poder. Atualmente o pensamento dessa classe dominante recorre às 
ideias do Direito Natural “para defender o sistema capitalista putrefato e caduco”. As instituições vigentes se 
apoiam na propriedade privada e liberdade de empresa, que encontram justificação, por sua vez, na lei mais 
alta. 
Abandonando o pensamento soviético e a doutrina marxista, encontramos juristas contemporâneos que, 
além de apresentarem o Direito Natural como objeto ideológico, colocam em dúvida a função dos valores 
jurídicos fundamentais, com a finalidade aberta de censurarem o sistema capitalista ou desmascararem 
regimes políticos. O jusfilósofo espanhol Elías Díaz, em dois escritos, revela uma acentuada preocupação em 
retratar a doutrina do Direito Natural como serventia do poder, como “cobertura ideológica absolutamente 
justificadora de uma certa ordem jurídico-positiva e de um certo estado de coisas”18 Em sua obra El Derecho 
como Obstáculo al Cambio Social, Eduardo Novoa Monreal procura rechaçar o dualismo jurídico e 
comprometer os valores justiça e segurança jurídica com a filosofia liberal-individualista. Para o autor 
chileno, tanto o Direito Natural quanto a ideia de justiça constituem “mitos”, criações utilitaristas que visam 
a envolver o Direito Positivo com uma aura de misticismo, a fim de impor a submissão. “É – diz Monreal –
 como se os grupos e classes que têm dominado nos últimos séculos as sociedades mais representativas do 
mundo ocidental se houvessem proposto, imitando aos bruxos das tribos primitivas, ornar as regras 
jurídicas destinadas a consolidar seu poder com um conjunto de virtudes secretas e de apoios 
intimidantes...”.19 
Após negar à justiça a condição de objeto do Direito, Monreal procura solapar certos princípios do mais 
alto sentido para a organização social: irretroatividade da lei, segurança e certeza jurídicas. Como produto do 
pensamento liberal--individualista, a doutrina da irretroatividade da lei possui um caráter conservador e 
antissocial. A presunção de que a lei nova possui maior probabilidade de traduzir as aspirações sociais, leva-
o a afirmar que: “Não tem fundamento lógico nem social a proposição de manter intangível uma situação 
criada ao amparo da lei antiga”.20 Ao aludir à segurança e à certeza jurídicas como valores criados pelos 
juristas, com o objetivo de impedirem a renovação do Direito, Monreal endossa o pensamento de Nietzsche, 
mais tarde consagrado como lema pelo fascismo: vivere pericolosamente. 
Finalmente, entre os autores selecionados, destacamos o pensamento de Celso de Albuquerque Mello, 
eminente jurista brasileiro, que enfatiza a necessidade de se reconhecer, no Direito, o seu caráter político e 
não “algo técnico e cientificamente neutro”. Além de identificar no ordenamento jurídico “sempre um 
conteúdo ideológico”, condiciona os valores justiça e segurança jurídica à política, que para ele “está acima 
do direito”.21 
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A REALIDADE DO DIREITO NATURAL 
Não se cogita, nesta parte, da justificação plena do Direito Natural, mas de uma contra-argumentação 
limitada à tese socialista. É claro que as críticas dirigidas a essa lei mais alta são numerosas e diversificadas 
no mérito, de acordo com Norberto Bobbio, em dois grupos “secondo che abbiano preso di mira il sostantivo 
o l’aggettivo, cioà abbiano negato che il diritto naturale sia diritto o che il diritto propriamente detto possa 
dirsi naturale”.22 
Ao longo da história do pensamento jurídico, a ideia do Direito Natural tem sido alvo de um 
permanente conflito de opiniões, tal a sua importância na Filosofia do Direito e sobre os critérios de 
avaliação e obediência à ordem jurídica. A oposição maior concentrou-se no período correspondente à 
segunda metade do século passado e primeiro quartel do atual, movida, de um lado, pela doutrina jurídica, 
expressa no positivismo e Escola Histórica do Direito e, de outro, pela teoria do materialismo histórico. Uma 
distância, porém, separa as duas formas de antagonismo. Enquanto o primeiro vale-se do raciocínio lógico, 
relacionado à Jurisprudência, os mentores do marxismo e de outras correntes socialistas fundam-se em 
argumentos de índole política, artificiosos, que emascaram o alcance maior de sua pretensão, que não é a de 
invalidar o Direito Natural em si, mas o de demonstrar a inteireza e a harmonia de toda uma filosofia 
englobante e explicativa da vida social. 
Se é verdade que os juristas soviéticos e autores socialistas negam-se a admitir uma outra ordem 
jurídica além da positiva, o pensamento de Karl Marx, em relação ao Direito,não ficou suficientemente 
esclarecido. Neste sentido, W. Friedmann observa que “nem Marx, nem Engels, tiveram tempo para a 
elaboração de uma teoria jurídica do socialismo”.23 
Perdura uma dúvida importante, conforme Hans Kelsen menciona, se a preconizada extinção do Direito 
atingiria apenas o “burguês” ou seria de alcance pleno. Quanto à doutrina soviética, esta se revela 
inconciliável com o pensamento jusnaturalista, ponto em que estão acordes autores de diferentes tendências. 
Eduardo Novoa Monreal refere-se ao assunto, afirmando que: “Las tesis de que el Derecho es una 
superestructura cuyo carácter es determinado, en última instancia, por las condiciones economicas de la 
sociedad y de que el Estado soviético no está limitado por el Derecho sino que es su creador y maestro, 
suponen una repulsa rotunda del Derecho Natural.”24 Em obra coletiva, o norte-americano C. C. Rodee e 
demais colaboradores concluem no mesmo sentido, ao salientarem que aquela doutrina rejeita os “conceitos 
universais de direito e de justiça” para utilizar a lei como instrumento a serviço da política nacional, de classe 
e de ideologia.25 
O equívoco fundamental, que se localiza na base das presentes objeções à ordem superior, consiste na 
tomada, para análise e crítica, de algumas concepções falhas do Direito Natural. Quando se coloca em 
julgamento o Direito Natural, é indispensável que se considere o objeto mediante lúcida compreensão. A 
existência do Direito Natural pressupõe apenas a convivência humana e não depende de teorizações. A sua 
fonte é a natureza humana, a ordem natural das coisas, e não a mente dos filósofos ou políticos. A sua 
compreensão é alcançada pela conjugação da experiência e razão; não emana de uma revelação. Não é uma 
entidade metafísica, algo que plane acima dos homens. É uma ordem condicionada pela dimensão social do 
homem. 
O seu papel é preservar as condições sociais necessárias para que o projeto aberto de existência, que o 
homem constitui, se viabilize de acordo com as suas potências construtivas. Esse Direito não é normativo, 
mas apenas reúne princípios fundamentais, sem qualquer compromisso ou vinculação com alguma ordem 
política. Não é, por natureza, conservador ou revolucionário. Seus critérios atuam como bússola para o 
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legislador. Quando o Direito Positivo se ordena conforme a lei mais alta, esta exerce a função conservadora. 
Essa aprovação não implica, contudo, imobilismo das instituições jurídicas, pois a evolução pode e deve 
operar-se preservando-se os princípios fundamentais. A segurança jurídica, que encampa a certeza e a 
irretroatividade da lei como valor condicionante da justiça, não é um produto do Estado-gendarme; não se 
concilia apenas com a filosofia liberal-individualista. Representa, antes, uma aspiração comum aos homens 
de todas as partes e ideologias. 
O CARÁTER NÃO IDEOLÓGICO DO DIREITO NATURAL 
Da análise e reflexão encetadas no presente capítulo, resulta que o Direito Natural não possui a função 
de ocultar interesses materiais ou propósitos políticos. Não é ideológico. As diretrizes que traça para o 
Direito Positivo não decorrem de convenções humanas; seus princípios não são estabelecidos à luz de 
acontecimentos históricos. É claro que os seus postulados podem ser objeto de manipulação tendenciosa. 
Tudo depende, então, de se saber distinguir o verdadeiro do falso, o natural do artificioso, o legítimo do 
ilegítimo. O que não é admissível é a atitude de se identificar o Direito Natural com as interpretações 
ilusórias ou manobras maquiavélicas. Abandonar a ideia do Direito Natural é manifestação mais grave ainda, 
porque tal renúncia corresponde à tese de que não há, para o Estado, qualquer limite na sua tarefa de legislar, 
sendo-lhe franqueadas todas as formas de totalitarismo. 
Se, como vimos, a ideia do Direito Natural se mostrava inconciliável com o Direito soviético, o mesmo 
não se pode dizer em relação à sociedade plenamente socializada nos meios de produção. No plano da mera 
hipótese e utopia, se essa ideia se viabilizasse, seguida da extinção do Direito Positivo e do Estado, advindo, 
daí, a paz social, o que ocorreria, na prática, seria a vivência daquele Direito. Essa convergência entre o 
Direito Natural e o pensamento de Karl Marx não é apenas uma possibilidade, mas fato concreto, já apontado 
por Hans Kelsen que, sob o título La Interpretación de Marx de la Sociedad como Doctrina de Derecho 
Natural, colocou-a em destaque.26 
O reconhecimento da existência de uma justiça absoluta, que não varia no tempo e no espaço, revela-se 
decorrência lógica e necessária da admissão do Direito Natural. Como este é eterno, imutável e universal em 
seus princípios, a justiça absoluta, alimentando-se nesses princípios, será a medida pela qual se irá atribuir “a 
cada um o que é seu”. 
A amplitude e abstratividade dos princípios do Direito Natural não criam obstáculo à função prática 
desta esfera. A divergência entre os jusnaturalistas, na discriminação e dedução desses critérios, também não 
constitui impedimento como, equivocamente, Michel Miaille proclama.27 A Declaração Universal dos 
Direitos do Homem, que encarna os postulados da lei mais alta e orienta o Direito das nações mais cultas, 
não obstante as restrições que sofre, é prova incontestável da efetividade do Direito Natural. 
 
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