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Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011 1 
RAÍZES DO BRASIL E SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA: 
RELAÇÃO SIMBIÓTICA ENTRE A OBRA E O INTELECTUAL1 
 
ANDRÉ CARLOS FURTADO

 
 
Introdução 
 
Ibéria. Com este termo híbrido Sérgio Buarque de Holanda situa num mesmo 
espaço geográfico Portugal e Espanha, com o fito de separá-los da Europa e 
posteriormente diferenciar um do outro, dando-lhes o tom característico de suas 
peculiaridades. O termo representava a ponte pela qual o velho continente estabeleceu 
suas conexões com o novo mundo, no tempo em que as embarcações ganharam o 
Atlântico. Para além destas constatações que o primeiro capítulo de Raízes do Brasil 
(1936) oferece ao seu leitor, Fronteiras da Europa é o ensaio que dá abertura à obra, 
porque no entendimento de um cidadão brasileiro do círculo de intelectuais da década 
de 1930 – especialmente este decênio por ser ele o período em que se registraram 
mudanças significativas na esfera política do país –, era imprescindível distinguir o 
nativo, daquilo que fosse estrangeiro na composição do elemento nacional. 
A interrogação do desígnio da nacionalidade, que remontava já ao século XIX, 
direcionou-se no sentido de saber quem era o brasileiro, redescobrindo assim a Terra de 
Vera Cruz. Aliás, o problema parecia ser justamente este: redescobrir o Brasil através de 
um olhar ibérico ou europeu em que pululavam termos de igual natureza, só poderia 
gerar uma visão turva que não representava mais o real. O que a intelligentsia brasileira 
da década de trinta requeria era definido pela palavra originalidade. Destarte, este 
estudo objetiva não só realizar uma apresentação sucinta dos capítulos de Raízes do 
Brasil, mas interpretá-los e apontar distâncias ou aproximações com outros livros 
publicados no período, num esforço para unir idéias e lugares (CERTEAU, 1982) por 
onde Sérgio Buarque de Holanda transitou. 
 
1 Este artigo é um excerto da monografia apresentada pelo autor em dezembro de 2010 (Sérgio Buarque 
de Holanda, modernista: as relações do livro Raízes do Brasil com os debates da década de vinte. 
Disponível em: < http://www.bc.furb.br/docs/MO/2011/345945_1_1.pdf>. 
 Graduado em História na Universidade Regional de Blumenau – FURB. Contato: 
a.c.furtado@hotmail.com. 
 
 
Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011 2 
Entre os ensaios do livro, encontram-se, respectivamente, Fronteiras da Europa, 
Trabalho e Aventura, Herança Rural, O Semeador e o Ladrilhador, O Homem Cordial, 
Novos Tempos e Nossa Revolução. Para analisá-los, recorrerei ao método histórico, 
considerando não só o tempo referente ao desenrolar dos acontecimentos e processos, 
mas também a produção de narrativas, historiográficas ou não, sobre esses mesmos 
acontecimentos e processos. Quanto à forma, inicialmente discutirei os dois primeiros 
capítulos da obra, por entender que eles representam uma interpretação mais voltada 
para os espaços do continente europeu. Na seqüência, observando que a fala de Sérgio 
Buarque de Holanda situa-se de maneira mais detida na América, Brasil em particular, 
será dado atenção ao terceiro, quarto e quinto ensaio de Raízes do Brasil. Por fim, 
haverá um item, cujo debate estará voltado para a análise dos dois últimos capítulos do 
livro, porque em suas composições textuais pode se verificar um tempo verbal que 
indica a contemporaneidade daquela década. 
 
A busca por originalidade e o elogio à colonização 
 
Antes da publicação de Raízes do Brasil, Sérgio Buarque de Holanda havia 
convivido com o tempo “dos grandes carnavais, o tempo dos cassinos, o tempo do Lido, 
o tempo da Praia de Copacabana” (HOLANDA, M. A., 2002: 03). Mas também com o 
tempo da Crise de 1929, da Revolução de 1930, de Getúlio Vargas, da criação de leis 
trabalhistas, do voto feminino e dos fascismos mundo afora. Este último foi visto em 
sua versão alemã, quando o intelectual paulista se encontrava naquele país a trabalho 
para jornais brasileiros, no início da década de 1930. 
Com o impacto da crise econômica mundial de 1929, os livros brasileiros 
ganham projeção, podendo competir com os importados, cujas editoras chegaram a falir. 
“Autores, editores e público leitor compõem um sistema que funciona à base de 
estímulos múltiplos e recíprocos.” (OLIVEIRA, 2003: 331). Não por acaso, “um texto 
só existe se houver um leitor para lhe dar um significado” (CHARTIER, 1994: 11). 
Diante de circunstâncias históricas de natureza mencionada, “como sustentar ainda que 
o político não se refere às verdadeiras realidades, quando ele tem por objeto geri-las?” 
(RÉMOND, 1996: 24). 
 
Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011 3 
Neste sentido é necessário atentar acerca da editora que tornou o livro de Sérgio 
Buarque público, a José Olympio, pois este dado cresce em importância na medida em 
que se considera o postulado segundo o qual o autor de um livro, “tal como ele faz a sua 
reaparição na história e na teoria literária, é, ao mesmo tempo, dependente e reprimido” 
(CHARTIER, 1994: 35). Isto se deve, em primeiro lugar, por não ser ele o ordenador do 
sentido do texto, uma vez que suas intenções não se impõem nem aos livreiro-editores 
ou aos operários que se responsabilizam pela impressão, tampouco aos leitores. E, 
reprimido, porque o autor tem de se submeter justamente às múltiplas determinações 
dos responsáveis pela produção literária e dos matizes da escrita. 
Dentre os editores que se firmavam no período, destaca-se José Olympio, pois se 
transferiu de São Paulo para o Rio de Janeiro no encalço dos autores nordestinos, 
conquistando e publicando todos os escritores importantes de seu tempo. Em 1936 cria a 
Coleção Documentos Brasileiros, sendo Raízes do Brasil seu primeiro volume. Por si só 
este empreendimento representava o boom editorial do período. 
No capítulo de abertura, Fronteiras da Europa, a colonização dos trópicos e, em 
especial, da América lusa, é vista como uma tentativa portuguesa de implantação de sua 
cultura. Essa tentativa deixava transparecer que tamanho esforço, ao representar o fato 
dominante, abandonava a sociedade à deriva e condenava o Brasil ao desterro. É nele 
que aparece o elemento essencial no argumento de Sérgio Buarque: a herança cultural 
ibérica e os traços que esta assumiria na sociedade brasileira (CAVALCANTE, 2008). 
 
[...] somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra. Podemos construir 
obras excelentes, enriquecer nossa humanidade de aspectos novos e 
imprevistos, elevar à perfeição o tipo de civilização que representamos: o 
certo é que todo fruto de nosso trabalho ou de nossa preguiça parece 
participar de um sistema de evolução próprio de outro clima e de outra 
paisagem (HOLANDA, 1995: 31). 
 
Logo, a busca da originalidade na identidade nacional, tornou-se nos anos 1930 
a questão-chave do pensamento brasileiro (REIS, 2002). E Sérgio Buarque o demonstra 
ao utilizar o seu “ainda hoje” como indicativo de contemporaneidade. Nessa década 
todos os intelectuais queriam decifrar o enigma do Brasil para interferir na produção e 
mesmo projetar o seu futuro, que não poderia ser de atraso e de obstáculos ao seu 
desenvolvimento e progresso, que a ordem tentava assegurar. Tinha de ser do tamanho 
do país – gigante pela própria natureza – e de um impávido colosso. 
 
Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011 4 
 Datam desse período a publicação de vários clássicos que, cada qual à sua 
maneira, buscavam “salvar” o país ou ao menos denunciar suas mazelas. No entanto, 
ainda presidiam em suas análises as teorias importadas do continente europeu como 
Simmel, Weber e Marx, ou made in USA, capitaneado pela figura do antropólogo Franz 
Boas. Entre as obras de relevo, encontram-se Retrato do Brasil (1928) de Paulo Prado, 
Cultura do povobrasileiro (1932) de Manuel Bomfim, Casa-grande e senzala (1933) 
de Gilberto Freyre, Evolução política do Brasil (1933) de Caio Prado Júnior e o próprio 
livro que se afigura aqui como mote central. Suas discussões gravitaram em torno de 
assuntos que iam da vocação agrária e as possibilidades de uma industrialização, 
passavam pela questão cívica e militar, pelo regionalismo, multiplicidade racial, para 
chegar também ao debate do moderno e da tradição (REIS, 2002). 
No capítulo inicial de Raízes do Brasil, todo o esforço de Sérgio Buarque de 
Holanda foi marcado pela crença de que a cultura brasileira, pensada aqui no que se 
refere às instituições, idéias e formas de convívio, não era própria da terra tupiniquim. O 
desterro devia-se a isto, pois ao invés da cultura facilitar e estabelecer uma relação com 
o mundo real, sua inadequação à terra simplesmente a impedia e gerava um profundo 
mal-estar (CASTRO, 2008). Apesar disso, para o escritor paulista, a originalidade dos 
portugueses e espanhóis pautava-se na importância atribuída à autonomia pessoal que os 
instrumentalizava, em particular os portugueses, a serem os genuínos colonizadores. 
Nesta premissa havia qualquer coisa de busca da origem nacional, tão cara aos anos 
trinta. 
No capítulo seguinte, Trabalho e Aventura, aquilo que pareceu unido sob o 
amparo do termo Ibéria passa agora a ser paulatinamente desmembrado para traçar 
novas fronteiras; desta vez, no entanto, entre Portugal e Espanha. Sobre o aventureiro, o 
autor escreve que o
 
seu ideal será colher o fruto sem ter que plantar a árvore, e 
prossegue afirmando que se trata de um tipo humano que ignora as fronteiras. Quanto 
ao trabalhador, afirma que este vislumbra primeiro a dificuldade a vencer, para só 
depois pensar no triunfo que pudesse ser alcançado. Como conseqüência, padeceria de 
uma visão restrita, só conseguindo enxergar a parte e jamais o todo. 
Pioneiros da conquista do trópico para a civilização tiveram os portugueses, 
nessa proeza, sua maior missão histórica. E sem embargo de tudo que se 
possa alegar contra sua obra, forçoso é reconhecer que foram não somente 
os portadores efetivos como os portadores naturais dessa missão 
(HOLANDA, 1995: 43). 
 
 
Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011 5 
A tese em pauta equivalia a dizer que sem os portugueses não haveria trópico. 
Esta afirmação foi possibilitada pela metodologia do livro que, num primeiro momento 
opôs Ibéria e Europa, considerando que na argumentação de Sérgio Buarque os outros 
europeus, que se pode chamar de europeus do norte, eram marcadamente racistas e 
metódicos, e por isso não teriam preparo psicológico para a atividade colonizadora 
(REIS, 2002). Liderada por Portugal a Ibéria estaria conquistando o Novo Mundo para a 
civilização européia. Neste sentido, os portugueses devem ser vistos como sujeitos de 
uma metáfora civilizatória de seu continente que, muitas vezes a léguas de distância, 
faziam de outros povos os seus súditos (DECCA, 2008). Mas é preciso salientar a 
proximidade da tese da predestinação portuguesa de Raízes do Brasil com a de 
plasticidade social elaborada por Gilberto Freyre em Casa-grande e senzala. 
Por caminhos diversos, estes autores procuraram destacar a colonização 
realizada por Portugal. E por mais que Sérgio Buarque de Holanda realizasse críticas ao 
livro de Gilberto Freyre, – o “livro do Freyre faz o Brasil parecer estático; dominado 
pelo açúcar; olhando para o Atlântico; parado” (HOLANDA apud GRAHAM, 2008: 
105) –, forçoso é reconhecer que não se poderia negar a intertextualidade existente entre 
o livro Casa-grande e senzala e Raízes do Brasil. As linhas mestras dos argumentos de 
um e outro, embora dando ênfase a aspectos diversos, – Gilberto Freyre a valorizar, por 
assim dizer, a cultura material e Sérgio Buarque questões conceituais –, são 
semelhantes. 
Não sem segundas intenções Sérgio Buarque de Holanda toma a colonização 
lusa por pioneira, endossando sua postura ao atribuir-lhes uma exclusividade natural 
para a conquista do trópico, que o autor chamou de a “maior missão histórica de 
Portugal”. Afinal de contas, Raízes do Brasil tinha de justificar o suposto fracasso da 
aventura holandesa no Nordeste. Porém, recentemente Evaldo Cabral de Mello 
demonstrou que o malogro se tratou de um desinteresse econômico pela região, 
causadora de enorme ônus, e mesmo um acerto entre Brasil e Holanda, quando da 
diplomacia pós conflitos das duas nações (MELLO, 2010). Não se deu por falta de 
predisposição para a atividade colonizadora dos holandeses, como quis fazer crer Sérgio 
Buarque com seu livro e o tipo de estudo histórico que ele dispunha na década de trinta. 
É no segundo ensaio de Raízes do Brasil que a influência do pensamento alemão 
se torna mais explícita, pois Sérgio Buarque de Holanda passa a enaltecer o particular 
 
Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011 6 
de cada realidade histórica. Ela aparece sob a forma dos tipos ideais, cuja inspiração 
remonta às leituras que ele realizou quando de sua estada na Alemanha entre 1929-30 ao 
travar contato com as obras de Max Weber. Tipos ideais, grosso modo, são noções que 
designam o rol de conceitos construídos unicamente para fins de pesquisa e cuja 
estrutura serve para explicar e/ou representar a realidade (MONTEIRO, 1999). E 
embora importasse uma teoria que proibia expressamente a sua aplicação em outros 
climas e em outras paisagens que não as da Alemanha, o intelectual paulista a utilizou 
de forma criativa, chegando mesmo a fazer uma ressalva ao afirmar que “em estado 
puro, nem o aventureiro, nem o trabalhador possuem existência real fora do mundo das 
idéias.” (HOLANDA, 1995: 44-45). Apoiou-se nesta justificativa para avaliar os 
aspectos da sociedade brasileira no seu constante movimento do devir (DIAS apud 
REIS, 2002: 119). 
Um olhar mais detido sobre os tipos ideais formulados por Sérgio Buarque de 
Holanda até este momento da obra, onde imperam as oposições Ibéria versus Europa, 
Portugal versus Espanha e, agora, Trabalho versus Aventura, permite vislumbrar aí uma 
influência hegeliana, posto que no seu contrário que se encontra o verdadeiro tipo, pois 
está justamente naquilo que ele não é (MONTEIRO, 2008). 
A falta de uma moral do trabalho arraigada entre os portugueses viria a resultar 
na fraqueza das instituições brasileiras, assim como em um obstáculo para a sua 
formação e coesão social (SANCHES, 2001), levando Sérgio Buarque a concluir que o 
Brasil era neoportuguês e desterrado. 
 
Novo modo de vida e cordialidade 
 
Herança Rural é o nome do terceiro capítulo do livro e do qual seu autor não 
poderia abdicar. Nele Sérgio Buarque toma como discussão central a realidade 
persistente do domínio rural que tinha por base o sistema escravista de produção. “Com 
pouco exagero pode dizer-se que tal situação não se modificou essencialmente até a 
Abolição. 1888 representa o marco divisório entre duas épocas; em nossa evolução 
nacional, essa data assume significado singular e incomparável” (HOLANDA, 1995: 
73). 
 
Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011 7 
Um mundo ao avesso era o que se via na América lusa. Em todo o lugar em que 
a expansão do capitalismo estivesse de vento em popa, era o campo que dependia da 
cidade, mas, sob a influência da herança portuguesa, o que se passava no Brasil era a 
dependência da cidade ao domínio do campo (REIS, 2002). 
Não bastasse a falsa harmonia da família brasileira que só fazia aumentar o 
poder patriarcal, o terceiro ensaio da obra chamaria ainda a atenção para o gosto, 
presente em especial nos antigos senhores de escravos e seus herdeiros, pelo trabalho 
mental. Acontece que isto não significava a incorporação de um espírito cauteloso e 
racional, em oposição ao espírito da aventura do qual os portugueses da colonização 
foram,segundo Sérgio Buarque, exemplares; tratava-se de um esforço, – e só com certa 
ressalva se pode usar essa palavra –, não para as especulações intelectuais propriamente 
ditas em que o pensamento será tomado como saber e instrumento de ação, mas para um 
esforço que nada faz a não ser adorar a “frase sonora, ao verbo espontâneo e abundante, 
à erudição ostentosa, à expressão rara. É que para bem corresponder ao papel que, 
mesmo sem o saber, lhe conferimos, inteligência há de ser ornamento e prenda” 
(HOLANDA, 1995: 83).
 
Essa crítica tinha um destinatário certeiro: a elite dirigente do 
país. Seu intelectualismo artificial e sua inclinação a aceitar esquematismos, as 
inclinava a governar por decretos, desde que esses fossem bem escritos; não lhes 
importava sua eficácia. 
Compreende-se assim que Buarque de Holanda transitou por esses assuntos, 
porque toda pesquisa, historiográfica ou não, “se articula com um lugar de produção 
sócio-econômico, político e cultural [e] [...] É em função deste lugar que se instauram os 
métodos” (CERTEAU, 1982: 66). Sendo que apesar da queda da Bolsa de Valores de 
Nova York que se generalizou, “provocando um cataclismo em todo o mundo devido à 
interdependência entre a economia americana e numerosos países do mundo capitalista, 
[…] tão logo a crise se anunciou” (ARRUDA, 2008: 14), no Brasil seus efeitos não 
tiveram o mesmo peso que se fez sentir em países mais industrializados. Ao invés disso, 
salvaguardadas as particularidades, o que ocorreu foi em certo sentido um efeito 
contrário, pois por ocasião do censo desenvolvido em 1940, por exemplo, contabilizou-
se que dos 49.418 estabelecimentos industriais existentes no país, 34.691 tinham 
surgido depois de 1930 (DINIZ, 1986). A atividade industrial caminhava em ritmo 
 
Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011 8 
acelerado para a substituição ou para o jugo da atividade agrícola. O Brasil rumava ao 
American way of life. 
O Semeador e o Ladrilhador é o nome que recebe o quarto ensaio do livro. Mas 
a denominação foi dada somente após a sua segunda edição. Na edição de 1936 
constava O passado agrário (continuação) como a chamada do capítulo. Nele 
encontram-se reflexões sobre as cidades coloniais e é onde a distinção entre portugueses 
e espanhóis nos trópicos se efetivará definitivamente na obra. Edgar de Decca notou a 
questão metafórica desse novo título, sendo que os indícios apontam que seu 
funcionamento está ligado ao uso incômodo de tal metáfora por Paulo Prado em Retrato 
do Brasil (1928). Neste autor, semeadura toma o contorno do sêmen que, espalhando-se 
em excesso no trópico do pecado, dá forma a um brasileiro de personalidade 
profundamente melancólica pelo transbordamento de sua sexualidade. Não parece a toa 
que o tema retornará em Casa-grande e senzala (1933). Afinal, para além de expressão 
da sexualidade pura e simples, pois semeadura está ligada etimologicamente ao 
vocábulo sêmen, a palavra pode perfeitamente referir-se a povoamento (DECCA, 2008). 
Em Gilberto Freyre a metáfora ocupa lugar de relevo, pois embora Casa-grande e 
senzala representasse a vida em comum do branco, do negro e do índio, via no 
português o portador efetivo dessa outra missão histórica: povoar um país de proporções 
continentais. 
As diferenças entre os intérpretes do Brasil eram notórias. Em Casa-grande e 
senzala as explicações sobre o país perpassaram pelo âmbito senhor-escravo; em Caio 
Prado Júnior o destaque foi para o imperialismo e a relação metrópole-colônia; já em 
Sérgio Buarque de Holanda, considerando a influência alemã que sofreu, “Weber está 
citado no original em pontos muito significativos para estender seus fundamentos 
científicos e ideológicos a uma sociedade não-européia, não-protestante, objeto e não 
sujeito do imperialismo – dentro do capitalismo mundial” (MACHADO, 2008: 157). 
Portanto, dadas as diferenças, também a semeadura seria tratada de outra forma, onde o 
próprio título da obra, Raízes, dá todo um significado ao seu efeito, pois as raízes 
surgem de sementes. 
Desta maneira, nota-se que em Sérgio Buarque a metáfora perde o teor sexual 
tão enaltecido em Paulo Prado e Gilberto Freyre, uma vez que em Raízes do Brasil ela 
toma a forma da criação das cidades perpetradas pelos portugueses (DECCA, 2008), os 
 
Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011 9 
semeadores, enquanto que as cidades dos espanhóis seriam feitas através de ladrilhos, 
onde 
 
[...] o próprio traçado dos centros urbanos na América espanhola denuncia 
o esforço determinado de vencer e retificar a fantasia caprichosa da 
paisagem agreste: é um ato definido da vontade humana. As ruas não se 
deixam modelar pela sinuosidade e pelas asperezas do solo; [...]. O traço 
retilíneo, em que se exprime a direção da vontade a um fim previsto e eleito, 
manifesta bem essa deliberação (HOLANDA, 1995: 96). 
 
Entre os argumentos que Sérgio Buarque usa para justificar a diferença nos 
processos de constituição de cidades entre portugueses e espanhóis, está a carência da 
verdadeira unidade territorial de Castela. Ao longo da história os soberanos espanhóis 
sempre tiveram de lutar para manter seu trono, inclusive, dentro de suas próprias 
fronteiras. A isto que se deve a sua fúria descentralizadora. Outro argumento referia-se 
ao fato de que na América espanhola, assim que se iniciou o processo de colonização, 
os súditos de el rei logo encontraram metais preciosos e cidades bem mais estruturadas, 
que requeriam um maior controle e uma maior burocracia. O catolicismo hispânico 
também teria participação no espetáculo, constituindo-se num terceiro argumento, pois 
diferentemente do que se passava em Portugal, na Espanha ele era inquisitorial e 
intolerante. Na América colonizada, portanto, a alma ibérica só haveria mesmo de 
demonstrar descontinuidade, ao passo que, na visão de Buarque de Holanda, estes dois 
povos se diferenciavam com maior nitidez (PEIXOTO apud REIS, 2002: 131), bem ao 
ritmo do avanço das páginas de Raízes do Brasil. 
Com um tom contundente Sérgio Buarque de Holanda abre o capítulo O homem 
cordial. Apesar de ser o menor ensaio, o quinto capítulo foi o que maior debate gerou, 
pois foi nele que o autor buscou responder quem era o brasileiro. Os personagens do 
teatro de Sófocles também ganham as páginas do livro. Contudo, a leitura feita por 
Buarque de Holanda da tragédia grega, busca no conflito entre Creonte e Antígona um 
meio para exprimir a negação da família na órbita de um mundo que se pretende 
moderno, pois segundo ele 
 
O Estado não é uma ampliação do círculo familiar e, ainda menos, uma 
integração de certos agrupamentos, de certas vontades particularistas, de 
que a família é o melhor exemplo. Não existe, entre o círculo familiar e o 
Estado, uma gradação, mas antes uma descontinuidade e até uma oposição. 
[...]. Só pela transgressão da ordem doméstica e familiar é que nasce o 
 
Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011 10 
Estado e que o simples indivíduo se faz cidadão, contribuinte, eleitor, 
elegível, recrutável e responsável, ante as leis da Cidade (HOLANDA, 1995: 
141). 
 
Já se notou também, numa interessante observação, que se Max Weber tivesse 
estudado o Brasil à época que o fez Sérgio Buarque, muito provavelmente chegaria a 
uma conclusão semelhante e teria apontado o homem cordial como o exato contrário do 
protestante nórdico (SOUZA, 1999). Na obra as características da cordialidade são 
marcadas pela intimidade, uso de diminutivos, omissão do nome de família e pela ética 
da emoção. 
Da primeira pode-se dizer que o homem cordial busca estabelecer intimidade em 
que o uso de diminutivos era a mania de fazer tudo mais acessível, menor, próximo. Em 
1933 Gilberto Freyre já havia sinalizado para esse fato, alertando que para “diminuir” a 
dor de uma ferida que dói – palavraesta seca e direta – passou-se a usar o diminutivo 
dodói. Já a omissão do nome de família serviria para abolir quaisquer barreiras 
psicológicas entre os indivíduos. E, finalizando as principais características geradoras 
desse tipo humano, há a ética da emoção. Esta é a mais controversa, porque Sérgio 
Buarque de Holanda afirma que qualquer forma de convívio social há de ser pautado 
nela. 
É necessário frisar também, que o homem cordial não seria o representante do 
brasileiro ad infinitum. Por esta razão o uso do conceito de cordialidade seria para uma 
compreensão provisória do Brasil, encontrando-se no eterno vir a ser e jamais sendo 
uma fixação (BLAJ, 1998). Muita tinta e papel já foram gastos com a discussão deste 
conceito e importa saber que, na interpretação de Buarque de Holanda, esta construção 
teórica aglutinava os impasses entre o tradicional e o moderno. 
Este debate havia se fortalecido já nos anos vinte com a Semana de Arte 
Moderna de 1922, cujos estímulos foram ofensas que o então crítico do jornal O Estado 
de S. Paulo, Monteiro Lobato, fez às telas da artista plástica Anita Malfatti. A propósito 
da marcante oposição à arte clássica com que as personagens dela foram retratadas na 
exposição paulista de 1917, Lobato comparou as obras com desenhos típicos de internos 
de manicômios e escreveu ainda que se tratavam de “produtos do cansaço e do sadismo 
de todos os períodos de decadência; são frutos de fim de estação, bichados ao 
nascedouro” (LOBATO, 1917: s.p). 
 
Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011 11 
Embora se considere aqui a Semana de 22 como ponto de partida para se pensar 
o modernismo, este posicionamento não quer tomá-la por referência privilegiada de 
onde a história deve ser lida, pois implicaria em aceitar aquele ano como marco do 
processo histórico do movimento em que a cidade de São Paulo sobressai-se como 
precursora. A referência se deve ao fato de que neste período, em defesa dos 
modernistas, Sérgio Buarque de Holanda chegou mesmo a dizer que tinha vontade de 
abater a tiros os parnasianos que encontrasse na praia de Copacabana (DECCA, 2006), 
posicionando-se, assim, ele próprio como modernista. 
É válido dizer ainda que o envolvimento do intelectual com a vanguarda do 
Modernismo brasileiro não foi esporádico. Para além de sua atividade profissional no 
campo jornalístico, iniciado na década de 1920 e tendo publicado vários artigos sobre o 
assunto, Sérgio Buarque de Holanda chegou a participar da feitura e mesmo da 
coordenação de periódicos de vanguarda. Entre essas revistas constavam Klaxon (1922-
1923, SP), Estética (1924-1925, RJ) e Terra Roxa e Outras Terras (1926, SP). 
A temática do tradicional e do moderno manteve-se no debate dos anos trinta, 
desdobrando-se para outras esferas que não só a artística e cultural, por se tratar de um 
período pré-guerra em que, apesar da crise de 1929, o mundo veria os Estados Unidos 
da América despontar como uma potência no cenário econômico. O impacto 
avassalador causado por essas questões entre os intelectuais brasileiros, fora agravado 
pela inevitável comparação entre o Brasil e os Estados Unidos que se tornou recorrente. 
A reflexão não era no todo equivocada, bastando pensar que as proporções geográficas 
assemelhavam-se como hoje – com fronteiras de extensões parecidas –, que o padrão de 
povoamento era significativamente análogo e mesmo as populações de ambos os países 
cresciam em ritmo parelho alavancadas pela imigração. 
A dúvida, portanto, era notória: por que o Brasil dos anos trinta era ainda tão 
pobre, atrasado e tradicional e os Estados Unidos da América tão rico, desenvolvido e 
moderno? (SOUZA, 1999). Essa pergunta vinha ao encontro do mal-estar sentido pela 
intelligentsia e convergia para uma crítica ao caráter imitativo da cultura brasileira – 
bebendo sempre em fontes européias –, bem como à fragilidade de suas instituições 
jurídico-políticas (MOREIRA, 1999: 198). Conseqüentemente, fazia sentido que a 
análise realizada por Sérgio Buarque de Holanda da sociedade brasileira na obra Raízes 
do Brasil, retornasse ao passado do país com o objetivo de superá-lo dialeticamente. 
 
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O tempo do “demônio” pérfido e pretensioso 
 
Em Novos Tempos, vem à tona muitas críticas, com destaque para a clássica 
passagem onde Sérgio Buarque afirma que “A democracia no Brasil foi sempre um 
lamentável mal-entendido” (HOLANDA, 1995: 160).
 
Avelino Filho apontou um 
problema no trecho, observando que ao tratar a ambigüidade conjunção/tensão entre a 
formação de um Estado com características impessoais, abstratas e racionais, “Sérgio 
aponta a questão, mas não pode resolvê-la” (AVELINO FILHO, 1990: 102). De fato, o 
autor paulista só aponta a questão ao afirmar que, sobre os pilares da racionalização do 
Estado e com as liberdades que adviriam dele, a sociedade brasileira finalmente 
superaria o lamentável mal-entendido, transformando-se numa democracia plena. 
Para Ângela de Castro Gomes, até os anos trinta a questão social não havia 
conquistado as pautas governamentais e fora tratada erroneamente entre aqueles que 
buscavam compreendê-la, pois enquanto socialistas acreditavam ser um problema de 
partilha de riquezas, “Outros insistiam que se tratava de uma questão de produção, já 
que a miséria em que vivia grande parte do povo brasileiro era oriunda da ausência de 
capacidade e habilidade de trabalho de nosso homem” (GOMES, 2005: 197). E em 
certo sentido Raízes do Brasil contribuiu na construção desta perspectiva, sobretudo, se 
considerarmos o debate trabalho versus aventura ensaiado no livro. 
Por fim, no capítulo intitulado Nossa Revolução, último ensaio de Raízes do 
Brasil, Sérgio Buarque de Holanda trata daquilo que chamou de aniquilamento das 
raízes ibéricas, do café como o passaporte brasileiro para o concerto das nações (leia-se: 
no mundo do sistema capitalista em expansão) e da relação do Estado com o 
despotismo. Neste último ensaio se verifica uma crítica a certas assertivas fáceis que, 
segundo Raízes do Brasil, exageram no seu zelo à palavra revolução, utilizando-a a 
torto e a direito, cuja verificação pode ser feita através dos acontecimentos daquela 
década, tão cuidadosamente memorizados (DECCA, 1994). 
No capítulo final se faz sentir com maior veemência a visível mudança de foco 
na lente de Raízes do Brasil, que “sai” do passado brasileiro para estabelecer no ensaio 
um diálogo com o presente de sua publicação. Dessa forma, o capítulo anterior (Novos 
Tempos) pode ser pensado estruturalmente como a transição entre passado e 
contemporaneidade na obra, considerando que ele é marcado pelas referências a um 
 
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Brasil que se urbanizava. Neste ínterim, Buarque de Holanda discorreu sobre o que 
entendia como o dissolver dos valores do domínio rural e da herança lusa. Mas, para 
justificar a troca do passado pelo presente na sua análise, o autor indica o americanismo 
como o novo vento que soprava sobre o país, influenciando-o. Essa mudança, e embora 
ele não chegue a utilizar a palavra imigração (SANTOS, 2003), é efetivada por esta 
ação que transformava de maneira mais visível o Brasil meridional, pois os fluxos 
migratórios que ai se intensificou, ocorreram a partir da segunda metade do século XIX. 
Usando o verbo na primeira pessoa do plural e o vocábulo ainda como o 
primeiro indicativo de permanência e atualidade, Sérgio Buarque de Holanda escreveu: 
 
Ainda testemunhamos presentemente, e por certo continuaremos a 
testemunhar durante largo tempo, as ressonâncias últimas do lento 
cataclismo, cujo sentido parece ser o do aniquilamento das raízes ibéricas de 
nossa cultura para a inauguração de um estilo novo, que crismamos talvez 
ilusoriamente de americano, porque seus traçosse acentuam com maior 
rapidez em nosso hemisfério (HOLANDA, 1995: 172). 
 
Mesmo que estivesse inclinado a acreditar no Brasil como um país 
neoportuguês, a mudança de foco tinha por objetivo não só afirmar que a sociedade de 
seu tempo passava por um processo de des-portuguesamento, mas também que ela 
passaria para o estatuto de pós-portuguesa, tornando-se brasileira. Diante desta 
interpretação, a abolição do tráfico teria contribuído para esse encaminhamento, assim 
como o processo de imigração que introduzia italianos, alemães, poloneses, japoneses e 
os mais diversos cidadãos do mundo no país, além da construção das estradas de ferro e 
dos transportes urbanos. Juntos esses acontecimentos ajudavam a aniquilar a herança de 
características autoritárias que conservava o direito ao privilégio (DIAS, 1998). Este era 
o ritmo da revolução brasileira pensada no livro: lenta, mas segura e concertada. Desde 
as rebeliões do século XVIII, passando por 1808 com a chegada da família real e, mais 
tarde, pela proclamação da independência política em 1822, ela se encontrava em 
marcha. 
O centro dessas mudanças já havia sido objeto de estudo de Sérgio Buarque em 
capítulo anterior, a saber, as cidades. Por conseguinte, encontrava-se nelas essa 
emergência do Brasil novo, mas ainda que citasse o americanismo, o intelectual paulista 
não deixa claro ao leitor seu sentido. Estaria a sociedade brasileira inaugurando um 
estilo de vida social e urbano, cujo modelo era os Estados Unidos ou seria um estilo 
 
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propriamente brasileiro e, portanto, também americano – mas não mais desterrado! –, 
sem o “contágio” ibérico e luso? (REIS, 2002). Independente desta pergunta, o fato é 
que, para o autor e a obra, a inauguração do estilo de vida novo se vinculava ao café 
que, “absorvendo a maioria dos braços disponíveis, tornou-se não só a fonte de riqueza 
mais ponderável das regiões produtoras, como também, e cada vez mais, a única 
verdadeiramente dignificante” (HOLANDA, 1995: 174). Isto porque seu plantio 
permitia, paulatinamente, que o domínio agrário deixasse de ser uma espécie de baronia 
para se aproximar de um espaço de exploração industrial. Tratava-se, portanto, de uma 
guerra. No front ou no mapa do teatro de operações a ser realizada, só sabemos as 
quadrículas das batalhas. E estas se definiam como sendo nas cidades o seu palco. Em 
tom emblemático e premonitório, Sérgio Buarque finaliza a obra: 
 
As formas superiores da sociedade devem ser como um contorno congênito a 
ela e dela inseparável: emergem continuamente das suas necessidades 
específicas e jamais das escolhas caprichosas. Há, porém, um demônio 
pérfido e pretensioso, que se ocupa em obscurecer aos nossos olhos essas 
verdades singelas. Inspirados por ele, os homens se vêem diversos do que 
são e criam novas preferências e repugnâncias. É raro que sejam das boas 
(HOLANDA, 1995: 188). 
 
É assim que a obra Raízes do Brasil recebe um ponto final e é publicada em 
1936 pelo editor José Olympio. Este último capítulo representa “uma espécie de registro 
sensível do movimento profundo da sociedade brasileira, tal como estudada no restante 
do livro” (CANDIDO, 1998: 87). Ao fazê-lo, Sérgio Buarque de Holanda parecia 
antecipar o ato contínuo à publicação, ou seja, o decreto do Estado Novo instaurado em 
10 de novembro de 1937, que mudaria os rumos da sociedade brasileira. Sem a 
pretensão de conferir um tom fatalista, pode-se dizer que no golpe também a década de 
trinta chegava ao fim. 
 
Considerações finais 
 
Afirmou-se neste artigo que o tempo de Sérgio Buarque de Holanda quando da 
publicação de Raízes do Brasil foi o dos grandes carnavais, cassinos, praia de 
Copacabana, assim como o da Crise de 1929, da ascensão de Getúlio Vargas à 
presidência em trinta, do boom editorial e grandes interpretações do país, como foi o 
 
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caso da obra Casa-grande e senzala. As análises indicaram que, nestas circunstâncias, o 
Brasil não encontrava meios para adentrar no concerto das nações. Seu vizinho 
continental do norte, os Estados Unidos da América, despontava como um forte e 
grande país, enquanto que a sociedade brasileira agregava incontáveis mazelas. 
Essa situação representava um mal-estar para a intelligentsia, que convergia para 
uma crítica ao caráter imitativo do Brasil, tanto no que se referia à cultura, quanto no 
que dizia respeito à fragilidade de suas instituições jurídico-políticas. Este aspecto é 
relevante, na medida em que se considera a sociedade da década de trinta como o 
momento em que o povo adquiriu status político. Logo, a pergunta feita alhures e que 
retorna é: como negligenciar o contexto político se as ações governamentais têm por 
mote gerir a realidade? 
Sérgio Buarque não ignorou essa pergunta e, reconhecendo-a, deu um tom 
hodierno não só aos capítulos finais de Raízes do Brasil, como à obra em si, uma vez 
que o livro possui claras relações com os debates políticos vigentes no país na década de 
sua publicação, que abriu a coleção Documentos Brasileiros pelo editor José Olympio 
em 1936. 
Admiravelmente eivada pelo processo histórico vivido pelo intelectual paulista, 
a obra buscou compreender o Brasil em sua totalidade histórica. Para este fim, Sérgio 
Buarque de Holanda utilizou-se, inclusive, do recurso metafórico na sua composição 
textual e fez de Raízes do Brasil, ao fim e ao cabo, uma plausível resposta para as 
angústias de seu tempo. 
 
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