Buscar

Indústria Cultural O Esclarecimento como Mistificação das Massas

Prévia do material em texto

A INDÚSTRIA CULTURAL: O ESCLARECIMENTO COMO MISTIFICAÇÃO DAS MASSAS
ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento, Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 1985.
02/12/2018
I. A unidade tecno-capitalista da cultura em geral e de massa.
A cultura contemporânea confere a tudo um ar de semelhança. Na indústria cultural há um
processo de falsa identidade do universal e do particular. Até produções de cunho políticos
opostos são a mesma coisa. O cinema, o rádio e a televisão formam um sistema, uma unidade
integrada sob um princípio que gera sua coesão segundo uma lógica de funcionamento, onde
cada um é coerente entre si mesmo e todos o são em conjunto. Essa uniformização se dá por
toda a estética, incluindo da arquitetura, que pode ser exemplificados tanto em grande e luxuosos
edifícios, quanto nas periferias. Toda cultura de massa é idêntica. O cinema e o rádio não
precisam mais se apresentar como arte, eles se identificam como indústrias e o capital justifica
sua necessidade social de existir. Toda cultura de massa se nutre da concentração de capital e é
produzida sob o espírito industrial, de modo a produzir lucro sistematicamente planejado.
A produção na indústria cultural é de fato justificada pela necessidade dos consumidores,
mas ela não se dá organicamente, ela é fruto do sistema em que esses consumidores estão
inseridos, essa perpetuação de necessidades torna esse sistema cada vez mais coeso. Essas
necessidades surgem de um círculo de manipulação e de necessidade retroativa, no qual a
unidade do sistema fica cada vez mais forte, pois existe interdependência entre oferta e demanda
em termos globais, sistêmicos, e não apenas entre produto e desejo. A racionalidade técnica hoje
é a racionalidade da própria dominação, ela exprime relações de poder, é o próprio caráter
compulsivo da sociedade alienada de si mesma. Mídias como o rádio e a televisão colocam os
indivíduos em local de meros espectadores, e transforma-os em “amadores”. A atitude do público
que, pretensamente e de fato, favorece o sistema da indústria cultural é uma parte do sistema,
não sua desculpa. Essa compulsividade reside na falta de reflexão do sistema social sobre seus
fundamentos, sua origem nas relações de poder cristalizadas nas formas de domesticação e
apropriação da realidade. A sociedade torna-se cada vez mais dependente do quanto a minoria
detentora dos meios de produção concede a todos o benefício do desenvolvimento tecnológico a
partir da venda de determinados produtos que sedimentam esse progresso. Os programas são
homogeneizados a partir de manipulações técnicas visando facilitar a recepção pelo intercâmbio
de linguagem entre todos os produtos. Essa manipulação a partir da presença esmagadora dos
meios técnicos será tributada à lógica capitalista, que submerge todo processo de orquestração
das mensagens ao desejo de lucro e de manutenção do status quo.
Na lógica capitalista as pessoas são categorizadas em diferentes grupos segundo suas
condições socioeconômicas e se transformam em estatísticas. Dessa forma, seu consumo passa
a ser regulado segundo seu nível arbitrariamente atribuído dentro desse sistema. Essa
categorização está presente em todas os grandes setores da economia, como o elétrico, o
bancário, o químico etc. Isso não seria diferente na indústria cultural. Cada pessoa é levada a se
comportar “espontaneamente” de acordo com seu nível social, simbolizado, tornando imutável
através das mercadorias.
Os produtos na indústria cultural tendem a uma uniformidade avassaladora. As diferenças
servem apenas para perpetuar a ilusão da concorrência e possibilidade de escolha. O critério
unitário de valor consiste na dosagem da produção ostensiva, do investimento ostensivo. Os
próprios meios técnicos tendem cada vez mais a se uniformizar. A harmonização da palavra, da
imagem e da música se tornam perfeitas, pois os elementos sensíveis são em princípio
produzidos pelo mesmo processo técnico e exprimem sua unidade como seu verdadeiro
conteúdo. Essa unidade representa o triunfo do capital investido. Muita da satisfação com os
produtos da indústria cultural consiste em fazer parte desta totalidade de poder.
II. A barbárie estética: a homogeneização falsificadora e naturalizante do universal e do
particular no pseudo-estilo da indústria cultural.
Na indústria cultual, todos os detalhes são substituídos de acordo com um esquema geral
de percepção. Para o consumidor, não há nada mais a classificar que não tenha sido antecipado
no esquematismo da produção. Ela vive da exploração dos efeitos alcançáveis tecnicamente, que
substituem a obra como um todo. Todas as particularidades composicionais ganharam relativa
autonomia e colocaram em xeque a totalidade pré-figurada. A indústria cultural, na medida que só
conhece detalhe, destruiu essa dialética entre o particular e o universal, prejudicando a ambos.
A indústria cultural se propõe a duplicar, da melhor maneira possível, a percepção
cotidiana. Essa característica pode ser exemplificada no cinema. A vida real é um prolongamento
do filme, a partir de uma duplicação de fantasias, dos desejos e do espaço onírico do espectador.
As próprias obras já são de tal maneira estruturadas que impedem qualquer traço de
espontaneidade mais enfático. O espectador é velozmente expostos a muita informação. Esse
aspecto está presente em todos os produtos da indústria cultural, que servem como um exercício
constante da capacidade de absorção dessa enxurrada de informação. Isso mostra que, na
cultura de massa, os indivíduos são ativos em termos operacionais, e passivos quanto a
subjetividade, no que tange a sua reflexão produtiva e crítica. O indivíduo é sempre passivo, tem
sua objetividade definhada pela violência da indústria cultural que prende as pessoas dentro do
seu sistema.
O que se pode chamar de estilo na indústria cultural significa um ajuste completo de todos
particulares ao jargão do meio técnico. Cada detalhe deve já ser assimilado de acordo com o
esquema perceptivo geral que o jargão encarna. Dentro da produção, é preciso sempre seguir o
ideal de naturalidade, mesmo naquilo ainda não pensado, o que podemos interpretar como ligado
à ficção, ao surreal.
O ideal de naturalidade da indústria cultural se esforça por fazer seu idioma coincidir com a
linguagem cotidiana. Assim, o estilo na indústria cultural é uma negação do estilo, pois este é
caracterizado por uma tensão não previamente resolvida entre o particular e o universal, e na
cultura de massa essa tensão simplesmente inexiste, pois os dois polos são intercambiáveis,
tendo sido identificados através da dinâmica industrial na produção da obra.
O estilo numa obra de arte não é algo apenas intra-estético, pois ressoa a estrutura de
dominação social. A indústria cultural, entretanto, exprime o resultado da dominação cultural sobre
os indivíduos, ou seja, o lado sombrio da dominação. Na obra de arte, o estilo não é perfeito, ele é
formado pela reconciliação possível entre o particular e o universal. É a única maneira de a arte
exprimir o sofrimento. A obra de arte sempre se expõe à possibilidade do fracasso, e sua
expressão ocorre precisamente quando a unidade entre forma e conteúdo, indivíduo e sociedade,
interno e externo, não ocorre integralmente. A indústria cultural, ao contrário, protege-se ao
extremo deste fracasso constitutivo, elegendo a imitação como princípio absoluto de constituição
de uma pseudo-identidade. Essa padronização resulta em uma totalização dos produtos culturais.
III. A integração da vida econômica, imaginária, pulsional e lúdica ao sistema industrial da
cultura de massa.
O ritmo da pseudo-inovação da indústria cultural expulsa o novo da série de produções
culturais. Há a impressão de que as coisas surgem como algo novo. É com se houvesse uma
espécie de catálogo de ideias platonicamente fixadas estabelecendo o que deve e o que não deve
ser visto.
A indústria cultural é o negócio, mediado pela diversão. A diversão é o prolongamento do
trabalho sobre o capitalismo tardio. Ela é procuradapor quem quer escapar do processo de
trabalho mecanizado, para se pôr de novo em condições de enfrentá-lo. Tudo a se evitar é que o
espectador comece a ter algum prazer com o pensamento coerente, reflexivo e crítico.
Os infortúnios dos personagens servem para mostrar aos espectadores a única
possibilidade para se inserir no sistema como um todo: aceitando com resignação e humor
sublime as suas próprias desgraças. As surras do Pato Donald servem para as pessoas se
acostumarem com as mazelas da vida cotidiana.
O único esforço dos espectadores na indústria cultural é o de acompanhar com presteza o
desenvolvimento das cenas. Adorno diz que se não houvesse indústria cultural, seus
consumidores não sentiriam tanta falta dela, pois sua diversão não oferece o prometido.

Continue navegando