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Yaminawá - Povos Indígenas no Brasil

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Yaminawá - Povos Indígenas no Brasil
Os Yaminawá são habitantes do centro da mata e da periferia miserável das
cidades: representam o "selvagem" arredio ou o índio "deculturado" que esmola
nas ruas. Encarnam as contradições mais dramáticas do imaginário e da história
da Amazônia. Podemos encontrar as duas versões dos Yaminawá numa única
página da Gazeta de Rio Branco (17/09/97): uma matéria informa da sua
presença numa favela da capital acreana e uma outra atribui aos "Yaminawá"
uma série de ataques que aterrorizam os habitantes de um remoto seringal.
Nome
Yaminawá do Purus. Foto: Oscar Calavia
O termo Yaminawá começa a aparecer na segunda metade do passado século, e
é traduzido habitualmente como "gente do machado" -- ora de pedra, índice do
seu primitivismo, ora de ferro, pela avidez com que procuravam utensílios de
metal nas colocações seringueiras.
Habitualmente sabe-se deles só por intermédio de outros índios, os Kaxinawá no
Brasil e os Shipibo no Peru, que temem suas incursões ou delas são vítimas, e
que cunharam o nome com que os brancos passaram a conhecê-los. As grafias
são muito variáveis: além de Yaminawá (no Brasil) e Yaminahua (no Peru e na
Bolívia) podemos encontrar Yuminahua, Yabinahua, Yambinahua etc. Para além
da diversidade ortográfica, devemos considerar que o costume de fazer
trocadilho com o nome de povos vizinhos, muito comum no jogo das relações
intertribais Pano, pode gerar outras versões.
O sufixo -nawa, que carateriza a maioria dos povos Pano do Acre, se apresenta,
dependendo dos povos, em versão oxítona ou paroxítona. "Yaminawá" espelha
melhor a pronúncia indígena (o "j" português é estranho à sua língua, assim
como o som fechado do espanhol "hua" ou "gua") e preserva assim as
conotações históricas do nome.
https://img.socioambiental.org/d/239209-1/yaminawa_2.jpg
https://img.socioambiental.org/d/239209-1/yaminawa_2.jpg
Os Yaminawá se identificam com esse nome dado por outrem. Explicam que
seus nomes "verdadeiros" são Xixinawá (xixi = quati branco), Yawanawá (yawa
= queixada), Bashonawá (basho = mucura), Marinawá (mari = cutia) e assim
por diante, dentro de uma série virtualmente infinita. Os -nawa formam uma
constelação de grupos que ao longo de sua história tem se combinado de
diversos modos, em sucessivas cissões, fusões ou anexações. Alguns desses
nomes coincidem com o de povos genealógica e historicamente diferentes,
embora sua língua e cultura sejam muito próximas -- é o caso de "Yawanawá",
que não alude aqui aos Yawanawá do Rio Gregorio. Nawa, vale a pena indicar,
além de sufixo étnico é a palavra que designa os brancos.
Língua
Os Yaminawá são falantes de uma língua Pano, classificada num mesmo
subgrupo junto com as outras línguas -nawa da região do Purus, de um lado e
de outro da fronteira. É inteligível para outros grupos da área do Purus, como
Sharanahua ou Marinawá; não para os Kaxinawá nem para os Amahuaca,
também próximos. Com mínimas variações fonéticas e léxicas a língua coincide
com a dos Yawanawá do rio Gregório. Em geral os falantes atribuem às outras
línguas Pano uma proximidade muito maior que a admitida pelos técnicos:
alguns Yaminawá e alguns Yawanawá do Gregório dizem poder se entender, por
exemplo, com os Shipibo do Ucayali.
Excetuando-se a geração mais velha, que apenas conhece algumas palavras em
português e espanhol, os Yaminawá são bilíngües. Têm participado dos projetos
pedagógicos da Comissão Pró-Índio do Acre, com resultados duvidosos. O
prestígio da atividade escolar -- e de algum dos professores -- é muito baixo no
grupo, a freqüência às aulas é escassa e irregular em comparação com o que
pode ser observado em outros grupos, e, pertencendo todos os agentes à mesma
facção do grupo, as cisões recentes têm isolado a maior parte dos Yaminawá da
atividade educativa. A implementação de projetos de desenvolvimento,
governamentais ou não, tem enfrentado dificuldades especiais entre os
Yaminawá, em decorrência sobretudo da sua instabilidade política.
Localização, população e mobilidade
Qual seria, então, o sujeito e o fio da história desse povo? Devemos pensá-los
como um feixe de linhas que se entrecruzam. Os Yaminawá do rio Acre situam o
começo da sua história em duas grandes aldeias: uma sobre o rio Moa -- não o
afluente do Juruá, mas um outro menor, do rio Iaco -- e outra entre os rios Iaco
e Tahuamanu. Dali se deslocaram para as cabeceiras do Chandless, onde tiveram
seus primeiros contatos pacíficos com os brancos, no caso caucheiros peruanos
ou bolivianos. No rio Shambuyacu, no Peru, conviviam com Sharanawa,
Marinawá e Mastanawa, que intermediavam, geográfica e comercialmente, com
os brancos, como faziam mais ao noroeste os Shipibo. As relações com esses
outros grupos Pano levavam regularmente ao conflito e à fuga dos Yaminawá
mata adentro. Eles por sua vez exerciam a mesma função em relação a outros
grupos nawa mais "selváticos", que acabaram incorporando.
Depois de um longo período em que alternam as aproximações pacíficas e as
correrias -- protagonizadas em muitos casos por índios Manchineri aliados aos
seringalistas -- os Yaminawá vão estabelecendo relações diretas com patrões
brancos, entre o rio Acre e o Iaco. Em 1968 um grupo de algo mais de cem
Yaminawá -- debilitados por repetidas epidemias -- se instalam no seringal
Petrópolis, assumindo certo grau de dependência dos brancos, fato inédito até
então. Os informes da Funai, que se instala no Acre em 1975, descrevem uma
situação clássica: alcoolismo, prostituição, desorganização do grupo e
exploração econômica. É estabelecido nesse ano um Posto Indígena, que quebra
o monopólio do seringal. Com esse apoio, os Yaminawá se instalam rio acima, na
área Mamoadate, que congrega duas aldeias Yaminawá (Bétel e Jatobá) e uma
Manchineri (Extrema). Em 1989, provavelmente em função de desavenças
internas e da vontade de se aproximar mais do mundo branco, um grupo
considerável dirigido pelo chefe José Correia Tunumã migra para o rio Acre,
onde já morava outro grupo de Yaminawá. A Terra Indígena Cabeceiras do Rio
Acre, no município de Assis Brasil, fronteira com o Peru, foi homologada em
1998.
Há outras aldeias com as que os Yaminawá reconhecem vínculos próximos de
parentesco. A primeira, conhecida como "A Escola", em território boliviano, a
umas duas horas de canoa a partir de Assis Brasil, é uma aldeia organizada em
volta de uma missão protestante, com uma população próxima dos duzentos
habitantes Yaminawá do subgrupo Yawanawá. Em Brasiléia, no Bairro
Samaúma, habita um contingente Yaminawá desgarrado do grupo do Iaco desde
1987, por causa de um conflito interno. Desde a cisão têm sido conhecidos com o
nome de Bashonawá. Os Bashonawá de Brasiléia, carentes de terras, vivem em
uma situação precária sem roças nem fontes fixas de renda.
Nos rios Iaco e Purus há mais Yaminawá. No primeiro encontra-se o sítio
Guajará, que conta com uma comunidade. A montante, a Terra Indígena
Mamoadate congrega na aldeia Bétel pouco mais de cem Xixinawá. No rio
Purus, existe o grupo de Paumari, em que se contam oitenta ou noventa
indivíduos Kaxinawa e Xixinawá, e famílias nucleares dispersas e misturadas
com "peruanos". Próximo à fronteira peruana do Purus, alguns deles têm se
deslocado para Sepahua, no rio Urubamba, e estão vinculados a uma missão
católica dominicana. Em território peruano existem ainda algumas comunidades
Yaminawá no rio Purus e outras na área do alto Juruá, nos rios Mapuya e
Huacapishtea. Os Yaminawá brasileiros têm vagas notícias a seu respeito. Outros
grupos conhecidos como Jaminawa no Brasil, como os da aldeia Igarapé Preto,
carecem de relação com os Yaminawá aqui descritos. Os Yaminawá costumam se
instalar em estreita relação com outros povos indígenas: no Brasil,
especialmente com os Manchineri, de língua da família arawak. Relações
maritais são freqüentes entre ambos os grupos, mas não são consideradas
matrimônios legítimos. Do mesmo modo, a visível mestiçagem com os "brancos"
não tem dado lugar a uma categoria de "mestiço": a alteridade dos brancos é
assimilada dentro do conjuntode alteridades que já organiza as relações entre
os diversos grupos nawa.
Deve-se advertir o leitor da precariedade destes dados, por causa das freqüentes
rearticulações dos grupos. Pouco depois do final da minha pesquisa de campo,
em 1993, o assassinato de um Yaminawá em Brasiléia, pelas mãos de um
Bashonawá residente nessa cidade, acabou provocando uma cisão no grupo do
rio Acre. Dois grupos numerosos -- que freqüentavam a cidade de Rio Branco --
foram realocados nos anos seguintes em Santa Rosa -- no Alto Juruá -- e no rio
Caeté; um contingente considerável tem-se instalado de modo mais ou menos
permanente na capital. A população total de Yaminawá no Brasil é difícil de
avaliar: os grupos aqui descritos deviam reunir uma cifra aproximada de 500
indivíduos em 1998.
Os Yaminawá contavam no Peru com uma população de 324 pessoas, segundo o
censo de 1993. Na Bolívia, de acordo com o livro Amazonia Peruana (1997),
eram 630 indivíduos.
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3752
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3752
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3752
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3752
Os contatos dos Yaminawá com os missionários têm sido esporádicos ou
indiretos, primeiro com os missionários católicos dominicanos do Peru que se
aventuravam nos seringais, depois com os missionários evangélicos da Missão
Novas Tribos do Brasil, instalados junto aos Manchineri na Terra Indígena
Mamoadate, no rio Iaco. Na Aldeia da Escola, na margem boliviana do rio Acre,
tem lugar uma catequização mais sistemática. Até agora as missões não parecem
ter tido grandes conseqüências quanto à cultura tradicional.
Nos últimos dez anos a presença dos Yaminawá em Rio Branco tem se
intensificado, seja na Casa do Índio, seja em áreas de favela, seja em precários
acampamentos no centro da cidade ou sob a ponte. As conseqüências são graves:
desnutrição de crianças, sério risco de doenças sexualmente transmisíveis,
conflitos que acabam na delegacia ou na cadeia, sem contar com o alto índice de
alcoolismo que já vem do tempo do seringal e na cidade se vê agravado pela má
alimentação. Essa atração letal pela cidade é a face escura da colaboração dos
Yaminawá com as entidades indigenistas: o compromisso político tem levado
com demasiada freqüência as lideranças Yaminawá para a cidade, privando a
comunidade de um centro de referência e de uma instituição essencial para
resolver os conflitos. A Funai, sem possibilidades de atacar a raíz do problema,
tem reagido deslocando os sucessivos grupos dissidentes para outras áreas,
algumas -- como Santa Rosa e Caeté -- muito distantes. Essa dispersão é muito
negativa para a defesa dos direitos territoriais já adquiridos pelo grupo.
Os Yaminawá estão vinculados à UNI-Acre desde a sua criação.
Os Yaminawá praticam uma agricultura de subsistência quase monopolizada
pela macaxeira e a banana. Dispõem em geral de caça abundante; a pesca, ao
menos na aldeia do rio Acre, é pobre durante boa parte do ano. Sua integração
econômica no mundo branco é secundária e marginal; os salários e as
aposentadorias obtidos do FUNRURAL, de projetos educativos ou
desenvolvimentistas estão em geral comprometidos, a crédito, com comerciantes
de Assis Brasil. Salários como diaristas, ou o produto da venda de banana, peixe
ou caça, servem em geral para financiar as viagens e estadias em Assis Brasil e
Rio Branco. Os empreendimentos de criação de bovino ou suíno ou de plantação
de arroz são individuais e pouco significativos, assim como as atividades
extrativas. A pressão dos brancos sobre os seus territórios -- em geral
fronteiriços com áreas de preservação -- resume-se à ação individual de
pescadores ou caçadores. A eventual pavimentação da ligação rodoviária Acre--
Peru por Assis Brasil--Iñapari pode alterar essa situação.
As aldeias Yaminawá são um agregado de pequenos casarios, cada um dos quais
pode reunir um "velho" com suas filhas e genros, ou dois "velhos" cunhados
cujos filhos casam entre si, ou um grupo de irmãos com suas famílias. O
conjunto das casas familiares, palafitas construídas sobre os barrancos do rio no
estilo das casas seringueiras, equivale à maloca coletiva do tempo antigo, e é
designado pelo nome daquela, peshewa. O chefe do grupo pode nuclear um
assentamento maior, congregando à sua volta várias famílias e jovens solteiros;
mas esta concentração costuma ser passageira.
Os Yaminawá se dividem em um número indeterminado de kaio, que seriam
clãs de caráter "totêmico" e de linha paterna, e cujo conjunto em geral coincide
com o dos etnônimos: Xixinawá, Yawanawá, Bashonawá, Xapanawa... No
aspecto simbólico essa divisão parece um desdobramento do dualismo comum
entre os grupos Pano: a tradição indica que as relações com os animais
epônimos observam alguma das regras que definem a conduta com os
consangüíneos. Mas não deve se exagerar a transcendência nem a objetividade
dessas unidades "parentais": dependendo do contexto, um Yaminawá pode ser
contabilizado em kaio diferentes. A residência pode também modificá-lo: um
kaio predomina em cada aldeia e acaba funcionando essencialmente como
etnônimo. Freqüentemente segregadas em função de conflitos, as diversas
aldeias acabam operando também como grupos exogâmicos: poderíamos dizer
que as rixas acabam sendo uma condição prévia da aliança matrimonial.
Mais de perto -- quando se observa um pequeno grupo residencial, e sobretudo
quando se interroga as mulheres -- o aspecto da sociedade Yaminawá é dualista:
os habitantes de uma peshewa são classificados em duas metades (por exemplo,
Xixinawá e Yawanawá), respectivamente consangüíneos ou afins do ponto de
vista de um ego. Os "desagregados" Yaminawá expõem, assim, visões
alternativas de uma mesma organização. Uma -- a que privilegia as "metades" --
depende de um ponto de vista local, "sociológico" e predominantemente
feminino; a outra -- a que insiste na pluralidade de grupos -nawa -- é global,
histórica e parte habitual de um discurso masculino.
Chefia
O chefe Yaminawá pode ser designado pelos termos diyewo, tuxaua, patrão e
liderança, quatro termos que resumem a história política Yaminawá deste
século. Um diyewo é um rico, um cabeça de família poderoso, de quem
dependem muitos jovens; alude a um tipo de chefia que ainda existe e que opera
no âmbito do parentesco.
O tuxaua e o patrão nos lembram da época de vinculação dos Yaminawá a
seringais e fazendas. O tuxaua era em geral um diyewo mais ou menos
importante que estabelecia relações de clientela ou compadrio com um patrão
branco, dentro do sistema de "aviamento" comum na Amazônia. O poder do
tuxaua reside na sua habilidade para lidar com o mundo externo; e essa mesma
habilidade pode convertê-lo em "patrão" aos olhos dos seus seguidores.
A "liderança" pertence à época em que os Yaminawá estabelecem alianças com
brancos distantes, começando pela Funai e acabando com ONGs nacionais ou
internacionais, que lhes possibilitam uma ampla autonomia dos patrões locais.
Em certo sentido, e malgrado o discurso tradicionalista que a carateriza, é esta
versão da chefia a que mais se distancia do modelo do diyewo: trata-se de um
homem mais jovem, cujo peso dentro do sistema de parentesco é baixo. A
persistência no uso dos quatro termos indica que os quatro modelos de
autoridade convivem nos dias de hoje, e as contradições entre eles talvez
estejam na raiz da instabilidade Yaminawá. É importante assinalar que é o chefe
quem "constrói" o grupo para além dos vínculos ativos de parentesco: sua
fraqueza tem conseqüências estruturais.
Xamanismo
Tudo parece indicar que o xamanismo Yaminawá tem sofrido mudanças
recentes e profundas. Até trinta anos atrás via-se dominado pela figura do
niumuã, consumidor de diversas substâncias psicotrópicas ou tóxicas,
conhecedor de cantos poderosos, capaz de adivinhar o futuro das incursões
guerreiras, de viajar e matar à distância. Os Yaminawá alegam que o niumuã
não mais pode existir em tempo "de paz". O koshuiti, bebedor de ayahuasca e
cantor, donode uma arte curativa que maneja as mesmas artes e os mesmos
símbolos, ocupa o seu lugar -- não sem uma grande carga de ambigüidade.
Os Yaminawá têm vários koshuiti, que estendem suas atividades para uma
clientela branca. A "koshuitia" é adquirida através de um longo processo
iniciatório, dedicado a aprender os segredos da ayahuasca e pontuado por uma
série de provas extremamente dolorosas. É uma arte cada vez mais restrita, que
a nova geração não está aprendendo.
Arte e cosmologia
A falta quase absoluta de manifestações plásticas -- da pintura corporal à
cerâmica --, sempre atribuída ao "esquecimento" da cultura tradicional, pode ser
melhor entendida como uma vontade de omitir os signos que, aos olhos dos
brancos, os caraterizariam como "índios". Em aldeias afastadas, como a do Iaco,
são ainda praticadas.
Em troca, a arte oral e musical Yaminawá é muito rica. Além dos belos cantos
xamânicos, conhecidos por poucos, homens e mulheres têm seus yamayama
(chamados assim pelo bordão que une as estrofes), cantos líricos individuais de
teor erótico e apaixonado, que descrevem os sentimentos do autor e as
peripécias de sua vida. Eis alguns exemplos (versões livres, baseadas na
tradução de Arialdo Correia):
Dorme, filha, cantarei a cantiga que os nossos sempre cantaram; para
ver os mortos em sonhos; para ver o pai voltando da pesca. Sou
infeliz; cresci sem ver meu pai, só vi estrangeiros. Meu pai morreu,
quero também morrer logo, e acabarão minhas mágoas. Mas não irei
ao Céu. Virarei o rosto para não ver o urubu e ficarei mais embaixo,
lá onde os meus mortos moram.
Nazaré, cerca de 35 anos
Luzia, cerca de 45 anos
Canto porque te amo; mas tu me amaste só quando era moça,
quando não havia casa e dormiamos no chão, quando ia embora e
voltava nos teus braços chorando. Mas não gosto de um homem que
quer provar todas as mulheres... ... Meninos devem casar com uma
mulher mais velha, que os faça adormecer; quando cresçam, gostarão
dela. Infeliz de mim; meu rosto já está velho, e os meninos não me
desejam, eu queria perguntar às mais novas o que fazem para atraí-
los....
Clementino, cerca de 75 anos
Gostava de ti, irmãzinha, gostava de te ver deitada, me alegrava tua
voz. Como gostava de ti, irmãzinha -- na hora do amor puxavas meu
sexo, e eu te deitava na madeira mole da árvore caída: vamos fazer
amor como fazem dois estranhos. Quando morrer quero que me
enterrem contigo.
A narrativa tem um gênero dominante: o dos shedipawó, "histórias dos antigos".
Há alguns excelentes narradores, que fazem do relato um espetáculo ritmado,
com jogos de vozes e efeitos de som; mas as histórias são conhecidas por todos.
As mulheres e mesmo as crianças gostam também de narrar, porém com um
repertório em geral restrito a relatos de tema humorístico ou zoológico. Os
shedipawó Yaminawá poderiam ser descritos como mitologia historificada: os
mesmos acontecimentos que outros povos situam num início dos tempos ou
atribuem a seres mais ou menos divinos aparecem em boca dos Yaminawá como
aventuras de um antigo, um indivíduo dramático e concreto.
Os Yaminawá parecem pouco interessados na exegese: não há desse modo um
discurso articulado a respeito deste ou de outros mundos -- além das próprias
narrações.
Os shedipawo têm três cenários habituais: o fundo das águas, a mata fechada e o
céu. O céu Yaminawá é sempre um lugar de decepção: os seres humanos se
perdem a caminho dele, as tentativas de estabelecer contato com seus habitantes
acabam em fracasso. A selva é o lugar da guerra e das metamorfoses: os seres
trocam suas identidades, se devoram e casam entre si; sob cada forma visível há
um "espírito" (nhusi, yoshi) capaz de transmigrações. O mundo das águas
participa desse mesmo panorama, mas nele põem os Yaminawá o seu olhar mais
esperançoso: lá estão as grandes cobras d’água, as Ronoá, que oferecem aos
homens suas riquezas: o ferro, as mercadorias, a ayahuasca.
Nota sobre as fontes
Duas teses de doutoramento sobre os Yaminawá, a de Graham Townsley
(Universidade de Cambridge) sobre os peruanos e a de Oscar Calavia (USP)
sobre os brasileiros, permanecem inéditas. Além de um capítulo de Townsley no
Guía Etnográfica de la Alta Amazonía (volume II FLACSO 1994) págs. 239-358,
não há trabalhos publicados acerca dos Yaminawá. Livros sobre a Amazônia
Peruana, como o recentemente editado pelo GEF/PNUD/UNOPS em Lima, em
1997, trazem sempre informações sobre os Yaminawá (Yaminahua). Os escassos
artigos publicados em revistas especializadas, e as referências antigas aos
Yaminawá aparecem em elencos bibliográficos como o de Sueli de Aguiar,
publicado pela Editora da Unicamp. Uma boa síntese acerca do conjunto Pano é
apresentada no artigo de Philippe Erikson, no livro História dos Índios no
Brasil (Companhia das Letras; págs. 239-252).
Fontes de informação
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Campians : Unicamp, 1994. 282 p.
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USP, 1995. (Tese de Doutorado)
• --------. A procura do ritual : as festas Yaminawa no Alto Rio Acre. 
Florianópolis : UFSC, 1999. (Antropologia em Primeira Mão, 33)
• --------. A variação mítica como reflexão. Rev. de Antropologia, São
Paulo : USP, v. 45, n. 1, p. 7-36, jan./jun. 2002.
• COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO. Nuku kede nuku tsai. Rio Branco : CPI-AC,
1993. 17 p.
• EGG, Antonio Brack; YAÑEZ, Carlos (Coords.). Amazonía Peruana :
comunidades indígenas, conocimientos y tierras tituladas. Lima :
GEF/Pnud/Unops, 1997. 349 p.
• ERIKSON, Philippe. Uma nebulosa compacta : o conjunto Pano. In:
CUNHA, Manuela Carneiro da. História dos índios no Brasil. São Paulo :
Companhia das Letras/Fapesp/SMC, 1992. p. 239-52.
• FERNANDEZ ERQUICIA, Roberto. La etnia amazónica Yaminawa y su
relación desigual con la economía de mercado. Rev. del Museo Nacional
de Etnografía y Folklore, s.l. : Museo Nacional, n. 4, p. 111-40, 1991.
• FUNDAÇÃO DE CULTURA E COMUNICAÇÃO ELIAS MANSOUR; CIMI. 
Povos do Acre : história indígena da Amazônia Ocidental. Rio Branco :
Cimi/FEM, 2002. 58 p.
• GAVAZZI, Renato Antônio (Org.). Geografia Jaminawa. Rio Branco :
Kene Hiwe/CPI-AC, 1994.
• KELLER, Daniel. Yamináwa. In: GONÇALVES, Marco Antônio Teixeira
(Org.). Acre : história e etnologia. Rio de Janeiro : Núcleo de Etnologia
Indígena/UFRJ, 1991. p. 235-54.
• MONTE, Nietta Lindenberg; SENA, Vera Olinda (Orgs.). Noko Kede I : I
Cartilha de Alfabetização em língua jaminawa. Rio Branco : CPI-AC, 1991.
• SHEPARD JUNIOR, Glen Harvey. Pharmacognosy and the senses in two
Amazonian societies. San Francisco : Univers, of California, 1999. 332 p. 
(Tese de Doutorado)
• TOWNSLEY, Graham Elliot. Ideas of order and patterns of change in
Yaminahua society. Cambridge : Cambridge University, 1988. 167p. (Tese
de Doutorado)
• --------. Los Yaminahua. In: SANTOS, Fernando; BARCLAY, Frederica
(Eds.). Guía etnográfica de la Alta Amazonía. v. 2. Quito : Flacso, 1994. p.
239-360. (Colecciones y Documentos)
• --------. Song paths : the ways and means of Yaminahua shamanic
knowledge. L’Homme, Paris : École des Hautes Études en Sciences Soc., v.
33, n. 126/128, p. 449-68, abr./dez. 1993.

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