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Seminário 09 - FOUCAULT

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19
Seminário 9 - Michel Foucault e a ordem do discurso
Para o melhor entendimento sobre o pensamento de Michel Foucault foi necessário uma realizar uma revisão do estruturalismo através dos textos estudados no seminário 4 e sobre a vida e obra historiador François Dosse. Portanto, a primeira parte do trabalho será sobre o texto Michel Foucault, estruturalismo e pós-estruturalismo dentro da obra A história à prova do tempo: da história em migalhas ao resgate do sentido para depois entender a complexa vida e obra de Michel Foucault e estudar o livro A Ordem do discurso e o capítulo Os intelectuais e o poder – conversa entre Michel Foucault e Gilles Deleuze, no livro Microfísica do Poder.
1) FRANÇOIS DOSSE
François Dosse, nascido em 22 de setembro de 1950 em Paris é um historiador francês, vindo de uma família de classe média, e desde cedo se interessou por política, vinculando-se quando jovem ao trotskismo. Estudou sociologia e história na Université de Vincennes - Paris VIII. Aprovado no exame de Agrégation lecionou vários anos nos liceus de Pontoise e Boulogne-Billancourt. Foi Maître de conférences no Instituto de Formação de Mestres (IUFM) de Versailles e no de Nanterre. Foi aprovado no exame para dirigir pesquisas em 2001, quando produziu um trabalho sobre Michel de Certeau e consolidou sua orientação para a área de teoria da história e historiografia. A convite de Henri Rousseau vinculou-se ao Instituto de História do Tempo Presente (IHTP), onde participou de vários seminários voltados à epistemologia dos estudos sobre o tempo presente. Publicou inúmeros trabalhos nessa área, focalizando especialmente biografias de intelectuais como Paul Ricoeur e Pierre Nora. Atualmente é Professor no IUFM de Créteil[footnoteRef:1]. [1: Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882012000200018>. Acessado em 5 de novembro de 2015.] 
Dosse tornou-se reconhecido em seu meio como um analista da situação intelectual francesa no século XX e especialmente como crítico da chamada Nouvelle Histoire (Nova História), a terceira geração da Escola dos Annales. As concepções de Dosse a respeito dessas temáticas podem ser lidas em muitas de suas obras publicadas no Brasil, tais como: A História em Migalhas: dos Annales à nova história (1994), História do Estruturalismo (1994) e A História a prova do tempo: da história em migalhas ao resgate do sentido (2001), entre outras. 
Na obra História do estruturalismo Dosse traça um panorama da história intelectual do século XX acompanhando o desenvolvimento das ideias estruturalista além de realizar uma audaciosa articulação entre contextos históricos, concorrências institucionais e combates teóricos, tendo como eixo central a problemática do contraponto entre as diversas formas de ver as estruturas em que os homens encontram-se encerrados e as várias correntes que se opõem a tais perspectivas e valorizam os homens como sujeitos de sua própria história, como foi trabalhado em aulas anteriores.
Dosse compartilha da ideia de Foucault segundo a qual o estruturalismo “não é um método novo, ele é a consciência despertada e inquieta do saber moderno”[footnoteRef:2] ou seja, não é possível pensar o estruturalismo apenas como recurso metodológico a ser utilizado em tal pesquisa – ele é antes “um movimento de pensamento, uma nova forma de relação com o mundo”[footnoteRef:3]. [2: FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas apud DOSSE, François. A história a prova do tempo. Da história em migalhas ao resgate do sentido, p. 195.] [3: DOSSE, François. A história do estruturalismo, p. 12.] 
Já na obra A história à prova do tempo: da história em migalhas ao resgate do sentido Dosse escreve ensaios desde a questão da identidade nacional que orientou o discurso histórico francês até o começo do século XX, discutindo o estruturalismo de Roland Barthes e Jacques Lacan, a importância da hermenêutica de Pau Ricoeur para o historiador, além dos acontecimentos e interpretações sobre Maio de 68 e análises e trajetórias de alguns representantes da Nova História, como Georges Duby, Fernand Braudel e François Furet. Porém, o que trataremos aqui é do capítulo que ele escreve sobre Michel Foucault, Michel Foucault, estruturalismo e pós-estruturalismo.
Ao acompanhar o percurso dessas ideias, Dosse estabelece uma periodização, marcando os inícios da recepção tardia das reflexões da linguística na França em meados dos anos 1940, a elaboração e a ascensão triunfal do paradigma nos anos 50 e 60, e o auge em 1966. A partir de 1967, o estruturalismo passa a apresentar fissuras, e maio de 68 marca o êxito institucional do movimento e sua banalização, ao mesmo tempo em que alguns dos estruturalistas iniciam uma ampla desconstrução do que edificaram.
RESPOSTAS DO TEXTO “MICHEL FOUCAULT, ESTRUTURALISMO E PÓS ESTRUTURALISMO”
Optou-se por responder as questões 2 a 7 em conjunto devido à complexidade das ideias principais e secundárias ao longo das fases de Foucault, além de seus objetos e métodos mudarem constantemente. A cada fase da obra de Foucault, Dosse nos mostra diferenças, aproximações a determinados autores e escolas e mudanças no tempo, gerando um intelectual com originalidade de pensamento.
François Dosse tem como ideia principal entender as 3 figuras de Michel Foucault, no contexto geral das ciências humanas na França dos anos 60 marcado pelo paradigma estrutural. A primeira diz respeito às ideias próximas que Foucault tem com o estruturalismo com o diferencial de historicizar seu objeto permitindo uma perspectiva histórica que não era encontrada em Lévi-Strauss. A segunda fase Dosse articula a perspectiva de desconstrução nietzschiana quando o estruturalismo está em declínio e Foucault procura estudar o biopoder, no contexto pós-moderno de crise dos metadiscursos. E por último, apresenta um Foucault inacabado que emerge dos seus primeiros trabalhos, sobretudo a autogovernabilidade[footnoteRef:4]. [4: DOSSE, François. A história a prova do tempo. Da história em migalhas ao resgate do sentido, p. 195, 196.] 
Portanto, Dosse nos mostra ao longo do texto a adesão de Foucault ao paradigma estrutural e as mudanças das suas posições posteriormente, sendo possível distinguir três fases: a fase estrutural, que vai de História da Loucura (1961) a As palavras e as coisas (1966); uma fase de transição, em que o autor se desloca das epistemes para as práticas discursivas, como se pode ver nas obras A arqueologia do saber (1968) e Vigiar e punir (1975); e uma última fase, já na segunda metade dos anos 1970, quando o paradigma estrutural vê-se repleto de fissuras, e o sujeito retorna para o quadro teórico: História da sexualidade, com o primeiro tomo A vontade de saber (1976) e na década de 80 mais dois tomos, O uso dos prazeres e Preocupação consigo mesmo ambos em 1984. O quarto tomo seria Os prazeres da carne não chegou a ser concluído e como Michel Foucault deixou manifesto em testamento a vontade de que nenhum de seus textos inacabados fossem publicados ele nunca foi divulgado.
A primeira obra analisada por Dosse é a História da Loucura, publicada em 1966. Marca um sintoma de ruptura com uma história do sujeito ocidental no qual Foucault pretende trabalhar o conceito da loucura, do excluído, do Outro, ou seja, é o seu objeto de pesquisa.
Em sua tese, ele problematiza à verdade de um discurso científico particular, o saber psiquiátrico, e estuda as condições de validade e possibilidade deste último. (...) Para conseguir deslocar as linhas fronteiriças tradicionais, Michel Foucault parte de um objeto tabu, do próprio recalcado da razão ocidental, a imagem do Outro, e descreve assim lugares e modos de validação dos ditos de um saber psiquiátrico ainda pouco seguro. (DOSSE, 2001, p. 199).
Desta maneira leva Foucault a privilegiar a historicização do seu objeto, ou seja, confere uma análise histórica concebida como uma “posição instrumental”[footnoteRef:5]. [5: FOUCAULT, Michel. Politique-Hebdo, entrevista, 4.3.1976.] 
Portanto, essa busca de um objeto desembaraçado correspondeà temática estruturalista do momento, levando uma aproximação inicial com o estruturalismo de Levi Strauss (estruturas universais para as ciências humanas), sendo entendido, como uma ideia secundária por Dosse.
No que se refere a metodologia escolhida por Dosse para analisar a obra em questão, ele utiliza a abordagem epistemológica, realizando-se, dessa forma, uma leitura detalhada das ideias de Foucault. Já Foucault “constrói sua história como uma ficção a partir de alguns mitos fundadores nos quais há uma disputa entre afirmações categóricas, e a partir de uma ambição crítica, até mesmo niilista, aos saberes constituídos e às fronteiras em vias de elaboração” (IDEM, p.199-200). Ou seja, uma arqueologia do saber, da episteme de cada época.
Foucault faz um percurso na história através da época medieval até o mundo dos asilos do século XVIII. Primeiro, a loucura era objeto de exclusão e depois, alvo da prática do encarceramento. Foucault percebe nesse percurso a descontinuidade nas práticas discursivas, que induz uma nova relação com a loucura, assim como com o parentesco. Porém, atém-se aos limites do social, pois não busca uma coerência global, visto que a influência nietzschiana já é perceptível em seu pensamento. No século XVIII, na análise de Foucault, surge uma nova ruptura na relação com a loucura, o nascimento do asilo, lugar específico da loucura. Desta maneira, Foucault passa ao estudo do discurso dos loucos, para encontrar a expressão de alguma patologia. Para comprovação do estado “louco”, no final do século XVIII, a figura do médico assume posição preponderante.
Em síntese:
A passagem da indiferenciação para a especificação da loucura, seu posicionamento na temporalidade, a consideração da nova visão e das práticas novas implicada no nascimento da loucura como figura singular, as relações dialetizadas entre saber e poder, com a substituição do poder judiciário pelo poder médico: tais são as grandes linhas de abordagem de Foucault, que supera a simples genealogia da loucura para resgatar, de modo mais global, a passagem de uma sociedade baseada no poder da lei a um sistema que se apoia na norma, que, transformada em critério de divisão dos indivíduos, implica uma economia totalmente diferente do discurso. (IDEM, p. 201-202).
Dosse dialoga com Foucault, pois entende que História da loucura apresenta-se como sintoma de uma época, valorizando o recalcado e, portanto, a loucura é o objeto ideal, sendo assumida por uma antropologia histórica e pela psicanálise[footnoteRef:6]. [6: DOSSE, François. A história a prova do tempo. Da história em migalhas ao resgate do sentido, p. 203] 
As fontes utilizadas por Dosse para escrever sobre Foucault é a própria obra História da Loucura como obras de autores que dialogavam com Foucault, como por exemplo Roland Barthes, Lévi-Strauss e Lacan.
Com a obra As palavras e as coisas em 1966 Foucault situa-se na galáxia estruturalista, porém, diferencia-se de Lévi-Strauss por ser um estruturalismo particular que não se baseia na existência de estruturas. “É um estruturalismo sem estruturas” (IDEM, p. 205).
“Nessa obra Foucault focaliza simultaneamente a descontinuidade e a desconstrução nietzschiana das disciplinas estabelecidas. Essa base nietzschiana do procedimento de Foucault é encontrada na rejeição radical ao humanismo” (IDEM, p. 205), portanto pode ser considerado fonte para o pensamento foucaultiano, nessa fase de transição da construção epistemológica.
“O homem-sujeito de sua história, agente e consciente de sua ação, desaparece. Sua figura só aparece em data recente, e sua descoberta anuncia seu fim próximo” (IDEM, p. 205). Desta maneira, o método utilizado por Foucault é “historicizar o advento dessa ilusão que seria o homem e que só nasceria neste mundo no século XIX” (IDEM, p. 205).
O homem, segundo Dosse dialogando com Foucault, resgatou as rupturas da no campo do saber, sobretudo a episteme clássica para transformá-las em instrumentos de recuperação do sue reinado. “Assim, no século XIX, ele apareceu como objeto concreto e perceptível” (IDEM, p. 206).
Foucault pauta-se no paradigma da descontinuidade (fragmentária) de Nietzsche e, por isso não possui uma maior relação com o paradigma da racionalidade (Platão, Kant, Hegel). Portanto, questiona a teleologia. Dosse salienta que: 
(...) o homem está submetido a múltiplas temporalidades que lhe escapam, e, nesse quadro, não pode ser sujeito, mas apenas um objeto de puros acontecimentos exteriores a ele. A consciência é então o horizonte morto de pensamento. O impensado não deve ser buscado no fundo da consciência humana; ele é o Outro em relação ao homem, ao mesmo tempo nele e fora dele, ao dele, irredutível e inapreensível. (IDEM, p. 208).
Nessa perspectiva de análise, ao contrário do estruturalismo de Lévi-Strauss, Foucault utiliza a historicidade e considera-a como campo privilegiado de análise, lugar por excelência de sua pesquisa arqueológica, detectando as descontinuidades e cortes sincrônicos coerentes. “O procedimento de Foucault implica romper radicalmente com qualquer busca das origens ou de um sistema qualquer de causalidade” (IDEM, p. 208). Esse procedimento, o mais estruturalista no percurso de Foucault, leva de uma episteme a outra, “valorizando a esfera discursiva em sua autonomia em relação ao referente, graças à dimensão sincrônica permite encontrar coerências significantes entre discursos que na aparência não têm outras relações senão a de simultaneidade” (IDEM, p. 209).
Porém, Dosse salienta que essa sucessão de epistemes pode levar num relativismo histórico, semelhante ao de Lévi-Strauss. “Não há inferioridade ou anterioridade entre sociedades primitivas e sociedades modernas, não há verdade para ser buscada nas diversas etapas constitutivas do saber, e só há discursos historicamente detectáveis” (IDEM, p. 209).
Foucault, portanto, termina a obra com um objetivo claro: “(...) uma episteme particular: a do estruturalismo que se apresenta como a realização da consciência moderna” (IDEM, p. 210).
A próxima obra utilizada por Dosse para estudar Foucault é A arqueologia do saber em 1968, no contexto que envolve Maio de 68 e a fragmentação do estruturalismo. Foucault procura distanciar-se das ideias estruturalistas e aproxima-se dos historiadores, os da nova história, herdeiros dos Annales. Porém, ele trabalha com os historiadores com o objetivo da desconstrução, por dentro, à maneira de Nietzsche.
O quadro metodológico que faltava na obra estudada anteriormente é o objeto da Arqueologia do saber. Foucault leva em consideração a prática discursiva, sua principal inovação, que lhe permite mudar os rumos do paradigma estrutural. “Foucault justifica essa historicização do paradigma estrutural baseando-se na trajetória realizada pelos historiadores dos Annales, que derrubaram radicalmente seus três ídolos tradicionais: o biográfico, o factual e o da história política” (IDEM, p. 212).
Dosse trabalha com uma ideia secundária ligando a Arqueologia do saber como definição da primeira história serial[footnoteRef:7]. A descontinuidade, ainda mais presente em Foucault, permite traçar os limites do objeto de estudo e descrevê-lo a partir de seus limiares, de seus pontos de ruptura. “Ela é um meio de construir aquilo que poderia ser chamado história geral, que se define, ao contrário, como o espaço de uma dispersão.” (IDEM, p. 213). [7: LE ROY LADURIE, Emmanuel. France-Culture, 10.7.1969 apud DOSSE, François. A história a prova do tempo. Da história em migalhas ao resgate do sentido, p. 213.] 
A aproximação com os Annales foi importante para que Foucault superasse o método estrutural e o devir histórico, substituindo a reflexão sobre a natureza e seus signos pelo estudo da série e do acontecimento. Porém, o ponto de vista de Foucault ainda é a do filósofo alinhando a filiação nietzschiano-heideggeriana que descontrói o território do historiador. Para Foucault, o que interessa é a esfera discursiva, e não o referente, que continua sendo o objeto do historiador.
Dosse aponta que a desconstruçãoda disciplina histórica que já está em ação nos novos historiadores, passa pela renúncia à busca de continuidades e às tentativas de síntese entre os elementos heterogêneos da realidade. “Foucault considera a nova história o terreno privilegiado para pôr em ação um estruturalismo aberto, historicizado; é o que os americanos chamaram de pós estruturalismo” (IDEM, p. 214).
A ideia secundária trabalhada por Dosse nesse momento de transformação do pensamento de Foucault dá margem a conceituá-lo como pós-estruturalista. Porém, “Foucault resiste a reduções, e para escapar a elas o seu pensamento se situa sistematicamente nas linhas fronteiriças, nos limites, nos interstícios entre os gêneros.” (IDEM, p. 217). Desta maneira, Dosse salienta que Foucault está atrelado a uma concepção estruturalista, porém, compartilha a ideia de prevalência do discurso. Nesse momento de crise do paradigma estrutural Foucault desprende-se de si mesmo e avança traçando uma via neo-estrutural que dá margem a novos campos de trabalho. Seu objetivo continua sendo descentrar o homem, o autor, o sujeito.
Foucault muda seu método da arqueologia para a genealogia após as rupturas provocadas em maio de 68, voltando seu interesse para os grupos que estão a margem do sistema. Dialoga e é influenciado cada vez mais por Nietzsche. Além do estudo da dialética/discurso e poder, Foucault acrescenta um terceiro termo: o corpo. Através da genealogia, que se encontra no centro da articulação entre corpo e história, Foucault propõe concentrar sua ação no corpo, traçando as diversas formas de sujeição e desvendar seus modos de visibilidade.
É assim que em meados dos anos 70 ele publica Vigiar e punir. Dosse nos mostra que Foucault “enrique a perspectiva estrutural de partida graças à dimensão corporal, a confrontação do desejo e da Lei com sistemas disciplinares, mas continua fiel à sua orientação de negação de qualquer continuidade histórica (...)” (IDEM, p. 222).
O programa genealógico de Foucault procura nos procedimentos disciplinares ocultados pelo discurso a perspectiva acerca da noção de poder. Ele será utilizado para a desconstrução da razão ocidental. O pensamento de Foucault ao longo de suas obras, portanto, modifica. Encontra verdades em cada época, em cada sociedade através da episteme que é útil para elas. Dessa forma, Dosse reflete sobre o poder, segundo Foucault:
O poder já não está na dependência da verdade; é a verdade que se encontra sob o domínio do poder, poder que ocupa o lugar de uma categoria fundadora e, portanto, não pode ter sujeito. O poder tem dupla acepção, base de todos os mal-entendidos com os historiadores: ele é ao mesmo tempo um instrumento descritivo (...) que permite desenvolver uma crítica à razão. (IDEM, p. 223).
Nesse sentido, a noção de poder para Foucault é ontológica, ou seja, pela submissão (ou sua resistência) do ser ao poder e sua formação em relação aos demais. “O poder é uma relação, não é uma coisa”[footnoteRef:8]. [8: FOUCAULT, Michel. “Océaniques”, entrevista em Lovaina, 7.5.1981.] 
Esse procedimento é apresentado por Dosse, como ideia secundária, sendo a antítese do procedimento de Hobbes no século XVII, que considerava o Estado como centro, em Leviatã. Desta forma, Foucault analisa o poder de forma circular, através de uma rede. Ele é onipresente, não muda, tudo é poder. Além disso, a resistência ao poder deixa de ter objeto, pois Foucault deixa-se confundir numa mesma realidade poder e Estado.
Para estudar o corpo, Foucault utiliza-se novamente da historicização. Procura o aparecimento da prisão, no fim do século XVIII, porém, vai além do sistema de aprisionamento mostrando que em todos os níveis da realidade social existe um sistema global implantado. Na escola, na fábrica, na caserna, no hospital o sistema é útil para vigiar operários, instruir escolares, internar loucos. Busca-se, portanto, uma sociedade disciplinar. Desta maneira, a individualização é descendente e o poder se torna anônimo.
O mérito de Foucault é mostrar que a genealogia tem como objeto central o corpo e cujo método de abordagem são inflexões do olhar, as modalidades de visibilidade. Assim, o seu pensamento tem ligação e continuidade com os trabalhos anteriores, “situando seu ângulo de análise no nível do discurso e do ver para compreender melhor tudo o que está em jogo efetivamente nos novos dispositivos do poder”. (IDEM, p. 225).
A última fase de Foucault é a da autogovernabilidade, da ética. Trabalha com a ontologia histórica, ou seja, pela ação do ser na aplicação de suas relações com o poder na sociedade, visto como “agente moral”. Reata, na prática, com a figura do intelectual global se aproximando de Sartre.
Foucault volta a estudar o sujeito, preocupado agora com a sexualidade. Começa a escrever em 1976 a História da sexualidade, previsto para 6 volumes. O primeiro, Vontade de saber trata-se de um retorno do sujeito e do indivíduo Foucault mais profundo em si mesmo.
O objeto de Foucault passa a ser a psicanalítica. Reformula suas hipóteses repressivas dada a nova esfera discursiva. Busca nos discursos sobre o sexo, a partir do século XVI, que o Ocidente colocou a sexualidade no centro de um dispositivo de produção de verdade.
Essa obra ligada ainda a Vigiar e punir pretende seguir nas análises do poder, numa analítica do “biopoder”, ao mesmo tempo dá início a uma história da subjetividade dissociada dos termos da Lei e do Poder.
“Decididamente nominalista, Foucault desvincula-se de prática referentes a uma abordagem institucional do poder.” (IDEM, p. 229). O poder, já pluralizado em Vigiar e punir agora é pólo de impulsão de uma produção de “verdade”. Desta maneira, aos poucos esboça uma nova inflexão do olhar. Problematiza o sujeito no âmbito da governabilidade e, depois do autogoverno.
É possível perceber essa mudança nos seus cursos do Collège de France nos últimos anos de sua vida. Em 1980-81 dedica-se à “Subjetividade e verdade”, no ano seguinte, à “Hermenêutica do sujeito” e em 1982-83 ao “Governo de si e dos outros”. Segundo Paul Veyne, ele escreveu sobre isso pois sabia que sua doença, a AIDS, era incurável e, desta maneira, “foram livros de exercício espiritual no sentido cristão ou estóico do termo”. (IDEM, p. 230).
O segundo volume, Vontade de saber volta a buscar uma história da verdade. Percorre do século XVI ao XIX as experiências morais em relação à sexualidade. “O que há de novo é o objeto dessa problematização, o sujeito, em sua relação com a ética.” (IDEM, p. 231). Dissocia a moral da ética resgatando a singularidade da experiência subjetiva do indivíduo.
Em Uso dos prazeres Foucaul mostra a tensão entre o prazer e a saúde. Já com graves problemas de saúde, Foucault problematiza o seu trabalho consigo mesmo. Resgata o sentido da sexualidade desde a Antiguidade e conclui que a ética das sociedades baseia-se na virilidade, ou seja, a homossexualidade não era reprimida desde que seja ativo nas relações com o outro. “A atividade sexual encontra-se, portanto, no centro de uma verdadeira estética da existência, reservada a uma minoria privilegiada, os gregos masculinos livres.” (IDEM, p. 233).
O terceiro tomo da história da sexualidade, Preocupação consigo mesmo diz respeito ao monopólio sexual dentro do casamento, no que consiste as relações sexuais como finalidade a procriação de uma ética de existência puramente conjugal. Foucault pensa que: 
Cabe mais pensar numa crise do sujeito, ou melhor, da subjetivação: numa dificuldade na maneira como o indivíduo pode constituir-se como sujeito moral de suas condutas e nos esforços por encontrar, na aplicação a si mesmo, aquilo que possa possibilitar-lhe sujeitar-se a regras e conferir finalidades à sua existência. (IDEM, p. 234).
O seu verdadeiro objetivo é, portanto, desligar o sujeito do seu desejo, libertá-lo e libertar-se de qualquer forma de culpa para se reconciliar consigo mesmo. O seu horizonte de pensamento mudou de perspectiva, da norma, do saber e do poder para a autoconstituição do sujeito, da relação do indivíduo consigo mesmo a partirda ética. Foucault encerra seu trabalho inacabado dizendo que a preocupação consigo mesmo é primordial. Dosse considera que nesse sentido, Foucault tropeça, pois a alteridade fica em segundo plano. Caminho que Ricoeur consegue simetrizar através de sua dialógica ontológica.
A segunda parte do trabalho refere-se às obras de Michel Foucault previstas no cronograma (A ordem do discurso e Microfísica do poder). O esquema de respostas às perguntas será mantido, devido à complexidade de desvincular uma questão da outra.
MICHEL FOUCAULT
Em 1926 na cidade de Poitiers, França, nasceu Paul-Michel Foucault. Licenciou-se em psicologia, história e tornando-se filósofo pela Sorbonne em 1949, com sua tese sobre Hegel orientado pelo filósofo Jean Hyppolite. Foucault veio de família tradicional de médicos, e romper com essa tradição lhe custou muito, se auto-intitulava “pirotécnico”[footnoteRef:9] por entender que seu pensamento não era teórico e sim constituído de erupções que possibilitam refletir sobre uma realidade obscurecida por discursos e transformada pelos interesses inclusos nas teias relacionais de poder. Sua obra é extensa, mas inacabada devido ao seu falecimento prematuro em 1984, em decorrência da AIDS. [9: DROIT, Roger-pol. Michel Foucault, Entrevistas. Tradução de Vera Portocarreroe ,Gilda Gomes Carneiro. Rio de Janeiro: Graal, 2006, p. 69.] 
Michel Foucault foi considerado um filósofo contemporâneo dos mais polêmicos, pois possuía um olhar crítico de si mesmo Devido às suas tentativas de suicídio, aproximou-se da psicologia e psiquiatria e produziu diversas obras sobre esse tema. Os seus estudos e pensamento envolvem, principalmente, o biopoder e a sociedade disciplinar. Para tanto, o filósofo percorreu três técnicas independentes, mas sucessivas e incorporadas umas pelas outras: do discurso, do poder e da subjetivação. Acreditava ser possível a luta contra padrões de pensamentos e comportamentos, mas impossível se livrar das relações de poder. Foucault trata principalmente do tema poder, que para ele não está localizado em uma instituição, e nem tampouco como algo que se cede, por contratos jurídicos ou políticos. O poder em Foucault reprime, mas também produz efeitos de saber e verdade.
Trata-se (...) de captar o poder em suas extremidades, em suas últimas ramificações (...) captar o poder nas suas formas e instituições mais regionais e locais, principalmente no ponto em que ultrapassando as regras de direito que o organizam e delimitam (...) Em outras palavras, captar o poder na extremidade cada vez menos jurídica de seu exercício. (FOUCAULT, 1979, p. 72).
Foucault acreditava que os acontecimentos deveriam ser considerados em seu tempo, história e espaço. Desta forma, é possível dividir suas obras três fases cronometodológicas: arqueológica, genealógica e ética. A arqueologia, a partir de Heidegger, consiste na ontologia histórica, ou seja, busca do estudo do ser e como o homem se constrói como sujeito do conhecimento e compreensão do ser; a genealogia consiste a submissão (ou sua resistência) do ser ao poder e sua formação em relação aos demais e a ética/ethos que consiste a ação do ser na aplicação de suas relações com o poder na sociedade, visto como “agente moral”. Foucault, na contramão de seus colegas estruturalistas, vai para as ruas em Maio de 68, assina petições, ajuda a imprimir panfletos e sua participação ativa neste acontecimento mudará daí por diante suas reflexões filosóficas.
A pesquisa bibliográfica envolve um complexo pensamento atrelado à sua vida, desde a obra História da Loucura até A História da Sexualidade, que com sua morte ficaria inacabada, enquadram-se dentro da Filosofia do Conhecimento. Anteriormente, porém, publicou Doença Mental e Psicologia, quando ainda tinha 28 anos. Mas foi realmente com História da Loucura, de 1961, sua tese de doutorado na Sorbonne, que ele se consolidou na Filosofia. A princípio Foucault seguiu uma linha estruturalista, mas em obras como Vigiar e Punir e A História da Sexualidade, ele é concebido como um pós-estruturalista. Ele estuda o que de mais íntimo existe em cada cultura ou estrutura, investigando a loucura, o ponto de vista da Medicina, em Nascimento da Clínica, a essência das Ciências Humanas, no livro As Palavras e as Coisas, os mecanismos do saber em A Arqueologia do Saber.
A biografia de Michel Foucault nos revela um pensador que não se manteve alheio às questões políticas e sociais que tecem a história da humanidade. Sua história é marcada por lutas e dominações entre diferentes estratos de nossas sociedades. Crítico da suposta centralidade do poder estatal, ele reconhece que o poder político é exercido mediante uma pluralidade de centros e pontos de apoio invisíveis e desconhecidos. Concilia a sincronia e a diacronia sendo resultado da Virada Linguística. Desta forma, a tarefa que ele assume como intelectual é a de localizar e expor os diferentes pontos de atividades do poder; os lugares e as formas nas quais a dominação é exercida. Sob a perspectiva deste compromisso político de Foucault reside uma possibilidade de compreensão da palestra proferida por ele em sua aula inaugural no Collège de France, em 1970, intitulada “A ordem do discurso”. Um opúsculo redigido em tom de conferência, que Foucault revela suas principais reflexões e pesquisas sobre como os diversos discursos encontrados em uma dada sociedade, ou em um grupo social específico, exercem funções de controle, limitação e validação das regras de poder desta mesma sociedade.
GILLES DELEUZE
Gilles Deleuze nasceu em Paris no ano de 1925 e ali passou a maior parte de sua vida. Reputado como um dos Filósofos mais importantes da contemporaneidade dedicou seus esforços para esclarecer as noções superiores da Filosofia, que é, segundo ele, um processo contínuo de “Criação de Conceitos (do significado de uma palavra, de uma frase.)” e não só uma tentativa de descobrir e de refletir a “Verdade do Mundo e da Vida”.
Estudou Filosofia na Universidade de Sorbonne, em Paris, entre 1944 a 1948. Ali conheceu vários Pensadores que se tornaram célebres, dos quais se pode citar Michel Butor, François Châtelet, Claude Lanzmann, Maurice de Gandillac, Jean Hyppolite, entre outros. Após concluir o curso, dedicou-se à História da Filosofia, matéria que lecionou entre 1957 a 1960, na mesma Sorbonne. Conheceu Foucault em 1962 e ambos buscaram a revalorização do pensamento de Nietzsche.
Sempre buscou, em seu trabalho, desvendar o homem, compreender sua natureza, suas idiossincrasias. Foi o mote de sua pesquisa e o motivo de ter-se aproximado intimamente da psicanálise, sobretudo a “freudiana”.
Deleuze foi perdendo seus intercessores. Em 1984, morreu Foucault. Em 1992, morreu Guattari, logo depois que haviam publicado O que é a Filosofia?. Sua doença se agravou: sofria de uma insuficiência pulmonar que lhe tirava as possibilidades de uma vida ativa. Aos poucos, viu-se obrigado a abandonar todas as suas relações sociais e, por fim, inclusive suas atividades de escrita. Sentindo suas virtualidades e suas forças esvaídas, Deleuze pôs fim à própria vida: jogou-se da janela de seu apartamento em Paris, em 04 de novembro de 1995.
Análise das obras para responder as questões de 2 a 6
O autor inicia A ordem do discurso como um paradoxo: ele mesmo fará um discurso tendo que empregar o próprio discurso para desvendá-lo. Nas palavras de Foucault: “Existe em muita gente, penso eu, um desejo semelhante de não ter de começar, um desejo de se encontrar, logo de entrada, do outro lado do discurso.” (FOUCAULT, 2010, p. 6).
Para Foucault, um discurso é conceituado como uma rede de signos que se conectam a outras tantas redes de outros discursos, em um sistema aberto, registrando, estabelecendo e reproduzindo os valores de determinadas sociedades que devem ser perpetuados. O discurso será uma importante organização (no sentido de ordem) funcional onde se estrutura um imaginário social. Ele deixa de ser a representação de sentidos pelo que se debate ou se luta e passa a ser, o objeto de desejo quese busca, dando-lhe, assim, o seu poder intrínseco de reprodução e dominação. Desta maneira, na Ordem do discurso e na Microfísica do poder o conceito de poder relacionado ao discurso é seu objeto, utilizado de maneira epistemológica.
O discurso nada mais é do que um jogo, de escritura, no primeiro caso, de leitura, no segundo, de troca, no terceiro, e essa troca, essa leitura e essa escritura jamais põem em jogo senão os signos. O discurso se anula assim, em sua realidade, inscrevendo-se na ordem do significante. (IDEM, p. 49).
Portanto, o que Foucault faz ao longo da obra é Foucault é sintetizar as noções, princípios e táticas da organização do discurso e, em decorrência, as possibilidades de analisá-lo.
Quando menciona a busca por “uma voz sem nome” a orientá-lo, Foucault faz um jogo de palavras para dizer que as palavras são de fato um jogo e, ao final da obra irá acrescentar e revelar que essa frase também homenageia um predecessor seu, que muito contribuiu às suas pesquisas: Jean Hyppolite. Dessa maneira, é uma das ideias secundárias que Foucault deixa presente em seu texto.
Adentrando especificamente na A Ordem do discurso conhecemos suas ideias principais e seu método de análise, além de seus objetivos como intelectual. A essência de sua crítica à ordem do discurso refere-se aos procedimentos que visam o controle do que é produzido, por quem é produzido, e de como se distribuem os discursos. Com a concepção crítica estabelecida o autor proporá posturas e procedimentos metodológicos de análise do discurso. Podem ser destacados quatro conceitos entrelaçados como ideias principais e essenciais nesta obra:
1. Existem diferenças fundamentais entre o que pode ser verdade, uma “possibilidade de verdade”, e o que Foucault designa “no verdadeiro”, aquela “verdade” aceita por determinada sociedade, aquela que interessa a um grupo social A “verdade” oficial, “verdade” que não perturba o status quo e é validada através de operações específicas, denominada “no verdadeiro”. Dá o exemplo de Mendel, quando suas pesquisas demonstraram ser verdadeiras e que não foram aceitas, pois não estavam “no verdadeiro”. Ou seja, a sociedade daquela época não aceitava como “verdade”.
2. Não há simetria entre o que o discurso diz representar e os possíveis objetos e conceitos externos que efetivamente possam existir ou que têm a “possibilidade de verdade”. O discurso se insere nos encadeamentos sígnicos de outros discursos dando-nos a impressão de continuidade ou até mesmo de evolução, aprofundamento progressivo desses discursos. O exemplo que Foucault fornece a respeito de Mendel é ilustrativo, entretanto poderá induzir que as proposições mendelianas não foram aceitas apenas por uma questão contextual e que, assim que possível, tornaram a verdade em verdade oficial, validada. O autor, ao longo da obra, insiste que tal acontecimento não é uma decorrência natural, nem regular.
3. O discurso é o encadeamento de significantes em si mesmo e de outros discursos externos. Não possui foco no significado e sim no significante e, portanto, no imaginário dos receptores. Reproduz “de” e “para” esse imaginário consolidando a função de perpetuar as leis, regras, normas, valores implícitos “no verdadeiro” socialmente aceito. Nas palavras de Foucault: “(...) O discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar” (IDEM, p. 10).
4. A estrutura social de manutenção desses valores dispõe de rituais específicos de validação e disseminação dos discursos que torna um pronunciamento aceito oficialmente. Seja pela qualificação de autores, seja pelas solenidades que envolvem os discursos.
Tendo em vista que essas são ideias principais, Foucault explica detalhadamente cada uma delas, gerando ideias secundarias que também são importantes pra entender a complexidade de seu pensamento.
O discurso não é a representação simbólica do mundo ou de uma realidade exterior e universal. Por isso o autor disponibiliza outras noções que irão iludir nossa percepção da realidade discursiva e referem-se a temas que são tratados filosoficamente. São noções que se apoiam em um anseio de logofilia, ou seja, um sentimento gerado pela educação familiar e social (em especial pelas estruturas de ensino), de que sempre é possível encontrar uma mensagem plena de sentidos e verdade no interior dos discursos. Sentimento que nos faz, mesmo inconscientemente, crer em um maniqueísmo entre o verdadeiro e o falso. Se há um núcleo validado, por diversos procedimentos, será possível encontrar uma verdade, caso contrário haverá o falso, o erro. Como, pelas próprias funções dos discursos, estes excluem os que lhe afrontam, parecerá que sempre há uma verdade intrínseca a ser encontrada.
A logofilia desliza a outro sentimento denominado logofobia, quer seja, o receio e a angústia de não ter o discurso próprio, individualizado, validado e, portanto, inserido “no verdadeiro”. Não ser reconhecido. Com isso esses discursos corroboram na reprodução e manutenção das verdades oficiais.
Foucault chama a atenção para o questionamento dessas noções como decisões primárias para a análise do discurso. Compreender que os discursos não são temporalmente contínuos restituindo seu caráter aleatório e, finalmente, entender que o imaginário, refletido nos significantes expressos nos discursos, não atinge categorias universais por ser exatamente isso: imaginário. O desdobramento dos questionamentos anteriormente descritos leva Foucault a organizar quatro princípios reguladores fundamentais para a análise dos discursos, que podem ser encarados com objetivos traçados pelo autor:
a) Noção de acontecimento: Não há criação baseada na ideia do sujeito fundante. O discurso se produz por eventos aleatórios ainda que contextualizados;
b) Noção de série: Não há continuidade, portanto não há uma série que supostamente gere uma linha evolutiva inquestionável ou rede de significados;
c) Noção de regularidade: Não há produção regular. Há impermanência. Cada acontecimento pode ser entendido como original sem que seja o sujeito fundante ou a continuidade de discursos anteriores.
d) Noção de condição de possibilidade: Não há núcleos de significados nos discursos. Há possibilidade de verdade no emaranhado das redes de significantes.
Uma vez estabelecidas os objetivos fundamentais para a análise do discurso, Foucault estabelece princípios reguladores e suas inversões, que podem ser utilizados como método para a análise do discurso. São eles:
a) Princípio da inversão: faz-se uma postura crítica do discurso para recortar estrategicamente o texto e inverter o significado proposto, negando-o e colocando em evidência os significantes. Percebem-se, igualmente, as estratégias de rarefação, especialmente a dos comentários e as falsas universalizações. “(...) é preciso reconhecer, ao contrário, o jogo negativo de um recorte e de uma rarefação do discurso.” (IDEM, p. 52);
b) Princípio de continuidade: Com a leitura atenta dos discursos pelas noções expostas e uma vez evidenciada a rarefação, percebe-se que não há, como a ser subjacente, um contínuo de verdade evolutiva nos discursos. “Os discursos devem ser tratados como práticas descontínuas, que se cruzam por vezes, mas também se ignoram ou se excluem.” (IDEM, p. 52);
c) Princípio da especificidade: A especificidade de um discurso pronunciado por autores outorgados não torna os significados propostos verdades absolutas e universais. Não aceitar prontamente o “no verdadeiro” como cúmplice de nossos conhecimentos, por nossa vontade de verdade, e que foram dispostos em nós, igualmente, por discursos prévios inspiradores do eixo logofilia-logofobia. “Deve-se conceber o discurso como uma violência que fazemos às coisas. [...] e é nesta prática que os acontecimentos do discurso encontram o princípio de sua regularidade.” (IDEM, p. 53);
d) Princípio da exterioridade: Fixar as fronteiras do discurso, primeiramente nele mesmo, restringindo a busca de um núcleo de verdades significativas.Em segundo lugar buscar a compreensão da rede de significantes, e não dos significados, estabelecida exteriormente e imbricadas no discurso analisado. “[...] não passar do discurso para seu núcleo interior e escondido [...] mas, a partir do próprio discurso, de sua aparição e de sua regularidade, passar às condições externas de possibilidade...” (IDEM, p. 53).
O par logofilia-logofobia também é fonte de outras noções estabelecidas por Foucault: a de sujeito fundante, da experiência originária e da mediação universal. A noção de sujeito fundante se refere à possibilidade ou à crença na probabilidade de que um sujeito possa através de uma espécie de intuição e de racionalidade fundar horizontes de significação. A experiência originária supõe uma espécie de conhecimento do mundo pré-existente a espécie humana passíveis de serem conhecidas. O tema da mediação universal induz à crença de uma possível racionalidade constantemente disponível e capaz de produzir uma consciência imediata a partir das singularidades às categorias supostamente universais.
A importância dessa obra ligada a linha de pesquisa desenvolvida por Foucault deve-se ao fato dela constituir um elo de ligação entre História da loucura, As palavras e as coisas, Arqueologia do saber (todos da década de 1960, com análises voltadas para as condições de possibilidades das ciências humanas) e as que se seguiram ao maio de 68, centradas na apreciação da Microfísica do poder. Com Vigiar e punir, Foucault busca desvendar a relação entre as práticas discursivas e os poderes que as permeiam delineando artifícios que moldam e controlam os discursos na sociedade. Para Foucault, “o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo pelo que se luta, o poder de que queremos nos apoderar” (IDEM, p. 10).
No capítulo IV da Microfísica do poder – Os intelectuais e o poder – Conversa entre Michel Foucault e Gilles Deleuze, Foucault nos deixa clara a sua posição política, conforme podemos observar no seguinte trecho:
Ora, o que os intelectuais descobriram recentemente é que as massas não necessitam deles para saber; elas sabem perfeitamente, claramente, muito melhor do que eles; e elas o dizem muito bem. Mas existe um sistema de poder que barra, proíbe, invalida esse discurso e esse saber. Poder que não se encontra somente nas instâncias superiores da censura, mas que penetra muito profundamente, muito sutilmente em toda a trama da sociedade. Os próprios intelectuais fazem parte deste sistema de poder, a idéia de que eles são agentes da "consciência" e do discurso também faz parte desse sistema. O papel do intelectual não é mais o de se colocar "um pouco na frente ou um pouco de lado" para dizer a muda verdade de todos; é antes o de lutar contra as formas de poder exatamente onde ele é, ao mesmo tempo, o objeto e o instrumento: na ordem do saber, da "verdade", da consciência", do discurso. (FOUCAULT, 1979, p. 71).
Portanto, não é trivial a tese de que Foucault tenha lutado contra uma forma de poder, ao colocar em pauta a A Ordem do discurso em sua aula inaugural no Collège de France. Tanto a Universidade, quanto a família, o manicômio e a prisão são instituições que foram alvo da genealogia do poder que Foucault desenvolve ao longo da sua vida de trabalho.
Foucault propõe, então, de pronto, uma readequação de métodos. É necessário estabelecer um princípio da inversão, como por exemplo: no papel positivo do autor ver a sua negatividade.
Torna-se imperioso o estabelecimento do princípio da descontinuidade, isto é, os discursos devem ser vistos como práticas descontínuas, que se ignoram e, por vezes, se excluem. Necessário, também, é ver no discurso suas singularidades. A obra analisada, portanto, é o exemplo de como Foucault suspendeu as evidências para dizer que as coisas existem, utilizando para tanto uma geometria variada. A teoria empregada por ele não possui ponto de partida logicamente sistematizado, nem sujeito e nem liberdade, pois o que existe são relações. O que está em jogo é o procedimento de suspensão das evidências dos objetos pré-constituídos e como eles são constituídos em grades de inteligibilidade.
Salienta-se a importância da sensibilidade do homem para a constituição do filósofo, do poeta, como o mesmo apresenta profunda consciência do papel do homem na constituição da realidade e a importância do discurso para a construção da sociedade. Seja como prática de consolidação de realidades, seja como forma de alteração de uma ordem. Através de um discurso de aula inaugural Foucault nos mostra as funções do discurso e toda sua força.
CONCLUSÃO
Procurou-se, ao longo deste estudo, demonstrar a coerência interna do percurso do pensamento filosófico de Michel Foucault entrelaçando sua vida e obras através do texto escrito por François Dosse.
Da primeira parte do estudo, pode-se inferir que Foucault, da História da loucura a A arqueologia do saber, trabalha com discursos considerados como acontecimentos, cujo traço principal, a arqueologia, a partir de Heidegger, se baseia na ontologia histórica, ou seja, busca do estudo do ser e como o homem se constrói como sujeito do conhecimento. Estudando a problematização do sujeito, na segunda parte da tese, conclui-se que, a partir da década de setenta, com a reintrodução da noção de subjetividade na reflexão foucaultiana, o arquivo passa a valer como traço de existência numa análise que procura problematizar as condições de enunciação e as determinações epistemológicas do presente. Assim, elabora-se progressivamente um modelo novo capaz de prolongar as pesquisas arqueológicas em direção ao presente e que se concentra não apenas no nascimento de uma épistémè, mas na sua atualidade, problematizando o nosso pertencimento a um dado regime discursivo e a uma configuração de poder.
Esse novo modelo é a genealogia, que consiste na ontologia histórica: pela submissão (ou sua resistência) do ser ao poder e sua formação em relação aos demais. Mas antes de ser genealógico, como se viu, ao longo deste estudo, o pensamento de Foucault já era descontínuo e é a procura mesma de um modelo de descontinuidade que torna inevitável que Foucault confira, às suas pesquisas, a dimensão genealógica. Se a genealogia faz aparecerem todas as descontinuidades que nos atravessam, elas já eram presentes, na arqueologia, sob a forma da atenção aos acontecimentos, o que, por sua vez, pode ser considerado uma testemunha a favor da aludida coerência de Foucault. O programa de Foucault sempre foi a análise das diferentes redes e níveis aos quais pertencem os acontecimentos, de modo que a genealogia se constitui progressivamente e do interior mesmo da arqueologia. Com a genealogia, Foucault vê a possibilidade de pensar a ruptura de um modo diferente do que sobre o fundo da continuidade; a possibilidade de redobrar o lento trabalho de dissolução da figura do sujeito já começado e que agora pode ser empreendido por um mecanismo diverso do anterior; a possibilidade de manter juntas a dimensão da épistémè e a dos acontecimentos e a possibilidade de que a história genealógica seja também uma problematização da nossa própria atualidade ou uma ontologia crítica de nós mesmos.
Foucault indica três domínios de genealogia possíveis: uma ontologia histórica de nós mesmos em nossas relações com a verdade, que nos permite constituir-nos como sujeitos de conhecimento; uma ontologia histórica de nós mesmos em nossas relações com um campo de poder, que nos permite constituir-nos como sujeitos de ação sobre os outros; e uma ontologia histórica de nós mesmos em nossas relações com a moral, que nos permite constituir-nos como agentes éticos. Segundo Foucault, todos os três domínios estavam presentes, ainda que de modo confuso, na História da loucura, o eixo da verdade foi estudado na arqueologia, o do poder, em Vigiar e punir, e o da moral, na História da sexualidade.
Conseqüentemente, a pesquisa genealógica envolve as singularidades e as rupturas do percurso foucaultiano e constitui uma história dos acontecimentossob a forma de uma pesquisa sobre os saberes, sobre os poderes, sobre a relação consigo e a ética, que permite considerar conjuntamente as diferentes etapas da trajetória do filósofo.
A passagem à genealogia, portanto, não se faz a partir de um abandono de temas ou de metodologia. Ao contrário, é a tentativa de pensar até o fim e com um grau maior de exigência os problemas que ele se colocou fazendo-o levar a reformulação e deslocamento de suas análises. Trata-se não de uma lógica do abandono, mas de uma lógica da ampliação, uma ampliação que implica revisões críticas importantes, mas que não escapa à coerência de uma problematização que a pesquisa foucaultiana não cessa de tecer: a problematização da questão do sujeito. Concebe-se, portanto, a passagem ao campo político e ao projeto de uma analítica do poder como o prolongamento exato da análise do campo discursivo e do projeto arqueológico, já que a genealogia não substitui a arqueologia, mas se ancora na mesma, prolongado-a em direção ao presente. A escolha do campo não discursivo não equivale a uma desqualificação do campo discursivo, mas a uma ampliação das análises dos discursos a um terreno mais vasto que envolve, ao mesmo tempo, os discursos, os saberes, o corpo, as práticas e as estratégias.
A subjetividade em movimento, para Foucault, é, ao mesmo tempo, produto de determinações históricas e do trabalho da relação consigo, cujas modalidades são também históricas, de modo que a invenção de si mesmo não é exterior a grade do saber/poder, mas encontra-se dentro da mesma. A pesquisa da década de setenta leva Foucault a se questionar sobre se é verdade que os modos de objetivação produzem alguma coisa como sujeitos.
Foucault procura, então, encontrar, no seio mesmo das determinações históricas, sociais e políticas, as condições de um verdadeiro trabalho da liberdade. No início da década de oitenta, a analítica do poder é radicalmente centrada na questão “como” e Foucault procura, então, um princípio de distinção suscetível de manter a implicação recíproca do poder e da liberdade, diferenciando, ao mesmo tempo, os dois termos. Essa diferenciação repousa na produção recíproca do poder e da resistência, compreendida como uma prática da liberdade inserida na relação de poder. O poder produz, isto é, ele não cessa jamais de desenhar outras grades de identificação, de inventar outros dispositivos de hierarquização e de repartição, outras estratégias de investimento e de captação, de modo que as relações de poder estão em expansão permanente e em transformação contínua a fim de se adaptar às modificações de uma realidade que elas mesmas contribuem para transformar. A resistência também é produtiva, a prática da liberdade é incessantemente relançada por novos dispositivos de poder, de modo que a resistência se transforma na medida mesma das transformações das relações de poder. 
Com efeito, depois da publicação de A vontade de saber, como se viu, na segunda parte da tese, Foucault se interessa cada vez mais pelo problema colocado pelas práticas de si e pela possibilidade de processos de subjetivação. Assim, Foucault acaba por recentrar a sua pesquisa sobre uma relação consigo que se dá antes de tudo como experiência de si, como ethos, de modo que a analítica do poder desemboca em uma dimensão que, ao invés de lhe denunciar as carências e os impasses, relança todas as suas implicações, abrindo o espaço de uma possível prática da liberdade.
Essa virada ética e estética, uma vez que se trata de se tomar a si mesmo como objeto da própria ação e de se produzir a si mesmo, fazendo da própria vida uma obra de arte, pode ser formulada fazendo dessa virada o prolongamento natural do entrelaçamento complexo entre poder e liberdade que desemboca na questão do sujeito. Todo o trabalho de Michel Foucault correspondeu, ao mesmo tempo, à descrição minuciosa da maneira como as relações de poder se entrecruzavam a concorriam para formar uma rede coerente de discursos, de dispositivos, de práticas e de instituições e à descrição da maneira segundo a qual um conjunto homogêneo de relações de poder se modificavam e se reformulavam numa aproximação daquilo que elas investiam. Essa dupla análise arqueológica e genealógica constitui uma analítica do poder que, ao colocar a indissociabilidade do poder e da resistência ao poder, se concentra num eixo dominante, o da questão do sujeito, da história do assujeitamento ou dos modos de objetivação que constituiram para a razão o espaço de um conhecimento possível, incluindo em seu centro o objeto específico que é o homem.
Pode-se concluir, portanto, que todas as rupturas aparentes do percurso filosófico de Michel Foucault correspondem a uma torsão interna da problematização da questão do sujeito. A passagem da arqueologia à genealogia, e, dentro desta, a da analítica do poder à problematização ética e estética da relação consigo, nos dá a exata dimensão da coerência do percurso filosófico foucaultiano, pois é na medida mesma em que a análise dos discursos e a analítica do poder são conduzidas até o fim, isto é, que a problematização da objetivação do sujeito por práticas epistêmicas, disciplinares, confessionais e normalizadoras é conduzida até o fim, que aparece, finalmente, o tema da produção de subjetividade, da subjetivação por práticas de si, tema esse que Foucault irá retomar incessantemente até seus últimos dias.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DOSSE, François. “Michel Foucault, estruturalismo e pós-estruturalismo” in A história à prova do tempo: da história em migalhas ao resgate do sentido. São Paulo: Ed. UNESP, 2001, p. 195-213.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso, Aula inaugural no College de France. Pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo: Loyola: 1996.
FOUCAULT, Michel e DELEUZE, Gilles. “Os intelectuais e o poder – conversa entre Michel Foucault e Gilles Deleuze” in FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder, São Paulo: Ed. Graal, 1979, p.69-78.

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