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CASTRO_Vocabulario de Foucault

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Eocnnoo Cnsrno
Vocabu lário de
FOUCAULT
Um percurso pelos seus
temas, conceitos e autores
,LLtirtt Ç.Ll Stry- f-»rrt (t'n4
4;; VUtt";, , -?s l,tLt 14/J--\rí í0 )4
Tradução
lngrid Müller Xavier
Revisão técnica
Walter Omar Kohan
Alfredo Veiga-Neto
autêntica
Copyright @ 2004 Edgardo Castro
- -..O ORIG NAL
Ei Vocabulario de Michel Foucault Un recorrido alfabético por sus temas, conceptos y autores
TiÀD u(Áo
lngrid Müller Xavier
tEV 5Ào TÉCNICA
Alfredo Veiga-Neto
Walter Omar Kohan
CAPA E SOBRÊCAPA
Diogo Droschi
(Sobre imagem de Raymond DepardonlMagnum Photos)
EDIÍORAÇÃO ELETRÔNICA
Tales Leon de Marco
Waldênia Alvarenqa Santos Ataíde
REVJSÃO
Ana Carolina Lins Brandão
Cecília Martins
Vera Lúcia Simoni De Castro
CONFECÇÃO DOS íNDICES
Arlindo Picoli
Walter Omar Kohan
EDIToRA RESPoNSÁVEL
Rejane Dias
Revisado conforme o Novo Acordo OrtográÍico.
Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora.
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida,
seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia
xerográfica, sem a autorizaÇão prévia da Editora.
AUTÊNTICA EDITORA
Rua Aimorés, 981, 8" andar. Funcionários
30140-07L Eelo Horizonre. MG
Tel: (ss 3 1 ) 3222 68 19
Trrrvexo,qs: 0800 283 1 3 22
wvwv.autenticaeditora.com. br
Dados lnternacionais de Catalogação na Publicação (ClP)
(Câmara Brasileira do Livro)
t-
Castro, Edgardo
Vocabulário de Foucault Um percurso pelos seus ternas, conceitos e
autores/ Edgardo Castro; traduEão lngrid Müller Xavier; revisão técnica
AlÍredo Veiga-Neto e Walter Omar Kohan. Belo Horizonte : Autêntica
Editora, 2009.
TÍtulo or ginal: El vocabulario de Mrchel Foucau t : un recorrido
alfabético por sus temas, conceptos y autores
lsBN 978-85-7526-402 7
1 . Filosofia - Dicionários 2. Foucault, Mlchel, 1926-'1 984 - Dicionários
L Veiqa-Neto, AlÍredo. ll. Kohan, Walter Omar. lll. Título.
índice para catálogo sistemático
1. Filosofia : Dicionários 103
09-047 1 6
SU MARIO
VrRerrrs
PnoLoco n rotçÃo BRASTLETRA 11
Pnrrncto
lnrnoouçÃo
13
15
1ilrusrnuÇôrs PARA o uso
VocRsuLRnto or FoucnuLr 21
As osnas E AS PAGINAS 431
461
ioB
ÍNorcr DE TERMOS ESTRANGETROS
Íruorcr oNOMASTIco
Íruorcr DE oBRAS 415
VERBETES
A
A priori historico (A priori historique)
Absolutismo (Ab s oluti sm e)
Abstinência (Ab st in e n ce)
Acontecimento (Év énement)
.4.mulatio
Afeminado (Üfféminé)
Agostinho, Santo
Alcibíades
Alienação (Ali é n ati o n)
Althusser, Louis
Amicitia
Anachóresis
Analítica da finitude (Analytique debfinitude)
Analogia (Analogie)
Animalidade (Animalité)
Anomaiia (Anomalie)
Anormal (Anormal)
Antiguidade (Antíquité)
Antipsiquiatria (Ant ip sy chi atr i e)
Antissemitism o (Anti s é mit i sm e )
Antropologia (AnthroP ologie)
Aphrodísia
Arendt, Hannah
Ariês, Philippe
Aristófanes
Aristóteles
Arqueologia (Ar ch é olo gi e)
Arquitetura (Ar chit ectur e)
Arquivo (Archive)
Ars erotica
Artaud, Antonin
Artemidoro
Ascese (Áscàse)
Asilo (Aslle)
Atualidade (Actu alit é)
AuJkliirung
Ausência (Absence)
Aotor (Auteur)
B
Bachelard, Gaston
Bacon, Francis
2l
2t
23
24
28
28
28
29
29
30
30
30
31
31
31
32
J4
34
35
35
36
37
38
39
39
39
40
42
43c
44 Cabanis, Pierre fean George44 Cadáver (Cadavre)
4! Canguilhem, Georges
45 Capitalismo(Capitalisme)
46 Carne (Chair)
46 Cassiano, loão
46 Castel, Robert
46 Castigo (Chôtiment, punition)
47 Cervantes Saavedra, Miguel de
Chemnitz, Bogislaus Philipp von
Choms§, Noam Avram
49 Cícero
49 Ciências humanas (Sciences humaines)
Barbárie (Barbarie)
Barbln, Herculine
Barroco (Baroque)
Barthes, Roland
Basaglia, Franco
Bataille, Georges
Baudeiaire, Charles
Beccaria, Cessare
B ehaviorismo (B éh av i o r i sme)
Benjamin, Walter
Bentham, leremy
Bergson, Henri, Bergsonismo (Bergsonisme)
Bichat, François Xavier
Binswanger, Ludwig
Bio-história (B i o -hi st o ire)
Biologia (Biologie)
Biopoder (Bio-pouvoir)
Biopolítica (Bi o p olitiqu e)
Bissexualidade (Bisexualité)
Blanchot, Maurice
Bloch, Marc
Bopp, Franz
Borges, Jorge Luis
Botero, Giovanni
Boulainvilliers, Henry de
Boulez, Pierre
Braudel, Fernand
Brown, Peter
Burguesia (B o urge oi si e)
50
50
51
5I
5l
52
52
52
53
53
53
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57
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60
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62
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66
66
67
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7l
71
71
72
73
73
/3
74
7
Clausewitz, Carl von
Clausura (Renfermement)
Clemente de Alexandria
Clinica (Clinique)
Cogito
Comentário (Commentaire)
Comunismo (Communisme)
Condillac, Étienne Bonnot
Confi ssão (Aveu, co nfession)
Contrato (Contrat)
Controle (Contrôle)
Convenientia
Conversão (Epistrophé, conversion)
Corpo (Corys)
Cristianismo (Chr i st i ani s m e)
Cuidado de si (Epiméleia, souci)
Cuvier, Georges
D
Darwin, Charles
Degeneração ( D ége né res ce n c e)
Deleuze, Gilles
Democracia (D ém o cr at i e)
Derrida, Jacques
Descartes, René
Descontinuida de (D i s co nt inui t é)
Desejo (Désir)
Despsiquiatriz açáo (D ép sy chi at r i s at i o n)
Diagnosticar (D iagno stiquer)
Dialética (D i ale ct i qu e)
Dietética (Diététique)
Disciplina (D i s cipline)
Discurso (Discours)
Dispositivo (D i sp o s itifl
Dispositivo de aliança (Dispositif dhlliance)
Dispositivo de sexualidade (Dispositif de
sexualité)
Divinatio
Documento (Document)
Dogmatismo (Dogmatisme)
Dominação (Domination)
Dom Quixote
Doutrina (Doctrine)
Dumézil, Georges
Durkheim, Émile
E
Econômica (É co n omi tlue)
Édipo
Educação (Éducation)
Enciclopédia (En c y cl o p é die)
Enkrateia
Enunciado (Enoncé)
Epicuro
B
74 Epiméleia
74 Episteme (Épistémà)
74 Episteme clássica (Épistémà classique)
75 Episteme moderna
80 Epistemerenascentista
81 Epistrophé
82 Epiteto
82 Epithymía
82 Época clássica (Époque classique)
84 Eros
85 Erotica(Erotique)
86 Escola(École)
86 Escola dos anais (Ecole des anales)
87 Estética da existência (Esthétique de
9l lbxistence)
92 Estratégia(Stratégie)
96 Estruturalismo (Structuralisme)
Ethos
97
97
98
101
r02
r02
103
104
106
107
108
109
110
117
123
t25
Étíca (Éthique)
Exame (Examen)
Existencialism o (Exi st e nt i ali s m e)
Exomologêsis
Experiência (Exp érience)
F
Fâbrla (Fable)
Família (Famille)
Fascismo (Fascisme)
Fausto (Faasf)
Febvre, lucien
Fenomenologia (Phénoménologie)
Feudalismo (Féodalisme, Féodalité, Féodal)
Ficçáo (Fiction)
Filodemo de Gádara
Filosofia (Philosophie)
Flaubert, Gustave
125 Formaçáo discursiva (Formation discursive)
125 Formalização (Formalisation)
125 Freud, Sigmund
125
126 G
127 Galeno
128 Genealogia(Généalogie)
129 Gênio (Génie)
129 Gnosticismo (Gnosis,Gnosticisme)
Goethe, Wolfgang
Governo, governar, governamentalidade
131 (Gouvernement, Gouverneri Gouvernamentalité)
133 Gterra (Guerre)
134 Gulag(Goulag)
135
135 H
136 Habermas, fürgen
138 Hadot, Pierre
138
139
140
t44
144
145
t45
146
147
t47
147
149
r49
150
151
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t54
155
157
160
160
161
r64
164
166
167
167
167
170
17t
t72
t72
176
177
180
181
184
184
187
t87
188
188
193
t96
197
198
Hegel, Georg Wilhelm Friedrich
Hegelianismo (Hé géli ani sme)
Heidegger, Martin
Hermafroditism o (Herm aphr o di sm e)
Hermenêutica (Her m en éutique)
História (Histoire)
Historicismo (Historicisme)
Hitler, Adolf
Hobbes, Thomas
Hôlderlin, Johann Christian Friedrich
Homem (Homme)
Homossexualid ade ( Ho m o s e xu alit é )
Humanismo (Humanisme)
Husserl, Edmund
Hypomnémata
Hlppolite, |ean
I
Iatriké
Ideologia (Idéologie)
Ilegalidade (lllégalkme)
Imaginaçáo (Im agin at i o n)
Inconsciente (ln c o n s ci ent)
Individualizaçã o (In div i du ali s ati o n)
Intelectual (lnt ell e ct uel)
Interioridade (Int é r i o r it é)
Interpretação (Int e r pr ét ati on)
Investigação (Enquête, Inquisitio)
I
|arry, Alfred
)usti, |ohann Heinrich Gottlob von
K
KaÍka, Franz
Kant, Immanuel
Klossowski, Pierre
L
Lacan, Jacques
Lamarck, |ean-BaPtiste
Lei (Loi)
Lepra (Làpre)
Liberalismo (Lib ér ali sm e)
Liberdade (Liberté)
Libertinagem (Lib er tinage)
Libido
Limite (Limite)
Linguagem (Langage)
Linguística (Lingui st i que)
Literatura (Littérature)
Lombroso, Cesare
Louqra (Folie)
Lrta (Lutte)
1e8 M
lii ilxlilffi',§::,tr
;i.; Marx, Karl
::: Marxjsmo(Marxisme)
:Y:Masturbação (Masturbation)
i:: Materialismo (Matérialisme)
iH Medicalização (Médicalisation)
;;, Modernidade (Modernité)
Monstro (Monstre\
;iZ Montaigne, Michel de
i)i N
221 Nazismo (Nazisme)
222 Nietzsche,Friedrich
Norma (Norme, Normalisation,
Nosopolítica (Nos o -p olitique)
291
29t
292
294
298
298
299
301
303
303
304
305
Normalité) 309
311
223
223
224
22s
227
227
228
229
230
232
o
Obediência (Obédience) 312
Ontologia do presente, Ontologia histórica
(Ontologie du présent, Ontologie historique) 312
P
Panóptico (Panoptique, Panoptisme)
Parresía
Pascal, Blaise
Pedagogia (Pédagogie)
Pinel, Philippe
236 Pitagorismo (Pythagorisme)
236 Platão
Platonismo (Platonisme)
Plutarco
237 Poder (Pouvoir)
237 Poder pastoral (Pouvoir pastoral)
23g Polícia, Ciência dapolicia (Police,
Polizeiwissenschaft)
População (PoPulation)
241 Positividade(Positivité)
241 Práttca(Pratique)
242 Prisáo (Prison)
242 Psicagogia (Psychagogie)
243 Psicanálise (PsychanalYse)
245 Psicologia(Psychologie)
249 Psiquiatria (Psychiatrie)
250
2so R
751 Raca (Race)
255 Racionalidade(Rationalité)
256 Racismo (Racisme)
258 Razão de estado (Raison détat)
258 Reich, Wilhelm
288 Religiáo(Religion)
3t4
316
318
319
320
320
321
322
1).)
323
554
334
JJO
336
339
344
344
347
349
373
373
376
i/ó
381
381
9
Repressão (Répression)
Resistência (Résistance)
Revolução (Rév olution)
Roussel, Raymond
S
Saber (Savolr)
Sade, Donatien-Alphonse-François
Marques de
Saúde, salvaçáo (Salut, Santé)
Sexualidade (S exu alit é)
Shakespeare, William
Soberania (S o uv erain et é )
Subjetivação (Subj e ctiv ation)
Subjetividade (Subj ectivité)
Sujeito (Suleú)
T
Tâtica(Tactique) 411
Técnica, tecnologia (Technique,Technologie) 412
Teleologia (Téléologie) 414
Território (Territoire) 474
Therapeutiké 415
Totalidade (Totalrtô 415
Tradição (Tradition) 416
Tianscendental (Transcendental) 417
Transgressão (Transgression) 417
U
Ubuesco (Ubuesque)
Ussel, los van
Utopra (Utopie)
V
Verdade, jogo de verdade, vontade de verdade
(Vérité; leu de vérité, Volonté de vérité)
w
Weber, Max
x
Xenofonte
Z
Zen
384
387
387
392
393
395
396
398
403
403
407
409
409
419
419
419
421
426
428
10
429
PRoLoGo n rolçÃo BRASTLETRA
Michel Foucault é um dos pensadores franceses contemporâneos mais potentes,
não apenas pela sua produção teórica, mas, sobretudo, pelo seu modo de conceber e
afirmar uma posição para o intelectual. Nesse sentido, Foucault faz do pensamento uma
práticaativa de problematizar as questões do seu tempo. Produziu teoria, rnuita teoria;
mas também ajudou a pensar que há formas diversas de se relacionar com a teoria. Na
esteira de Nietzsche, chamou a teoria de'taixa de ferramentas"; com isso, Foucault
sugeria que nenhuma teoria tem valor em si própria, para além dos usos que lhe são
orriorgudor. Trata-se, então, de uma pragmática - não utilitária - do pensamento: diz-
me o que fazes com o pensamento e te direi o valor desses pensares"'
poucos escritos sobre Foucault merecem tanto o nome de "caixa de ferramentas"
como o livro que estamos apresentando em versão em língua portuguesa: Vocabulário
de Foucault, de Edgardo Castro. Produto de um rigoroso e exaustivo estudo, não hesi-
tamos em afirmar que se trata de um instrumento de trabalho precioso, fundamental,
utilíssimo para os interessados em pensar com e a partir do filósofo. Com efeito, o
leitor tem em máos um sofisticado mapa de suas principais temáticas e questões. Cada
verbete não apenas "faz referência a onde, nos escritos de Foucault, aparece cada termo,
mas quer, ademais, oferecer uma indicação (às vezes sucinta, às vezes extensa) de seus
usos e contextos'i Algo assim como o mais completo "motor de busca" para visitar os
caminhos de seu pensamento.
Na Introdução do autor, o leitor encontrará subsídios muito claros para adentrar
na presente versão em português. Há que se ter sempre à mão as "Instruções para o
uso" (p. 17-19). Todos os critérios da edição em língua espanhola foram respeitados
na presente edição, com leves intervenções no texto para atualizar as referências bi-
bliográficas aos cursos publicados posteriormente à data da edição original do Iivro
na Argentina, em 2004.
Dentro dos verbetes, mantivemos no idioma original o título das obras em francês
por dois motivos: são facilmente compreensíveis para o leitor de língua portuguesa e
nem sempre os títulos em francês coincidem com os das traduções.
As referências remetem às edições francesas dos textos de Foucault. Embora não
seja o ideal, preferimos essa alternativa, dada a existência de diversas traduções ao
II
Português para alguns textos e a inexistência de traduções para outros. Como também
em francês não existe uma única edição francesa dos textos de Foucault e a numeração
das páginas não é a mesma em todas as reedições, ao final d,o Vocabulárlo a seção 'As
obras e as páginas" relaciona as páginas que correspondem aos capítulos ou às seções das
ediçoes em francês utilizadas dos textos de Foucault. Para os Dits et écrits,acrescentamos
o título do texto (verbete, entrevista, intervenção) e, para os cursos no Collêge de France,
a data da aula. Todos os títulos dessa seção estão em francês e em português.
As traduções dos textos em francês citados nos verbetes foram feitas cotejando a versão
em espanhol com o original francês. Na presente edição acrescentamos um índice onomástico
e outro de obras. Os termos em grego foram transliterados segundo as normas de Henrique
Murachco. Língua Grega.Yol.I. São Paulo: Discurso Editorial; Vozes, 2001, p.40-42. De resto,
o texto segue fielmente o original.
Ao leitor, boas viagensl
Ingrid Müller Xavier, Walter Omar Kohan, Alfredo Veiga-Neto
L2
PREFAC!O
Guardadas as diferenças, poderíamos começar como Foucault no prefácio a Les
mots et les choses e dizer que este livro nasceu de um texto de Borges. Foucault refere-se
àquela enciclopédia chinesa onde aparece uma inquietante classificação dos animais:
"(a) pertencentes ao Imperador, (b) embalsamados, (c) domesticados, (d) leitões, (e)
sereias, (f) fabulosos, (g) cães em liberdade, (h) incluídos na presente classificação, (i)
que se agitam como loucos, (j) inumeráveis, (k) desenhados com um pincel muito fino
de pelo de camelo, (l) et cetera, (m) que acabam de quebrar a bilha, (n) que de longe
parecem moscas" (Jorge Luis Borges, "El idioma analítico de lohn Wilkins'l in Obras
completas 1923-1972, Buenos Aires, Emecé,1974, p. 708). Sempre, segundo Foucault,
essa classificação provoca riso. Não pelo que nos pode sugerir o conteúdo de cada um
de seus itens, mas pelo fato de que eles tenham sido ordenados alfabeticamente. O que
nos faz rir é que no não lugar da linguagem se tenha podldo justapor, como em um
espaço comum, o que efetivamente carece de lugar comum. Provoca riso e inquietude
a heterotopia que domina essa classificação (cf. MC, 9).
Supondo que os "inumeráveis'l os "fabulosos" ou os"et cetera" existam, na classifi-
cação de Borges, trata-se de ordenar "seres"; no Vocabulário de Foucault - Um percurso
por seus temas, conceitos e autores,de ordenar'tonceitos'l Mas, ainda que pareça que os
"conceitos" estejam mais próximos das palavras e facilitem a operação, apesar disso, o
perigo não e menor. De fato, esle Vocabulário pode produzir o mesmo efeito que a clas-
sificação dos animais da enciclopédia chinesa; Porque, claramente, tal como ela, poderia
ser apenas o esforço para encontrar um lugar comum para o que parece não tê-lo. O
próprio Foucault, com certa frequência, assinalou o caráter fragmentário e hipotético
de seu trabalho, sua recusa em elaborar teorias acabadas, seu horror à totalidade. Seria,
então, somente a pretensão de querer pôr ordem e limites a seu pensamento, recorrendo
à simplicidade e finitude alfabéticas. Mais ainda, tentando ser simultaneamente breve e
extenso, analítico, mas exaustivo, encerrando o universo do pensamento foucaultiano na
enclausurada gramática de um dicionário, este Vocabulário náo só provocaria o mesmo
efeitoque essa estranha classificação de animais, mas correria o risco de converter-se
ele mesmo em uma enciclopédia chinesa. Porque, "notoriamente não há classificação
do universo que não seja arbitrária e conjetural" (J.-L. Borges, op. cit., p. 708). E nada
t3
nos assegura que, com o afã de ordenar, não venhamos a cair nessas autoimplicações
(classificar os conteúdos mesmos da classificação; como Borges, "(h) incluídos na presente
classificação") que só os labirintos da linguagem permitem construir. E, finalmente, no
pior dos casos, provocar somente riso, e, no melhor, também inquietude.
- Mas e se esse espaço comum existisse?
- Ah, bom, então, apresentar este Vocabulário se reduziria a dizer, de novo como
Foucault: "Eu não escrevo para um público, escrevo para usuários, não para leitores"
(D82, s24).
Edgardo Castro
l4
TNTR0DUÇÃ0
Nossa ideia inicial foi elaborar um índice completo da totalidade dos textos publi-
cados de Foucault: os livros editados em vida, a recopilaçâo intitulada Dits et écrits e os
cursos no Collêge de France que apareceram ate o momento. A intenção era dispor de
um instrumento de trabalho em estado "bruto I sem nenhum tipo de seleção ou filtro
dos dados. Dada a sua extensão e à espera de encontrar o modo mais adequado para
publicar este material, com base nele elaboramos este vocabulário.
O presente trabalho difere da nossa ideia original por vários motivos. Por um
lado, não se trata de um índice, mas, mais exatamente, de um vocabulário. Não só faz
referência a onde, nos escritos de Foucault, aparece cada termo, mas quer, ademais,
oferecer uma indicação (às vezes sucinta, às vezes extensa) de seus usos e contextos.
Por outro lado, está constituído por uma seleção arbitrária de termos.
os únicos criterios que nos guiaram, no momento de escolher o que incluir e o que
deixar de fora, foram: a importância que reconhecíamos em alguns termos valendo-nos da
nossa leitura da obra de Foucault (o que poderíamos denominar sua "representatiüdade"),
nosso interesse pessoal ou, simplesmente, uma suposta utilidade para o leitor. Por exemplo,
no caso das expressóes e dos termos gregos, frequentes nos últimos escritos, quisemos
incluir o maior número possível. Alguns autores foram incluídos não pela frequência com
que são citados; mas, por serem autores menos conhecidos para o público em geral e, por
isso, pareceu-nos útil situá-los na obra de Foucault e também na história. Por exemplo, os
autores estudados a propósito da análise da "Razão de Estado I
As limitaçÕes que, necessariamente, surgem dessas opçoes só poderiam ser sanadas
com um trabalho de equipe, no qual os critérios de seleção se multipliquem e sejam
discutidos. Além do mais, ate que sejam publicados todos os cursos de Foucault no
Collêge de France, torna-se impossível colocar um ponto final na tarefa de elaborar um
vocabulário foucaultiano. Por outro lado, este deveria estar acompanhado de uma bi-
bliografia secundária que pudesse ser sugerida a propósito de cada termo. Outra tarefa
arealizar seria estabelecer "a biblioteca de Foucault'l a lista de obras citadas, segundo
a cronologia e a frequência. Por todas essas razões, este trabalho deveria ser tomado
como o ponto de partida para uma obra coletiva, necessariamente mais abrangente e
mais rica. O convite está feito.
Não se trata, pois, de uma exposição do pensamento de Foucault, mas de um instru-
mento de trabalho. Na redação dos verbetes, tentamos abster-nos o mais possível de nossa
I5
interpretação pessoal. A propósito de cada termo, só quisemos mostrar como e onde ele
aparece. Sobretudo, pretendemos exibir seus sentidos mais releyantes. Por isso, porque nào
se trata de uma exposição sistemática, mas apenas de uma apresentação do conteúdo, mul-
tiplicamos as referências e mantivemos algumas repetiçoes. Muitos termos talvez pudessem
ter sido reunidos dentro de outro. Mas nem sempre os agrupamos. Algumas vezes o fizemos,
a hm de náo nos estender demasiado; outras, os mantivemos separados para facilitar a
consulta por termos, e não por temas. Também para controlar a extensão da exposição e
eritar demasiadas duplicaçôes, às vezes remetemos de um verbete para outro.
Em certo sentido, quisemos conservar a dispersão que caracteriza o trabalho de
Foucault. Por isso, na medida em que os textos o permitiram, em alguns verbetes se
encontrará uma exposição mais ordenada; em outros, já não (sobretudo quando o
nraterial corresponde à recompilação editada como Dlús et écrits; aqui a dispersão está
quase imposta). Por outro lado, alem de apresentar os contextos mais relevantes do
termo abordado, às vezes citamos diretamente algumas expressôes de Foucault, sobre-
tudo quando nos pareceram particuiarmente relevantes, esclarecedoras, simplesmente
provocativas ou também apenas divertidas.
Mantivemos no idioma original o título das obras em francês por dois motivos: são
facilmente compreensíveis para o leitor e nem sempre os títulos em francês coincidem
com o das traduçóes. Por exemplo, os textos que integram a compilação Dits et écrits estão
parciahnente publicados em português com outra ordenação e formato.
Na elaboração deste Vocabulário, tivemos presente o interessante trabalho de Judith
Revel, le vocabulaire de Foucqult (Paris, 2002) [em portuguê s, Michel Foucault: conceitos
essenciais. São Carlos: Claraluz,2005]. Nosso objetivo, em todo caso, foi diferente.
Várias pessoas me acompanharam, com suas sugestões, suas críticas e, sobretudo, seu
entusiasmo na realização deste vocabulário. Alfabeticamente, Ariel Yoguel, Bilrbara Steinman,
Gerardo Fittipaldi, Guido Deufemia, Leiser Madanes, Marcelo Boeri, María Luisa Femenías,
Oscar Conde, Pablo Pavesi e Yves Roussel. Com María Giannoni e Paula Fleisner, ademais,
discutimos alguns dos verbetes mais complexos. Mariana Sanjurjo teve a amabilidade de ler
todo o texto e sugerir-me as correções necessárias, para que a leitura fosse mais fluida e a
expressão mais correta desde o ponto de vista da lingua. É dificil distinglir o que pertence
a cada um deles; mas impossível não agradecer-lhes. Nos departamentos de fiiosofia da
Universidade de Buenos Aires, da Universidade Nacional de La Plata e da Universidade
Nacional de Rosário, ministrei vários cursos e seminários sobre o pensamento de Michel
Foucault. Sem o trabalho de discussão com os que participaram deles, este vocabulário
nunca teria vindo à luz. Tambem a todos eles o meu reconhecimento.
E por fim, gostaria de agradecer especialmente aos Profs. Walter Omar Kohan e Al-
tiedo Veiga-Neto pelo interesse que mostraram desde o primeiro momento, em realizar a
traduçáo brasileira desta obra. Esse interesse foi acompanhado, ademais, peio trabalho
de revisão e de adaptação necessário. Um rnerecido reconhecimento de minha parte
vai também para Ingrid Müller Xavier. É impossível expressar em poucas palavras o
esforço realizado por ela. Uma parte importante desta obra lhes pertence.
16
TNSTRUÇoES PARA 0 USo
1) Estrutura dos yerbetes. Seguimos um duplo modelo na organização dos verbetes.
Todas as "entradas" do vocabulário estão assinaladas em maiúsculas, negritos e caracteres
um ponto maior que o resto do verbete. Por exemplo: "EPISTEME". Para os verbetes que
abordam um tema extenso e com numerosas relações a outros temas, diferenciamos os con-
textos indicando-os com termos em negrito, e a letra inicial em maiúscula seguidos de um
ponto; por exemplo: "Saber'l Algumas vezes, tivemos que introduzir distinções dentro de
cada contexto. Nesse caso, utilizamos, além de negrito e a letra inicial em maiúscula, números
e parênteses. Por exemplo: "l) Discurso'l Desse modo, é possível distinguir três níveis em
um verbete: EPISTEME (título do verbete), Saber (contexto), f ) Discurso (subcontexto).
Ademais, quando é necessário dar conta das relações entre os diferentes contextos, o verbete
começa com uma breve introdução, para indicá-las. Para os outros verbetes, no entanto, onde
não era necessário distinguir contextos de uso, simplesmente utilizamos asteriscos (*) paraestabelecer algumas divisÕes no texto. Em três verbetes (Clínica, Loucura e Psiquiatria) nâo
tivemos outra alternativa a não ser expor de maneira esquemática, mas analítica, o conteúdo
de alguns livros de Foucault.
É possível distinguir três categorias de verbetes: verbetes que se ocupam de conceitos
.rp..ifi.u..rte foucaultianos (por exemplo, Episteme, A priori histórico); verbetes que
abordam temas tratados por Foucault (por exempl o, História, Poder) e verbetes que tratam
de autores que aparecem na sua obra.
2) Referências cruzadas. Para formar uma ideia precisa de alguns temas abordados por
Foucault, especialmente aqueles de maior relevância, será necessário consultar vários verbetes.
Isso é inevitável. Para indicar o percurso a ser seguido, indicamos em itálico o verbete ao qual
se remeter, por exemplo: "Yer: Epistemd'.
3) Índice de ocorrências e "loci". Ao flnal da exposição dos usos e contextos de cada termo
do vocabulário, encontram-se as referências acerca de onde aparece esse termo nos textos de
Foucault. Ali indicamos: 1) o termo em francês, 2) entre colchetes, [], a quantidade de vezes
que aparece, 3) as referências bibliográficas abreviadas da seguinte maneira:
AN Les anormaux / Os anormais
AS lhrchéologie du savoir / A arqueologia do saber
17
DEI Dits et écrits I / Ditos e escritos I *
DE2 Dits et écrits II / Ditos e escritos II *
DE3 DiÍs et écrits III / Ditos e escritos III *
DE4 Dits et écrits IV / Ditos e escritos IV *
HF Histoire de la folie à lkge classique / História da loucura
HS Lherméneutique du sujet / A hermenêutica do sujeito
HSI Lhistoire de la sexualité 1. La volonté de savoir / História da
sexualidade I. A vontade de saber
HS2 Lhistoire de la sexualité 2. Ilusage des plaisirs / História da
sexualidade IL O uso dos prazeres
HS3 Lhistoire de la sexualité 3. Le souci de soi / História da
sexualidade IIL O cuidado de si
IDS "Il faut défendre la société" / Em defesa da sociedade
MC Les mots et les choses / As palavras e as coisas
MMPE Maladie mentale et Personnalité / Doença mental e personalidade
MMPS Maladie mentale et psychologie / Doença mental e psicologia
NC La naissance de la clinique / O nascimento da clínica
OD lhrdre du discours / A ordem do discurso
PP Le pouvoir psychiatrique / O poder psitluiátrico
RR Raymond Roussel/ Raymond Roussel
SP Surveiller et punir / Vigiar e punir
* Referências segundo a ediçáo francesa de Dlrs et écrits, que segue uma ordem cronológica
e não temática como a tradução ao português.
Na deflnição do corpus apartir do qual foi gerada a frequência de aparecimento dos termos,
seguimos os seguintes critérios: I ) a totalidade dos livros, exceto títulos e índices; 2) para Dits
et écrits, não incluímos, alem dos índices, a cronologia contida no vol. I; 3) para os cursos do
Collêge de France, deixamos de lado os resumos, que já se encontram em Dits et écrits, e a
"Situation des cours'l redigida pelos editores; mas incluímos as notas.
Há uma diferença entre os termos no verbete e no índiçe. Em cada verbete, apresenta-
mos os contextos de uso de um termo que consideramos relevante desde o ponto de vista
foucaultiano. No índice, de cada verbete, figuram todas as aparições do termo; não só as que
nos interessam.
As referências remetem às edições francesas dos textos de Foucault. Isso apresenta várias
dificuldades. A primeira delas é que não existe uma única edição francesa dos textos de
Foucault, e a numeração das páginas não é a mesma em todas as reedições. Para facilitar a
localização aproximada das referências nas diferentes edições e em suas correspondentes
1S
traduções, ao final do vocabulário haverão de se encontrar, relacionadas por ordem alfabé-
tica: l) para os livros de Foucault publicados antes de sua morte, os capítulos ou as seções
correspondentes à numeração das páginas que utilizamos; 2) para os volumes de Dits et
écrits,o título do texto (verbete, entrevista, intervenção) utilizado;3) para os cursos no
Collêge de France, a data da aula. Ainda que náo deixe de ser um inconveniente, não en-
contramos una solução melhor.
As edições francesas que utilizamos são as seguintes (os anos correspondem à data da
edição utilizada):
Les anormaux, Paris, Seuil-Gallimard, 1999.
Ihrchéologie du savoir, Paris, Gallimard, 1984.
Dits et écrits I, Paris, Gallimard,1994.
Dits et écrits II, Paris, Gallimard,1994.
Dits et écrits IlI, Paris, Gallimard,1994.
Dits et écrits IV, Paris, Gallimard,1994.
Histoire de la folie à lkge classique,Paris, Gallimard, 1999.
t h erméneutique su suj et, Paris, Seuil-Gallimard, 200 I'
Lhistoire de la sexualité 1. La volonté de savoir, Paris, Gallimard, 1986'
Iihistoire de la sexualité 2, Ilusage des plaisirs, Paris, Gallimard, 1984.
Ilhistoire de la sexualité 3. Le souci de sol, Paris, Gallimard, 1984'
"Il faut défendre la société", Paris, Gallimard-Seuil, 1997'
Les mots et les choses, Paris, Gallimard, 1986.
Maladie mentale et personnalité,Paris, PUF, 1954'
Maladie mentale et psychologie, Paris, PUF, 1997'
La naissance de la clinique, Paris, Gallimard, 1988.
Ihrdre du discours, Paris, Gallimard, 1986.
Le pouvoir psychiatrique, Paris, Gallimard-Seuil, 2003.
Raymond Roussel, Paris, Gallimard, 1992.
Surveiller et punir, Paris, Gallimatd,1987.
I9
1 A PRIOR HISTORICO (A priori historique)
Foucault utiliza a expressão "a priori histórico" para determinar o objeto da descriçáo
arqueológica. Ainda que várias vezes ele tenha assinalado a herança kantiana de seu trabalho
filosófico (D84,632,687-688), o adjetivo "histórico" quer marcar as diferenças com respeito ao
" a priori" kantiano. O " a priorihistórico I efetivamente, não designa a condição de validade dos
juízos, nem busca estabelecer o que torna legítima uma asserçáo, mas sim as condições históricas
dos enunciados, suas condições de emergência, a lei de sua coexistência corn outros, sua forma
específica de ser, os princípios segundo os quais se substituem, transformam-se e desaparecem.
'A priori não de verdades que nunca poderiam ser ditas nem realmente dadas na experiência,
mas de uma história já dada, porque é a história das coisas efetivamente ditas" (AS, 167). Trata-se
definitivamente da regularidade que torna historicamente possível os enuncíados.O a priorl formal
e o histórico não são do mesmo nível nern da mesma natureza (AS, 165-169). * Foucault utiliza
também a expressâo" a priorl concreto'l Em Histoire de la folie à lhge classique, por exemplo, a
iclentificaçáo do soclus com o sujeito de direito constitui o "a priori concreto" da psicopatologia
com pretensão científica (HF, 176). * Em um de seus primeiros textos, "La recherche scientifique
etla psychologie'(em Morêre), Des chercheursfrançais s'ínterrogent. Orientation et organisa-
tion du travail scientiJ)que en Franca Toulouse, Privat, Collection "Nouvelle Recherche'l n. 13,
1957,p. 173-201, reeditado em DEl, 137 -168), encontramos a expressão " a priori conceitual e
histórico" (DEl, 155-i58). O sentido dessas duas expressões que acabamos de mencionar não
corresponde ao atribuído ao"a priori histórico' em lhrchéologie du savoir.
Apriorihistorique [17]: AS, 166 167,169,269. DEI,661. DE4,632. MC, t3,15,171,287,329,35s,361.NC, 197.
; ABSOLUTISMO (Absolutisme)
Com o termo " ab solutismo",
do rei e da burguesia na França,
Foucault refere-se principalmente à forma de organização do poder
durante os séculos XVII e XVIII; exercício administrativamente
2tA PRIORI HISTÔRICO (A priorí historique)
centralizado e pessoal do poder que se adquire hereditariamente. Criação do hospital geral.
À fundaçào do Hospital Geral de Paris data de 1656. À primeira vista, tratâ-se de uma reorga-
nização atraves da qual se uniÍicam administrativamente várias instituições já existentes, entre
ls quais se encontram a Salpêtriêre e a Bicêtre, que então foram destinadas a receber, alojar
e alimentar os "pobres de Paris'l tanto os que se apresentavam por si mesmos quanto aqueles
para lá enr-iados pela autoridade judicial. Ao diretor-geral, nomeado por toda a vida,era-lhe
conterido o poder de autoridade, direção, administração, comércio, polícia, jurisdição, correção
e castigo sobre todos os pobres de Paris que se encontrassem dentro ou fora dos edifícios des-
tinados ao hospital. "O Hospital geral é um estranho poder que o rei estabelece entre a polícia
e a iustiça, nos limites da lei: a terceira ordem da repressão [...]. Em seu funcionamento ou em
seu propósito, o Hospital geral não está vinculado a nenhuma ideia médica; é uma instância
de ordem, de ordem monárquica e burguesa que se organiza nesta época na França" (HF, 73).
Criados por éditos do rei, na organizaçao e no funcionamento dos hospitais gerais, mesclam-se
os privilégios da Igreja quanto à assistência aos pobres e a preocupação burguesa por ordenar
o mundo da miséria (assistência, repressão). A nova instituição se estenderá rapidamente por
todo o reino e chegará a ser, para além da França, um fenômeno europeu. No entanto, na França,
a constituição da monarquia absoluta e o renascimento católico na época da contrarreforma
lhe darão um caráter particular, de cumplicidade e concorrência entre o poder e a Igreja (HF,
77).Yer: Loucura. Direito de castigar. Até o século XVIII, o suplício como castigo não
funcionava de modo a ser uma reparação moral, mas como cerimônia política. O delito era
considerado uma ofensa e um desafio à soberania do rei, ao corpo do rei. O carâter aterrador
e excessivo do suplício, como o de Damiens que Foucault descreye no começo de Surveiller
et punir, tinha como finalidade reconstruir a soberania desafiada. Um espetáculo que, em
seu excesso, queria mostrar a supremacia do monarca e que, enquanto espetáculo, buscava
seu reconhecimento (D82, 726).lJmavtneança tanto pessoal quanto pública. Nesse sentido,
o direito de castigar que o monarca detém pode ser considerado como uma prolongação do
'direito da espada'l direito de vida e de morte inerente à soberania (SP, 52). Polícia. Entre as
transformações das práticas disciplinares durante a época clássica, Foucault assinala a estati-
zação dos mecanismos disciplinares. Enquanto na Inglaterra, por essa mesma época, grupos
privados de inspiração religiosa asseguravam o controle social, na França, a função disciplinar
era geralmente assumida pela polícia. Contudo, apesar de que a organizaçáo centralizada do
aparato policial possa ser vista como uma expressão do absolutismo monárquico, isto é, de
que constitua um aparato de Estado, a função de polícia é coextensiva ao corpo social, ela
deve chegar até seus limites extremos, até os mínimos detalhes. Nesse sentido, o objeto da
polícia não é o Estado ou o reino como corpo visível do monarca, mas "tudo o que acontece']
"as coisas de cada instante" (sP, 213-215). saber governamental. o século XIX marca o
fim do absolutismo e, com ele, de sua forma de exercício do poder. o poder começa a ser
exercido com a intervenção de certo saber governamental que engloba o conhecimento dos
processos econômicos, sociais e demográficos. Durante a primeira metade do século XIX, esse
saber governamental se estruturou em torno do conhecimento da economia; mas os efeitos
da reorganizaçáo da economia sobre a vida dos indivíduos tornarão necessário outro tipo de
saberes, a fim de corrigir esses efeitos, adaptando os indivíduos às novas formas do desenvol-
vimento econômico (a medicina, a psiquiatria, a psicologia). O poder político adquire desse
22 ABSOLUTISMO (Absoluti sme)
modo uma forma terapêutica (D82, 433-434). Lettres de cachet. Ainda que a utilização das
lettres de cachet (umacarta do rei, com seu selo, contendo uma ordem de prisão) tenha sido
um episódio temporalmente circunscrito, apenas pouco mais que um século, não por isso
resulta insignificante desde o ponto de vista da história do poder. Na opinião de Foucault, essa
prática não deve ser vista como a irrupção da arbitrariedade do poder real na cotidianidade
da vida. Antes, articula-se, segundo circuitos complexos e um jogo combinado de solicitações
e respostas. Todos podiam servir-se delas segundo seus interesses. Podem ser vistas, por isso,
como uma forma de distribuição da soberania absoluta (D83,247). Discurso histórico.
Podemos considerar "Il faut défendre la société" como uma genealogia do discurso histórico
moderno. Foucault opõe o que denomina a história jupiteriana ao discurso da guerra de
raças. Aprimeira, tal como a praticavam os romanos e também a Idade Média, era concebida
como um ritual de fortalecimento da soberania. Por um lado, narrando a história dos reis, dos
potentes e de suas vitórias, liga juridicamente os homens ao poder pela continuidade da lei; por
outro lado, narrando exemplos e proezas, fascina e atrai. Dupla função da história jupiteriana,
relato do direito do poder e intensificação de sua glória. Discurso do Estado sobre o Estado,
do poder sobre o poder. Em relação à história jupiteriana, o discurso da guerra de raças pode
ser visto como uma contra-história; ela rompe a unidade da soberania e, sobretudo, obscurece
sua glória. A história dos soberanos já não incluirá a história dos súditos, a história de uns
não é a história dos outros. Os relatos de proezas e façanhas não são senão a transformação,
por parte dos vencedores, das lutas de dominação, de conquista, de opressão. Aparece, então,
um noyo sujeito da história: a nação, a raça (IDS, 57-63). Essa nova forma da história foi
utilizada tanto pelos defensores do absolutismo quanto por seus opositores. Por exemplo,
na Inglaterra, por James I e os parlamentares que se lhe opunham (IDS' 88-89). O discurso
da guerra de raças teve como objetivo, na França com H. de Boulainvilliers e como parte da
reação nobiliária, desestruturar o discurso que ligava a administração ao absolutismo, isto é,
o discurso jurídico e o discurso econômico-administrativo. Para expressá-lo de outro modo'
é através desse discurso que a nobreza tratou de desconectar a vontade absoluta do soberano
e a absoluta docilidade da administração. Como na Inglaterra, o discurso da guerra de raças
foi utilizado por todas as posiçoes políticas, de direita ou de esquerda. O absolutismo, por sua
vez, também se apropriou dele (IDS, 101-120).
Absolutisme [46]:DE2,433,465,726.D83,247,323. HF,74. IDS, 87'89,92-94,103, 105-106' 108, 113-114, 
119-
120, 125, 127, 128- 130, 136, 157, 180- 183, 207. sP, 82, 2 14.
3. ABSTI N ÊNCIA (Ábstrnence)
Seria fácil mostrar, segundo Foucault, que a história da sexualidade não pode ser dividida
em uma etapa de permissáo e outra de restrições que corresponderiam, respectivamente, ao
paganismo e ao cristianismo. O primeiro grande livro cristão dedicado à prática sexual (cap.
X, livro II do Pedagogo, de Clemente de Alexandria) se apoia tanto na Escritura como em
preceitos e disposições tomados diretamente da filosofia antiga. Tanto no paganismo como
no cristianismo (ainda que, como o próprio Foucault ressalta, trata-se de categorias pouco
ABSTTNÊNclA (Abstí nence\ 23
precisas), a problematizaçáo do prazer sexual e, consequentemente, a abstinência foram uma
parte fundamental da ascese do indivíduo, ainda que com um valor e uma situação diferentes.
* A Antiguidade clássica honrou as figuras dos heróis virtuosos, como Apolônio de Tiano,
quem, tendo feito voto de castidade, passou sua vida sem manter relações sexuais. Porém,
para além desse caso extremo, como ascese, ou seja, como exercício do indivíduo sobre si
mesmo, aparece vinculada a dois temas importantes, o domínio sobre si mesmo e o conheci-
mento de si, isto é, ao governo e à verdade. Aqui encontramos, respectivamente, Agesilao de
Xenofonte e o Sócrates de Platão (HS2, 20-31). * Nos epicuristas, o exercício da abstinência
servia para marcar o limite a partir do qual a privação se convertia em sofrimento; para os
estoicos, por sua vez, consistia em uma preparaçáo para eventuais privaçoes (HS3, 75). -
No marco geral da evolução da ascese antiga, a relação entre abstinência e conhecimento
tende a ocupar o primeiro lugar, acima da relação entre ascese e governo.
Abstinence [48]: DE, 362-363,547,552,671,80 L HF, 6 I 9. HS, 279, 395, 3gg, 403, 40s-412, 414, 4rg,435. HS2,
20-21, 27, l0l, 135-1 36, 187. HS3, 7 5, 77, 85, t44- 116. 272.
d. ACONTECIM ENTO (Even em ent)
Foucault se serve do conceito de acontecimento para caracterizar a modalidade de análise
histórica da arqueologia e também sua concepção geral da atividade filosóflca. A arqueologia
é uma descrição dos acontecimentos discursivos. A tarefa da filosofia consiste em diagnosticar
o que acontece, a atualidade. Como ele mesmo observa, em lhrdre du discours, trata-se de
una categoria paradoxal, que coloca problemas "temíyeis" e que loi "raramente levada em
corlsideração pelos fllósofos" (oD, 59). Em um primeiro momento, podem-se distinguir dois
sentidos desse termo: o acontecimento como novidade ou diferença e o acontecimento como
prática histórica. No primeiro sentido, Foucault fala de "acontecimento arqueológico"; no
segundo, por exemplo, de "acontecimento discursivo'i O primeiro quer dar conta da novidade
histórica; o segundo, da regularidade histórica das práticas (objeto da descrição arqueológica).
Existe claramente uma relação entre esses dois sentidos: as novidades instauram novas formas
de regularidade. Assim, por exemplo, em Les mots et les choses,o "acontecimento" da passa-
gem de uma episteme a outra instaura novos acontecimentos discursivos. É necessário aclarar
que, acerca dessa relação entre novidade e regularidade, entre surgimento e funcionamento
das práticas, tarnbérn se pode distinguir duas posições de Foucault. Em les mots et les choses,
por um lado, o acontecimento arqueológico e pensado, como veremos em seguida, como uma
ruptura radical, só manif'esta por seus efeitos. A regularidade que essa ruptura instaura, por
outro lado, e pensada, aqui, em termos somente discursivos (ver: Episteme). A medida que
Foucault estenda o domínio de análise ao não discursivo (dispositivos, práticas em geral), o
surgimento de outras práticas (acontecimentos no segundo sentido que distinguimos, ainda
que já não só discursivos) deixará de ser pensado em termos de ruptura radical, de um acon-
tecimento em certo sentido oculto. Com efeito, já não se trata tanto de afirmar o "aparecimen-
to" de outras práticas, porém, mais propriamente, de analisar sua formação. Assim, em Les
mots et les choses, a biologia, por exemplo, em sua regularidade, não é uma transformação
24 ACONTECI MENT O (Événeme nt\
da História Natural, mas surge ali onde não havia um saber sobre a vida. Contudo, mais
tarde, quando Foucault encara a história da sexualidade, a'genealogia do homem de desejo'
é pensada como a história das sucessivas transformações de práticas que, desde a Antiguida-
de, chegaram até nós. Nessa perspectiva, há certa primazia do acontecimento como regulari-
dade. A novidade já náo é um acontecimento oculto do qual as práticas seriam as manifesta-
ções; as práticas definem agora o campo das transformações, da novidade. Pois bem, tocamos
aqui em um ponto nevrálgico do pensamento de Foucault: como pensar a relação entre novi-
dade e regularidade sem fazer danovidade uma espécie de "abertura' ("a la Heidegger") nem
converter as práticas em uma espécie de "a priori" da história, do acontecimento como novi-
dade? Como pensar, ao mesmo tempo, a transformação e a descontinuidade? Por isso, Foucault
deve encontrar um equilíbrio entre o acontecimento como novidade e o acontecimento como
regularidade que não seja uma recaída nos velhos conceitos da "tradição'nem no novo con-
ceito de "estruturai Ou seja, sem reintroduzir nenhuma instância de ordem transcendental.
Trata-se, enfim, de pensar essa relaçáo assumindo a descontinuidade dessas regularidades, o
acaso de suas transformaçoes, a materialidade de suas condições de existência (OD,61). Para
isso, Foucault haverá de se servir dos conceitos de "luta'l "táticas'l "estratégias'l O termo "acon-
tecimento" adquire, então, um terceiro sentido: o acontecimento como relação de forças (em
que se percebe a presença de Nietzsche). 'As forças que estão em jogo na história não obede-
cem nem a um destino nem a uma mecânica, mas antes, ao acaso da luta' (DE2, 148). As
lutas, na história, levam-se a cabo através das práticas de que se dispoe, mas, nesse uso, elas
se transformam para inserirem-se em novas táticas e estratégias da luta. Aqui, Foucault náo
só se serve do conceito de luta, mas também atribui um sentido ao conceito de liberdade.
Todavia não como oposto à causalidade histórica, mas como experiência do limite (Yer: Li-
berdade,IuÍa). Nesse terceiro sentido, o conceito de acontecimento se entrelaça com o
conceito de atualidade (Yer: Diagnosticar)."Dito de outra maneira, nós estamos atravessados
por processos, movimentos, de forças; nós não os conhecemos, e o papel do filósofo é ser, sem
àúuidu, o diagnosticador destas forças, de diagnosticar a realidade" (D83, 573). A partir daqui,
aparece um quarto sentido do termo "acontecimento'] aquele que se encontranoverbo"évé-
nementialiser'l "acontecimentalizar'l como método de trabalho histórico. Resumindo, pode-
mos distinguir, no total, quatro sentidos do termo "acontecimento": ruptura histórica, regu-
laridade histórica, atualidade, trabalho de acontecimentalizaçao. Acontecimento
arqueológico. A mutação de uma episteme a outra é pensada como o acontecimento radical
que estabelece uma nova ordem do saber; desse acontecimento só é possível seguir os signos,
os efeitos (o surgimento do homem como acontecimento epistêmico, por exemplo). Por isso,
a arqueologia deve percorrer o acontecimento em sua disposição manifesta (MC,229-230).
O acontecimento que produz a mutação de uma episteme é pensado em termos de abertura
(MC,232).Nesse sentido, pode-se falar de acontecimento arqueológico (MC,307,318). Ver:
Episteme. Acontecimento discursivo. A arqueologia descreve os enunciados como acon-
tecimentos (AS, 40). Foucault opõe a análise discursiva em termos de acontecimento às
análises que descrevem o discursivo desde o ponto de vista da língua ou do sentido, da estru-
tura ou do sujeito. A descrição em termos de acontecimento, em lugar das condições grama-
ticais ou das condições de significação, leva em consideração as condições de existência que
determinam a materialidade própria do enunciado (AS, 40, 137-138). Ocupamo-nos delas
ACONTECIMENT O (Événe men t\ 25
nos verbetes: Enunciado e Formaçao discursiva. História, série. A noção de acontecimen-
to se opõe à noção de criação (OD, 56).'As noções fundamentais que se impõem agora [na
descrição arqueológical não são mais aquelas da consciência e da continuidade (com os pro-
blemas que thes são correlatos, da liberdade e da causalidade), não são tampouco aquelas do
signo e da estrutura; sáo o acontecimento e a série, com o jogo de noções que thes estão liga-
das: regularidade, aleatoriedade, descontinuidade, dependência, transformação" (OD, 58-59).
Discursivo - não discursivo. "Porém se se isola a instância do acontecimento enunciativo,
com respeito à língua ou ao pensamento, não é para tratá-la, a ela mesma, como se fosse in-
dependente, solitária, soberana. Ao contrário, é para captar como tais enunciados, enquanto
acontecimentos e em sua especif,cidade tão estranha, podem articular-se com acontecimentos
que não são de natureza discursiva, mas que podem ser de ordem técnica, prática, econômica,
social, política , eÍc.Fazer aparecer em sua pureza o espaço onde se dispersam os acontecimen-
tos discursivos não é tentar estabelecê-lo como uma ruptura que nada poderia superar, não é
encerrá-lo nele mesmo, nem, com ainda mais razão, abri-lo a uma transcendência; ao contrá-
rio, é tomar a liberdade de descrever entre ele e os outros sistemas, exteriores com respeito a
e1e, um jogo de relações. Essas relações devem estabelecer-se no campo dos acontecimentos,
sem passar pela forma geral da língua nem pela consciência singular dos sujeitos falantes"
(DEr,707). História efetiva (wirkliche Historie). A história efetiva, como a entende
Nietzsche, faz ressurgiro acontecimento (as relações de força) no que ele pode ter de único e
agudo. Desse modo, opõe-se à história tradicional que o dissolve no movimento teleológico
ou no encadeamento natural (DE2, 148). Deleuze. Foucault, em sua resenha de Logique du
sel,s, ocupa-se da noção de acontecimento na obra de Deleuze. Yer Deleuze. "Acontecimen-
talizaçíd' ("Evénementialisation"). Com esse neologismo, Foucault faz referência a uma
forma de proceder na análise histórica que se caracteriza, emprimeiro lugar, por uma ruptu-
ra: fazer surgir a singularidade ali onde se está tentado fazer referência a uma constante his-
tórica, a um caráter antropológico ou a uma evidência que se impõe mais ou menos a todos.
Mostrar, por exemplo, que não há que tomar como evidente que os loucos sejam reconhecidos
como doentes mentais. Em segundo lugar, caracteriza-se também por encontrar as conexões,
os encontros, os apoios, os bloqueios, os jogos de força, as estratégias que permitiram formar,
em um momento dado, o que depois se apresentará como evidente. Segundo Foucault, isso
implica uma multiplicação causal: 1) analisar os acontecimentos segundo os processos múl-
tiplos que os constituem (por exemplo, no caso do presídio, os processos de penalização da
clausura, a constituição de espaços pedagógicos fechados, o funcionamento da recompensa e
da punição); 2) analisar o acontecimento como um polígono de inteligibilidade, sem que se
possa definir de antemão o número de lados; 3) um polimorfismo crescente dos elementos
que entram em relação, das relações descritas, dos domínios de referência (D84,24-25)."Há
já bastante tempo, os historiadores náo amam muito os acontecimentos e fazem da 'desa-
contecimentalizaçao'o princípio de inteligibilidade histórica. E o fazem referindo o objeto
de sua análise a um mecanismo ou a uma estrutura, que deve ser o mais unitária possível,
o mais necessária, o mais inevitável possível, enfim, o mais exterior possível à história. Um
mecanismo econômico, uma estrutura antropológica, um processo demográfico como
ponto culminante da análise. Eis aqui a história desacontecimentalizada. (Certamente, só
indico e de maneira grosseira uma tendência.) É evidente que, com respeito a esse eixo de
26 AcoNTEctMENTo (Évenement)
análise, no que eu proponho, há demasiado e demasiado pouco. Demasiadas relações dife-
rentes, derr-rasiadas linhas de análise. E, ao mesmo tempo, pouca necessidade unitária.
Pletora do lado das inteligibilidades. Déficit do lado da necessidade. Porém, isso é para mim
a aposta comum da análise histórica e da crítica política. Náo estamos e não tenros que nos
situar sob o signo da necessidade única" (D84,25). Revolução, Iluminismo. A propósi-
to da célebre resposta de Kant à questão "O que é o iluminismo?'l encontramos outro sen-
tido do termo "acontecimento" nos textos de Foucault. Esse tem a ver com o que Kant
considera um signo "rememoratívurn, demonstrativunt, pronosticum", ou seja, um signo
que mostre que as coisas sempre foram assim, acontecem tanbént atualmente assim e
acontecerão sempre assim. Um signo com essas características é o que permite determinar
se existe ou não um progresso na história da humanidade. Para Kant, o acontecimento da
Revolução Francesa reúne essas condições. O que constitui o valor de acontecimento (de
signo rememorativo, demonstrativo e prognóstico) não é a Revolução mesma, nem seu
êxito ou seu fracasso, mas o entusiasrno pela revolução que, segundo Kant, põe de manifes-
to uma disposição moral da humanidade (D84, 684-685). Foucault estende essas conside-
rações acerca da Revolução ao Iluminismo em geral, como acontecimento que inaugura a
Modernidade europeia. "O que e o iluminismo?" e'b que e a revolução?" são as duas ques-
tões que definem a interrogação filosófica kantiana acerca da atualidade. Se, com as Críticas,
Kant fundou uma das linhas fundamentais da filosofia moderna, a analítica da verdade que
se pergunta pelas condições do conhecimento verdadeiro, com essas duas perguntas, Kant
inaugurou a outra grande tradição, a ontologia do presente, uma ontologia do presente que
se pergunta pela signif,caçâo filosófica da atualidade (DE4,686-637). "Não são os restos da
Auftkirung que se deve preservar, é a questão mesma desse acontecimento e de seu senti-
do histórico (a questão da historicidade do pensamento universal) que é necessário ter
presente e conservar no espirito como o que deve ser pensado" (D84, 687). Por isso, poder-
se-ia considerar como uma filosofia do acontecimento nâo só a arqueologia dos discursos,
mas também a ontologia do presente, na qual o próprio Foucault se situa, isto é, a genealogia
e a ética. Governo, Verdade. "Para dizer as coisas claramente. Meu problema é saber como
os homens se governam (a si mesmos e aos outros) através da produção de verdade (repito-o
uma vez mâis, por produção da verdade não entendo a produçáo de enunciados verdadeiros,
mas o ajuste de domínios onde a prática do verdadeiro e do falso pode ser, ao mesmo tem-
po, regrada e pertinente). Acontecimentalizar (événementialiser) os conjuntos singulares
de práticas, para fazê-Ios aparecer como regimes diferentes de jurisdição e veridicidade, eis
aqui, em termos extremamente bárbaros, o que eu queria fazer. Vocês veem que não é nern
uma história dos conhecimentos, nem uma análise da racionalidade crescente que domina
nossa sociedade, nem uma antropologia das codificações que regem nosso comportamento
sem que o saibamos. Eu queria, definitivamente, ressituar o regime de produçâo do verda-
deiro e do falso no coração da análise histórica e da crítica política" (D8 4, 27).
Éverrenent[593]:4S,36-37,40-41,44,83,133 134,137,140,143,159,\62-163,169,170,185,187,215,218,224,230-23t,
246. DEl,85, 155, i74 t76, t9t-]192, 199,202-203,2t3-2r4,235,248,258,265,277,284,286,352. -170, 38r,424,430,456, 504,51 t,
520,598,607,673,675,704 707,768,770,793,796,798.D82,77,81-89,92,94,t48,226,237-238,213,273,275-278,283,292,295,
393,400,407,466,484, s03, ss l, s94-s9s,607,633,6s8,677,693-697,712,7t3-7ts,751.D83,10, 48, 80-82, 98-100. 1 16, 144- 145,
162,190,244,279-280, 302, 314, 385, ,t17,467 -468,480,481,524, s38,551,573 574,579,581,600,604,622,627,676,686,7]f',726,
ACONIECIMENTO (Évé ne me nt\ 27
,- 15.746,783,788-789,807.Dr/.,23-24,37,76,80,112-113, r33,179,231,249,360,382,390,424,441,454,463,467,468-469,47t-
1;2,474,479,483,490-492,494,497,503,522,562-564,571 572,577,615,680-684,686-687,697,800-801, 803, 815. HF '9' 10'70,
1 05, 108, 133, 2 10, 226,238,243,261,279 281,368,371,409,455,505,553,562,580-58 l, 604, 659. HS, 1 1, 23, 84, 128, 174' 175' 177 '
)vn,)03,212,214,244,255,286,301,308-3 10, 3 12, 346, 430,450-452,454,457 -458. HSl, 86, 88. HS2, 149. HS3, 17,22,23,24,25,
t, -19, 32, 39, 44, 83, r23,225.1D5,7,20, 88, 141, 144,221. MC,95,141,166,229,230,232,249-251,255,259,261-262,264,274,
r9l-291. 30;, 3 18, 328, 333, 340, 3s6, 362, 382, 388, 398. MMPE, 17, 29. MMPS, 27, 29, 88, 94. NC, xI, XV 24, 28, 61, 85'97,104'
109, 1 i0, r33, 139, 147, 155, 157. OD, 1 1, 23, 28, 53, 56-60. PP, 12,35,49,222-233,237-241,245-246,248,256,262,292'318-320.
RR, 1.1, 53, 69, 72, 76, 109, 120. SP, 18,4s, 143, 190,218.
Événementialisation l8l: DEA 23, 25 -26, 30.
5, ÃMULATIO
Uma das flguras da semelhança.Yer: Episteme renascentista.
Aemulatio [6 ] : DEl, 482, 484, 489; MC, 3 4, 3 6, 40.
*. AFEM I NADO (Effem i n e)
Na Antiguidade, a linha de separação entre um homem viril e um afeminado não coincide
com nossa oposição entre hétero e homossexualidade; tampouco se reduz à oposição entre
homossexualidade ativa e passiva. Marca, antes, uma diferença de atitude em relação aos pra-
zeres. Os signos do afeminado serão: a preguiça, a indolência, a recusa às atividades pesadas, o
gosto pelos perfumes, os adornos. "O que constitui, aos olhos dos gregos, a negatividade ética
por excelência não é evidentemente amar os dois sexos, tampouco preferir o próprio sexo ao
outro, é ser passivo com respeito aos prazeres" (HS2, 99).
E fféminé [ 9 ] : DE4, 3 1 3, s48. HS,327 . }lS2, 2r, 9 8 - 99, 22 l. HS3, 22t, 233.
r. AGOSTINHO, Santo (3s4-430)
As referências de Foucault às obras de S. Agostinho articulam-se principalmente em
torno à ideia de carne e ao célebre livro XIV da Cidade de Deus. Agostinho nos oferece
ali uma descrição do ato sexual como uma espécie de espasmo: o desejo apodera-se de
todo o homem, sacode-o, sobressalta-o, mescla as paixoes da alma com os apetites car-
nais... Trata-se de uma transcrição da descrição já presente no Hortensio, de Cícero. Pois
bem, Agostinho admite a possibilidade da existência de relações sexuais no Paraíso, ou
seja, antes da queda, mas, aqui, não teria essa forma quase epiléptica. Sua forma atual,
definida pelo caráter involuntário e excessivo do desejo, é uma consequência da queda
original, do pecado original. Segundo Agostinho, esse teria consistido na desobediên-
cia da vontade humana com respeito à vontade divina. O efeito dessa desobediência foi
a desobediência interna do homem. Santo Agostinho denomina "libido" o princípio do
28 EMULATIO
movimento autônomo, desobediente, dos órgãos sexuais; desse modo, sua força, sua origem
e seus efeitos se convertem no principal problema da vontade. O conceito de carne faz
referência ao corpo conquistado pela libido. Posto que esse desejo, certamente não em
sua dinâmica atual, provém de Deus, à diferença de Platão, nossa luta espiritual não con-
sistirá em dirigir nosso olhar para o alto, mas para dentro, para baixo, a fim de decifrar
os movimentos da alma (D84,174-177).
Saint Augustin [47]:DFL,295. DE3,555. DE4,174-177,300,308, 389,394,563,614,619,793,805. HS,28, 180,
184, 315, 44i. HS2, 49, 155, 27 8, 280. HS3, 168.
S. ALCIBIADES
O Alcibiades I, o diálogo que a Antiguidade não tem dúvidas quanto a atribuí-lo a Platão,
é considerado por Foucault como o ponto de partida da tradição da epiméleia heautoú, do
cuidado de si mesmo, a primeira grande emergência teórica do cuidado (HS, 46). Nele, a
questão do cuidado de si mesmo aparece em relação com outras três: a política, a pedagogia
e o conhecimento de si (DE4,213-218,355, 789). O curso no Collàge de France dos anos 1981-
1982, L'herméneutique du sujet, está amplamente dedicado ao Alcibiades. Após anaiisar esse
diálogo (HS, p. 27-77), Foucault se ocupa da evolução do tema do cuidado de si mesmo até
o helenismo. Yer Cuidado.
Alcibiade [339]: AN, 25; DEl, 414; DE4. 177,213,329, -355'357, 385, 390, 398, 407, 552,615, 71 3, 721,786,789-
792,795-796_I{S, 10,27 ,32-43,45-46, 49-50, 52-54,57 -58,62-67 ,69-7 \,73,7s-77 ,79-81 ,84, 86, 88, 90 9 r, 93, l 04, 108,
I 14. 123, 156, 163-169,179-180,182, 191, 197-198,212,215,237,244,256,330-331,395,397,400-401,414,421,42e-430,
435-437,438,441, 454. HS2, 27,53,81,85, 102, 208, 264-265,283. HS3, 58-59, 251,259' 278.
*. ALIENAç AO (Al ienation)
No verbete Loucura, ocupamo-nos largamente do conceito de alienação em Foucault. Em
linhas gerais, Foucault passa de uma concepção, na qual se combinam e se confundern os registros
histórico, sociológico e psicológico, para uma concepção mais complexa, mas mais estrllturada,
com base nas práticas de saber e poder. Desse modo, em Maladie mentale et personalité, aalie-
nação aparece como um produto das alienaçôes históricas da sociedade. No entanÍo, em Histoire
de lafolie, a alienação mental é produto das práticas que alienam não o espírito, a mente, mas a
pessoa, a liberdade daqueles que sáo reconhecidos como doentes mentais. Nesse sentido, a raiz
da doença mental não é a alienação, mas a discriminação histórica entre o normal e o patológico
que constrói as formas de alienação: "Náo há verdade para a psicologia que náo seja, ao mesmo
tempo, alienação para o homeni'(HF, 548). Yer; Loucura, Psiquiatria.
Aliénation [217]: AN,45,100. 125, 128, 130-132, 134, 136, 1,18, 154, 1s6,260.266,271,285-287,291 292,301. AS,
56, 59. DEl, 93, tt9, 195,232,270, 480, 54 1, 657, 825 .D82,213,359,445,807 ,821,824. DE3, 1 7 I, 308, 337, 445 446, 448,
451, 453, 472, 808. DE4, 52, 62,74, 186,226,500-501, 5l 7, 594, 665. HF, I l2- 1 I 3, I 15- l 16, 139, l4l,145, 147, 152, 158,
166.168,171 178,r82,184 185,211,269,281,297,307.333,380,44]1,4O.,165,171-474,486 488.490491,494,539,5,]J.
ALIENAçÂO (Alienation) 29
5+, r18,55+,559,564,566,570,575,579,584,588,590-591,595-597,599-600,606,610,612-614,623,626,631,651 654.
IDS, i6. IÍC, 273,27s,325,388. MMPE, 16,76,77,80 83, r02-108. MMPS, 15,89. NC,40. PP, 18,31,37-38, 100-101,
109-110,rr8-119k,120-122,139-140,166-168,189,192 193,195,210,212,223-224,254,263265,280,291-295,329.
:=. ALTHUSSER, Louis (1918 1990)
A diferença de Althusser, Foucault não afirma nenhuma ruptura epistemológica a pro-
pósito de Marx (DEl, 587).* Interrogado acerca da categoria de estruturalismo, Foucault
separa-se de Althusser afirmando que, enquanto esse busca o sistema em relação com
a ideologia, ele, por sua vez, busca-o em relação com o conhecimento (DEl, 653). - Há
poucas coisas em comum entre os chamados estruturalistas (o próprio Foucault, Althusser,
Lacan, Lévi-strauss) (DEl, 653, 665). * Althusser liberou o marxismo de seu componente
humanista (D82,272). * Têm em comum (Althusser, Lacan e Foucault) problematizar a
filosofia do sujeito (D84,52).
Louis Althusser [52J: AS 12. DEr, 5 16, 587, 653, 658, 665, 8 I 3. DE2, 170,272,406,621,736,772.DF3,33'34,313,
429, 590, 609. DE4, 5 1 -s3, 65-66, 7 4, s29. PP, 20.
11. AMICITIA
Uma das figuras da semelhança.Yer Episteme renascentista.
Amicitia [3]: DEf ,480. HS, 160. MC,32.
12. ANACHÓnrStS
O Alcibiades 1, atribuído a Platão, é considerado por Foucault como a primeira grande
emergência teórica do cuidado de si mesmo. Esse texto se inscreve, no entanto, em uma velha
tradição de práticas de si mesmo, de exercícios do sujeito sobre si mesmo. Entre essas, encontra-
mos o "retiro ] a anachóresis. O termo " anachóresis" tem dois sentidos na linguagem corrente:
a retirada do exército diante do inimigo e a fuga de um escravo que deixa a chóra (HS, 204);
mas, no contexto das práticas de si mesmo, significa um ausentar-se do mundo no qual alguém
se encontra imerso, interromper o contato com o mundo exterior, não sentir sensações, não se
preocupar com o que passa à nossa volta, fazer como se não se visse o que acontece. Uma ausência
visível aos outros (HS, 47). * Reelaborada filosoficamente, a encontramos no Fédon de Platão
(HS, 49). * Marco Aurélio (Pensamentos, IV 3) consagra uma extensa passagem à descrição
dessa técnica (HS3, 66; HS, 50). x A escritura de si mesmo aparece nos textos da Antiguidade
como uma técnica complementar da anachóresls (DE4, 416). Ver: Hypomnémafa. * A ascese
cristã, especialmente a partir do desenvolvimento do cenobitismo, levou a cabo uma forte crítica
do que pode haver de individualista na prática do anacoretismo (HS3, 57).
30 AITHUSSER, Iouis
Anachoràse [5]: DE4, 416. HS, 47, 50. HS3, 57, 66.
Anakhôrêsis I I 3 ] : DE 4, 362, 7 99. HS, 47, 49-50, 88, 97, 204, 256.
:3. ANALíTICA DA FINITUDE (Analytique de la finitude)
A analítica da finitude, junto com as Ciências Humanas, define a disposição antropológica
da episteme moderna. Yer: Homem.
Analytique de la finituile [15]: MC, 323, 326,328-329,349, 350, 362,365,373,384-385,393.
i4 ANALOGlA (Ana|ogie)
Figura de semelhança. Yer: Episteme renascentista.
Analogia [1]:D81,489.
Analogie [196]: AN,4l, 121,288. AS, 18,68,88, 187, 190. DEl, 188,241,257,282,345,358,363-365,368-369,373,
375-376,378-379,381-382,388 390,397,407,484-485,488,491,492,494,566,594,63t',644,649,749,752,769-770,807,
840,846.D82,39,41,17t,439-440,643.D83,166,169,439,468.D84,64,416,435,47t472,474,484,755,810811.
IJF,279,306,348,421,641. If9,93,179,256, 441. HS2, t91.,232,236.H53,27 -29,31-32,45, t32-t33,274. IDS, 1 i, 14,
88. MC, 36, 37 , 40, 42-44, 46, 52-53, 63, ).2t-122, 130, 1 70, t77 ,2t4, 230, 247 ,284,392. NC, XIII, 5-6, 9 1, 99- 101, 133,
135, 144, 1 51, 210. PP, 27 6, 284, 294-295, 334. RR, 1 10, r 75. SP, 32, 89, 106, 166.
: : ANIMALIDADE (Animalite)
Loucura. Os bestiários medievais eram bestiáriosmorais (os animais expressavam
simbolicamente os valores da humanidade); durante o Renascimento, no entanto, as relações
entre a animalidade e a humanidade se inverteram (os animais fantásticos representaYam os
segredos da natureza do homem). O classicismo, por sua yez, mostrou um pudor extremo ante
a todo o inumano (justificando a prática da clausura), exceto a respeito da loucura. No asilo
encontramos assim a desrazão que se oculta, e a loucura que se mostra, adquire a f,gura do
monstruoso. É, mais precisamente, sua violência o que foi objeto de espetáculo. Ela é encerrada
em razão de sua periculosidade social; no entanto, é mostrada pela liberdade animal que ela
manifesta. Com efeito, na sem-razão, essa animalidade não será a manifestação do diabóli-
co, nem das potências infernais; mas da relação imediata do homem com sua animalidade
(HF, 198-199). Os animais impossíveis, que surgem da imaginação da loucura, revelarão ao
homem os segredos de sua natureza (HF, 36-37). * Sem perseguir a finalidade de castigar ou
de corrigir, os loucos, cuja violência animal era difícil de dominar, foram objeto de práticas
extremas de sujeiçáo (atados aos muros, às camas, grilhões nas pernas, nos pulsos, pescoço,
etc.). Através dessa violência sem medida, a imagem da animalidade atormenta o mundo do
asilo. Posteriormente, em uma perspectiva evolucionista, essa animalidade será considerada
31ANIMALIDAOE (Animalite)
como a essência da enfermidade; porém, para a época clássica, ao contrário, é signo de que
o louco não está doente. A animalidade, com efeito, protege-o das debilidades que provoca a
loucura. Essa animalidade feroz exigia ser domada, domesticada. Através da animalidade, a
loucura não encontrará as leis danatureza,mas as mil formas de um bestiário em que o mal já
não tem lugar. Entre a experiência da animalidade como manifestação das potências do mal e nossa
experiência positiva, evolucionista, situa-se a experiência clássica, uma experiência negativa da
animalidade. Na loucura, com efeito, a relação com a animalidade suprime a natureza humana
(HF , 197 -212). * Por volta do final do século XVIII, a tranquilidade do animal constitui uma
característica própria da bondade da natureza. Agora, será afastando-se da vida imediata do
animal - isto é, com o surgimento do meio - que surge a possibilidade da loucura. O meio
desempenhará agora o papel que antes desempenhara a animalidade (HF, 465-467). * A lenda
do encontro entre Pinel e Couthon conta a história de uma purificação: o louco purificado de
sua animalidade violenta e selvagem; cabe-lhe agora uma animalidade dócil, que não responde
violentamente à coerção e ao adestramento (HF, 592-593). Biologia. Para o saber da vida
do século XIX, a animalidade representa noyos poderes fantásticos. Nela se percebe melhor
o enigma da vida (MC,289-291). Politicidade. O homem durante milênios foi, como para
Aristóteles, um animal e, além disso, capaz de uma existência política. O homem moderno,
no entanto, é um animal, em cuja vida política sua própria animalidade é objeto de questio-
namento (HSl, 188). Ver também: Biologia, Biopoder.
Animalité [66]: Al{,283.DEt,234.D82,17.H.F,36-37,197-209,212,256,465,467,475,529,543,552,592-594,603,609,
6,10. HS3, 247. MC, 120, 289 290. RR, 90.
:+ ANOMALIA(Anoma\ie)
Alienação. A patologia clássica sustenta que primeiro é o anormal em estado puro: o
anormal cristaliza ao seu redor condutas patológicas que constituem a doença mental, e a
aiteração da personalidade que dela se segue produz a alienação mental. Segundo à análise
de Maladie mentale et personnalité,haveriaqne inverter os termos: partir da alienação para
definir em último lugar o anormal (MMPE, 103, 105). Genealogia do anormal. o campo
da anomalia, tal como funciona no século XIX, foi constituído a partir de três elementos, ou
melhor, de três figuras que pouco a pouco o dominaram: o monstro humano, o indivíduo a
corrigir e o masturbador. * O lugar de aparecimento do monstro é o jurídico-biológico; ele
representa, com efeito, uma violação das leis dos homens e da natureza. uma figura ambígua:
transgride a lei, mas não se pode responder à sua violência por meio da lei; surge a partir das
leis da natureza, mas se manifesta como uma contranatureza. A monstruosidade representa
o desdobramento, mediante o jogo da natureza, de todas as irreguiaridades possíveis. Nesse
sentido, o monstro se apresenta como o princípio de inteligibilidade de toda anomalia pos-
sivel; e necessário buscar o que há de monstruoso mesmo nas pequenas irregularidades. O
anormal será um monstro cotidiano, pálido, banalizado. * O espaço do indivíduo a corrigir é
muito mais restrito do que o do monstro: não é a lei e a natureza, mas simplesmente a família
e as instituiçoes vinculadas a ela (a escola, a paróquia, o bairro, a rua). Mas é muito mais
32 ANOMALIA \Anomaiie)
frequente. É também uma figura ambígua. Com efeito, o indivíduo a corrigir aparece como
tal na medida em que é incorrigível, na medida em que a família e as instituições, com suas
regras e métodos, fracassaram. O anormal será não apenas um monstro empalidecido, mas
também um incorrigível que terá de ser colocado em um meio de correção apropriado. * O
espaço do masturbador é ainda mais restrito: o quarto; mas sua frequência é muito maior,
quase universal (um segredo que todos compartilham, mas ninguém comunica). Na patologia
do século XVIII, a masturbação representará um princípio de explicação quase universal; toda
enfermidade terá uma etiologia sexual. "O indivíduo anormal do século XIX estará marca-
do - e muito tardiamente, na prática médica, na prática judicial, no saber e nas instituições
que o rodeiam - por essa espécie de monstruosidade cada vez mais diminuída e diáfana, por
essa incorrigibilidade retificável e cadavez mais rodeada de aparatos de retificação. E, enfim,
marcado por esse segredo comum e singular, que é a etiologia geral e universal das piores
singularidades. Consequentemente, a genealogia do indivíduo normal nos remete a estas três
figuras: o monstro, o incorrigível, o onanista" (AN, 56). Sexualidade e psiquiatria. Com
base na figura do monstro, o campo do anormal, tal como vai sendo configurado na psiquiatria
do século XIX, estará dominado pela noção de instinto. Esse mesmo campo se encontrará
atravessado pela sexualidade, pela natureza sexual do instinto. Por um lado, porque serão
aplicadas a esse campo as noções provenientes dos fenômenos da herança e da degeneração.
Por outro, porque, nesse campo, prontamente se estabelecerão as desordens de caráter sexual.
Entre 1880 e 1890, a sexualidade aparecerá como o princípio etiológico de toda anomalia (AN,
155-156).Asaulas delge26defevereiro delgT5deLesanormauxestâodedicadasaomodo
como o tema da sexualidade ingressa no campo da psiquiatria: partindo da prática cristã da
conflssão, ou seja, do surgimento do corpo do prazer e do desejo nas práticas penitenciais,
até a medicalização das conulsões como modelo neurológico da doença mental. * Por esse
caminho, abre-se a possibilidade de incorporar a problemática da masturbação como objeto
da psiquiatria e, contemporaneamente, da medicalização da família e do surgimento da família
celular. O nexo entre anomalia e instinto aparecerá precocemente, na infância. 'A' psiquiatria,
tal como eu a descrevi, passou de uma análise da doença mental como delírio à análise da
anomalia como desordem do instinto" (AN, 208). * "O indivíduo'anormall do qual, desde o
final do século XIX, tantas instituições, discursos e saberes se encarregaram, deriva tanto da
exceção jurídico-natural do monstro, da multidão de incorrigíveis dos institutos de correção,
quanto do universal segredo das sexualidades infantis. Na verdade, as três figuras do monstro,
do incorrigível e do onanista não vão exatamente se confundir. Cada uma se inscreverá em
sistemas autônomos de referência científica. 1) O monstro, em uma teratologia e uma embrio-
logia que encontraram, em Geofrroy Saint-Hilaire, sua primeira grande coerênciacientífica; o
incorrigível, em uma psicopatologia das sensações, da motricidade e das aptidões; o onanista,
em uma teoria da sexualidade que se elabora lentamente a partir d a Psychopathia sexualis de
Kaan. Mas a especificidade dessas referências não deve deixar esquecer três fenômenos essen-
ciais, que em parte a anulam ou, pelo menos, a modificam: a construção de uma teoria geral da
degeneração que, baseando-se no livro de Morel (ver: Degeneraçao),var servir, durante mais
de meio século, ao mesmo tempo, de marco teórico e de justificação social e moral, para todas
as técnicas de localização, de classiflcação e de interr.enção sobre os anormais; a organizaçào
de uma rede institucional complexa que, nos confinamentos da medicina e da justiça, serve
ANOMALIA (Anomalie) JJ
tanto de estrutura de 'recepção' para os anormais como de instrumento para a defesa da
sociedade; finalmente, o movimento pelo qual o elemento que aparece mais recentemente na
história (o problema da sexualidade infantil) vai recobrir os outros dois, para converter-se, no
século XIX, no princípio de explicação mais fecundo de todas as anomalias" (D82, 827 -828).
Yer : D egeneraçao, Norma.
Anomalie I75l: AN, 23,51,52,53,55-58, 68,70,97,101,122,15i, 155-156, 180-181,208, 265-266,290 291,293,
296,298. AS, 56. DE2, i09, 131, 446,814. DE3, 49, 161,257 , 437, 441, 495, 624. DEA, 82,772,774. HS, 32s. IDS, 5.
MMPE,56. MMPS,56. PP, 116, 124, 199,208,218-221,274,292.5P,25,258-259,304,307.
':?. ANORM AL(Anormal)
Yer: Anomalia.
Anormal 1rI6l: AN, 38-39,52-56,85, 101-102, t22 124,127,155,239,249,258,265,275'283,290'294'300,307'
309310.AS,57,188.D81,122,150,624.D82,233,396,417,454,539,823,825,827.D83,50,374,378.DE4,38i,532.
HF. 123, t74.322.lts,51,10. HS2,44. IDS,228. MMPE,56,68,75, 103, 10s. MMPS, s6,68,7s. NC, \02'1s7't96.PP'
57, 83, r l5- 1 16, 124, 188, 208, 218-220. sP, 28, 104, 185, 20r, 217, 307, 3ll.
: s" ANTIGU IDADE (Antiq u ite)
Até a Histoire de la sexualifé, Foucault se havia ocupado fundamentalmente do que ele
denomina "época clássica" e da "Modernidade'l em outros termos, do período que vai de
Descartes até nós. A expressão "época clássical com efeito, como no título de Histoire de la
folie, não fazia refeftrcia, como para nós, à Antiguidade grega, mas aos séculos XVII e XVIII.
A partir de Histoire de la sexualifé, Foucault vai dirigir seu olhar para a Antiguidade. No
começo de llusage des plaisirs, explica essa mudança dizendo que, após ter se ocupado dos
jogos de verdade nas ciências empíricas dos séculos XVII e XVIII, dos jogos de verdade nas
relações de poder (nas práticas punitivas), era necessário ocupar-se dos jogos de verdade na
relação do sujeito consigo mesmo, na constituição de si mesmo como sujeito, do que se poderia
denominar uma "história do homem de desejo'l Essa genealogia exigia dirigir a análise para
a Antiguidade clássica (HS2, 12). Aqui se situam os dois últimos tomos de Histoire de la
sexualité e o curso dos anos 1981-1982, I-iHerméneutique du sujet.* Segundo tais declara-
çôes de Foucault, seu interesse pelos antigos seria fundamentalmente um interesse ético, ou
seja, pela problemática da constituição de si mesmo. E, com efeito, esse é o domínio em que
se movem os textos citados anteriormente. No entanto, mais amplamente, podemos dizer que
Foucault não só se interessa pela ética dos antigos, mas também pela sua política(pelo Político
de Platão, por exemplo). Não só pelas relações do sujeito consigo mesmo, mas também com
os outros. Nesse sentido, seria a questão do'governo'l de si e dos outros (ética e política), o
elxo em torno do qual se articula o interesse de Foucault pela Antiguidade clássica, helenista
e romana. * Porem não se trata de nostalgia histórica: "Tentar repensar os gregos hoje não
consiste em fazer valer a moral grega como o domínio moral por excelência, do qual se teria
34 ANORMAI- \Anormal)
necessidade para pensar-se a si mesmo, mas em fazer demodo tal que o pensamento europeu
po§§a recomeçar a partir do pensamento grego como experiência uma vez dada a respeito da
qual se pode ser totalmente livre" (D84, 702).
Antiquité [220]: AN, 64, 70, 1 90. DEl, 85, 295 296,307,497 . DE2,220,222,52t, A10-8 1 1. DE3, 69, 162,278.394,
5t5,538,558,,560,563,635. DE4, 116, 128, 139, 143, 160,291,308,312,328,353,385,396,402,404,407,440,462,478,
486,511,544-547,551-553,559-560,584,610,615,622-623,625,628,650,653_654,657,660,668 673,681,698,699,70t_
702.705 706,712,731 733,744,759, r-86,789,792,803,81.1. HF, 198, 261,396,403,108. HS,4, l8-19,60, 98, l2t, 139.
1 4 l , 1 65, r 75, 1 83, 196, 200, 208 ,2t2,235,240,246,280-281,296,299, 305, 3 1 3, 325, 3 27,338,340,346 347, 373, 383, 390,
4t6-417,445. HS2,12-13, r5, 17, 18,20-21.26,28,29,37.38,95, 106, tr5,166,216, 220,274.HS3, 16,36,48,163, 181,
222,271.IDS, 6, 58, 59-60, 62, 65-66, 156. MC, 48. MMPE, 76. NC, 88, 125. OD, 34. pp, 257, 261. Sp, 218.
:e ANTIPSIQUIATRIA (Antipsychiatrie)
Apesar de Foucault desconhecer a existência do movimento da antipsiquiatria, durante a
composição de Hístoire de la J'olíe, essa obra Íbi vinculada ao movimento (D82,522). O mo-
vimento antipsiquiátrico, na Inglaterra e nos Estados Unidos (T. S. Szasz), foi por ele abraçado
e utilizado em seus trabalhos (DF.2,523). * O curso dos anos 1973-1974 no Collêge de France
(cujo resumo encontra-se em DE2, 675-686), esteve dedicado ao poder psiquiátrico). Em te
PoLtvoir psychiatrique, Foucault aborda a questão da antipsiquiatria e da despsiquiatrização.
O que caracteriza a antipsiquiatria, à diferença da despsiquiatrizaçâo (ver o verbete), é a luta
contra a instituição asilar e as íormas de poder na relação médico-paciente. Esquirol dava
cinco razões para a existência do asilo: promover a segurança pessoal do enfermo e da famíiia,
livrar os enfermos das influências externas, vencer suas resistências pessoais, submetê-los a
urn regime médico, impor-lhes novos hábitos intelectuais e morais. "Vê-se que tudo é questão
de poder, dominar o poder do louco, neutralizar os poderes exteriores que possam exercer-se
sobre ele, estabelecer sobre ele um poder terapêutico e um endireitar de brtopedial Pois bem, é
a instituição (como lugar, fonna de distribuição e mecanismo destas relações de poder) o que a
antipsiquiatria ataci' (DF-2,684). * É necessário prestar atenção a que a oposição da antipsiquiatria
ao asilo não acabe sendo uma multiplicação da psiquiatria fora do asílo (D82,232).
Antipsychiatrie [55]:DEl,77 1.DE2,209,232,433,522 523, 640, ó8 l, 683- 686,773,776.D83,52,76,162.,1 68, 235, 330,
332,337,314,348,377,4'14,633,808.D84,22,45,46,58,60-61,81,386,536,537.IDS,7,12.PP,15,18,137,253,265.
2a ANTISSEMITISMO (Antisem itisme)
O antigo antissemitismo de caráter religioso foi utilizado pelo racismo de Estado somente
a partir do século XIX; desde o momento em que aprreza da raça e sua integridade se con-
verteram em uma questão de Estado (IDS,76-77). Foucault situa esse momento como uma
etapa no desenvolvimento da noção de guerra de raças que analisa em "Il faut défendre la
société". Yer Biopoder, Guerra.
Antisémitisme I I 6 ] : DE3, 280, 325, 502, 7 53. DE4, I I 5. lDS, 7 s -7 7 .
ANÍlSSEMlTlSMO (Anti sém i tisme) 2e
?i. ANTROPOLOG lA (Anth ropol og i e)
Foucault apresentou retrospectivamente seu trabalho como uma análise histórica dos diferentes
modos de subjetivação (D84,222-223). Nesse sentido, o sujeito foi o eixo de todo seu percurso
histórico-f,losófico. No entanto, tal projeto não constitui, de nenhuma maneira, uma antropologia,
nem no sentido filosófico nem no sentido das Ciências Humanas. Desde a extensa introdução à
edição francesa da obra de L. Binswanger, I e rêve et lbxistence,aÍé Les mots et les choses e as obras
posteriores, pode-se descobrir seu progressivo afastamento da antropologia, tal como era praticada
no contexto intelectual onde se formou Foucault. A via real da antropologia. "Na antropologia
contemporânea, a obra de Binswanger nos parece seguir a üa real. Ele tomou de viés' o problema
da ontologia e da antropologia,

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