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Aluna: Liliane Gomes Rocha RA: 201811141 Revisão de Literatura Abordagem Cirúrgica Da Cólica Equina GOIÂNIA Dezembro 2021 2 Introdução O cavalo apresenta particularidades anatômicas e fisiológicas do aparelho digestório, que incluem a incapacidade de vomitar, mesentério bastante desenvolvido (o qual, predispõe ao longo intestino delgado às ectopias e vólvulos), possui aumento no diâmetro do cólon maior e de suas respectivas curvaturas (visto que, são susceptíveis as impactações). A Síndrome Cólica ou abdômen agudo é um quadro de dor abdominal, que pode envolver qualquer órgão da cavidade abdominal. É uma das maiores causas de óbito na espécie equina (THOMASSIAN, 1990). Os distúrbios podem ser gástricos ou intestinais, obstrutivos ou não, com ou sem estrangulamento vascular (WHITE II, 1987). Embora possa ocorrer problemas gastrointestinais, no qual a maior casuística é a cólica abdominal, e isso se dá principalmente pela artificialização dos alimentos (THOMASSIAN, 2005), ela é a principal causa de complicações gastrointestinais e morte em equinos, deve ser tratada como caso de emergência (RADOSTITS et.al., 2002). O objetivo desta revisão de literatura foi descrever um pouco sobre os exames clínicos do abdome agudo, suas indicações cirúrgicas, anatomia do TGI (trato gastrointestinal), as técnicas cirúrgicas e anestésicas, suas complicações, prognóstico e cuidados durante o pós-operatório. Capítulo 1 Anatomia do sistema Gastrointestinal de equinos A boca é constituída pelos lábios, cavidade oral e suas paredes, além da língua, dentes, e glândulas salivares, que através de seus ductos secretam saliva para dentro da cavidade (DYCE; SACK; WENSING, 2010). A boca tem por objetivo apreender os alimentos através dos lábios na espécie equina, triturar o alimento para melhor digestibilidade, e formação do bolus alimentar através da secreção de saliva (KÖNIG; LIEBICH, 2011). A faringe é uma porção de comunicação entre a cavidade oral e o esôfago, mas que também faz comunicação da cavidade nasal com a laringe, essa região é necessária 3 no processo de deglutição e movimento do bolus alimentar até o esôfago. Dessa forma, ela possui um papel fisiológico importante do direcionamento do alimento ao esôfago (KÖNIG; LIEBICH, 2011). De acordo com KÖNIG & LIEBICH (2011), o esôfago faz a comunicação entre a região faríngea e a região do estômago. É divido em 3 segmentos, segmento que abrange a região do pescoço ou das vertebras cervicais, região que abrange o tórax, além da região do abdômen. O esôfago nestes animais possui uma diminuição de seu lúmen quando passa pelo segmento torácico e no hiato diafragmático, esse fato provoca principalmente nos cavalos, grandes chances de ocorrer engasgos. No esôfago acontece uma onda peristáltica que pode ser de origem primária (peristalse primária) quando ocorre o processo de deglutição, ou secundária (peristalse secundária), onde o bolo alimentar induz a ocorrência de contrações reflexas causando relaxamento e contração da musculatura esofágica, além da atuação muscular que envolve essa região, todo esse mecanismo resulta no relaxamento do esfíncter superior esofágico, condução do bolo alimentar até o esfíncter inferior, relaxamento do mesmo e chegada do alimento ao estômago (DUKES, 2006). De acordo com os autores DYCE; SACK; WENSING (2010) o estômago do equino é formado por compartimento sacular e possui capacidade preenchimento entre 5 a 15 litros. Anatomicamente sua entrada é a região chamada de cárdia, o estômago possui outras subdivisões como: fundo, corpo e região pilórica (saída para o duodeno), tanto o cárdia quanto a região pilórica possui esfíncter, que são denominados de acordo com a região onde são localizados, sendo então chamados esfíncter do cárdia e piloro (esfíncter da região pilórica), um possui a função de abertura para preenchimento e o outro de esvaziamento do órgão (FRANDSON; WILKE; FAILS, 2011). O cárdia possui uma musculatura bem desenvolvida, o que resiste a volta de alimentos pelo esôfago, esse e outros fatores, como a ausência do centro do vômito no sistema nervoso central (SNC) na espécie equina, levam a incapacidade do animal vomitar (FEITOSA, 2008). 4 O intestino delgado é constituído de três partes: duodeno, jejuno e íleo, tem seu início no piloro e seu fim no seco (KÖNIG; LIEBICH, 2011), tem uma capacidade média de preenchimento que varia de 40 a 50 litros, comprimento por volta de 22 metros. Quando o órgão está repleto ele varia numa proporção de 7,5 a 10 cm de diâmetro (FEITOSA, 2008). A função do intestino delgado é promover a digestão e a absorção dos nutrientes (KÖNIG; LIEBICH, 2004). De acordo com KÖNIG (2016), o duodeno é o segmento proximal do intestino delgado, sendo um prolongamento da região pilórica até o jejuno, além de possuir três partes, sendo elas a parte cranial, flexura cranial, parte descendente, flexura caudal, parte ascendente e flexura duodenojejunal. Segundo o autor FEITOSA (2008) & KÖNIG (2011), a maior porção correlacionada em diâmetro do intestino delgado dos cavalos, é o jejuno. O jejuno, por sua vez, possui um mesojejuno e um mesoíleo (caráter de cumprimento longo, auxilia na suspensão do jejuno e do íleo no teto abdominal e propõe mobilidade a este órgão), o formato destas duas estruturas citadas acima, é de um grande leque. O íleo é uma pequena porção localizada na região terminal do intestino delgado, possui uma prega ileocecal que determina sua diferença entre o jejuno. 5 O intestino grosso possui saculações devido ao encurtamento das tênias, mas essa apresentação anatômica das saculações pode apresentar padrões diferentes devido a ação do fluxo haustral gradativo e as inconstantes contrações (DYCE; SACK; WENSING, 2010). Esse órgão é constituído pelo ceco, cólon maior, cólon transverso, cólon menor, reto e ânus (FEITOSA, 2008). O ceco é a primeira câmara que atua na digestão da celulose, possui uma extensão média de 1 metro e capacidade de até 33 litros (FEITOSA, 2008). O órgão tem uma aparência de virgula devido a união de sua parte dorsal com o seu corpo afinalado curvo e seu ápice ventral (DYCE; SACK; WENSING, 2010). A base do ceco é fixada na parede dorsal do abdômen por tecido conjuntivo, localizada na região lombar, já o ápice é localizado próximo a cartilagem xifoide, visto que é posicionado ventralmente no meio dos dois cólons ventrais. Ele possui dois óstios: o óstio ileal que liga o íleo ao ceco, e o óstio cecocólico que faz a transição entre o ceco e o cólon maior, além da presença da prega cecocólica estrutura localizada entre o ceco e o cólon, e a prega ileocecal fixada entre o íleo e o ceco (KÖNIG; LIEBICH, 2011). O cólon ascendente vem dando continuidade as estruturas do intestino grosso, ele pode suportar até 130 litros, possuindo um comprimento variável de 3 a 4 metros (FEITOSA, 2008). O colo ascendente pode ser subdividido em quatro segmentos paralelos conectados por três flexuras com a seguinte ordem proximodistal, colón ventral direito, flexura esternal, colón ventral esquerdo, flexura pélvica, colón dorsal esquerdo, flexura diafragmática e colón dorsal direito (KÖNIG; LIEBICH, 2016). O cólon dorsal direito sofre uma considerável diminuição de seu diâmetro em sua região mais distal, esta região está fixada no teto abdominal, na base do ceco e na raiz do mesentério, é visto um desvio medial dessa porção cranialmente a base do ceco, passando do lado direito para o esquerdo cranialmente a artéria mesentérica, essa pequena porção de transição recebe o nome de cólon transverso (CT), essa fração sofre um estreitamento em sua parte final ao nível do rim esquerdo, ocorrendo a origem do cólon descendente, ele é organizadoem ondulações dentro do mesocolo. É localizado em um segmento abdominal mediano esquerdo próximo a pelve, e tem seu término dentro da cavidade pélvica local de origem do reto, que é fixado ao mesorreto, essa fração continua no canal anal e tem seu término no ânus do animal (DYCE; SACK; WENSING, 2010; KÖNIG; LIEBICH, 2011; FEITOSA, 2008). 6 Capítulo 2 Exame Clínico O exame clínico é baseado em uma boa anamnese à respeito do histórico do paciente, logo, busca-se saber informações sobre o comportamento do paciente até o momento do atendimento médico (buscando assimilar o grau de dor), tempo de início e a evolução da crise, se houve crises anteriores e sua duração de tempo, como é realizado o manejo do paciente e dos animais existentes na propriedade (incluindo o controle parasitário), como está a forma das fezes ou se a ausência, frequência da ingestão hídrica e micção, se houve aumento no diâmetro abdominal, bem como refluxo nasal. Já o exame físico é baseado na avaliação de mucosas (ocular, vaginal/peniana), auscultação abdominal, palpação transretal, sondagem nasogástrica e paracentese abdominal. Os exames laboratoriais consistem na coleta de sangue para realização de hemograma completo, e avaliação dos seguintes parâmetros proteína equilíbrio ácido- básico, plasmática total, equilíbrio hidroeletrolítico, fibrinogênio plasmático, função hepática e função renal. Os exames laboratoriais geralmente não ajudam a decidir se a cirurgia é necessária, mas será útil saber que a leucopenia pode indicar uma endotoxemia, mais frequentemente causada por uma colite ou peritonite que por uma obstrução ou estrangulamento, pelo menos num estádio inicial da doença (WHITE, 2006; WHITE, 2009). Outros exames são possíveis de serem realizados, como é o caso da paracentese, que serve para eventuais diagnósticos quanto a cor, para diferenciação de peritonites sépticas, de assépticas, e ainda outras alterações podem ser vistas, como em caso de endotoxemia (FEITOSA, 2008). A frequência cardíaca pode estar discretamente elevada durante os episódios de dor. Os borboriguinos abdominais se encontram com a frequência diminuída e a motilidade quase sempre está ausente (REED e BAYLY, 2000; GODOY, 2007; MOORE, 2005). A palpação do pulso periférico dá uma estimativa e não uma medida quantitativa da pressão sistólica do cavalo. Uma diminuição (ou a ausência) do pulso assinala frequentemente um estado de choque grave (JEAN & BOURÉ, 1999). 7 A dor abdominal associa-se habitualmente à distensão intestinal, à tensão exercida sobre o mesentério, aos danos provocados pela isquemia (ZIMMEL, 2003; SLOVIS, 2009) e à inflamação do trato gastrointestinal (ZIMMEL, 2003). Outra maneira de avaliar a dor é a seguinte: um cavalo com dor intensa geralmente não é controlável, sendo um perigo para si mesmo e para as pessoas em seu redor. O comportamento do cavalo não pode ser alterado, mesmo por fortes estímulos exteriores. A resposta do cavalo aos analgésicos é nula ou apenas dura 3 – 5 minutos. A dor moderada manifesta-se frequentemente por um padrão comportamental repetitivo e quase estereotipado, mas estas ações podem geralmente ser interrompidas durante um certo período de tempo ao distrair o cavalo, como por exemplo, ao passear ou transportar o cavalo num reboque. A resposta aos analgésicos pode durar 2 – 4 horas. Quando um cavalo sofre de dor ligeira, o seu comportamento é facilmente alterado por um estímulo exterior, e a resposta aos analgésicos 28 pode durar até 8 – 12 horas. Classifica-se também a dor em intermitente ou contínua (RAGLE, 2006). Outra forma de exame é através da palpação retal, que é de fundamental importância para diagnosticar algumas enfermidades do trato gastrointestinal e quando não possível pode direcionar o tratamento (FEITOSA, 2008). Só que quando o material obstrutor fica localizado nas regiões proximais do cólon menor, o diagnóstico pode ser inconclusivo (MAIR; DIVERS; DUCHARME, 2002). Em cavalos com sobrecarga do cólon descendente, as fezes podem apresentar sangue misturado, enquanto sangue fresco e coágulos podem indicar rasgaduras do recto ou cólon descendente. Filamentos de muco amarelo-branco cobrindo bolas fecais secas e firmes sugerem um trânsito colónico lento, sendo comum em cavalos com obstruções do cólon ascendente. Fezes moles e com cheiro fétido podem indicar uma enterocolite iminente (MOORE, 2006). Outra ferramenta é o uso do estetoscópio, onde na ausculta das alças intestinais, os borborigmos se apresentam reduzidos. No ceco e cólon maior, pode ser observado presença de som timpânico, ao se inspecionar o animal, o abdômen pode se mostrar distendido em ambos os lados, nota-se ausência de fezes pelo animal. (RADOSTITS et al., 2002; THOMASSIAN, 2005). O exame clínico deve sempre incluir a auscultação da parte ventral do abdómen uma vez que permite o diagnóstico de sobrecargas por areia. Nestes casos, ruídos similares a ondas são audíveis (JEAN & BOURÉ, 1999). Este som resulta da fricção das partículas de areia durante as contrações intestinais (RAGLE, 2006). Contudo, é necessário ser cuidadoso ao interpretar a auscultação intestinal, pois é possível 8 os ruídos intestinais estarem diminuídos no caso de cólicas simples que não requerem cirurgia, e por outro lado, aquando de uma obstrução do intestino delgado, patologia séria que necessita de uma terapêutica cirúrgica, ruídos ao nível do cólon e ceco podem continuar a ser audíveis (WHITE, 2006; WHITE, 2009). A sondagem nasogástrica é utilizada no tratamento de sobrecarga gástrica por líquidos e alimentos, auxilia no diagnóstico e até mesmo para administração de medicamentos, sendo assim, se faz necessária em qualquer quadro relacionado à síndrome do abdômen agudo (Fernandes, 2009). Indicações Cirúrgicas da Laparotomia A intensidade da dor e a resposta aos analgésicos constituem o parâmetro mais explícito da gravidade do problema digestivo e provavelmente o mais fiável para decidir da necessidade de cirurgia como terapia (JEAN & BOURÉ, 1999). Se a dor persistir ou reincidir sem que haja motilidade intestinal evidente, a cirurgia é indicada antes que a obstrução cause isquemia intestinal e subsequente enfarte. Nalguns casos, os cavalos podem apresentar traumas na cabeça, sugerindo que experimentaram recentemente uma dor intensa (GAUGHAN, 2006; WHITE, 2006; WHITE, 2009). A ultrassonografia é um método diagnóstico que se faz necessário, pois é uma ferramenta que auxilia o diagnóstico diferencial dos distúrbios gastrointestinais, além de ajudar na decisão de estabelecer um tratamento clínico ou cirúrgico ao paciente, uma vez que é possível observar achados de alteração da ecogenicidade no líquido peritoneal, espessura da parede do intestino, distensão de alças e o peristaltismo das alças. (VILJOEN et al., 2010). As alterações específicas da palpação transretal que identificam uma doença que requer cirurgia, incluem a hérnia inguinal, múltiplas ansas do intestino delgado distendidas, cólon distendido e edematoso, ceco distendido repleto de ingesta fluida e a distensão massiva de qualquer segmento intestinal (WHITE, 2006; SLOVIS, 2009; WHITE, 2009). Capítulo 3 Técnica Operatória de equinos portadores de abdômen agudo 9 A designação do tratamento da síndrome do abdômen agudo varia conforme os sinais clínicos demonstrados pelo animal, as informações obtidas na anamnese e nos exames clínicos e complementares (SOUTHWOOD, 2013). Antes do procedimento cirúrgico propriamente dito, o paciente previamente sondado (exame clínico), encaminhado para realização da tricotomia na região abdominal (abrangido a cartilagem xifoide até a área do púbis/testículos) e realizado uma antissepsia local. O objetivo do tratamento cirúrgico de cólicas varia de acordo com o tipo de cólicapresente em cada caso. Após a identificação da patologia envolvida, o resto da cirurgia é planeada (RAGLE, 2006; FEHR, 2007b) e alguns dos seguintes procedimentos poderão ser necessários: descompressão de intestino distendido com gás ou fluido; correção de deslocamentos ou vólvulos intestinais; evacuação de conteúdo intestinal; libertação de alças intestinais retidas (por exemplo no forâmen epiplóico ou nos anéis inguinais); redução de vólvulos intestinais; remoção de intestino isquêmico (enterectomia) e anastomose entre as duas terminações saudáveis; caracterização e possível remoção de massas abdominais; recolha de amostras para biopsia, de modo a realizar um diagnóstico definitivo (liverpool, 2008). De acordo com ELLIS et.al. (2007) a enterotomia possui indicação em casos que há compactações, corpos estranhos ou enterólitos, objetivando aumentar a motilidade intestinal, além de proporcionar um melhor conforto durante o pós-cirúrgico. O tratamento constitui-se na realização de enterotomia, com posterior enterorrafia. Tal procedimento baseia-se na tração do segmento intestinal compactado para fora do abdômen e seu isolamento. A parede intestinal é então incisada longitudinalmente, no lado antimesentério. Pela abertura intestinal realiza-se a massagem e drenagem da compactação, com auxílio de água corrente (GODOY, 2007; GALERA, 2005; MOORE, 2005; RADOSTITS et.al., 2012). A incisão é realizada com cerca de 12 cm a 15 cm de comprimento, atingindo toda a espessura da parede intestinal (FREEMAN, 2003a). Segundo ELLIS et.al. (2007) deve-se realizar lavagem com um litro de solução fisiológica contendo heparina na incisão, pois diminui os riscos de infecção, peritonite e aderências. Para encerramento da zona da enterotomia, várias técnicas estão descritas e a técnica utilizada dependerá da preferência do cirurgião. Enterorrafia com uma sutura de Lembert seguida de uma sutura de Cushing, utilizando fio 2-0 de polidioxanona é o método mais utilizado. Este método expõe menos material de sutura à cavidade abdominal, reduzindo o risco de adesões (FREEMAN, 2003a). Para MORA (2009), o fechamento da cavidade abdominal pode ser feito com fio poligalactina 910 2-0, utilizando o padrão separado simples, contínuo simples ou sultan, para tecido subcutâneo deve ser feito a redução do espaço morto com fio absorvível sintético 2-0, 10 usando padrão contínuo simples, já a pele pode ser suturada com diversos padrões de sutura e o fio a ser utilizado fica à critério do cirurgião (absorvível ou inabsorvível). De acordo com LEIRIA (2010), a laparotomia consiste em realizar uma incisão de 10 cm na região do lado esquerdo do flanco (visto que, o paciente está em posição quadrupedal), ultrapassando o tecido subcutâneo, fáscia do musculo abdominal externo, divulsão romba dos músculos oblíquo abdominal interno e músculo transverso abdominal, além do peritônio, para que então seja feito uma exploração manual do segmento compactado. Logo a sutura dos músculos incisionados deverá ser feita com fio absorvível sintético 0 e 2-0 com padrão separado simples, redução do espaço morto com fio absorvível utilizando padrão intradérmico/contínuo simples e sutura de pele com fio sintético associado ao padrão sultan ou separado simples. Técnica Anestésica de equinos portadores de abdômen agudo A estabilização do animal e normalização dos parâmetros pode ser conseguida através da intubação nasogástrica, da trocaterização percutânea, da fluidoterapia, da administração de AINE’s, opioides (para controle da dor) e da administração de fatores anti-coagulantes e soros anti-toxemicos (para combater a coagulação intravascular disseminada (CID) e a endotoxemia) (THOMASSIAN, 1996; MOSLEY, 2005). A inclusão do butorfanol na pré-anestesia permite a redução da dose de xilazina (1,1mg/kg) e proporciona relaxamento muscular durante a indução (TRIM, 2005). Administração de diazepam simultaneamente com a cetamina permite diminuir a incidência de um estado de convulsão provocado pela cetamina (RIEBOLD et.al, 1995). Para indução anestésica, é frequente a utilização de combinações anestésicas envolvendo: α-2 agonistas (xilazina, detomidina; depressores do SNC com ação sedativa, analgésica e miorrelaxante); diazepam (tranquilizante benzodiazepínico, relaxante muscular, sedativo e anticonvulsivo); butorfanol (analgésico opióide); cetamina (anestésico dissociativo, não barbitúrico) (MOSLEY, 2005). Nenhum dos anestésicos quando utilizado individualmente, demonstrou vantagens comparativamente com as associações e a associação de diferentes anestésicos permite capitalizar os efeitos aditivos de cada agente, reduzindo simultaneamente os efeitos adversos particulares, associados a cada fármaco. No entanto é recomendado que cada anestesista utilize a técnica anestésica com a qual se encontra mais familiarizado (MOSLEY, 2005). 11 A manutenção da anestesia é realizada geralmente com a utilização de anestésico volátil com fornecimento de oxigénio suplementar através de um tubo endotraqueal com “cuff”. O isoflurano e o sevoflurano são os anestésicos voláteis preferenciais, pois causam menor depressão do débito cardíaco do que doses equivalentes de halotano (MOSLEY, 2005). O butorfanol é frequentemente utilizado como analgésico intra-cirúrgico e é administrado conforme necessário, na dose de 0,02 mg/kg p.v. a 0,04 mg/kg p.v. Infusão de lidocaína intra- cirurgicamente pode melhorar as condições anestésicas assim como a recuperação pós-cirúrgica (Mosley, 2005). Em neonatos a anestesia pode ser induzida através de uma máscara com libertação de isoflurano ou com a associação de diazepam e quetamina injectáveis (BOHANON, 2005). É comum o começo da antibioterapia antes da cirurgia, utilizando um antibiótico de largo espectro, como: sulfato de amicacina (25 mg/kg p.v. a 30 mg/kg p.v.) ou sulfato de gentamicina (8,8 mg/kg p.v.), combinado com penicilina potássica (20.000 UI/kg p.v. a 50.000 UI/kg p.v., QID) ou ampicilina sódica (50 mg/kg p.v. a 100 mg/kg p.v., QID). A administração de flunixina meglumina também deve ser feita pré-cirurgicamente, assim como a colocação de uma sonda nasogástrica (BOHANON, 2005). Capítulo 4 Cuidados Pós Operatórios Os principais cuidados no pós operatório estão relacionados a manter ou devolver o estado cardiovascular, establecer a fluência da descarga da válvula íleo cecal e reconhecer as possivéis complicações pós operatórias mais comumentes observadas que são: ileo dinâmico, dor, peritonite, obstrução ou falha da anastomose e enterotomia, problemas incisionais e diarreia (THOMASSIAN, 2005). Além disso, deve-se ter cuidado com problemas que não estão diretamente ligados a síndrome do abdômen agudo como por exemplo: flebite, choque, miopatia e laminite (DUCHARME, 2002). Diversos autores também indicam o uso de pró- cinéticos, realizar a descompressão gástrica, curativos locais (BID, utilizando solução fisiológica, gases e faixas), manter uma rotina de exames físicos ao longo do dia para monitoração dos parâmetros, administrar antibióticos e analgésicos para controle da dor e de possíveis infecções, manter o paciente solto ao piquete para que possa pastar e ingerir gramíneas. Complicações 12 São várias as possíveis complicações após uma cirurgia de cólica, nomeadamente: complicações na zona de incisão cirúrgica, íleo pós-cirúrgico, desenvolvimento de aderências ou peritonite, complicações anastomóticas, entre outras. Considerações sobre os cuidados pré- cirúrgicos, tamanho da incisão, roupa do cirurgião, escolha do fio cirúrgico e as condições clínicas e comportamentais do equino são salientadas entre os fatores predisponentes. A técnica cirúrgica deve ser praticada sob condições adequadas de assepsia, hemostasia e trauma mínimo dos bordos da incisão (PAGLIOSA & ALVES, 2004). O íleo pós-cirúrgico,ocorre em 10% a 55,6% dos cavalos após a cirurgia ao ID, com uma taxa de mortalidade de 13% a 86% e representa 9% a 43% do total de mortes nesses cavalos. Esta complicação é muito rara após cirurgia ao IG (FREEMAN, 2005b). É uma patologia complicada pela excessiva distensão intestinal, presença de endotoxinas e desequilíbrios eletrolíticos. Os sinais clínicos presentes são principalmente: cólica, taquicardia e depressão. O diagnóstico é feito pela presença de refluxo nasogástrico e ID distendido detectado durante os exames retal ou ecográfico (MARR, 2008). As aderências correspondem à formação de cicatrizes fibrosas entre alças intestinais ou entre intestino e a superfície peritoneal. É uma importante causa de cólica pós-cirúrgica crónica, recorrente e potencialmente fatal (MARR, 2008; PAGLIOSA & ALVES, 2004). Ao nível da anastomose, pode ocorrer obstrução devido a inversão, intussuscepção anastomótica, enfarte, hematoma, encurtamento do mesentério, defeitos mesentéricos, hemorragia mesentérica e desalinhamento intestinal ou deiscência anastomótica com peritonite, que felizmente são complicações raras e geralmente são causadas por isquémia pós- cirúrgica e erro técnico. A obstrução anastomótica prolongada pode levar à formação de aderências. Estomas de tamanho reduzido estão propensos a obstrução, o que exacerba o ileo pós-cirúrgico (FREEMAN, 2005b). Prognóstico O prognóstico é reservado. De acordo com vários autores a síndrome do abdome agudo em equinos é uma emergência clínica, em que, necessita de atendimento, diagnóstico, tratamento paliativo e tomada de decisão (cirúrgica ou não) com agilidade, pois o caso do paciente, pode sofrer agravamento em questão de horas e desencadear vários desequilíbrios homeostáticos, deixando o paciente em risco iminente de óbito. Além disso, a cirurgia intestinal possui um risco maior de contaminação da cavidade 13 abdominal por fezes, o que geralmente ocasiona complicações como peritonites, septicemias no pós-operatório e ademais fatores que também colocam a vida em risco. Por isso, o paciente deve ser avaliado e acompanhado de forma integral durante todo o período de pós-operatório. Conclusão É possível concluir que a síndrome do abdômen agudo em equinos, é de caráter multifatorial, podendo acometer qualquer parte dos intestinos, ressaltando que algumas regiões possuem maior predisposição para compactações, além de acometer o estômago e ser uma das maiores causas de óbito de equinos, quando não tratadas a tempo/erro médico cirúrgico ou complicações pós-operatórias. Logo o tempo entre o atendimento, diagnóstico do local e a tomada de decisão e ação, são cruciais para que se tenha um resultado mais esperançoso de melhora. É valido lembrar também que o conhecimento do médico veterinário à respeito da anatomia e procedimentos a serem realizados durante uma emergência clínica, além de uma equipe preparada é de suma importância na tentativa de salvar a vida do animal. 14 Referências BOHANON, T.C. (2005). Colic in the equine neonate [versão electrónica]. In Proceedings of the North American Veterinary Conference (NAVC), de 8 a 15 de Janeiro de 2005, Orlando, Florida. DUCHARME, N.G., Lowe, J.E. Decision for surgery. Vet. Clin. North Am. Equine Pract., v.4, n.1, p.51- 61, 1988 FEITOSA, F. L. F. Semiologia veterinária: a arte do diagnóstico. 2. ed. São Paulo: Roca, 2008. FREEMAN D.E. (2003a). Abdominal Surgery: Summary Procedure and Principles [versão electrónica]. In P. Chuit, A Kuffer e S. Montavon (Eds.), 8ème Congrès de médecine et chirurgie équine, Ithaca, Nova Iorque, EUA. FREEMAN, D.E. (2005a). Economic consideration of the acute abdomen equine patient [versão electrónica]. 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