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Cultura_Surda_ARTIGO

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Pós-Graduação em Educação
Libras 
Cultura Surda
Silvana Elisa de Morais Schubert
FAEL
Diretor Executivo Marcelo Antônio Aguilar
Diretor Acadêmico Francisco Carlos Sardo
Coordenador Pedagógico Francisco Carlos Pierin Mendes
EDitorA FAEL
Autoria Nome do Autor
Gerente Editorial William Marlos da Costa
Projeto Gráfico e Capa Patrícia Librelato Rodrigues
revisão Célia Regina Tartalia e Silva
Programação Visual e Diagramação Karlla Cristyne Plaviak
ilustrações Quieliton Batista
AtEnção: esse texto é de responsabilidade integral do(s) autor(es), não correspondendo, necessariamente, à opinião da Fael.
É expressamente proibida a venda, reprodução ou veiculação parcial ou total do conteúdo deste material, sem autorização prévia da Fael.
EDitorA FAEL
Av. Silva Jardim, 167
Curitiba | PR | CEP 80.230-000
FAEL
Rodovia Deputado Olívio Belich, Km 30 PR 427
Lapa | PR | CEP 83.750-000
FotoS DA CAPA
Anissa Thompson
Jos van Galen
Julia Freeman-Woolpert
Krishnan Gopakumar
Stefan Krilla
Viviane Stonoga
Todos os direitos reservados.
2012
Cultura Surda
 1 . Introdução
O sujeito surdo, aos poucos, está conquistando 
seu espaço na sociedade, no entanto, o que se discute 
sobre a inclusão dessa comunidade, ainda não é o bas-
tante para que seus direitos sejam cumpridos.
Este artigo tem o propósito de contribuir com a 
propagação desse mundo tão misterioso, encantador e 
envolvente. Para tanto, iniciaremos contando um pouco 
da história sobre à inclusão e como as políticas públi-
cas sustentam tal modelo; na sequência trataremos da 
cultura surda, suas características, e como dá-se seu 
relacionamento com seus familiares e com a comuni-
dade, trataremos, também, como a tecnologia contribui 
ou não para a vida social do surdo e do sujeito deficiente 
auditivo; abordaremos as artes e a comunidade surda e 
por fim como dá-se o ensino-aprendizagem na vida do 
surdo e do deficiciente auditivo, tais como, a metodolo-
gia, usada, como eles são avaliados, como deve ser o 
currículo e a importância da língua de sinais.
Para tratarmos desses assuntos, traremos falas e 
comportamentos surdos, a partir de recortes, ou seja, 
de fragmentos de entrevistas; produtos de um trabalho 
de investigação com sujeitos surdos sobre cultura, iden-
tidade, educação, hábitos e costumes.
Os participantes da pesquisa são surdos de ida-
des diversas e de diferentes níveis de escolarização, os 
quais serão representados por letras aleatórias e 
números que representarão sua idade. Optou-se 
por esse recurso investigativo utilizando entrevista com 
questões semiestruturadas e, posteriormente, não dire-
tivas que, segundo Severino (2007), promovem um 
diálogo mais descontraído, deixando o informante a 
vontade para expressar-se sem constrangimentos.
As entrevistas, com os estudantes surdos, foram 
registradas por meio de filmagem na primeira língua 
(L1) do sujeito surdo, ou seja, a Libras e depois tra-
duzidas para a segunda língua do surdo (L2), a língua 
portuguesa escrita. Os resultados estão apresentados 
no desenvolvimento do artigo.
 2 . Em Tempos de Inclusão
Não raramente nos deparamos com as declarações 
de gestores dos espaços educacionais que divulgam e 
se orgulham da instituição como um espaço de educa-
ção inclusiva. A legislação brasileira dá destaque a uma 
educação para todos, com direito não apenas ao acesso, 
mas a permanência e a qualidade para os estudantes da 
nação (BRASIL, 1988, LDB n. 9.394/96). 
Assim compreendemos a inclusão e neste mo-
mento citamos a inclusão do surdo, como algo que traz 
a diversidade para dentro das nossas classes, que nos 
aproxima do outro, mesmo que esse fato não seja assim 
tão simples, tendo em vista que durante muitos sécu-
los, a surdez, assim como, as demais deficiências, foi 
motivo de exclusão nos moldes mais radicais, desde ser 
O presente artigo tem por finalidade esclarecer 
aspectos relacionados ao sujeito surdo sua cultura e sua 
identidade. Permitir aos leitores conhecimento sobre as 
características do sujeito surdo, seu modo de ser, viver e 
experienciar o mundo. Para tanto, a partir de fragmentos 
de entrevistas, nos quais sujeitos surdos tratam diversos 
aspectos que envolvem a sua cultura, serão trabalhados 
aspectos sociais e educacionais, que permitem ao leitor 
não apenas apreciar o texto, mas aprender e refletir sobre 
a cultura surda em tempos de inclusão, assim como, há 
contribuições relacionadas à experiência da autora com a 
comunidade surda, por meio da convivência, da imersão 
nessa cultura e os significados trazidos a partir da língua 
de sinais nos espaços sociais e educacionais visto que, 
na educação não há conhecimento que encerre em si 
mesmo, ela é um contínuo, na qual há muitos mistérios a 
serem desvendados e outros a serem construídos. 
Palavras-chave:
Cultura. Cultura Surda. Identidade. Língua de Sinais. 
Libras.
Resumo
LIBRAS 
2.
 entregue a morte, a exclusão social de toda a família que 
tivesse em seu meio alguém com deficiência.
Quando falamos nos surdos, relacionando-os à 
educação, destacamos que apenas no século XVI, a 
partir das experiências de Gerolamo Cardano ( STROBEL, 
2008; SACKS, 1990) é que os surdos foram compre-
endidos como sujeitos com capacidade de aprendiza-
gem. Os estudos de Cardano, ressaltando que não havia 
impedimentos para a aprendizagem do surdo, foi con-
siderado um marco para a medicina e para à educação 
de surdos. 
Strobel (2008), Sacks (1990) e Lane (1992), 
instigam-nos a refletir sobre os folclores existentes na 
história da educação de surdos. Cardano é um exemplo 
desses folclores, suas experiência têm como base os 
interesses e o poder. Segundo esses autores a história 
pode estar omitindo o fato de que o primeiro filho de 
Cardano havia nascido surdo, lembremos que, era uma 
época em que ter um deficiente na família era sinônimo 
de exclusão social.
Após a comprovação da capacidade de apren-
dizagem, paulatinamente, investiu-se em educar os 
surdos. A história relata personagens como: Ponce de 
Leon, que ensinou surdos nobres no monastério de 
Oña; Charles Michel L’Epée, que concedeu regras a 
língua de sinais utilizada pelos surdos, em Paris, e fun-
dou a primeira escola pública para surdos na França; 
Gallaudet, que fundou a primeira universidade para 
surdos, em Washington, entre outros personagens que 
marcaram a história e os folclores sobre a surdez e o 
povo surdo. 
Personagens como: Gerolamo Cardano, L’Epée, 
Pedro Ponce de Leon e os demais citados no presente 
artigo, os quais desenvolveram a educação, a língua 
(oral ou sinalizada) no surdo e fizeram de suas vidas um 
marco na educação dos surdos e na história da huma-
nidade.
Destaque maior é atribuído a L’Epée, que divulgou 
para o mundo, a língua sinalizada, possibilitando a for-
mação de profissionais surdos, professores surdos, os 
quais passaram a ocupar cargos cada vez mais elitiza-
dos na sociedade, os métodos de L’Epée eram demons-
trados em praça pública, anualmente, nada sigilosos 
diferenciando-se dos costumes da época.
A língua sinalizada não foi invenção do abade L’Epée, 
ele concedeu regras à língua já utilizada nos encontros 
surdos1, implantou-as na educação para surdos, abriu a 
primeira escola pública para surdos, em Paris, no século 
XVIII, em 1760, sem distinção de classe social.
A língua de sinais francesa serviu de base para as 
demais línguas de sinais no mundo, pode-se afirmar que 
as línguas sinalizadas tiveram seu alicerce na Língua de 
Sinais Francesa, e foram tornando-se personalizadas 
e nacionalizadas com o desenvolver e a aquisição das 
particularidades de cada cultura e das características 
dos surdos de cada país.
No Brasil, em 1855, a convite de Dom Pedro II, 
veio ao Brasil Eduard Huet, professor francês, o qual 
fundou o Instituto Imperial de Surdos Mudos, no Rio de 
Janeiro, que, posteriormente, passou a chamar Instituto 
Nacional de Educação de Surdos (INES); conforme des-
taca Schubert (2012, p. 87), como os demais persona-
gens que investiram na educação de surdos, Dom PedroII tinha no seio de sua família um genro com surdez, 
possivelmente, por esse motivo houve interesse na edu-
cação de pessoas surdas; garantindo, a partir desta edu-
cação, à aceitação social, mas também a manutenção 
do controle, o poder e a honra das elites dominantes, 
visto que ter na família um deficiente era sinônimo de 
exclusão e de vergonha. 
Um personagem que se destacou negativamente 
(na visão dos surdos) foi o médico psiquiatra francês, 
1 No artigo será utilizado muitas vezes os termos: surdo, cul-
tura surda, currículo surdo, pedagogia surda, literatura surda entre 
outros. Isso dá-se porque quando os surdos passam a militar pelos 
seus direitos e pela sua subjetividade, travam suas batalhas visando 
reforçar suas múltiplas identidades, sua cultura e sua língua própria, 
mostra que assume seu jeito próprio de ser, de compreender o 
mundo e de interagir por meio de experiências visuais, entende-se, 
também, como um modo de apresentar à sociedade ouvinte, que há 
necessidade, não somente de adaptações, mas de investimento para 
desenvolver um currículo pedagógico e outros modos que respeitem 
as características que definem os sujeitos surdos. Serão utilizados os 
termos não surdos ou ouvintes, para os sujeitos que ouvem.
A língua de sinais francesa serviu de base para as demais 
línguas de sinais no mundo, pode-se afirmar que as línguas 
sinalizadas tiveram seu alicerce na Língua de Sinais Francesa.
CULTURA SURDA
3.
Jean Itard (1774-1838). Itard ficou conhecido pelo tra-
balho com o menino selvagem, Victor de Aveyron.
O caso de Victor de Aveyron também conhecido 
por: menino selvagem de Aveyron é um dos casos 
mais conhecidos de humanos criados em ambiente 
selvagem. O caso aconteceu na França, em 1797, 
quando Victor foi visto pela primeira vez na floresta 
de Lacaune. Ele rejeitava o contato com as pesso-
as, agia como um animal. Entre 8 e 9 de janeiro 
de 1800, registrou-se o aparecimento de Victor 
em um moinho em Saint-Sernein, no distrito de 
Aveyron. Nas duas ocasiões em que foi encontrado 
estava praticamente nu, apenas farrapos de panos 
velhos cobriam parte de seu corpo. Acredita-se que 
Victor teria sido abandonado na floresta entre seus 
4 e 5 anos. Quando foi encontrado, despertou a 
curiosidade tanto clínica quanto social, pois abriria 
caminho para a compreensão da aquisição da lin-
guagem. Na ocasião em que foi resgatado, ele apa-
rentava ter, aproximadamente, 12 anos e, 1,36 m 
de altura, além de, muitas cicatrizes pelo corpo. Não 
pronunciava nenhuma palavra e parecia não enten-
dê-las, mesmo em pleno inverno, rejeitava roupas, 
bem como o uso de cama, preferindo dormir, dire-
tamente, no chão. Para locomover-se, apoiava-se 
nas mãos e nos pés, correndo como os animais. 
Foi diagnosticado como idiota ( nomenclatura que 
corresponde à deficiência intelectual grave), con-
testado, posteriormente, por Jean Gaspard Itard, 
diretor de um instituto de surdos-mudos, o qual 
destacou que o comportamento de Victor seria 
possível consequência da privação do convívio 
social e da ausência absoluta da educação social 
humana, pois acreditava que a situação concreta 
de abandono e de afastamento da civilização ex-
plicava seu comportamento diferente, contrapondo 
o primeiro diagnóstico. Itard publicou, em 1801, o 
livro A educação de um homem selvagem, no qual 
descreveu as etapas do trabalho de educação com 
Victor, desde sentar-se à mesa, pegar água para 
beber, servir a Itard as coisas de que necessitava; 
quando se divertia empurrando um pequeno car-
rinho e quando começou a ler. Cinco anos mais 
tarde havia aprendido novos hábitos e abandonado 
muitos dos hábitos selvagens, no entanto, não de-
senvolveu a linguagem falada, apenas repetia algu-
mas das falas de Itard, mas não fora exposto a uma 
língua de sinais. Maiores e diferentes informações 
a respeito do caso poderão ser encontradas nos 
links: <http://www.leonarde.pro.br/victoroselva-
gem.pdf>; <http://profissaofessora.blogspot.com.
br/2010/03/victor-de-aveyron-o-menino-selva-
gem.html>; <http://www.faap.br/revista_faap/re-
vista_facom/facom_18/martin.pdf>; <http://www.
educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/cinema/dossier/
meninoselvagem.pdf>. Acesso em: 30 out. 2012. 
Veja o vídeo: O Menino Selvagem. Disponível 
em: <http://www.youtube.com/watch?v=r0_uC-
cX50w>. Acesso em: 30 out. 2012.
O que a história não dá destaque, é que nos regis-
tros do médico, o menino Victor fora desestimulado de 
utilizar a sinalização usual e compreensível que tinha 
para a comunicação. Exposto a língua oral francesa, 
os resultados não foram positivos, mas despertaram 
os interesses do médico em investigar à aquisição da 
linguagem e da cura da surdez; para tanto, ele realizou 
diversas experiências de tortura com surdos, tais como: 
dissecação de cadáveres de surdos, inserção de san-
guessugas nos ouvidos dos surdos, de urina de cabra, 
choques elétricos, entre outros.
Ainda que, a medicina destaque o lado positivo, 
para muitos surdos o doutor Itard é considerado um 
vilão, quando não respeitou a linguagem de Victor como 
ponto de partida para à aquisição de uma nova lingua-
gem e, do mesmo modo colocou em risco crianças 
surdas, tratando-as como cobaias em suas experiências 
desumanas.
Entende-se que Itard, assim como os demais médi-
cos da época, desconsideravam características específi-
cas da pessoa surda como a identidade e a cultura.
Não foi diferente disso a invenção do telefone por 
Grahan Bell, momento que excluiu e, ainda, exclui os 
surdos de alguns cargos administrativos; Grahan Bell 
tinha no seio de sua família pessoas surdas: sua mãe e 
sua esposa. As investigações para amplificação de sons 
podem ter contribuído para o grande invento. 
Foi ele, também, o responsável pela implemen-
tação e imposição do oralismo, como metodologia de 
ensino para surdos, por meio do II Congresso Interna-
cional sobre Educação de Surdos, em Milão, em 1880; 
evento que é comparado ao 11 de setembro, para o 
povo surdo (STROBEL, 2008), pois destruiu-se tudo 
o que eles tinham de mais importante e significativo, 
tudo que haviam alcançado a partir da Língua de Sinais, 
desestruturaram o povo e a comunidade surda, pois ali 
ficou decidido que os surdos não deveriam mais fazer 
uso de sinais ou de gestos. Grahan Bell era um homem 
de influência, filho de educador, de família nobre e de 
http://www.leonarde.pro.br/victoroselvagem.pdf
http://www.leonarde.pro.br/victoroselvagem.pdf
http://profissaofessora.blogspot.com.br/2010/03/victor-de-aveyron-o-menino-selvagem.html
http://profissaofessora.blogspot.com.br/2010/03/victor-de-aveyron-o-menino-selvagem.html
http://profissaofessora.blogspot.com.br/2010/03/victor-de-aveyron-o-menino-selvagem.html
http://www.faap.br/revista_faap/revista_facom/facom_18/martin.pdf
http://www.faap.br/revista_faap/revista_facom/facom_18/martin.pdf
http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/cinema/dossier/meninoselvagem.pdf
http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/cinema/dossier/meninoselvagem.pdf
http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/cinema/dossier/meninoselvagem.pdf
http://www.youtube.com/watch?v=r0_uC-cX50w
http://www.youtube.com/watch?v=r0_uC-cX50w
LIBRAS 
4.
locutores, a opinião dele a respeito do método oral e do 
abandono da sinalização, foi considerada prontamente.
É importante destacar que os surdos, ainda que na 
época, já houvessem profissionais formados, gradua-
dos e mestres, não foram convidados a participar do 
evento.
Após o Congresso, tiraram das escolas os professo-
res e os profissionais surdos, buscando impedir naquela 
e nas próximas gerações o desenvolvimento saudável 
de uma cultura e identidades surdas. As crianças surdas 
eram impedidas de contato com a comunidade surda, 
muitos eram internados em asilos até que se tornassem 
aptos a retornar ao convívio familiar, uma visão deficiente 
das características do sujeito.
O oralismo firmou-se e fortaleceu-se, pensado 
como metodologia de ensino, vigorou por, aproximada-
mente, um século, causando insucesso na vida escolar 
dos surdos,mesmo nos mais oralizados, como a defa-
sagem em termos de compreensão, a exclusão no con-
texto familiar, educacional e social de àqueles que não 
davam conta da oralização eficiente, o desrespeito às 
características e às necessidades do sujeito, com base 
no senso de igualdade e de justiça.
Mesmo com a imposição do oralismo, entendeu-se 
que, onde há surdos, há sinalização, ou seja, privar o 
indivíduo de uma utilização legal e produtiva de seu 
modo singular de comunicar-se, significa privá-lo das 
interações dialógicas com seus pares. Portanto, coexis-
tiu, no meio educacional, o método gestual francês de 
L’Épée e o método oral alemão.
Ainda que, a sinalização fosse mascarada, os sur-
dos, inseridos nas escolas, longe dos cuidadores, faziam 
dessas, um centro da preservação da língua, preser-
vando, ainda que de modo mascarado, escondido e 
disfarçado, características, culturais e saberes para as 
gerações posteriores, prova disso é a subsistência da 
língua sinalizada.
Compreendendo a linguagem existente no sujeito 
e a necessidade de firmar-se em termos culturais e 
identitários, a língua de sinais não se extinguiu, como 
planejavam os opressores. Os surdos mesmo separa-
dos dos pares, com o objetivo de normalização, sinaliza-
vam pelos corredores das instituições, atendendo suas 
necessidades dialógicas.
Após anos de opressão, dá-se início a compreen-
são de que a língua de sinais seria a que melhor atendia 
às necessidades do sujeito, mas não lançavam mão da 
oralização, justificada a princípio de que faria do surdo 
alguém aceitável com melhores condições de se rela-
cionar na sociedade ouvinte.
Mas, quem não consegue comunicar-se afinal? Os 
surdos, ou os não-surdos? 
Foi no início do século XX que se inseriu, no âmbito 
educacional, a comunicação total, por meio da qual a 
língua de sinais passou a ser ‘aceitável’, ficando conhe-
cida como método combinado ou simultâneo, visto que 
se utilizava da soletração, da sinalização, da leitura labial, 
da fala e da amplificação dos sons, tudo ao mesmo 
tempo, no entanto, não foi eficiente para o ensino dos 
surdos.
Dentro da comunicação total encontramos o Bimo-
dalismo, também conhecido como Português Sinalizado 
(no Brasil). Esse método utiliza a língua de sinais, orga-
nizada e estruturada, na gramática da língua oral, no 
entanto, essa estrutura é inadequada, pois não é capaz 
de atender às necessidades comunicativas dos surdos, 
ainda que seja de modalidade visuogestual, pois ela faz 
uso da estrutura, das regras e das bases da língua oral, 
o que a torna incompreensível para os surdos.
A partir dessa observação, das lacunas deixadas 
pelo modelo da comunicação total, os estudiosos come-
çam a investigar a completude da língua de sinais.
Na década de 1960, os estudos de Willian Stokoe 
destacam que a linguagem de sinais atendia todos os 
requisitos necessários para ser considerada Língua; 
desde sua organização, estrutura, gramática e comple-
xidade, quebrando os mitos de que ela estaria subordi-
nada às línguas orais, tornando inadequado continuar a 
chamá-la de linguagem.
Com base na compreensão de língua com suas 
regras e suas singularidades dá-se início à educação 
para surdos, dentro de uma proposta bilíngue de ensino, 
não nos moldes de língua estrangeira oral, mas bilíngue 
e multicultural, a qual o sujeito tem sua língua natural 
(sinalizada, gestual) como língua de instrução, a língua do 
país na forma escrita, mas também suas particularidades, 
sua identidade e sua cultura como ponto de partida para 
o trabalho dentro das instituições educacionais.
CULTURA SURDA
5.
 1.1 Políticas Públicas que 
sustentam o modelo
Como percebemos até aqui a educação de surdos 
passou por momentos de ascensão para o povo surdo2, 
e de insucesso pelas imposições ouvintistas33. Isso por-
que os surdos não conseguiam responder ao modelo 
oral em sala de aula, ou estavam apenas inseridos em 
meio aos ouvintes (nem integrados, nem incluídos), ou 
em classes e escolas especiais com professores que 
também não foram ensinados a trabalhar e/ou a respei-
tar suas singularidades.
A Constituição Federal, de 1988, nos Artigos 205 
a 208 trata sobre uma educação de qualidade, que 
alcance a todos, garantindo o acesso e a permanên-
cia de todas as pessoas na rede regular de ensino; em 
1994, a Declaração de Salamanca, ressalta a necessi-
dade de que as propostas de inclusão deixem de per-
tencer apenas aos registros e passe a fazer parte das 
ações educacionais, ideais que se concretizam aos pou-
cos, mas estão registradas tanto na Constituição (1988), 
como na LDB n. 9.394/96, garantindo o acesso, a con-
tinuidade, o respeito às questões culturais e à educação 
de qualidade, sem distinção, na qual, todos podem estar 
matriculados em escolas regulares e possam receber 
atendimento educacional especializado (Resolução 
CNE/CEB n. 04/2009).
Os surdos viram seus direitos serem marcados, 
significativamente, a partir do ano de 2000, com a Lei 
2 Povo surdo refere-se àqueles que têm a surdez como carac-
terística, não envolve os povos ouvintes, entende-se que são usuá-
rios (ou não) da Língua de Sinais, mas se identificam pela condição, 
pela característica, ou pela singularidade que é o não-ouvir. Diferente 
de Comunidade Surda; a comunidade surda compreende de surdos 
e não surdos (ouvintes), compartilham ideias e a língua de sinais, 
lutam por objetivos comuns, como a divulgação e a valorização da 
língua de sinais, o respeito aos surdos em suas características, cul-
turais e múltiplas identidades, entre outros fatores. O povo surdo não 
envolve pessoas que ouvem, mas a comunidade é formada por pais, 
familiares, amigos, estudiosos, curiosos, sejam eles surdos ou não 
surdos, o que vale é compartilhar, envolver-se, participar e interagir 
com respeito e por meio da língua de sinais.
3 Podemos compreender por ouvintismo, quando o sujeito 
surdo é obrigado a se olhar e se narrar de acordo com um referencial 
de ouvinte, a busca por uma normalidade mascarada; os ouvintes 
impõe-lhe um modo de ser, de comportar-se, de comunicar-se, com-
preendendo como melhor para o sujeito, aquilo que a maioria (no 
caso, os que ouvem) pode compreender. E, ouvintista é aquele que 
faz valer tais ideias, oprimindo, impondo, excluindo a cultura do surdo. 
Pode-se informar melhor sobre o termo em Skliar (1999 e 2005).
de Acessibilidade (Lei n. 10.098/00), garantindo seu 
direito ao intérprete de Língua de Sinais Brasileira ou 
Língua Brasileira de Sinais (Libras) nos diferentes espa-
ços sociais, assim como, a valorização de sua língua 
como meio principal de expressar-se; posteriormente 
a Lei n. 10.436/02, oficializa a língua de sinais Libras 
como segunda língua oficial do Brasil, ambas regula-
mentadas pelo Decreto n. 5.626/05.
Apesar da oficialização da língua de sinais ser um 
grande acontecimento, o Decreto é quem efetiva as 
ações; traz a obrigação de que as instituições contratem 
profissionais conhecedores da língua de sinais, insere a 
obrigatoriedade da disciplina de Libras nos cursos de 
formação de fonoaudiólogos e de professores (para 
exercício do magistério, em nível médio, ensino superior 
ou pós-graduação), mas não deu conta de regulamen-
tar duração, conteúdos e necessidades dessa disciplina, 
permitindo que cada instituição defina e organize como 
melhor lhe aprouver, deixando, ainda, lacunas na inser-
ção da Libras.
Como ação positiva, destacamos que o Decreto 
n. 5.626/05, Capítulo 1, Artigo 2, trouxe a luz quem 
são os sujeitos e como compreendê-los:
Art. 2. Para os fins deste Decreto, considera-se 
pessoa surda aquela que, por ter perda audi-
tiva, compreende e interage com o mundo por 
meio de experiências visuais, manifestando sua 
cultura principalmente pelo uso da Língua Bra-
sileira de Sinais - Libras.
§ Único. Considera-se deficiência auditiva a 
perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e 
um decibéis (dB) ou mais, aferida por audio-
grama nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 
2.000Hz e 3.000Hz (BRASIL, 2005).
Assim, nãonos cabe discutir se é esta ou aquela 
característica que melhor define os sujeitos, visto que 
tanto o surdo, quanto o deficiente auditivo são identifi-
cados pela perda auditiva, mas as experiências, o uso 
da língua de sinais e a própria cultura é que permitirá 
que o sujeito se defina, ou seja; não está nas mãos dos 
clínicos, ou dos profissionais da educação dizer se o 
sujeito deve ser considerado deficiente auditivo (D.A.) 
ou surdo, compreende-se, agora por meio da Lei, que 
perdas auditivas são características de ambos em ter-
mos clínicos e normalizadores, mas em termos culturais, 
o sujeito é capaz de se autodefinir, cabe-nos acatar.
LIBRAS 
6.
Para subsidiar a formação dos sujeitos surdos 
o intérprete de Libras passa a ser reconhecido como 
profissional, conforme a Lei n. 12.319/10, até então, 
não havia garantias legais para o profissional intérprete 
de Libras, nem uma definição de sua função, a Lei foi 
aprovada em 1º de setembro de 2010.
Essa breve apresentação das políticas públicas que 
envolvem o surdo, nos permite observar o quanto é 
recente a busca pela compreensão das características, 
da cultura e da identidade dos surdos no Brasil.
Mas, como sugere nossa disciplina, necessitamos 
adentrar no tema e esclarecer o que é cultura e o que é 
cultura surda, a qual traremos a seguir.
 2 . Cultura e cultura surda
Para compreendermos os objetivos da disciplina, 
precisamos, primeiro, compreender o que é cultura. 
Segundo o Abbagnano (2007, p. 261-265), cultura 
tem dois significados básicos, o primeiro e mais antigo 
está relacionado ao refinamento do homem, a sua for-
mação. O segundo indica o produto da formação, os 
modos de pensar, de viver, de relacionar-se, cultivados, 
civilizados e polidos.
Hoje o significado é utilizado para indicar um con-
junto de modos de vida adquiridos e transmitidos pelos 
membros de uma determinada sociedade, de uma 
geração à outra; uma formação coletiva, anônima. 
Portanto, cultura é um termo que pode designar 
tanto as formas mais progressistas de civilização até as 
mais primitivas, há uma diversidade de definições explo-
radas para explicá-la. E, como esse termo é definido 
por diferentes estudiosos, e não esgota em si mesmo, 
utilizaremos as definições de Álvaro Vieira Pinto.
Pinto (1979), define cultura enquanto criação 
humana resultante da contradição principal do homem, 
àquela existente entre ele e a natureza; uma coletânea 
no processo de hominização4, ou seja, o homem altera 
4 Trata-se do desenvolvimento evolutivo do homem, carac-
terísticas que o diferencia dos primatas, até chegar ao homem 
atual ou ao homem contemporâneo. Para maiores informações 
consultar: SANTOS, L. N. A. o Processo de Hominização do 
Sujeito: reflexões iniciais. Ponto de Vista. Florianópolis, v. 1, n. 
1, jul/dez. 1999. Disponível em: <http://www.perspectiva.ufsc.br/
pontodevista_01/10_santos.pdf>. Acesso em: 19 ago. 2012.
os meios, produz cultura, ciência através do processo de 
sua formação como ser biológico; ele é capaz de trans-
formar e de inovar as operações exercidas sobre a natu-
reza. Os atos acumulam-se na consciência comunitária 
e os resultados favoráveis são recolhidos, conservados 
e transmitidos a outras gerações.
As inúmeras teorias sobre cultura são consequên-
cias do processo de modificação da sociedade e das 
relações sociais; cada teoria resulta de uma história 
particular, portanto, não se chega a um único e exato 
significado do termo.
Compreende-se que, a cultura molda os sujeitos 
e, segundo Pinto (1979), é o processo pelo qual o 
homem acumula experiências; ele produz cultura por 
uma necessidade existencial, apropria-se dela e por 
meio dela postula as finalidades de sua ação.
Nos tempos atuais o homem em vez de dominar 
a cultura, aliena-se a ela, que se torna superior a ele; 
assim ficam aparentes algumas consequências dessa 
alienação, um exemplo é tomar por culto àquele que 
cultiva valores culturais alheios. 
Quando isso acontece, o homem se torna um bem 
de produção não para si, mas para o outro; converte-se 
em instrumento de utilização alheia, estabelece-se um 
regime de convivência injusto e desumano; aparecem 
às desigualdades, surgem às classes sociais, é o duplo 
caráter de cultura: bem de consumo e bem de produ-
ção, no qual derivam as desigualdades sociais.
Cultura é uma síntese da dupla capacidade que 
o homem adquire de agir fisicamente; a união de 
modos opostos de ser e de se produzir. A unificação 
entre os dois lados da cultura, o homem cumpre pelo 
fato de existir. 
Somente o homem na sua atividade construtiva cria 
a cultura; portanto ela é um atributo sempre humano, 
no qual o homem atua sobre o mundo, faz-se a si 
próprio e cria produtos e condições necessárias para 
conservar-se; é ele quem produz tanto a cultura quanto 
a sociedade e é produzido por ela.
No entanto, quando passamos a discutir cultura surda, 
não deixamos de lado as definições existentes e tomamos 
uma nova; os conceitos existentes são considerados e 
particularidades, dos surdos, são acrescidas a ela.
http://www.perspectiva.ufsc.br/pontodevista_01/10_santos.pdf
http://www.perspectiva.ufsc.br/pontodevista_01/10_santos.pdf
CULTURA SURDA
7.
Álvaro Vieira Pinto (1979) fala da cultura como 
ação inteligente do homem, está no meio, transforma e 
é transformado por ele, fato que nos permite compre-
ender que se os surdos têm um modo particular de agir, 
de ser, de interagir, também, produzem cultura, segundo 
suas especificidades, transformam por meio de sua pro-
dução e são transformados por ela. 
Portanto, tratar da cultura surda, é falar de algo tanto 
particular quanto geral, tanto individual, quanto coletiva; 
é transformar pensamentos e ações, algo em constru-
ção a ser desvelada. Existe mesmo uma cultura surda?
Os surdos percebem o mundo pela experiência 
visual, compartilham experiências com outros sujeitos 
surdos e com isso podem ser identificados como per-
tencentes a um povo de língua e de cultura singulares; 
compartilham da Língua de Sinais, valores culturais, 
hábitos e modos de socialização próprios.
Segundo estudos de Perlin (1998, 2003, 2004 
e PERLIN; STROBEL, 2006), a cultura surda envolve 
hábitos, costumes, valores, artes, identidades, Língua de 
Sinais, entre outros fatores e artefatos culturais. É a cul-
tura surda que impulsiona o sujeito surdo em direção 
a si, a seu modo de ser e de experienciar o mundo, 
distanciando-se das práticas discriminatórias, que por 
longo período histórico mantiveram os surdos como 
minorias, na subalternidade do contexto social.
Com o reconhecimento de que existe um modo 
próprio de ser surdo, a partir dessa percepção de si, o 
sujeito surdo vem construindo suas identidades5, dife-
rente da hegemonia ouvinte. 
Para Strobel (2008), a cultura surda, assim como, 
a cultura geral, pode ser compreendida pelo menos 
em duas categorias: cultura material e não material, 
ou seja, há inúmeros artefatos culturais que devem ser 
evidenciados.
Da cultura material fazem parte – os instrumentos, 
os equipamentos e as tecnologias como: TDD, viável 
(ou viable), aparelho celular para mensagem de texto, 
MSN, instrumentos luminosos como campainha, sinais 
de trânsito, informação luminosa, sinalizadores em casa 
5 Não existe uma única identidade surda, mas são múltiplas 
identidades. Para entender melhor as identidades surdas leia Perlin 
(1998, p. 51-73).
e nas escolas onde há surdos, despertadores na função 
“vibra”, close caption (legenda na televisão), babás sina-
lizadores (eletrônica), janela com Libras na televisão, o 
intérprete de Libras6, entre outros.
A cultura não material envolve: pedagogia surda, 
literatura surda, currículo surdo, história cultural e a 
Libras.
Mas, como compreender melhor a cultura surda? 
Quais as características dos sujeitos e o que nos importa 
compreender quando relacionado à educação?
 2.1 Cultura surda
A cultura surda sempre foi motivo de debates, 
marcada por muitos estereótipos, bases que buscavam 
estabelecer uma compreensão nos referenciaisouvin-
tes, impondo uma normalização que limita, impede e 
torna o sujeito portador de uma deficiência. Portador, 
porque a deficiência no surdo e a falta de credibilidade 
na existência de uma cultura surda, dá-se pelo conhe-
cimento limitado que se tem sobre os surdos e suas 
características, seus potencialidades, suas necessidades 
e sua subjetividade, assim sendo, não é nada surpreen-
dente que ainda se diga que não há cultura surda, afinal 
na sociedade atual, não se valoriza a cultura do outro 
que são julgados como ‘diferentes’.
Certamente, não se trata de uma cultura única e 
homogênea, um único modelo, assim como, a iden-
tidade, a cultura surda é multifacetada, e traz consigo 
especificidades, as quais definem a cultura surda e vão 
além da língua de sinais, como veremos a seguir.
Cultura Surda é transformação, despontar e desper-
tar, permitir que as novas gerações de surdos possam 
fazer uso e aprimorar os instrumentos e a historicidade 
vivida, desenvolvida e acumulada pelas gerações ante-
riores. Ela modifica-se, atualiza as mudanças na própria 
língua de sinais, o modo de ser surdo hoje, de lutar pelos 
direitos, de exercer e buscar sua cidadania, seu lugar 
no mundo do trabalho para além da linha de produção. 
6 Língua Brasileira de Sinais ou Língua de Sinais Brasileira, 
ambos os termos são utilizados, no entanto, Sassaki destaca que 
o termo mais correto é Língua de Sinais Brasileira. Para compreen-
der melhor leia o texto de Romeu Kazumi Sassaki, em seu material 
complementar ou no site: Disponível em: <http://www.pjpp.sp.gov.
br/2004/artigos/22.pdf>. Acesso em: 19 set. 2012.
http://www.pjpp.sp.gov.br/2004/artigos/22.pdf
http://www.pjpp.sp.gov.br/2004/artigos/22.pdf
LIBRAS 
8.
Faz-nos compreender que a cultura, aquela que tira o 
homem da zona de conforto e faz dele mais humani-
zado, mais sábio, aparece cada dia mais por intermédio 
das mãos dos sujeitos surdos.
Quem não conhece os surdos, não vai além do que 
diz o senso comum, um olhar pouco treinado, irá visuali-
zar apenas o que lhes falta, ou seja, uma deficiência que 
impede o sujeito de ouvir. Mas, esse sujeito que ouve não 
se dá conta de uma autoavaliação da deficiência que o 
impede de ouvir o modo singular que o outro (o surdo) tem 
de dizer as coisas, de comunicar-se, de expressar-se.
Cabe questionar: onde está à deficiência? Quando 
os surdos são capazes de fazer leituras labiais (que 
são estressantes), treinamentos para a fala, no entanto, 
aquele que ouve, o não-surdo, ainda permanece, ape-
nas, no apontamento do que foge a norma.
Para compreender os surdos, para longe da visão 
deficiente formada através dos tempos, vamos iniciar a 
discussão das características surdas.
 2.1.1 Cultura e características 
surdas: família, 
relacionamentos e 
desenvolvimento 
da linguagem
As maiores dificuldades dos sujeitos surdos estão 
no relacionamento familiar, isso porque cerca de 95% 
dos nascidos surdos, pertencem à famílias ouvintes.
O relacionamento familiar pode ser o primeiro local 
(mascarado) de exclusão, e de preconceito da criança 
surda, pois é no seio familiar que a criança tem o pri-
meiro contato e, geralmente, ela é vista como defeituosa, 
manchada, impura, fato que nem sempre é consciente. 
Desde que nasce o sujeito está condicionado a 
investigações, treinamentos de fala e de imposições 
ouvintistas7, tende a passar a maior parte do tempo 
7 Segundo Skliar (1999; 2005), ouvintismo é o modo de olhar 
e narrar o sujeito, tendo como ideal a normalização, as imposições 
ouvintistas, tendem a impor o modelo de quem ouve, da sociedade 
em sua maioria ouvintes, como o mais apropriado, assim os surdos 
são obrigados a aprender, a conviver e a desenvolver-se como se 
fossem ouvintes. Imposições ouvintistas limitam a cultura e impedem 
o desenvolvimento sólido de uma identidade surda no sujeito
nas mãos de clínicos que durante muitos séculos 
vêm ditando regras, de como e com quem devem se 
relacionar, qual o melhor modelo de linguagem e até 
mesmo, como deverá ser ensinado. Fato que discutire-
mos mais adiante.
Quando na família surda nasce um filho ouvinte, 
não há choro, nem luto, há uma preocupação em ensi-
ná-lo a língua majoritária, o respeito a identidade de 
quem ouve.
Assim, pais surdos ensinam seu filho a ser bilíngue, 
a criança cresce estimulada ao uso das características 
visuais, que fazem parte da cultura daquela família, mas 
não restrita ao uso da língua de sinais, pois os pais têm 
consciência de que o filho deve aprender a se comu-
nicar com eficiência na língua oral, sem desprezar as 
características dos pais. 
Há interação entre os membros da família e respeito 
às características do filho que ouve; mas, ao contrário do 
que pensa a sociedade, os filhos de surdos nem sempre 
tornam-se intérpretes, ou são usados como tal. 
Devido à história de subalternização de identidade e 
de cultura, de exposição a intensos treinamentos de fala 
e de leitura labial, os surdos estão habituados a enfrentar 
a sociedade tal como ela é.
Ainda que, almejem mudanças e lutem pela efeti-
vação das leis que já estão regulamentadas, os sujeitos 
surdos vão aos mais diversos lugares na sociedade, 
buscam modos de comunicar-se e fazer-se entender, o 
que demonstra que não é o nascimento do filho ouvinte, 
o sinônimo de libertação e de comunicação social para 
o surdo, esta batalha comunicativa, ele já deu conta de 
resolver. 
Um filho ouvinte para família surda é, simplesmente, 
o nascimento de “um filho”, será amado e respeitado; 
quem o sufoca é a sociedade, a qual diz que ele será 
um futuro intérprete para os pais e para os outros, ao 
estabelecer o estereótipo pelo senso comum. 
Quando o contrário acontece e nasce um filho 
surdo em uma família de ouvintes, ele, normalmente, 
é privado das interações sociais que atendam às suas 
necessidades e às características visuais, ou seja, ele é 
obrigado a modificar seu modo de interagir e de expe-
rienciar o mundo.
CULTURA SURDA
9.
Ao nascer uma criança surda, em lares de ouvin-
tes, até, aproximadamente, os seis meses de idade 
desenvolve-se sem diferenças acentuadas, após esse 
período, as diferenças começam, pois as primeiras pala-
vras, normalmente, não surgem com naturalidade como 
nos não-surdos, a linguagem dá-se de modo limitado ou 
com defasagem, geralmente, lhe é oportunizada pouca 
ou nenhuma exposição a língua de sinais.
Filhos surdos, nascidos em famílias surdas, iniciam 
precocemente a comunicação, ou melhor; iniciam a comu-
nicação sinalizada, naturalmente desde o nascimento8, 
estimuladas pelos pais, capazes de esclarecer suas dúvi-
das, suas curiosidades; sentem-se pertencentes à socie-
dade, sua autoestima e sua identidade fortalecem-se, eles 
sentem-se mais seguros, pois convivem com iguais.
Surdos nascidos em famílias de surdos têm suas 
características respeitadas, suas primeiras palavras 
surgem naturalmente, lhes são ensinados valores e 
comportamentos. Eles aprendem a cultura dos pais, 
desenvolve-se sem empecilhos, até mesmo em termos 
educacionais, pois as interações e a afetividade estão 
presentes. Ele não é tido como anormal, nem é cobrado 
por modos e por atitudes que não condizem com suas 
características.
Surdos têm como principal característica as expe-
riências visuais. Ser visual, ter um olhar bem trabalhado, 
faz parte da anatomia do sujeito, não utilizando aqui uma 
teoria inatista, mas tal característica está reconhecida, 
como já vimos, no Decreto n. 5.626/05.
Quando entendemos que o sujeito necessita ser 
respeitado e compreendido como um sujeito de carac-
terísticas visuais, minimizamos as barreiras impostas 
durante séculos. 
A fim de melhor definir o surdo, ressaltamos que ele 
é visual, detalhista e capaz.
Detalhista ao extremo, principalmente, nos primei-
ros encontros, pois ao encontrarem com uma pessoa 
surda ou ouvinte, pela primeira vez, o sujeito passará 
por um interrogatório, natural para a cultura surda, no 
entanto, para a cultura ouvinte (não-surda), pode causar 
estranhamento. 
8 Assistaao vídeo postado sobre comunicação com o filho 
surdo. Conversa com Bebê em Libras: língua brasileira de 
sinais. Disponível em: <http://youtu.be/OqOBKWi2Ak0>. Acesso 
em: 28 ago. 2012.
Geralmente, na sociedade ouvinte, tememos per-
guntar e ensinamos os filhos a manterem os ouvidos 
atentos, mas a boca fechada. Crescem sendo policiados 
quanto ao que consideram politicamente correto, nosso 
modo de relacionar, de responder, nossa leveza nas 
palavras, forma indireta de interagir com o outro, com 
o que dizemos, ou seja, a comunidade ouvinte tende a 
ser polida ao extremo, a ser educada na comunidade 
que ouve. Geralmente, a comunidade ouvinte tende a 
ser ensinada sobre o que dizer em determinado tempo 
ou lugar. Os surdos por serem sujeitos visuais, trabalham 
com um modo de memória que dá especial atenção 
aos detalhes, tornam-se “detalhistas” e esse é um dos 
principais conflitos de cultura. No primeiro encontro 
questiona, pergunta tudo, reserva na memória todos os 
aspectos relevantes da pessoa que conheceu, como, 
por exemplo, o modo de vestir, a idade, detalhes de seu 
humor, dados pessoais que você lhe permitiu alcançar.
É claro que a cultura da comunidade ouvinte, tende 
a questionar tal atitude, no entanto, para os surdos 
essa atitude é normal, visto que para eles é necessário 
conhecer bem e profundamente a pessoa. 
A partir daí inicia-se um relacionamento, no qual 
o sujeito conhece seus detalhes, sua personalidade e 
suas características próprias, que apenas o olhar bem 
trabalhado e desenvolvido é capaz de definir, como, 
por exemplo, mudanças de humor (alegria, tristeza, 
irritabilidade), problemas de ordem particular, mudança 
comportamental, mudanças físicas mesmo que míni-
mas, detalhes que passariam despercebidos se não fora 
sua capacidade de compreender e de interagir com o 
mundo por meio das experiências visuais. 
Não é estranho quando um professor entra em sala 
com um leve corte no cabelo e os surdos prontamente 
questionam o corte que fez, ou quando dão destaque 
ao humor do professor apenas ao observar o uso de 
determinada roupa, modelo ou cor, o surdo é capaz de 
descrever o estado de espírito do professor, portanto, 
baseada na observação dos detalhes de vestimenta, ou 
da altura do salto, a cor do batom, detalhes que não 
marcam a comunidade ouvinte, visto que eles, normal-
mente, concentram sua atenção em outros tipos de 
habilidades.
Não faz parte das preocupações dos surdos, o tipo de 
perda auditiva, de grau, de níveis. Isso é notável também 
http://youtu.be/OqOBKWi2Ak0
LIBRAS 
10.
quando se conhece um grupo surdo e se questiona, qual 
o nível de perda, no máximo receberemos respostas tais 
como: “nasci surdo” ou “fiquei surdo porque tive uma 
doença”, dificilmente se escuta a resposta: “minha perda 
é de mais de 41dB bilateral, devido a uma perda con-
dutiva”. Tais informações são de interesses clínicos, nada 
tendo haver com às necessidades interativas e dialógicas 
no contexto educacional ou familiar, são bases para trata-
mento e não modo de interagir ou de ensinar.
Strobel (2008, p. 39), destaca que surdos per-
cebem com os olhos tudo o que ocorre ao seu redor, 
desde os latidos do cachorro (pelo movimento da boca) 
ou mudanças por expressão corpóreo-facial bruta. Por 
exemplo: quando estoura uma bomba e faz um estrondo, 
todo o ambiente se altera, quando cai um objeto no 
chão, os surdos são capazes de perceber, pois seus 
olhos fazem uma substituição total aos ouvidos, ou seja, 
eles são capazes de identificar tudo aquilo que acontece 
no ambiente. 
Como são visuais e detalhistas, é comum que os 
surdos filhos de ouvintes, quando crianças, tenham a 
autoestima comprometida, ou seja, baixa, isso porque 
eles não convivem com outros surdos, pessoas com o 
mesmo modo de comunicar-se, não é comum seus pais 
terem amigos surdos, ou os colocarem em contato com 
a comunidade surda; isto porque nem sempre a família 
é esclarecida quanto às necessidades culturais e iden-
titárias do filho surdo, mas apenas quanto as questões 
clínicas, de reabilitação ou de normalização.
Como a única referência está no seio familiar, com 
ouvintes, suas curiosidades infantis, ou da adolescência, 
não são respondidas, nem todas as suas necessidades 
são satisfeitas, passam a ver o mundo homogêneo, no 
qual ela é a única desigual. 
Strobel (2008, p. 40) descreve que sem contato 
com o mundo surdo e com adultos surdos é comum 
que as crianças surdas acreditem que irão morrer em 
breve, ou que não crescerão, visto que ao seu redor, na 
vida cotidiana, todos são ouvintes, até mesmo os ani-
mais o são, somente ela é diferente.
A criança surda em família ouvinte, a qual restringe 
seu contato com a comunidade ou com povo surdo, pri-
va-a do vínculo identificatório. Ela pode pensar, inclusive, 
que não existem pessoas iguais a ela, pode passar por 
dúvidas não sanadas, suas reflexões podem lhe causar 
angústias, as quais ela não saberá expor aos pais, as 
características surdas estarão presentes nela, ainda que, 
a família negue sua condição.
Para nos aproximar do que intentamos explicar, 
basta refletir no nascimento de uma criança, quando 
os familiares vêm visitá-lo, ouve-se muitas frases de 
elogios, de bênçãos, comparações pela aparência com 
a família entre outras. No entanto, quando nasce uma 
criança surda e a família está consciente disso, os ami-
gos e os familiares, não sabem bem como se comportar 
frente ao “problema”, assim ao visitarem preocupam-se 
mais em saber detalhes, dar conselhos e estímulos aos 
pais, falar dos melhores tratamentos e tecnologias de 
amplificação sonora.
Os surdos nascem e desenvolvem o olhar apu-
rado, substituem os ouvidos pelos olhos, observam tudo 
desde os primeiros contatos pós-útero; são capazes de 
um desenvolvimento saudável, normal9 se suas especi-
ficidades forem tratadas com respeito.
Por isso, os surdos destacam, metaforicamente, 
que ao nascer um filho surdo “parece que nasce apenas 
uma orelha” e essa orelha é problemática, deficiente, 
precisa de cuidados, tratamento, ninguém lhe diz o 
quanto é bela, desde o princípio.
A maior parte (lembrando que há exceções) dos 
familiares aguardam que a pessoa surda oralize para, 
então, iniciar o ensino dos valores, dos comportamentos, 
das conversas, dos elogios, da ética e do amor, lem-
brando que a oralização eficiente poderá não acontecer.
Enquanto são crianças, ainda nos primeiros anos 
de vida, respeitam e atendem a tudo que lhes é imposto 
mas, a medida que crescem e se desenvolvem, tendem 
a buscar um grupo que valorize suas características sur-
das, pois nem sempre os valores familiares, a importân-
cia do relacionamento em família, foram significativos 
9 Não utilizamos normal, no sentido discriminatório, com intenção 
de dizer que o surdo é menos normal que o ouvinte, nem ao menos 
de indicar deficiência, mas para destacar que a exclusão não permi-
tirá uma vida, um desenvolvimento saudável, normal para o sujeito, 
ao contrário, poderá reprimi-lo, segregá-lo ou até mesmo excluí-lo. 
Normal seria que o sujeito pudesse crescer em contato com a cultura 
dos pais (se ouvintes) e com a cultura surda, assim poderia definir sua 
identidade, com vínculos saudáveis, suas dúvidas seriam sanadas e 
suas necessidades, culturais, linguísticas e identificatórias, bem como 
curiosidades seriam, prontamente, atendidas e respondidas.
CULTURA SURDA
11.
e assim, é comum que na adolescência, encontrem 
grupos que acolhem, aprendem ou utilizam uma língua 
sinalizada (surdos ou ouvintes sinalizadores), que lhe 
dedicam atenção e apoio, portanto, é comum relaciona-
rem-se e apegarem-se a esse grupo, independente de 
laços anteriores, valores ou crenças.
Um exemplo, entre muitos, foi o dia em que eu fui 
convidada a participar de uma reunião com os pais de 
uma estudante, adolescente de dezesseis anos, bem 
oralizada, a mãe da estudante estava visivelmente aba-
tida, visto que a filha sempre fora educada, carinhosa, 
seu relacionamento com a família era admirável. A ado-
lescentehavia encontrado com um grupo de adoles-
centes não-surdos que aprenderam a língua de sinais e 
iniciaram um relacionamento de amizade com ela.
Esse fato levou a adolescente a compreender 
aquele grupo como ideal, pois nele encontrava conforto, 
consolo, interação. Ela acreditava ser melhor estar ali do 
que com a família, passou a comportar-se como o grupo 
comportava-se e a desprezar o convívio com a família.
Com o passar do tempo, não dava mais atenção 
aos conselhos dos pais e começou a beber, sair a noite, 
desrespeitar ordens, horários e a agredir os pais fisica-
mente, acusando-os de não amá-la.
O assunto foi relatado à comunidade escolar, visto 
que a estudante se recusava a conversar com a família 
pela oralização, ela começou a usar em casa apenas a 
língua de sinais, pois, compreendia que se seus colegas 
aprenderam e a utilizavam, a família, também, teria con-
dições de aprender.
Para surpresa da família, quando a mãe a acusou 
de agressão e mostrou as inúmeras marcas roxas pelo 
corpo, a filha respondeu: “Bati, sim! Mas porque ela 
bateu primeiro! Quem ela pensa que é?”. Deste modo 
percebe-se o sentimento de não pertencimento, ainda 
que, aquela mulher a tivesse criado e fosse sua mãe bio-
lógica, ela esqueceu de fatores primordiais, tais como: 
ensinar valores e relação de alteridade a filha, coisas 
que são ensinados aos filhos desde o nascimento, até 
mesmo a partir do modo de olhar.
O fato de a adolescente ser oralizada não foi sufi-
ciente para que a língua oral fosse capaz de ensinar-lhe 
o principal. No entanto, ao conversar com a estudante 
por meio da língua de sinais, explicando as condições 
do grupo, ao qual estava agregada, bem como a neces-
sidade de respeito aos seus pais, esclarecendo dúvidas 
simples ligadas à família e aos valores, foi fundamen-
tal para que houvesse uma modificação gradativa no 
comportamento da adolescente, assim como, a inserção 
dos pais em curso básico de língua de sinais, o que 
deu a eles autonomia para resolver situações e conflitos 
familiares sem exposição. Coisas simples que ela não 
conseguia compreender, pois não eram ditas por meios 
que ela pudesse compreender.
Claro que você enquanto não-surdo, deve estar 
questionando-se, “Impossível! Todas as pessoas com-
preendem que os pais são autoridades em casa!”. Nós 
somos seres sociais, Marx e Engels (1996), destaca que 
todos nós indivíduos, nos tornamos indivíduos a partir da 
vida social e somente na sociedade podemos isolar-nos; 
o que demonstra que somente nas relações é que nós 
nos constituímos como seres históricos sociais, interagi-
mos, damos e recebemos sentidos e significados para as 
coisas e para as próprias relações que estabelecemos.
Portanto, se ninguém diz ao sujeito quem eu sou 
e quem ele é, muitos equívocos surgem na relação e 
muitas lacunas relacionais permanecem.
Exemplos ainda mais sérios dar-se-ão quando 
nos anos finais do ensino fundamental são trabalhados 
com genealogia e, ao questionarem aos surdos sobre o 
nome de seus pais, normalmente, a resposta falada ou 
sinalizada é: “PAPAI... MAMÃE...”.
A leitura que podemos fazer é de não pertenci-
mento, por isso ao encontrar um grupo com afinidade, 
normalmente, por intermédio da língua de sinais, os sur-
dos tendem a investir e dedicar-se inteira e intensamente 
a ele. Seu comportamento e suas ações são, em con-
sonância, com o grupo, seus princípios e objetivos. Isso 
porque as crianças e os adolescentes surdos dificilmente 
encontram modelos satisfatórios dentro de sua família, 
que sejam capazes de criar e de desenvolver vínculos.
A sociedade e a família dedicam seu tempo em 
práticas normalizadoras, investimento em tecnologias, 
aparelhos de amplificação para aproximar o surdo do 
ideal ouvintista. No entanto, muitas dessas práticas, nor-
malizadoras, vão sendo deixadas de lado pelos surdos 
ao longo da imersão na cultura surda. Vejamos, a seguir, 
os hábitos, os costumes e os estigmas que envolvem 
os surdos.
LIBRAS 
12.
 2.2 Hábitos, Costumes 
e Estigmas
Lane (1992, p. 21-22) destaca que a sociedade é 
que os faz sofrer de surdez, nenhum surdo sofre pelo 
fato de ser surdo, mas é o olhar social de misericórdia e 
de deficiência que faz com que pensemos assim.
Na sociedade a surdez é estigmatizada, sendo que, 
o estigma é sempre algo relativo; um exemplo é que 
na sociedade excludente e capitalista em que estamos 
inseridos, a linguagem bem elaborada, a boa articulação 
na fala é privilegiada, “[...] no estereótipo ouvinte, a sur-
dez representa a falta e não a presença de algo” (LANE, 
1992, p. 23).
Tanto é estigmatizada que se faz comum, quando 
alguém não compreende, o que o outro diz, utilizar-se 
da frase: “você parece surdo”, ou estava conversando 
com ele, mas parecia um “diálogo surdo”, quando não 
há compreensão mútua; fato que não representa de 
modo algum a surdez, ou os surdos.
Quando estão em grupos, os surdos conversam 
por meio da língua de sinais, riem, brincam, provocam, 
existe comunicação com compreensão, diferente dos 
estigmas e dos estereótipos construídos socialmente. 
Observemos o seguinte depoimento, retirado de Lane 
(1992, p. 23):
quem é surdo não pode ter a mesma orien-
tação e segurança no seu ambiente que nós 
temos no nosso, com certeza, que não podem 
apreciar a música, dizemos a nós próprios; nem 
participarem numa conversa, ouvir anúncios ou 
utilizar o telefone. A pessoa surda anda à toa, 
parece que está numa redoma; existe uma bar-
reira entre nós, por isso o surdo está isolado.
Esse é o modo como a sociedade percebe o surdo, 
um sujeito isolado e só. No entanto, não é isso que 
acontece nas comunidades surdas. 
Os estereótipos relacionados aos surdos trazem 
o sujeito como: pobre, ingênuo, com comportamento 
infantil, pronto para trabalhos que não exigem muito 
raciocínio, pois entendido como doente e deficiente, tem 
direito a nossa tolerância, compaixão e auxílio, segundo 
Lane (1992, p. 24), os surdos, considerados muito 
desenvolvidos, ou excepcionais, são aqueles capazes 
de ler os lábios e de falar, pois assim se tornarão um 
sujeito “distinto e elegante”.
As comunidades surdas não estão isoladas, por isso 
ao fazer parte de uma comunidade surda, percebe-se que 
não há comportamento infantilizado, nem sujeitos limitados 
intelectualmente pelo fato de que não ouvem, portanto, 
nada lhes falta. Na comunidade surda nem mesmo os não-
surdos (ouvintes) são excluídos, a adesão de novos mem-
bros não é decidida por meio de laudos ou de diagnósticos.
Por falarmos em diagnósticos, é necessário conside-
rar que são esses, parte integrante do trabalho dos profis-
sionais clínicos, que trazem consigo moldes estigmatiza-
dos, rotuladores, que envolvem um numeral, um gráfico 
de perda auditiva significativa ou não, no entanto, como 
destaca Lane (1992, p. 38), nada, ou quase nada tratam 
sobre as características dos surdos. Ou seja, os diagnós-
ticos rotulam os surdos e nada falam sobre a percepção 
visual, os modos como os surdos pensam, raciocinam, os 
melhores meios de ensiná-lo, considerando suas particu-
laridades e as características que definem o sujeito.
Quando nos deparamos com um modelo conside-
rado de deficiência ou de enfermidade, tendemos a não 
dar o valor necessário ao modelo cultural, pois o rótulo 
tem seu próprio ritual de poder, indica quem e como 
devemos tratar.
Nas comunidades surdas descobrimos um mundo às 
avessas, para os que ouvem, a objetividade nas ações e 
nos discursos são parte notória do povo surdo. Não espere 
que os surdos façam “rodeios” para dizer-lhe algo. 
Os surdos são diretos e objetivos, diferente do 
mundo ou da sociedade ouvinte, onde se é condicio-
nado a comportamentos como: o que e de que modo 
devemos dizer ao outro uma determinada verdade; por 
exemplo, se achamos que alguém está mal vestido, ou 
se alguém diz, ao apresentar-nos a outro, que é muito 
amigo e na verdade não o é, geralmente, mantemos 
certa discrição, ainda que não seja verdade, ou seja, 
nada dizemos, não interferimos dizendo: “não é bemassim, somos apenas colegas”.
Já, para os surdos, tudo é dito, não há meias verdades 
e, dificilmente, algo é mantido em profundo sigilo. Pronta-
mente sinalizariam que sua roupa não está combinando, 
ou que vocês são apenas colegas, amizade é algo muito 
profundo e significativo, entre outros apontamentos. 
Na comunidade surda há transparência e compar-
tilhamento; um segredo, também é compartilhado entre 
CULTURA SURDA
13.
amigos profundos, como a comunidade surda é muito 
unida, eles são muitos amigos.
Compartilhar informações e ser direto e objetivo são 
características do povo surdo, assim como, a própria lín-
gua de sinais. Quando os surdos vão a uma festa logo 
procuram por uma mesa, Strobel (2008) explica esse fato 
dizendo que, quando você entra em uma festa onde se 
misturam surdos e não-surdos, é visível o povo surdo em 
volta da mesa, isso acontece porque a mesa serve de apoio 
enquanto sinalizam, normalmente, eles comem pouco em 
festas, pois estão acostumados a se reunir para comer e 
sinalizar e, como é muito comum deixarem de comer para 
interagir, ao retomar a alimentação, dependendo do tempo 
que durou o discurso, ela já não terá a mesma temperatura.
Os ouvintes ao se conhecerem logo perguntam o 
nome, surdos costumam conhecer alguém e pergun-
tar se tem sinal, mas não é um sinal qualquer, é um 
nome gestual, uma forma de batismo que o identifica. 
Exemplificando; ao entrar para uma comunidade surda, 
recebe-se um SINAL, que tem haver com alguma 
característica que o faz reconhecido, lembrado; e o 
torna aceito pela comunidade surda. Receber um sinal é 
como ganhar um novo nome.
O sinal recebido, não poderá, ou pelo menos não 
deverá ser substituído, será por meio dele que os surdos 
o identificarão, assim como, o lugar onde mora e suas 
características, ou seja, identificam a pessoa que você é 
e representa para a pessoa surda. O nome de batismo, 
a partir do alfabeto manual ou datilológico, não será tão 
importante para eles quanto o sinal recebido.
Então, ao encontrar-se com um surdo, duas coisas 
certamente lhe serão perguntados: qual é o seu sinal 
e se você é surdo ou ouvinte, se você for surdo, não 
espere que ele lhe pergunte o nível, grau ou tipo de 
surdez que você tem, se você for ouvinte, possivelmente 
lhe perguntará se sabe Libras. Se sua resposta for nega-
tiva, aguarde conselhos para que você aprenda, afinal 
estão sempre dispostos a ensinar.
Compreendendo que o sujeito é essencialmente 
visual, e sua língua é expressa no espaço, os olhos do 
interlocutor devem estar diretamente ligados à expres-
são do seu discurso (rosto e mãos), quer dizer que virar 
as costas, ou olhar para os lados, demonstrarão desin-
teresse, desprezo pelo sujeito que diz. Ainda que, se 
estabeleça uma comunicação oralizada, não se desvia 
os olhos do sujeito surdo, pois devemos lembrar que 
devido às suas características, a mudança de direção 
do olhar indicará desprezo ou descaso, podendo causar 
inúmeros conflitos comunicativos.
O toque está integrado às características do sujeito, 
lembre-se de que nada adiantará gritos, batidas, meios 
auditivos de chamar a atenção, mas sim o toque de leve 
no ombro se você estiver próximo, jamais o pegue brus-
camente pelo braço. Por não saber se perdeu alguma 
informação, poderá tomar a atitude como afronta, por-
tanto, toque-o com sutileza se estiver próximo, mas se 
estiver distante, procure acenar, esse é o recurso, acene 
os braços ou as mãos para chamar-lhe à atenção. 
Devido à sua condição visual, o surdo tende a fazer 
leitura das expressões não manuais, ou seja, expressões 
faciais e corporais, de suas ações, mais do que no con-
texto do seu discurso. Ao conversar com o surdo, se esti-
ver preocupado com algo, ou teve alguma irritação, ou 
alegria contagiante, explique a ele seu sentimento, para 
que ele não tome sua expressão de irritação ou de ale-
gria como descaso com o que ele está lhe contando. Por 
exemplo: se ele te conta um problema de família, algo 
triste e você todo empolgado com algo de muito bom 
que lhe aconteceu e isso estará estampado no seu corpo 
e em sua face, o sujeito surdo poderá compreender como 
uma resposta errônea a tristeza que ele lhe expressa.
Do mesmo modo, quando se faz elogios ao surdo, 
com expressão de irritação e mãos na cintura, devido a um 
acontecimento externo que lhe causou estresse; para o 
surdo ficará subentendido como algo ruim, ou inadequado 
feito por ele, não interpretará seu elogio positivamente. 
Em um grupo ouvinte isso é comum, aguarda-se 
o outro concluir e dizemos, agora quero lhe contar algo 
de bom que me aconteceu, pois a cultura ouvinte, não 
tende a fazer uma leitura imediata de suas expressões e 
sim do que ouve, da entonação de voz, por exemplo. 
Exemplos vistos em sala de aula, na qual o profes-
sor entra carregando consigo uma carga de problemas 
de trânsito, de família e dá início a sua aula, natural-
mente, mas para o surdo o modo como o professor se 
posiciona, ao passar a mão pelo rosto demonstrando 
ansiedade, ao colocar as mãos na cintura, ao manter o 
rosto com expressão de ira, ao olhar várias vezes para o 
surdo (pensando em outra situação), o faz subentender 
que é com ele o problema, ainda que ele não identifique 
qual é, a resposta poderá ser imediata, com agressivi-
dade ou afronta contra o professor, ou seja, defesa.
LIBRAS 
14.
A sociedade, de modo geral, como podemos com-
preender, contribuir e desenvolver relações justas:
ao encontrar com um grupo surdo, mante- x
nha-se atento aos sinais. Se não compreen-
der, eles minimizam sua sinalização (modo e 
intensidade de comunicação), a fim de que o 
ouvinte o compreenda; 
sair sem despedir-se é tomado como desprezo, x
tanto quanto dar as costas ao surdo. Portanto, 
as despedidas são sempre muito demoradas, 
mas, culturalmente, necessárias;
iluminação é essencial, onde há surdos, há luzes x
acesas, jamais os convide para um jantar a luz 
de velas, por exemplo, ou para um bate papo 
às escuras em ambiente pouco iluminado; 
quando não entender o que foi dito, não balance x
a cabeça em sinal de compreensão. Seu corpo e 
sua expressão falam por si. Portanto, diga pron-
tamente que não entendeu, peça para repetir ou 
escrever, essa atitude é considerada normal;
ao conversar com um ouvinte, é normal rir de x
diversas coisas, olhando para qualquer lugar, se 
fizer isso e olhar para um surdo, poderá gerar con-
flitos de comunicação, ele poderá concluir que o 
ouvinte ri dele, o que o fará demonstrar chateação 
e até irritação. Se há surdos no ambiente, escla-
reça tudo o que é dito e motivos de graça.
 2.3 A tecnologia na vida 
social do surdo e na 
do deficiente auditivo
Os surdos costumam participar de eventos cultu-
rais, sociais e esportivos. Eles são capazes de interagir 
e dar-se bem em qualquer ambiente, embora exis-
tam barreiras comunicativas, ou seja, dificuldades dos 
não-surdos em compreendê-los.
Observe fragmentos de entrevistas com depoimen-
tos de surdos:
Pesquisadora: Como é a sua comunicação 
e o seu relacionamento com surdos e ou-
vintes?
AJ.22 “Tenho poucos amigos ouvintes, me relacio-
no melhor com os surdos, porque me compreen-
dem.” (2012)
A.16 “Junto com os surdos eu sempre uso Libras, 
com os ouvintes eu falo quando eles têm dificulda-
des em me entender, acho normal ter que falar com 
os ouvintes.” (2012)
JZ.25 “Com surdos é ótimo, natural, conversamos em 
Libras, somos iguais, compartilhamos ideias e senti-
mentos. Com os ouvintes há muitos bloqueios, preci-
samos usar a escrita. Mas, até as dificuldades, já consi-
deramos como normais na sociedade [...].”.(2012)
Ao perguntar aos surdos sobre seus relacionamentos, 
a maior parte dos entrevistados, preferem estar com surdos, 
no entanto, não se intimidam quando têm que se comunicar 
com não-surdos, pois estão habituados a lidar com as difi-
culdades de interação e de comunicação dos ouvintes.
Falar do uso das tecnologias, recursos materiais da 
cultura surda, sendo que, muitas delas estão ligadas, 
também, asdemais culturas, eles destacam algumas 
tecnologias que utilizam e consideram parte de sua cul-
tura, por respeitarem suas características e por atende-
rem necessidades na comunicação. Vejamos algumas:
Celular para enviar torpedos os surdos esta-
belecem conversas, combinam coisas, por meio do 
celular tais como, os ouvintes; a única diferença é que 
não atendem a chamadas. 
Estão sendo testados celulares que fazem a tradu-
ção simultânea dos sinais da Libras para a fala oral e 
da oralização dos ouvintes para a língua de sinais, gra-
vando sinais na memória do telefone celular, como um 
dicionário de Libras, no entanto, compreende-se que 
como se trata de recurso tecnológico, a comunicação 
se daria em uma estrutura alicerçada na língua portu-
guesa limitando à compreensão.
O Dispositivo de telecomunicação para Sur-
dos (TDD) é o termo em inglês para telecommunications 
device for the deaf ou, simplesmente, Telefone para Sur-
dos (TS). 
TDD é um aparelho telefônico que possibilita aos 
surdos e aos deficientes auditivos se comunicarem uti-
lizando o telefone público, é também conhecido como 
telefone público para surdos, ele possui teclado e visor, 
envia e recebe as mensagens por intermédio de uma 
linha telefônica comum. 
CULTURA SURDA
15.
Em vez de falar ao telefone, o usuário coloca o 
aparelho telefônico, público comum, em conexão com 
o teclado do TDD e escreve usando o teclado do apa-
relho, como faz-se no teclado de um computador; para 
utilizá-lo, os surdos necessitarão de cartão telefônico. 
Por intermédio do TDD os surdos podem comunicar-se 
com qualquer pessoa em qualquer espaço.
Os TDDs10 devem estar instalados em rodovi-
árias, escolas, aeroportos, postos de saúde, metrô 
e outros locais, pois é garantido pela Lei do Plano 
Geral de Metas e Universalização (PGMU), aprovado 
pelo Decreto n. 4.769, de 27 de junho de 2003, a 
qual solicita que as operadoras de telefonia, de cada 
estado, instalem os telefones públicos adaptados. É 
direito da comunidade surda.
Infelizmente o TDD, nunca foi uma realidade obser-
vada nos espaços públicos do país, e com o uso dos 
celulares, o número de TDDs é cada vez menor, há 
surdos que nunca viram um. Ao usar o TDD o surdo 
pode enfrentar algumas barreiras, pois ao ligar para uma 
central, ele necessita ter boa escrita em língua portu-
guesa, pois nem sempre o ouvinte do outro lado da 
linha compreende ou conhece características da escrita 
surda; do mesmo modo ao receber uma mensagem, se 
o intermediador não utilizar uma escrita compreensível, 
o surdo não compreenderá a mensagem.
Em uma escola, na qual havia um TDD, os surdos 
solicitavam que interpretássemos algumas das mensa-
gens, que chegavam sem espaçamento adequado, com 
simplificações e erros de língua portuguesa, dificultando 
a compreensão até mesmo para os que são falantes 
nativos da língua, ou seja, um aparelho que foi criado 
para facilitar a comunicação da pessoa surda e dos 
deficientes auditivos tornou-se uma barreira e não um 
apoio. Observe a imagem do TDD:
O aparelho tecnológico que está em destaque no pre-
sente momento chama-se Viável Brasil11, é uma tecnologia 
moderna, que tem o mesmo formato de um computador. 
Para o uso do Viável, é preciso que o usuário adquira 
o equipamento, além de pagar uma mensalidade, como 
10 Maiores informações disponíveis em: <http://www.portalli-
bras.com.br/noticias/telefone-publico-para-surdos.html>;<http://
www.brasiltelecom.com.br/static/inst/portadornecessidadesespeciais/
comofunciona.pdf>.
11 Mais informações sobre o equipamento e como funciona o 
sistema, disponível em: <http://viavelbrasil.com.br/services/>.
se fosse uma assinatura pelos serviços prestados na 
central de intérpretes, e pelos serviços de telefonia. 
Por meio de ligações, assim como fazem no TDD, 
há um intérprete que fará a intermediação, a vantagem 
desse aparelho é a webcan, a qual o surdo pode visu-
alizar o intérprete, sinalizando, e o interlocutor, no outro 
lado da linha ouvirá a interpretação oral e, quando o 
contato é feito com outro surdo, o intérprete é dispen-
sado, e a comunicação torna-se direta. No entanto, 
o uso da tecnologia requer a língua de sinais e um 
intermediador, ou mediador, conhecido pelo nome de 
http://www.portallibras.com.br/noticias/telefone-publico-para-surdos.html
http://www.portallibras.com.br/noticias/telefone-publico-para-surdos.html
http://www.brasiltelecom.com.br/static/inst/portadornecessidadesespeciais/comofunciona.pdf
http://www.brasiltelecom.com.br/static/inst/portadornecessidadesespeciais/comofunciona.pdf
http://www.brasiltelecom.com.br/static/inst/portadornecessidadesespeciais/comofunciona.pdf
http://viavelbrasil.com.br/services/
LIBRAS 
16.
intérprete, ou tradutor intérprete de Libras12, o qual 
trataremos mais adiante.
tecnologias com sinalização e vibração a 
campainha luminosa, babás sinalizadores e desperta-
dores, para acordar, que vibram, são recursos muito 
utilizados pelos surdos. 
A campainha aparentemente não tem nada de 
diferente, você aperta do mesmo modo que a sonora, 
o que a diferencia é que dentro da casa em vez de 
fazer barulho (tocar), há luzes, que piscam, indicando 
que alguém está à porta13.
A babá eletrônica faz parte da cultura surda, mas 
não apenas com sonorização. Quando o bebê chora, o 
som emitido pela criança resultará em sinal luminoso, 
alertando os pais surdos que o bebê acordou e/ou está 
chorando.12
Uma curiosidade é quando o casal surdo tem filho 
recém-nascido, normalmente, o bebê dorme na cama 
12 Tratarei esse profissional apenas de intérprete, visto que não 
separo a interpretação oral ou a sinalizada de seu trabalho e, por 
considerar que todo tradutor é um intérprete, por excelência, e todo 
intérprete tornar-se um tradutor do discurso de outro, assim utilizarei 
um único termo: Intérprete de Libras.
13 Assista ao vídeo: campainha luminosa, disponível em: 
<http://youtu.be/BWt6ZpkOO6o>. Acesso em: 25 ago. 2012.
dos pais, o bebê quer seja surdo ou ouvinte, vai acos-
tumando com as características dos pais surdos e ao 
desenvolver-se aprende que não adianta choros con-
tínuos, pois seus pais não correspondem bem a eles, 
então mexem-se de modos diferentes: puxa, empurra, 
ou seja, busca meios para chamar-lhes à atenção. Algo 
muito interessante citado pelos pais surdos é que os 
bebês, nos primeiros meses de vida, acordam os pais 
empurrando-os com os pés.
É normal que quando pais surdos têm em 
casa um recém-nascido, familiares ouvintes, acor-
dam os pais a noite até que eles se habituem aos 
horários do bebê. Observemos as imagens da babá 
eletrônica:
http://youtu.be/BWt6ZpkOO6o
CULTURA SURDA
17.
A função luminosa e/ou vibratória está de 
acordo com características dos surdos; ao dormir, eles 
colocam sob o travesseiro o telefone celular, ou o desper-
tador que vibra para que acordem no horário predefinido.
Ao assistir tevê, contam com o apoio da legenda 
na televisão ou closed caption, a legenda já faz parte 
dos aparelhos mais modernos, ao acioná-lo passa 
a fazer a tradução simultânea e literal em forma de 
legenda, recurso que facilita a compreensão de pro-
gramas e jornais falados é um apoio comunicativo 
aos surdos.
Para programas do governo, contam com seu direito, 
ou seja, uma janela no canto da tela com intérprete de 
LIBRAS 
18.
Libras, conforme regulamentado na Lei n. 10.098/00 
(Cap. VII, Artigo 19) e no Decreto n. 5.296/04 (Art. 53, 
§ 2), em norma complementar à utilização, dos seguintes 
sistemas de reprodução das mensagens para os surdos e 
para os deficientes auditivos: “I - a subtitulação por meio de 
legenda oculta; II - a janela com intérprete de LIBRAS”. 
Vejamos a imagem abaixo:
Outros recursos como: bate papo no MSN, 
 facebook e o uso da internet possibilitam o uso da lín-
gua de sinais, são muito utilizados pelos surdos, assim 
como, pelos ouvintes. 
 2.4 Implante coclear e 
aparelho auditivo fazem 
parte da cultura surda?
Então, o que destacar a respeito das tecnologias de 
amplificação de sons? Aparelhosauditivos e implantes 
cocleares, não fazem parte da cultura surda. Podemos 
verificar isso por meio de fragmentos das entrevistas 
com o povo surdo:
Pesquisadora: Você usa aparelho auditivo? 
Considera importante o uso de aparelho?
AG.17: “Ah, quando eu era pequena, usava sempre 
o aparelho auditivo, mas a medida em que fui cres-
cendo, deixei de usar, não gosto e não quero! Então 
não uso mais. Me causava muitas dores na cabeça, 
era ruim e desconfortável.” (2012)
AM.20: “As vezes eu uso aparelho, mas na maior 
parte do tempo, não. O barulho, os sons, tudo isso 
me irrita, me incomoda.” (2012)
J.28: “[...] fiz uso de aparelho auditivo, nos dois ouvi-
dos, mas o som me irritava, eram muitos ruídos, muito 
barulho vindo de todo lado, me causava dores intensas 
na cabeça, além de eu não compreender bem o que 
falavam. Minha família passou a me observar e resol-
veram fazer uma experiência comigo, decidiram que 
eu deveria parar de usar o aparelho por um tempo. 
Perceberam que fiquei mais calma, acabaram os mo-
mentos de irritação, nervosismo e dores, fiquei bem. 
Então, nunca mais usei, sou totalmente contra o uso 
deles, tanto quanto o de implante coclear.” (2012)
JZ.25: “[...] Eu nunca usei aparelho auditivo e tam-
bém discordo do implante coclear, eu tenho identi-
dade surda, me aceito como sou.” (2012)
Os depoimentos nas entrevistas reforçam que a 
cultura surda não reserva espaço para tecnologias de 
CULTURA SURDA
19.
normalização e de amplificação de sons. Para a maior 
parte dos sujeitos surdos, a presença dos sons não é 
referencial qualitativo e sim um incômodo, pois cau-
sam desgaste para atingir audição seletiva (quando tem 
algum resíduo auditivo), visto que suas características 
são, essencialmente, visuais.
Quando o som entra no ouvido surdo, por meio de 
um recurso eletrônico, a intensidade sonora pode ser 
medida, no entanto, não podemos medir ganhos ou 
perdas em níveis culturais, ou melhor; nossas vivências 
sonoras jamais dariam conta de explicar com clareza 
como o som chega e a diferença que faz para a vida, a 
identidade e a cultura surda.
Se a emissão sonora, para o que chamamos de 
som, causa tanta irritação e incômodo capaz de mudar 
o comportamento de seus usuários, conforme obser-
vado nos fragmentos das entrevistas, como, então, é 
percebido, por estudiosos e pelos surdos, a importância 
da tecnologia, como o implante coclear, e os aparelhos 
auditivos e os acompanhamentos clínicos?; Será que 
podemos afirmar que o acompanhamento do fonoau-
diológico faz parte da cultura surda? 
Segundo Lane (1992, p. 19-21), o implante 
coclear, também conhecido como ouvido biônico (ou 
prótese coclear), estimula o nervo auditivo através dos 
eletrodos em substituição da cóclea, é um procedi-
mento cirúrgico, invasivo, que transforma ondas de som 
em correntes elétricas, foi considerado um milagre da 
biotecnologia, segundo os referenciais ouvintes, em 27 
de junho de 1990, pela mídia nos E.U.A., portanto, foi 
aprovado pela United States Food and Drug Administra-
tion (FDA)14 e liberado os implantes em crianças surdas 
com idade acima de dois anos.
No entanto, o autor ressalta que a Associação de 
Surdos, qualificou a aprovação do ouvido biônico pela 
FDA, como ética, operacional e cientificamente inviável 
do ponto de vista auditivo, para os surdos. 
Isso porque, mesmo com o implante, além dos ris-
cos cirúrgicos, os surdos não terão uma audição normal, 
necessitarão de acompanhamento clínico constante e 
treinamentos de audição e de fala, no entanto, esse não 
é o principal problema do implante coclear. 
14 Organismo oficial, norte americano, que afere qualidade a pro-
dutos alimentares, farmacológicos e químicos para lançar no mercado.
O principal problema dá-se em termos cultu-
rais e identitários, visto que, mesmo implantados, os 
surdos confiarão mais nas suas capacidades visuais 
naturais, do que nas auditivas mecânicas e artificiais. 
Correndo o risco de desenvolver-se sem qualquer 
tipo de comunicação concreta ou eficiente, seja 
falada ou sinalizada (gestual), podendo apresentar ou 
desenvolver problemas de identidade, emocionais e 
até mesmo de saúde mental.
Vejamos, agora, o que pensam os surdos:
Pesquisadora: Qual é a sua opinião sobre o 
implante Coclear e sobre as tecnologias?
J.28: “[...] eu faço uso de celular, do VIÁVEL, da 
internet, campainha luminosa, intérprete, coisas 
que existem hoje, mas antigamente, não tinha nada 
disso apenas podíamos escrever e enviar cartas 
entre amigos, mas hoje... batemos papo pelo MSN, 
pelo facebook, trocamos mensagens pelo celular, e 
outros. [...] quanto ao implante coclear, sou contra 
mesmo! Não considero importante amplificar sons, 
essa é a minha opinião.” (2012)
JZ.25 “[...] faço uso do celular para mandar mensa-
gens, do TDD que é o telefone próprio para surdos, uso 
a internet, MSN, e outros. As tecnologias nos ajudam 
na comunicação, em geral, nos bate papos combina-
mos passeios, pizzas, entre outras coisas.” (2012)
F.39: “As tecnologias valem a pena [...] o aparelho não 
é perigoso... implante é muito complicado15.” (2012)
AM.20: “Não considero bom o implante coclear, os 
implantados que eu conheço sentem muitas dores 
na cabeça, precisam de cuidados o tempo todo e 
correm riscos na cirurgia.” (2012)
AG.17: “Me causa medo, jamais colocaria implante 
coclear, são estímulos eu não quero, porque imagi-
no eletricidade, descargas elétricas dentro de mim 
[...]. Conheço alguns colegas com implante cocle-
ar, não quero pra mim!” (2012)
Entre tantos depoimentos, acrescentamos a história 
de T.14, estudante do sexto ano do ensino fundamental, 
escola pública da região metropolitana de Curitiba, para 
que possamos refletir, sobre como pensa a criança surda.
T.14 é considerada deficiente auditiva, recebeu 
implante coclear na infância, há dois anos vem par-
LIBRAS 
20.
ticipando de um grupo usuário da Libras no Centro 
de Atendimento Educacional Especializado ao Surdo 
(CAEE-S) e passou a desenvolver-se melhor na apren-
dizagem, convivendo com pessoas surdas. A estudante 
fez, para a autora, as ilustrações abaixo, na qual foram 
omitidos o nome das instituições e o da estudante:
A escola E. trata-se de uma escola oralista, a mãe 
sempre lhe dizia, que iria à escola e brincaria de bola, 
por ser algo que ela gostava. Na primeira parte da 
produção observa-se a questão cultural dos surdos, 
normalmente, eles sentem-se parte de uma patologia, 
suas histórias são contadas tendo como primeira base, 
uma causa, ou seja, uma doença, um fator que justifi-
que sua surdez.
15 Manteve-se a estrutura da escrita da pessoa surda, optou por responder por meio da escrita, em forma de questionário, apenas ques-
tionando quando não compreendia algo.
CULTURA SURDA
21.
Observamos o investimento da família na cura da 
patologia da surdez, por meio do implante coclear. No 
entanto, o incomodo não era da T.14 (da criança), mas, 
sim, dos pais e dos clínicos, resultado da perspectiva 
clínico terapêutica que vigorou até, aproximadamente, 
a década de 1960, (deixando resquícios até os dias 
atuais), a qual preocupa-se em curar e/ou tratar a pato-
logia, a anormalidade. Tal perspectiva veio sendo, paula-
tinamente, substituída pela perspectiva socioantropoló-
gica a partir da compreensão do sujeito como um todo, 
respeitando sua cultura e sua identidade, e, a língua, a 
partir dos estudos linguísticos sobre as línguas de sinais, 
os quais envolvem as características, a cultura e a iden-
tidade dos surdos.
É possível identificar o sentimento da estudante 
T.14 nas diferentes fases de sua vida, ela expressa o 
incômodo da amplificação sonora, a tristeza e a insatis-
fação daquilo que, socialmente, se considera um mila-
gre da biotecnologia. Inserida em uma escola oralista, 
surgem os conflitos de identidade, entre oralizar e usar 
língua de sinais e, posteriormente, a satisfação devido a 
inserção de um intérprete. Ainda que, a estudante esteja 
em fase de desenvolvimento da primeira língua, o 
último desenho demonstra

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