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Pós-Graduação em Educação Libras Cultura Surda Silvana Elisa de Morais Schubert FAEL Diretor Executivo Marcelo Antônio Aguilar Diretor Acadêmico Francisco Carlos Sardo Coordenador Pedagógico Francisco Carlos Pierin Mendes EDitorA FAEL Autoria Nome do Autor Gerente Editorial William Marlos da Costa Projeto Gráfico e Capa Patrícia Librelato Rodrigues revisão Célia Regina Tartalia e Silva Programação Visual e Diagramação Karlla Cristyne Plaviak ilustrações Quieliton Batista AtEnção: esse texto é de responsabilidade integral do(s) autor(es), não correspondendo, necessariamente, à opinião da Fael. É expressamente proibida a venda, reprodução ou veiculação parcial ou total do conteúdo deste material, sem autorização prévia da Fael. EDitorA FAEL Av. Silva Jardim, 167 Curitiba | PR | CEP 80.230-000 FAEL Rodovia Deputado Olívio Belich, Km 30 PR 427 Lapa | PR | CEP 83.750-000 FotoS DA CAPA Anissa Thompson Jos van Galen Julia Freeman-Woolpert Krishnan Gopakumar Stefan Krilla Viviane Stonoga Todos os direitos reservados. 2012 Cultura Surda 1 . Introdução O sujeito surdo, aos poucos, está conquistando seu espaço na sociedade, no entanto, o que se discute sobre a inclusão dessa comunidade, ainda não é o bas- tante para que seus direitos sejam cumpridos. Este artigo tem o propósito de contribuir com a propagação desse mundo tão misterioso, encantador e envolvente. Para tanto, iniciaremos contando um pouco da história sobre à inclusão e como as políticas públi- cas sustentam tal modelo; na sequência trataremos da cultura surda, suas características, e como dá-se seu relacionamento com seus familiares e com a comuni- dade, trataremos, também, como a tecnologia contribui ou não para a vida social do surdo e do sujeito deficiente auditivo; abordaremos as artes e a comunidade surda e por fim como dá-se o ensino-aprendizagem na vida do surdo e do deficiciente auditivo, tais como, a metodolo- gia, usada, como eles são avaliados, como deve ser o currículo e a importância da língua de sinais. Para tratarmos desses assuntos, traremos falas e comportamentos surdos, a partir de recortes, ou seja, de fragmentos de entrevistas; produtos de um trabalho de investigação com sujeitos surdos sobre cultura, iden- tidade, educação, hábitos e costumes. Os participantes da pesquisa são surdos de ida- des diversas e de diferentes níveis de escolarização, os quais serão representados por letras aleatórias e números que representarão sua idade. Optou-se por esse recurso investigativo utilizando entrevista com questões semiestruturadas e, posteriormente, não dire- tivas que, segundo Severino (2007), promovem um diálogo mais descontraído, deixando o informante a vontade para expressar-se sem constrangimentos. As entrevistas, com os estudantes surdos, foram registradas por meio de filmagem na primeira língua (L1) do sujeito surdo, ou seja, a Libras e depois tra- duzidas para a segunda língua do surdo (L2), a língua portuguesa escrita. Os resultados estão apresentados no desenvolvimento do artigo. 2 . Em Tempos de Inclusão Não raramente nos deparamos com as declarações de gestores dos espaços educacionais que divulgam e se orgulham da instituição como um espaço de educa- ção inclusiva. A legislação brasileira dá destaque a uma educação para todos, com direito não apenas ao acesso, mas a permanência e a qualidade para os estudantes da nação (BRASIL, 1988, LDB n. 9.394/96). Assim compreendemos a inclusão e neste mo- mento citamos a inclusão do surdo, como algo que traz a diversidade para dentro das nossas classes, que nos aproxima do outro, mesmo que esse fato não seja assim tão simples, tendo em vista que durante muitos sécu- los, a surdez, assim como, as demais deficiências, foi motivo de exclusão nos moldes mais radicais, desde ser O presente artigo tem por finalidade esclarecer aspectos relacionados ao sujeito surdo sua cultura e sua identidade. Permitir aos leitores conhecimento sobre as características do sujeito surdo, seu modo de ser, viver e experienciar o mundo. Para tanto, a partir de fragmentos de entrevistas, nos quais sujeitos surdos tratam diversos aspectos que envolvem a sua cultura, serão trabalhados aspectos sociais e educacionais, que permitem ao leitor não apenas apreciar o texto, mas aprender e refletir sobre a cultura surda em tempos de inclusão, assim como, há contribuições relacionadas à experiência da autora com a comunidade surda, por meio da convivência, da imersão nessa cultura e os significados trazidos a partir da língua de sinais nos espaços sociais e educacionais visto que, na educação não há conhecimento que encerre em si mesmo, ela é um contínuo, na qual há muitos mistérios a serem desvendados e outros a serem construídos. Palavras-chave: Cultura. Cultura Surda. Identidade. Língua de Sinais. Libras. Resumo LIBRAS 2. entregue a morte, a exclusão social de toda a família que tivesse em seu meio alguém com deficiência. Quando falamos nos surdos, relacionando-os à educação, destacamos que apenas no século XVI, a partir das experiências de Gerolamo Cardano ( STROBEL, 2008; SACKS, 1990) é que os surdos foram compre- endidos como sujeitos com capacidade de aprendiza- gem. Os estudos de Cardano, ressaltando que não havia impedimentos para a aprendizagem do surdo, foi con- siderado um marco para a medicina e para à educação de surdos. Strobel (2008), Sacks (1990) e Lane (1992), instigam-nos a refletir sobre os folclores existentes na história da educação de surdos. Cardano é um exemplo desses folclores, suas experiência têm como base os interesses e o poder. Segundo esses autores a história pode estar omitindo o fato de que o primeiro filho de Cardano havia nascido surdo, lembremos que, era uma época em que ter um deficiente na família era sinônimo de exclusão social. Após a comprovação da capacidade de apren- dizagem, paulatinamente, investiu-se em educar os surdos. A história relata personagens como: Ponce de Leon, que ensinou surdos nobres no monastério de Oña; Charles Michel L’Epée, que concedeu regras a língua de sinais utilizada pelos surdos, em Paris, e fun- dou a primeira escola pública para surdos na França; Gallaudet, que fundou a primeira universidade para surdos, em Washington, entre outros personagens que marcaram a história e os folclores sobre a surdez e o povo surdo. Personagens como: Gerolamo Cardano, L’Epée, Pedro Ponce de Leon e os demais citados no presente artigo, os quais desenvolveram a educação, a língua (oral ou sinalizada) no surdo e fizeram de suas vidas um marco na educação dos surdos e na história da huma- nidade. Destaque maior é atribuído a L’Epée, que divulgou para o mundo, a língua sinalizada, possibilitando a for- mação de profissionais surdos, professores surdos, os quais passaram a ocupar cargos cada vez mais elitiza- dos na sociedade, os métodos de L’Epée eram demons- trados em praça pública, anualmente, nada sigilosos diferenciando-se dos costumes da época. A língua sinalizada não foi invenção do abade L’Epée, ele concedeu regras à língua já utilizada nos encontros surdos1, implantou-as na educação para surdos, abriu a primeira escola pública para surdos, em Paris, no século XVIII, em 1760, sem distinção de classe social. A língua de sinais francesa serviu de base para as demais línguas de sinais no mundo, pode-se afirmar que as línguas sinalizadas tiveram seu alicerce na Língua de Sinais Francesa, e foram tornando-se personalizadas e nacionalizadas com o desenvolver e a aquisição das particularidades de cada cultura e das características dos surdos de cada país. No Brasil, em 1855, a convite de Dom Pedro II, veio ao Brasil Eduard Huet, professor francês, o qual fundou o Instituto Imperial de Surdos Mudos, no Rio de Janeiro, que, posteriormente, passou a chamar Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES); conforme des- taca Schubert (2012, p. 87), como os demais persona- gens que investiram na educação de surdos, Dom PedroII tinha no seio de sua família um genro com surdez, possivelmente, por esse motivo houve interesse na edu- cação de pessoas surdas; garantindo, a partir desta edu- cação, à aceitação social, mas também a manutenção do controle, o poder e a honra das elites dominantes, visto que ter na família um deficiente era sinônimo de exclusão e de vergonha. Um personagem que se destacou negativamente (na visão dos surdos) foi o médico psiquiatra francês, 1 No artigo será utilizado muitas vezes os termos: surdo, cul- tura surda, currículo surdo, pedagogia surda, literatura surda entre outros. Isso dá-se porque quando os surdos passam a militar pelos seus direitos e pela sua subjetividade, travam suas batalhas visando reforçar suas múltiplas identidades, sua cultura e sua língua própria, mostra que assume seu jeito próprio de ser, de compreender o mundo e de interagir por meio de experiências visuais, entende-se, também, como um modo de apresentar à sociedade ouvinte, que há necessidade, não somente de adaptações, mas de investimento para desenvolver um currículo pedagógico e outros modos que respeitem as características que definem os sujeitos surdos. Serão utilizados os termos não surdos ou ouvintes, para os sujeitos que ouvem. A língua de sinais francesa serviu de base para as demais línguas de sinais no mundo, pode-se afirmar que as línguas sinalizadas tiveram seu alicerce na Língua de Sinais Francesa. CULTURA SURDA 3. Jean Itard (1774-1838). Itard ficou conhecido pelo tra- balho com o menino selvagem, Victor de Aveyron. O caso de Victor de Aveyron também conhecido por: menino selvagem de Aveyron é um dos casos mais conhecidos de humanos criados em ambiente selvagem. O caso aconteceu na França, em 1797, quando Victor foi visto pela primeira vez na floresta de Lacaune. Ele rejeitava o contato com as pesso- as, agia como um animal. Entre 8 e 9 de janeiro de 1800, registrou-se o aparecimento de Victor em um moinho em Saint-Sernein, no distrito de Aveyron. Nas duas ocasiões em que foi encontrado estava praticamente nu, apenas farrapos de panos velhos cobriam parte de seu corpo. Acredita-se que Victor teria sido abandonado na floresta entre seus 4 e 5 anos. Quando foi encontrado, despertou a curiosidade tanto clínica quanto social, pois abriria caminho para a compreensão da aquisição da lin- guagem. Na ocasião em que foi resgatado, ele apa- rentava ter, aproximadamente, 12 anos e, 1,36 m de altura, além de, muitas cicatrizes pelo corpo. Não pronunciava nenhuma palavra e parecia não enten- dê-las, mesmo em pleno inverno, rejeitava roupas, bem como o uso de cama, preferindo dormir, dire- tamente, no chão. Para locomover-se, apoiava-se nas mãos e nos pés, correndo como os animais. Foi diagnosticado como idiota ( nomenclatura que corresponde à deficiência intelectual grave), con- testado, posteriormente, por Jean Gaspard Itard, diretor de um instituto de surdos-mudos, o qual destacou que o comportamento de Victor seria possível consequência da privação do convívio social e da ausência absoluta da educação social humana, pois acreditava que a situação concreta de abandono e de afastamento da civilização ex- plicava seu comportamento diferente, contrapondo o primeiro diagnóstico. Itard publicou, em 1801, o livro A educação de um homem selvagem, no qual descreveu as etapas do trabalho de educação com Victor, desde sentar-se à mesa, pegar água para beber, servir a Itard as coisas de que necessitava; quando se divertia empurrando um pequeno car- rinho e quando começou a ler. Cinco anos mais tarde havia aprendido novos hábitos e abandonado muitos dos hábitos selvagens, no entanto, não de- senvolveu a linguagem falada, apenas repetia algu- mas das falas de Itard, mas não fora exposto a uma língua de sinais. Maiores e diferentes informações a respeito do caso poderão ser encontradas nos links: <http://www.leonarde.pro.br/victoroselva- gem.pdf>; <http://profissaofessora.blogspot.com. br/2010/03/victor-de-aveyron-o-menino-selva- gem.html>; <http://www.faap.br/revista_faap/re- vista_facom/facom_18/martin.pdf>; <http://www. educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/cinema/dossier/ meninoselvagem.pdf>. Acesso em: 30 out. 2012. Veja o vídeo: O Menino Selvagem. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=r0_uC- cX50w>. Acesso em: 30 out. 2012. O que a história não dá destaque, é que nos regis- tros do médico, o menino Victor fora desestimulado de utilizar a sinalização usual e compreensível que tinha para a comunicação. Exposto a língua oral francesa, os resultados não foram positivos, mas despertaram os interesses do médico em investigar à aquisição da linguagem e da cura da surdez; para tanto, ele realizou diversas experiências de tortura com surdos, tais como: dissecação de cadáveres de surdos, inserção de san- guessugas nos ouvidos dos surdos, de urina de cabra, choques elétricos, entre outros. Ainda que, a medicina destaque o lado positivo, para muitos surdos o doutor Itard é considerado um vilão, quando não respeitou a linguagem de Victor como ponto de partida para à aquisição de uma nova lingua- gem e, do mesmo modo colocou em risco crianças surdas, tratando-as como cobaias em suas experiências desumanas. Entende-se que Itard, assim como os demais médi- cos da época, desconsideravam características específi- cas da pessoa surda como a identidade e a cultura. Não foi diferente disso a invenção do telefone por Grahan Bell, momento que excluiu e, ainda, exclui os surdos de alguns cargos administrativos; Grahan Bell tinha no seio de sua família pessoas surdas: sua mãe e sua esposa. As investigações para amplificação de sons podem ter contribuído para o grande invento. Foi ele, também, o responsável pela implemen- tação e imposição do oralismo, como metodologia de ensino para surdos, por meio do II Congresso Interna- cional sobre Educação de Surdos, em Milão, em 1880; evento que é comparado ao 11 de setembro, para o povo surdo (STROBEL, 2008), pois destruiu-se tudo o que eles tinham de mais importante e significativo, tudo que haviam alcançado a partir da Língua de Sinais, desestruturaram o povo e a comunidade surda, pois ali ficou decidido que os surdos não deveriam mais fazer uso de sinais ou de gestos. Grahan Bell era um homem de influência, filho de educador, de família nobre e de http://www.leonarde.pro.br/victoroselvagem.pdf http://www.leonarde.pro.br/victoroselvagem.pdf http://profissaofessora.blogspot.com.br/2010/03/victor-de-aveyron-o-menino-selvagem.html http://profissaofessora.blogspot.com.br/2010/03/victor-de-aveyron-o-menino-selvagem.html http://profissaofessora.blogspot.com.br/2010/03/victor-de-aveyron-o-menino-selvagem.html http://www.faap.br/revista_faap/revista_facom/facom_18/martin.pdf http://www.faap.br/revista_faap/revista_facom/facom_18/martin.pdf http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/cinema/dossier/meninoselvagem.pdf http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/cinema/dossier/meninoselvagem.pdf http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/cinema/dossier/meninoselvagem.pdf http://www.youtube.com/watch?v=r0_uC-cX50w http://www.youtube.com/watch?v=r0_uC-cX50w LIBRAS 4. locutores, a opinião dele a respeito do método oral e do abandono da sinalização, foi considerada prontamente. É importante destacar que os surdos, ainda que na época, já houvessem profissionais formados, gradua- dos e mestres, não foram convidados a participar do evento. Após o Congresso, tiraram das escolas os professo- res e os profissionais surdos, buscando impedir naquela e nas próximas gerações o desenvolvimento saudável de uma cultura e identidades surdas. As crianças surdas eram impedidas de contato com a comunidade surda, muitos eram internados em asilos até que se tornassem aptos a retornar ao convívio familiar, uma visão deficiente das características do sujeito. O oralismo firmou-se e fortaleceu-se, pensado como metodologia de ensino, vigorou por, aproximada- mente, um século, causando insucesso na vida escolar dos surdos,mesmo nos mais oralizados, como a defa- sagem em termos de compreensão, a exclusão no con- texto familiar, educacional e social de àqueles que não davam conta da oralização eficiente, o desrespeito às características e às necessidades do sujeito, com base no senso de igualdade e de justiça. Mesmo com a imposição do oralismo, entendeu-se que, onde há surdos, há sinalização, ou seja, privar o indivíduo de uma utilização legal e produtiva de seu modo singular de comunicar-se, significa privá-lo das interações dialógicas com seus pares. Portanto, coexis- tiu, no meio educacional, o método gestual francês de L’Épée e o método oral alemão. Ainda que, a sinalização fosse mascarada, os sur- dos, inseridos nas escolas, longe dos cuidadores, faziam dessas, um centro da preservação da língua, preser- vando, ainda que de modo mascarado, escondido e disfarçado, características, culturais e saberes para as gerações posteriores, prova disso é a subsistência da língua sinalizada. Compreendendo a linguagem existente no sujeito e a necessidade de firmar-se em termos culturais e identitários, a língua de sinais não se extinguiu, como planejavam os opressores. Os surdos mesmo separa- dos dos pares, com o objetivo de normalização, sinaliza- vam pelos corredores das instituições, atendendo suas necessidades dialógicas. Após anos de opressão, dá-se início a compreen- são de que a língua de sinais seria a que melhor atendia às necessidades do sujeito, mas não lançavam mão da oralização, justificada a princípio de que faria do surdo alguém aceitável com melhores condições de se rela- cionar na sociedade ouvinte. Mas, quem não consegue comunicar-se afinal? Os surdos, ou os não-surdos? Foi no início do século XX que se inseriu, no âmbito educacional, a comunicação total, por meio da qual a língua de sinais passou a ser ‘aceitável’, ficando conhe- cida como método combinado ou simultâneo, visto que se utilizava da soletração, da sinalização, da leitura labial, da fala e da amplificação dos sons, tudo ao mesmo tempo, no entanto, não foi eficiente para o ensino dos surdos. Dentro da comunicação total encontramos o Bimo- dalismo, também conhecido como Português Sinalizado (no Brasil). Esse método utiliza a língua de sinais, orga- nizada e estruturada, na gramática da língua oral, no entanto, essa estrutura é inadequada, pois não é capaz de atender às necessidades comunicativas dos surdos, ainda que seja de modalidade visuogestual, pois ela faz uso da estrutura, das regras e das bases da língua oral, o que a torna incompreensível para os surdos. A partir dessa observação, das lacunas deixadas pelo modelo da comunicação total, os estudiosos come- çam a investigar a completude da língua de sinais. Na década de 1960, os estudos de Willian Stokoe destacam que a linguagem de sinais atendia todos os requisitos necessários para ser considerada Língua; desde sua organização, estrutura, gramática e comple- xidade, quebrando os mitos de que ela estaria subordi- nada às línguas orais, tornando inadequado continuar a chamá-la de linguagem. Com base na compreensão de língua com suas regras e suas singularidades dá-se início à educação para surdos, dentro de uma proposta bilíngue de ensino, não nos moldes de língua estrangeira oral, mas bilíngue e multicultural, a qual o sujeito tem sua língua natural (sinalizada, gestual) como língua de instrução, a língua do país na forma escrita, mas também suas particularidades, sua identidade e sua cultura como ponto de partida para o trabalho dentro das instituições educacionais. CULTURA SURDA 5. 1.1 Políticas Públicas que sustentam o modelo Como percebemos até aqui a educação de surdos passou por momentos de ascensão para o povo surdo2, e de insucesso pelas imposições ouvintistas33. Isso por- que os surdos não conseguiam responder ao modelo oral em sala de aula, ou estavam apenas inseridos em meio aos ouvintes (nem integrados, nem incluídos), ou em classes e escolas especiais com professores que também não foram ensinados a trabalhar e/ou a respei- tar suas singularidades. A Constituição Federal, de 1988, nos Artigos 205 a 208 trata sobre uma educação de qualidade, que alcance a todos, garantindo o acesso e a permanên- cia de todas as pessoas na rede regular de ensino; em 1994, a Declaração de Salamanca, ressalta a necessi- dade de que as propostas de inclusão deixem de per- tencer apenas aos registros e passe a fazer parte das ações educacionais, ideais que se concretizam aos pou- cos, mas estão registradas tanto na Constituição (1988), como na LDB n. 9.394/96, garantindo o acesso, a con- tinuidade, o respeito às questões culturais e à educação de qualidade, sem distinção, na qual, todos podem estar matriculados em escolas regulares e possam receber atendimento educacional especializado (Resolução CNE/CEB n. 04/2009). Os surdos viram seus direitos serem marcados, significativamente, a partir do ano de 2000, com a Lei 2 Povo surdo refere-se àqueles que têm a surdez como carac- terística, não envolve os povos ouvintes, entende-se que são usuá- rios (ou não) da Língua de Sinais, mas se identificam pela condição, pela característica, ou pela singularidade que é o não-ouvir. Diferente de Comunidade Surda; a comunidade surda compreende de surdos e não surdos (ouvintes), compartilham ideias e a língua de sinais, lutam por objetivos comuns, como a divulgação e a valorização da língua de sinais, o respeito aos surdos em suas características, cul- turais e múltiplas identidades, entre outros fatores. O povo surdo não envolve pessoas que ouvem, mas a comunidade é formada por pais, familiares, amigos, estudiosos, curiosos, sejam eles surdos ou não surdos, o que vale é compartilhar, envolver-se, participar e interagir com respeito e por meio da língua de sinais. 3 Podemos compreender por ouvintismo, quando o sujeito surdo é obrigado a se olhar e se narrar de acordo com um referencial de ouvinte, a busca por uma normalidade mascarada; os ouvintes impõe-lhe um modo de ser, de comportar-se, de comunicar-se, com- preendendo como melhor para o sujeito, aquilo que a maioria (no caso, os que ouvem) pode compreender. E, ouvintista é aquele que faz valer tais ideias, oprimindo, impondo, excluindo a cultura do surdo. Pode-se informar melhor sobre o termo em Skliar (1999 e 2005). de Acessibilidade (Lei n. 10.098/00), garantindo seu direito ao intérprete de Língua de Sinais Brasileira ou Língua Brasileira de Sinais (Libras) nos diferentes espa- ços sociais, assim como, a valorização de sua língua como meio principal de expressar-se; posteriormente a Lei n. 10.436/02, oficializa a língua de sinais Libras como segunda língua oficial do Brasil, ambas regula- mentadas pelo Decreto n. 5.626/05. Apesar da oficialização da língua de sinais ser um grande acontecimento, o Decreto é quem efetiva as ações; traz a obrigação de que as instituições contratem profissionais conhecedores da língua de sinais, insere a obrigatoriedade da disciplina de Libras nos cursos de formação de fonoaudiólogos e de professores (para exercício do magistério, em nível médio, ensino superior ou pós-graduação), mas não deu conta de regulamen- tar duração, conteúdos e necessidades dessa disciplina, permitindo que cada instituição defina e organize como melhor lhe aprouver, deixando, ainda, lacunas na inser- ção da Libras. Como ação positiva, destacamos que o Decreto n. 5.626/05, Capítulo 1, Artigo 2, trouxe a luz quem são os sujeitos e como compreendê-los: Art. 2. Para os fins deste Decreto, considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda audi- tiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Bra- sileira de Sinais - Libras. § Único. Considera-se deficiência auditiva a perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audio- grama nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz (BRASIL, 2005). Assim, nãonos cabe discutir se é esta ou aquela característica que melhor define os sujeitos, visto que tanto o surdo, quanto o deficiente auditivo são identifi- cados pela perda auditiva, mas as experiências, o uso da língua de sinais e a própria cultura é que permitirá que o sujeito se defina, ou seja; não está nas mãos dos clínicos, ou dos profissionais da educação dizer se o sujeito deve ser considerado deficiente auditivo (D.A.) ou surdo, compreende-se, agora por meio da Lei, que perdas auditivas são características de ambos em ter- mos clínicos e normalizadores, mas em termos culturais, o sujeito é capaz de se autodefinir, cabe-nos acatar. LIBRAS 6. Para subsidiar a formação dos sujeitos surdos o intérprete de Libras passa a ser reconhecido como profissional, conforme a Lei n. 12.319/10, até então, não havia garantias legais para o profissional intérprete de Libras, nem uma definição de sua função, a Lei foi aprovada em 1º de setembro de 2010. Essa breve apresentação das políticas públicas que envolvem o surdo, nos permite observar o quanto é recente a busca pela compreensão das características, da cultura e da identidade dos surdos no Brasil. Mas, como sugere nossa disciplina, necessitamos adentrar no tema e esclarecer o que é cultura e o que é cultura surda, a qual traremos a seguir. 2 . Cultura e cultura surda Para compreendermos os objetivos da disciplina, precisamos, primeiro, compreender o que é cultura. Segundo o Abbagnano (2007, p. 261-265), cultura tem dois significados básicos, o primeiro e mais antigo está relacionado ao refinamento do homem, a sua for- mação. O segundo indica o produto da formação, os modos de pensar, de viver, de relacionar-se, cultivados, civilizados e polidos. Hoje o significado é utilizado para indicar um con- junto de modos de vida adquiridos e transmitidos pelos membros de uma determinada sociedade, de uma geração à outra; uma formação coletiva, anônima. Portanto, cultura é um termo que pode designar tanto as formas mais progressistas de civilização até as mais primitivas, há uma diversidade de definições explo- radas para explicá-la. E, como esse termo é definido por diferentes estudiosos, e não esgota em si mesmo, utilizaremos as definições de Álvaro Vieira Pinto. Pinto (1979), define cultura enquanto criação humana resultante da contradição principal do homem, àquela existente entre ele e a natureza; uma coletânea no processo de hominização4, ou seja, o homem altera 4 Trata-se do desenvolvimento evolutivo do homem, carac- terísticas que o diferencia dos primatas, até chegar ao homem atual ou ao homem contemporâneo. Para maiores informações consultar: SANTOS, L. N. A. o Processo de Hominização do Sujeito: reflexões iniciais. Ponto de Vista. Florianópolis, v. 1, n. 1, jul/dez. 1999. Disponível em: <http://www.perspectiva.ufsc.br/ pontodevista_01/10_santos.pdf>. Acesso em: 19 ago. 2012. os meios, produz cultura, ciência através do processo de sua formação como ser biológico; ele é capaz de trans- formar e de inovar as operações exercidas sobre a natu- reza. Os atos acumulam-se na consciência comunitária e os resultados favoráveis são recolhidos, conservados e transmitidos a outras gerações. As inúmeras teorias sobre cultura são consequên- cias do processo de modificação da sociedade e das relações sociais; cada teoria resulta de uma história particular, portanto, não se chega a um único e exato significado do termo. Compreende-se que, a cultura molda os sujeitos e, segundo Pinto (1979), é o processo pelo qual o homem acumula experiências; ele produz cultura por uma necessidade existencial, apropria-se dela e por meio dela postula as finalidades de sua ação. Nos tempos atuais o homem em vez de dominar a cultura, aliena-se a ela, que se torna superior a ele; assim ficam aparentes algumas consequências dessa alienação, um exemplo é tomar por culto àquele que cultiva valores culturais alheios. Quando isso acontece, o homem se torna um bem de produção não para si, mas para o outro; converte-se em instrumento de utilização alheia, estabelece-se um regime de convivência injusto e desumano; aparecem às desigualdades, surgem às classes sociais, é o duplo caráter de cultura: bem de consumo e bem de produ- ção, no qual derivam as desigualdades sociais. Cultura é uma síntese da dupla capacidade que o homem adquire de agir fisicamente; a união de modos opostos de ser e de se produzir. A unificação entre os dois lados da cultura, o homem cumpre pelo fato de existir. Somente o homem na sua atividade construtiva cria a cultura; portanto ela é um atributo sempre humano, no qual o homem atua sobre o mundo, faz-se a si próprio e cria produtos e condições necessárias para conservar-se; é ele quem produz tanto a cultura quanto a sociedade e é produzido por ela. No entanto, quando passamos a discutir cultura surda, não deixamos de lado as definições existentes e tomamos uma nova; os conceitos existentes são considerados e particularidades, dos surdos, são acrescidas a ela. http://www.perspectiva.ufsc.br/pontodevista_01/10_santos.pdf http://www.perspectiva.ufsc.br/pontodevista_01/10_santos.pdf CULTURA SURDA 7. Álvaro Vieira Pinto (1979) fala da cultura como ação inteligente do homem, está no meio, transforma e é transformado por ele, fato que nos permite compre- ender que se os surdos têm um modo particular de agir, de ser, de interagir, também, produzem cultura, segundo suas especificidades, transformam por meio de sua pro- dução e são transformados por ela. Portanto, tratar da cultura surda, é falar de algo tanto particular quanto geral, tanto individual, quanto coletiva; é transformar pensamentos e ações, algo em constru- ção a ser desvelada. Existe mesmo uma cultura surda? Os surdos percebem o mundo pela experiência visual, compartilham experiências com outros sujeitos surdos e com isso podem ser identificados como per- tencentes a um povo de língua e de cultura singulares; compartilham da Língua de Sinais, valores culturais, hábitos e modos de socialização próprios. Segundo estudos de Perlin (1998, 2003, 2004 e PERLIN; STROBEL, 2006), a cultura surda envolve hábitos, costumes, valores, artes, identidades, Língua de Sinais, entre outros fatores e artefatos culturais. É a cul- tura surda que impulsiona o sujeito surdo em direção a si, a seu modo de ser e de experienciar o mundo, distanciando-se das práticas discriminatórias, que por longo período histórico mantiveram os surdos como minorias, na subalternidade do contexto social. Com o reconhecimento de que existe um modo próprio de ser surdo, a partir dessa percepção de si, o sujeito surdo vem construindo suas identidades5, dife- rente da hegemonia ouvinte. Para Strobel (2008), a cultura surda, assim como, a cultura geral, pode ser compreendida pelo menos em duas categorias: cultura material e não material, ou seja, há inúmeros artefatos culturais que devem ser evidenciados. Da cultura material fazem parte – os instrumentos, os equipamentos e as tecnologias como: TDD, viável (ou viable), aparelho celular para mensagem de texto, MSN, instrumentos luminosos como campainha, sinais de trânsito, informação luminosa, sinalizadores em casa 5 Não existe uma única identidade surda, mas são múltiplas identidades. Para entender melhor as identidades surdas leia Perlin (1998, p. 51-73). e nas escolas onde há surdos, despertadores na função “vibra”, close caption (legenda na televisão), babás sina- lizadores (eletrônica), janela com Libras na televisão, o intérprete de Libras6, entre outros. A cultura não material envolve: pedagogia surda, literatura surda, currículo surdo, história cultural e a Libras. Mas, como compreender melhor a cultura surda? Quais as características dos sujeitos e o que nos importa compreender quando relacionado à educação? 2.1 Cultura surda A cultura surda sempre foi motivo de debates, marcada por muitos estereótipos, bases que buscavam estabelecer uma compreensão nos referenciaisouvin- tes, impondo uma normalização que limita, impede e torna o sujeito portador de uma deficiência. Portador, porque a deficiência no surdo e a falta de credibilidade na existência de uma cultura surda, dá-se pelo conhe- cimento limitado que se tem sobre os surdos e suas características, seus potencialidades, suas necessidades e sua subjetividade, assim sendo, não é nada surpreen- dente que ainda se diga que não há cultura surda, afinal na sociedade atual, não se valoriza a cultura do outro que são julgados como ‘diferentes’. Certamente, não se trata de uma cultura única e homogênea, um único modelo, assim como, a iden- tidade, a cultura surda é multifacetada, e traz consigo especificidades, as quais definem a cultura surda e vão além da língua de sinais, como veremos a seguir. Cultura Surda é transformação, despontar e desper- tar, permitir que as novas gerações de surdos possam fazer uso e aprimorar os instrumentos e a historicidade vivida, desenvolvida e acumulada pelas gerações ante- riores. Ela modifica-se, atualiza as mudanças na própria língua de sinais, o modo de ser surdo hoje, de lutar pelos direitos, de exercer e buscar sua cidadania, seu lugar no mundo do trabalho para além da linha de produção. 6 Língua Brasileira de Sinais ou Língua de Sinais Brasileira, ambos os termos são utilizados, no entanto, Sassaki destaca que o termo mais correto é Língua de Sinais Brasileira. Para compreen- der melhor leia o texto de Romeu Kazumi Sassaki, em seu material complementar ou no site: Disponível em: <http://www.pjpp.sp.gov. br/2004/artigos/22.pdf>. Acesso em: 19 set. 2012. http://www.pjpp.sp.gov.br/2004/artigos/22.pdf http://www.pjpp.sp.gov.br/2004/artigos/22.pdf LIBRAS 8. Faz-nos compreender que a cultura, aquela que tira o homem da zona de conforto e faz dele mais humani- zado, mais sábio, aparece cada dia mais por intermédio das mãos dos sujeitos surdos. Quem não conhece os surdos, não vai além do que diz o senso comum, um olhar pouco treinado, irá visuali- zar apenas o que lhes falta, ou seja, uma deficiência que impede o sujeito de ouvir. Mas, esse sujeito que ouve não se dá conta de uma autoavaliação da deficiência que o impede de ouvir o modo singular que o outro (o surdo) tem de dizer as coisas, de comunicar-se, de expressar-se. Cabe questionar: onde está à deficiência? Quando os surdos são capazes de fazer leituras labiais (que são estressantes), treinamentos para a fala, no entanto, aquele que ouve, o não-surdo, ainda permanece, ape- nas, no apontamento do que foge a norma. Para compreender os surdos, para longe da visão deficiente formada através dos tempos, vamos iniciar a discussão das características surdas. 2.1.1 Cultura e características surdas: família, relacionamentos e desenvolvimento da linguagem As maiores dificuldades dos sujeitos surdos estão no relacionamento familiar, isso porque cerca de 95% dos nascidos surdos, pertencem à famílias ouvintes. O relacionamento familiar pode ser o primeiro local (mascarado) de exclusão, e de preconceito da criança surda, pois é no seio familiar que a criança tem o pri- meiro contato e, geralmente, ela é vista como defeituosa, manchada, impura, fato que nem sempre é consciente. Desde que nasce o sujeito está condicionado a investigações, treinamentos de fala e de imposições ouvintistas7, tende a passar a maior parte do tempo 7 Segundo Skliar (1999; 2005), ouvintismo é o modo de olhar e narrar o sujeito, tendo como ideal a normalização, as imposições ouvintistas, tendem a impor o modelo de quem ouve, da sociedade em sua maioria ouvintes, como o mais apropriado, assim os surdos são obrigados a aprender, a conviver e a desenvolver-se como se fossem ouvintes. Imposições ouvintistas limitam a cultura e impedem o desenvolvimento sólido de uma identidade surda no sujeito nas mãos de clínicos que durante muitos séculos vêm ditando regras, de como e com quem devem se relacionar, qual o melhor modelo de linguagem e até mesmo, como deverá ser ensinado. Fato que discutire- mos mais adiante. Quando na família surda nasce um filho ouvinte, não há choro, nem luto, há uma preocupação em ensi- ná-lo a língua majoritária, o respeito a identidade de quem ouve. Assim, pais surdos ensinam seu filho a ser bilíngue, a criança cresce estimulada ao uso das características visuais, que fazem parte da cultura daquela família, mas não restrita ao uso da língua de sinais, pois os pais têm consciência de que o filho deve aprender a se comu- nicar com eficiência na língua oral, sem desprezar as características dos pais. Há interação entre os membros da família e respeito às características do filho que ouve; mas, ao contrário do que pensa a sociedade, os filhos de surdos nem sempre tornam-se intérpretes, ou são usados como tal. Devido à história de subalternização de identidade e de cultura, de exposição a intensos treinamentos de fala e de leitura labial, os surdos estão habituados a enfrentar a sociedade tal como ela é. Ainda que, almejem mudanças e lutem pela efeti- vação das leis que já estão regulamentadas, os sujeitos surdos vão aos mais diversos lugares na sociedade, buscam modos de comunicar-se e fazer-se entender, o que demonstra que não é o nascimento do filho ouvinte, o sinônimo de libertação e de comunicação social para o surdo, esta batalha comunicativa, ele já deu conta de resolver. Um filho ouvinte para família surda é, simplesmente, o nascimento de “um filho”, será amado e respeitado; quem o sufoca é a sociedade, a qual diz que ele será um futuro intérprete para os pais e para os outros, ao estabelecer o estereótipo pelo senso comum. Quando o contrário acontece e nasce um filho surdo em uma família de ouvintes, ele, normalmente, é privado das interações sociais que atendam às suas necessidades e às características visuais, ou seja, ele é obrigado a modificar seu modo de interagir e de expe- rienciar o mundo. CULTURA SURDA 9. Ao nascer uma criança surda, em lares de ouvin- tes, até, aproximadamente, os seis meses de idade desenvolve-se sem diferenças acentuadas, após esse período, as diferenças começam, pois as primeiras pala- vras, normalmente, não surgem com naturalidade como nos não-surdos, a linguagem dá-se de modo limitado ou com defasagem, geralmente, lhe é oportunizada pouca ou nenhuma exposição a língua de sinais. Filhos surdos, nascidos em famílias surdas, iniciam precocemente a comunicação, ou melhor; iniciam a comu- nicação sinalizada, naturalmente desde o nascimento8, estimuladas pelos pais, capazes de esclarecer suas dúvi- das, suas curiosidades; sentem-se pertencentes à socie- dade, sua autoestima e sua identidade fortalecem-se, eles sentem-se mais seguros, pois convivem com iguais. Surdos nascidos em famílias de surdos têm suas características respeitadas, suas primeiras palavras surgem naturalmente, lhes são ensinados valores e comportamentos. Eles aprendem a cultura dos pais, desenvolve-se sem empecilhos, até mesmo em termos educacionais, pois as interações e a afetividade estão presentes. Ele não é tido como anormal, nem é cobrado por modos e por atitudes que não condizem com suas características. Surdos têm como principal característica as expe- riências visuais. Ser visual, ter um olhar bem trabalhado, faz parte da anatomia do sujeito, não utilizando aqui uma teoria inatista, mas tal característica está reconhecida, como já vimos, no Decreto n. 5.626/05. Quando entendemos que o sujeito necessita ser respeitado e compreendido como um sujeito de carac- terísticas visuais, minimizamos as barreiras impostas durante séculos. A fim de melhor definir o surdo, ressaltamos que ele é visual, detalhista e capaz. Detalhista ao extremo, principalmente, nos primei- ros encontros, pois ao encontrarem com uma pessoa surda ou ouvinte, pela primeira vez, o sujeito passará por um interrogatório, natural para a cultura surda, no entanto, para a cultura ouvinte (não-surda), pode causar estranhamento. 8 Assistaao vídeo postado sobre comunicação com o filho surdo. Conversa com Bebê em Libras: língua brasileira de sinais. Disponível em: <http://youtu.be/OqOBKWi2Ak0>. Acesso em: 28 ago. 2012. Geralmente, na sociedade ouvinte, tememos per- guntar e ensinamos os filhos a manterem os ouvidos atentos, mas a boca fechada. Crescem sendo policiados quanto ao que consideram politicamente correto, nosso modo de relacionar, de responder, nossa leveza nas palavras, forma indireta de interagir com o outro, com o que dizemos, ou seja, a comunidade ouvinte tende a ser polida ao extremo, a ser educada na comunidade que ouve. Geralmente, a comunidade ouvinte tende a ser ensinada sobre o que dizer em determinado tempo ou lugar. Os surdos por serem sujeitos visuais, trabalham com um modo de memória que dá especial atenção aos detalhes, tornam-se “detalhistas” e esse é um dos principais conflitos de cultura. No primeiro encontro questiona, pergunta tudo, reserva na memória todos os aspectos relevantes da pessoa que conheceu, como, por exemplo, o modo de vestir, a idade, detalhes de seu humor, dados pessoais que você lhe permitiu alcançar. É claro que a cultura da comunidade ouvinte, tende a questionar tal atitude, no entanto, para os surdos essa atitude é normal, visto que para eles é necessário conhecer bem e profundamente a pessoa. A partir daí inicia-se um relacionamento, no qual o sujeito conhece seus detalhes, sua personalidade e suas características próprias, que apenas o olhar bem trabalhado e desenvolvido é capaz de definir, como, por exemplo, mudanças de humor (alegria, tristeza, irritabilidade), problemas de ordem particular, mudança comportamental, mudanças físicas mesmo que míni- mas, detalhes que passariam despercebidos se não fora sua capacidade de compreender e de interagir com o mundo por meio das experiências visuais. Não é estranho quando um professor entra em sala com um leve corte no cabelo e os surdos prontamente questionam o corte que fez, ou quando dão destaque ao humor do professor apenas ao observar o uso de determinada roupa, modelo ou cor, o surdo é capaz de descrever o estado de espírito do professor, portanto, baseada na observação dos detalhes de vestimenta, ou da altura do salto, a cor do batom, detalhes que não marcam a comunidade ouvinte, visto que eles, normal- mente, concentram sua atenção em outros tipos de habilidades. Não faz parte das preocupações dos surdos, o tipo de perda auditiva, de grau, de níveis. Isso é notável também http://youtu.be/OqOBKWi2Ak0 LIBRAS 10. quando se conhece um grupo surdo e se questiona, qual o nível de perda, no máximo receberemos respostas tais como: “nasci surdo” ou “fiquei surdo porque tive uma doença”, dificilmente se escuta a resposta: “minha perda é de mais de 41dB bilateral, devido a uma perda con- dutiva”. Tais informações são de interesses clínicos, nada tendo haver com às necessidades interativas e dialógicas no contexto educacional ou familiar, são bases para trata- mento e não modo de interagir ou de ensinar. Strobel (2008, p. 39), destaca que surdos per- cebem com os olhos tudo o que ocorre ao seu redor, desde os latidos do cachorro (pelo movimento da boca) ou mudanças por expressão corpóreo-facial bruta. Por exemplo: quando estoura uma bomba e faz um estrondo, todo o ambiente se altera, quando cai um objeto no chão, os surdos são capazes de perceber, pois seus olhos fazem uma substituição total aos ouvidos, ou seja, eles são capazes de identificar tudo aquilo que acontece no ambiente. Como são visuais e detalhistas, é comum que os surdos filhos de ouvintes, quando crianças, tenham a autoestima comprometida, ou seja, baixa, isso porque eles não convivem com outros surdos, pessoas com o mesmo modo de comunicar-se, não é comum seus pais terem amigos surdos, ou os colocarem em contato com a comunidade surda; isto porque nem sempre a família é esclarecida quanto às necessidades culturais e iden- titárias do filho surdo, mas apenas quanto as questões clínicas, de reabilitação ou de normalização. Como a única referência está no seio familiar, com ouvintes, suas curiosidades infantis, ou da adolescência, não são respondidas, nem todas as suas necessidades são satisfeitas, passam a ver o mundo homogêneo, no qual ela é a única desigual. Strobel (2008, p. 40) descreve que sem contato com o mundo surdo e com adultos surdos é comum que as crianças surdas acreditem que irão morrer em breve, ou que não crescerão, visto que ao seu redor, na vida cotidiana, todos são ouvintes, até mesmo os ani- mais o são, somente ela é diferente. A criança surda em família ouvinte, a qual restringe seu contato com a comunidade ou com povo surdo, pri- va-a do vínculo identificatório. Ela pode pensar, inclusive, que não existem pessoas iguais a ela, pode passar por dúvidas não sanadas, suas reflexões podem lhe causar angústias, as quais ela não saberá expor aos pais, as características surdas estarão presentes nela, ainda que, a família negue sua condição. Para nos aproximar do que intentamos explicar, basta refletir no nascimento de uma criança, quando os familiares vêm visitá-lo, ouve-se muitas frases de elogios, de bênçãos, comparações pela aparência com a família entre outras. No entanto, quando nasce uma criança surda e a família está consciente disso, os ami- gos e os familiares, não sabem bem como se comportar frente ao “problema”, assim ao visitarem preocupam-se mais em saber detalhes, dar conselhos e estímulos aos pais, falar dos melhores tratamentos e tecnologias de amplificação sonora. Os surdos nascem e desenvolvem o olhar apu- rado, substituem os ouvidos pelos olhos, observam tudo desde os primeiros contatos pós-útero; são capazes de um desenvolvimento saudável, normal9 se suas especi- ficidades forem tratadas com respeito. Por isso, os surdos destacam, metaforicamente, que ao nascer um filho surdo “parece que nasce apenas uma orelha” e essa orelha é problemática, deficiente, precisa de cuidados, tratamento, ninguém lhe diz o quanto é bela, desde o princípio. A maior parte (lembrando que há exceções) dos familiares aguardam que a pessoa surda oralize para, então, iniciar o ensino dos valores, dos comportamentos, das conversas, dos elogios, da ética e do amor, lem- brando que a oralização eficiente poderá não acontecer. Enquanto são crianças, ainda nos primeiros anos de vida, respeitam e atendem a tudo que lhes é imposto mas, a medida que crescem e se desenvolvem, tendem a buscar um grupo que valorize suas características sur- das, pois nem sempre os valores familiares, a importân- cia do relacionamento em família, foram significativos 9 Não utilizamos normal, no sentido discriminatório, com intenção de dizer que o surdo é menos normal que o ouvinte, nem ao menos de indicar deficiência, mas para destacar que a exclusão não permi- tirá uma vida, um desenvolvimento saudável, normal para o sujeito, ao contrário, poderá reprimi-lo, segregá-lo ou até mesmo excluí-lo. Normal seria que o sujeito pudesse crescer em contato com a cultura dos pais (se ouvintes) e com a cultura surda, assim poderia definir sua identidade, com vínculos saudáveis, suas dúvidas seriam sanadas e suas necessidades, culturais, linguísticas e identificatórias, bem como curiosidades seriam, prontamente, atendidas e respondidas. CULTURA SURDA 11. e assim, é comum que na adolescência, encontrem grupos que acolhem, aprendem ou utilizam uma língua sinalizada (surdos ou ouvintes sinalizadores), que lhe dedicam atenção e apoio, portanto, é comum relaciona- rem-se e apegarem-se a esse grupo, independente de laços anteriores, valores ou crenças. Um exemplo, entre muitos, foi o dia em que eu fui convidada a participar de uma reunião com os pais de uma estudante, adolescente de dezesseis anos, bem oralizada, a mãe da estudante estava visivelmente aba- tida, visto que a filha sempre fora educada, carinhosa, seu relacionamento com a família era admirável. A ado- lescentehavia encontrado com um grupo de adoles- centes não-surdos que aprenderam a língua de sinais e iniciaram um relacionamento de amizade com ela. Esse fato levou a adolescente a compreender aquele grupo como ideal, pois nele encontrava conforto, consolo, interação. Ela acreditava ser melhor estar ali do que com a família, passou a comportar-se como o grupo comportava-se e a desprezar o convívio com a família. Com o passar do tempo, não dava mais atenção aos conselhos dos pais e começou a beber, sair a noite, desrespeitar ordens, horários e a agredir os pais fisica- mente, acusando-os de não amá-la. O assunto foi relatado à comunidade escolar, visto que a estudante se recusava a conversar com a família pela oralização, ela começou a usar em casa apenas a língua de sinais, pois, compreendia que se seus colegas aprenderam e a utilizavam, a família, também, teria con- dições de aprender. Para surpresa da família, quando a mãe a acusou de agressão e mostrou as inúmeras marcas roxas pelo corpo, a filha respondeu: “Bati, sim! Mas porque ela bateu primeiro! Quem ela pensa que é?”. Deste modo percebe-se o sentimento de não pertencimento, ainda que, aquela mulher a tivesse criado e fosse sua mãe bio- lógica, ela esqueceu de fatores primordiais, tais como: ensinar valores e relação de alteridade a filha, coisas que são ensinados aos filhos desde o nascimento, até mesmo a partir do modo de olhar. O fato de a adolescente ser oralizada não foi sufi- ciente para que a língua oral fosse capaz de ensinar-lhe o principal. No entanto, ao conversar com a estudante por meio da língua de sinais, explicando as condições do grupo, ao qual estava agregada, bem como a neces- sidade de respeito aos seus pais, esclarecendo dúvidas simples ligadas à família e aos valores, foi fundamen- tal para que houvesse uma modificação gradativa no comportamento da adolescente, assim como, a inserção dos pais em curso básico de língua de sinais, o que deu a eles autonomia para resolver situações e conflitos familiares sem exposição. Coisas simples que ela não conseguia compreender, pois não eram ditas por meios que ela pudesse compreender. Claro que você enquanto não-surdo, deve estar questionando-se, “Impossível! Todas as pessoas com- preendem que os pais são autoridades em casa!”. Nós somos seres sociais, Marx e Engels (1996), destaca que todos nós indivíduos, nos tornamos indivíduos a partir da vida social e somente na sociedade podemos isolar-nos; o que demonstra que somente nas relações é que nós nos constituímos como seres históricos sociais, interagi- mos, damos e recebemos sentidos e significados para as coisas e para as próprias relações que estabelecemos. Portanto, se ninguém diz ao sujeito quem eu sou e quem ele é, muitos equívocos surgem na relação e muitas lacunas relacionais permanecem. Exemplos ainda mais sérios dar-se-ão quando nos anos finais do ensino fundamental são trabalhados com genealogia e, ao questionarem aos surdos sobre o nome de seus pais, normalmente, a resposta falada ou sinalizada é: “PAPAI... MAMÃE...”. A leitura que podemos fazer é de não pertenci- mento, por isso ao encontrar um grupo com afinidade, normalmente, por intermédio da língua de sinais, os sur- dos tendem a investir e dedicar-se inteira e intensamente a ele. Seu comportamento e suas ações são, em con- sonância, com o grupo, seus princípios e objetivos. Isso porque as crianças e os adolescentes surdos dificilmente encontram modelos satisfatórios dentro de sua família, que sejam capazes de criar e de desenvolver vínculos. A sociedade e a família dedicam seu tempo em práticas normalizadoras, investimento em tecnologias, aparelhos de amplificação para aproximar o surdo do ideal ouvintista. No entanto, muitas dessas práticas, nor- malizadoras, vão sendo deixadas de lado pelos surdos ao longo da imersão na cultura surda. Vejamos, a seguir, os hábitos, os costumes e os estigmas que envolvem os surdos. LIBRAS 12. 2.2 Hábitos, Costumes e Estigmas Lane (1992, p. 21-22) destaca que a sociedade é que os faz sofrer de surdez, nenhum surdo sofre pelo fato de ser surdo, mas é o olhar social de misericórdia e de deficiência que faz com que pensemos assim. Na sociedade a surdez é estigmatizada, sendo que, o estigma é sempre algo relativo; um exemplo é que na sociedade excludente e capitalista em que estamos inseridos, a linguagem bem elaborada, a boa articulação na fala é privilegiada, “[...] no estereótipo ouvinte, a sur- dez representa a falta e não a presença de algo” (LANE, 1992, p. 23). Tanto é estigmatizada que se faz comum, quando alguém não compreende, o que o outro diz, utilizar-se da frase: “você parece surdo”, ou estava conversando com ele, mas parecia um “diálogo surdo”, quando não há compreensão mútua; fato que não representa de modo algum a surdez, ou os surdos. Quando estão em grupos, os surdos conversam por meio da língua de sinais, riem, brincam, provocam, existe comunicação com compreensão, diferente dos estigmas e dos estereótipos construídos socialmente. Observemos o seguinte depoimento, retirado de Lane (1992, p. 23): quem é surdo não pode ter a mesma orien- tação e segurança no seu ambiente que nós temos no nosso, com certeza, que não podem apreciar a música, dizemos a nós próprios; nem participarem numa conversa, ouvir anúncios ou utilizar o telefone. A pessoa surda anda à toa, parece que está numa redoma; existe uma bar- reira entre nós, por isso o surdo está isolado. Esse é o modo como a sociedade percebe o surdo, um sujeito isolado e só. No entanto, não é isso que acontece nas comunidades surdas. Os estereótipos relacionados aos surdos trazem o sujeito como: pobre, ingênuo, com comportamento infantil, pronto para trabalhos que não exigem muito raciocínio, pois entendido como doente e deficiente, tem direito a nossa tolerância, compaixão e auxílio, segundo Lane (1992, p. 24), os surdos, considerados muito desenvolvidos, ou excepcionais, são aqueles capazes de ler os lábios e de falar, pois assim se tornarão um sujeito “distinto e elegante”. As comunidades surdas não estão isoladas, por isso ao fazer parte de uma comunidade surda, percebe-se que não há comportamento infantilizado, nem sujeitos limitados intelectualmente pelo fato de que não ouvem, portanto, nada lhes falta. Na comunidade surda nem mesmo os não- surdos (ouvintes) são excluídos, a adesão de novos mem- bros não é decidida por meio de laudos ou de diagnósticos. Por falarmos em diagnósticos, é necessário conside- rar que são esses, parte integrante do trabalho dos profis- sionais clínicos, que trazem consigo moldes estigmatiza- dos, rotuladores, que envolvem um numeral, um gráfico de perda auditiva significativa ou não, no entanto, como destaca Lane (1992, p. 38), nada, ou quase nada tratam sobre as características dos surdos. Ou seja, os diagnós- ticos rotulam os surdos e nada falam sobre a percepção visual, os modos como os surdos pensam, raciocinam, os melhores meios de ensiná-lo, considerando suas particu- laridades e as características que definem o sujeito. Quando nos deparamos com um modelo conside- rado de deficiência ou de enfermidade, tendemos a não dar o valor necessário ao modelo cultural, pois o rótulo tem seu próprio ritual de poder, indica quem e como devemos tratar. Nas comunidades surdas descobrimos um mundo às avessas, para os que ouvem, a objetividade nas ações e nos discursos são parte notória do povo surdo. Não espere que os surdos façam “rodeios” para dizer-lhe algo. Os surdos são diretos e objetivos, diferente do mundo ou da sociedade ouvinte, onde se é condicio- nado a comportamentos como: o que e de que modo devemos dizer ao outro uma determinada verdade; por exemplo, se achamos que alguém está mal vestido, ou se alguém diz, ao apresentar-nos a outro, que é muito amigo e na verdade não o é, geralmente, mantemos certa discrição, ainda que não seja verdade, ou seja, nada dizemos, não interferimos dizendo: “não é bemassim, somos apenas colegas”. Já, para os surdos, tudo é dito, não há meias verdades e, dificilmente, algo é mantido em profundo sigilo. Pronta- mente sinalizariam que sua roupa não está combinando, ou que vocês são apenas colegas, amizade é algo muito profundo e significativo, entre outros apontamentos. Na comunidade surda há transparência e compar- tilhamento; um segredo, também é compartilhado entre CULTURA SURDA 13. amigos profundos, como a comunidade surda é muito unida, eles são muitos amigos. Compartilhar informações e ser direto e objetivo são características do povo surdo, assim como, a própria lín- gua de sinais. Quando os surdos vão a uma festa logo procuram por uma mesa, Strobel (2008) explica esse fato dizendo que, quando você entra em uma festa onde se misturam surdos e não-surdos, é visível o povo surdo em volta da mesa, isso acontece porque a mesa serve de apoio enquanto sinalizam, normalmente, eles comem pouco em festas, pois estão acostumados a se reunir para comer e sinalizar e, como é muito comum deixarem de comer para interagir, ao retomar a alimentação, dependendo do tempo que durou o discurso, ela já não terá a mesma temperatura. Os ouvintes ao se conhecerem logo perguntam o nome, surdos costumam conhecer alguém e pergun- tar se tem sinal, mas não é um sinal qualquer, é um nome gestual, uma forma de batismo que o identifica. Exemplificando; ao entrar para uma comunidade surda, recebe-se um SINAL, que tem haver com alguma característica que o faz reconhecido, lembrado; e o torna aceito pela comunidade surda. Receber um sinal é como ganhar um novo nome. O sinal recebido, não poderá, ou pelo menos não deverá ser substituído, será por meio dele que os surdos o identificarão, assim como, o lugar onde mora e suas características, ou seja, identificam a pessoa que você é e representa para a pessoa surda. O nome de batismo, a partir do alfabeto manual ou datilológico, não será tão importante para eles quanto o sinal recebido. Então, ao encontrar-se com um surdo, duas coisas certamente lhe serão perguntados: qual é o seu sinal e se você é surdo ou ouvinte, se você for surdo, não espere que ele lhe pergunte o nível, grau ou tipo de surdez que você tem, se você for ouvinte, possivelmente lhe perguntará se sabe Libras. Se sua resposta for nega- tiva, aguarde conselhos para que você aprenda, afinal estão sempre dispostos a ensinar. Compreendendo que o sujeito é essencialmente visual, e sua língua é expressa no espaço, os olhos do interlocutor devem estar diretamente ligados à expres- são do seu discurso (rosto e mãos), quer dizer que virar as costas, ou olhar para os lados, demonstrarão desin- teresse, desprezo pelo sujeito que diz. Ainda que, se estabeleça uma comunicação oralizada, não se desvia os olhos do sujeito surdo, pois devemos lembrar que devido às suas características, a mudança de direção do olhar indicará desprezo ou descaso, podendo causar inúmeros conflitos comunicativos. O toque está integrado às características do sujeito, lembre-se de que nada adiantará gritos, batidas, meios auditivos de chamar a atenção, mas sim o toque de leve no ombro se você estiver próximo, jamais o pegue brus- camente pelo braço. Por não saber se perdeu alguma informação, poderá tomar a atitude como afronta, por- tanto, toque-o com sutileza se estiver próximo, mas se estiver distante, procure acenar, esse é o recurso, acene os braços ou as mãos para chamar-lhe à atenção. Devido à sua condição visual, o surdo tende a fazer leitura das expressões não manuais, ou seja, expressões faciais e corporais, de suas ações, mais do que no con- texto do seu discurso. Ao conversar com o surdo, se esti- ver preocupado com algo, ou teve alguma irritação, ou alegria contagiante, explique a ele seu sentimento, para que ele não tome sua expressão de irritação ou de ale- gria como descaso com o que ele está lhe contando. Por exemplo: se ele te conta um problema de família, algo triste e você todo empolgado com algo de muito bom que lhe aconteceu e isso estará estampado no seu corpo e em sua face, o sujeito surdo poderá compreender como uma resposta errônea a tristeza que ele lhe expressa. Do mesmo modo, quando se faz elogios ao surdo, com expressão de irritação e mãos na cintura, devido a um acontecimento externo que lhe causou estresse; para o surdo ficará subentendido como algo ruim, ou inadequado feito por ele, não interpretará seu elogio positivamente. Em um grupo ouvinte isso é comum, aguarda-se o outro concluir e dizemos, agora quero lhe contar algo de bom que me aconteceu, pois a cultura ouvinte, não tende a fazer uma leitura imediata de suas expressões e sim do que ouve, da entonação de voz, por exemplo. Exemplos vistos em sala de aula, na qual o profes- sor entra carregando consigo uma carga de problemas de trânsito, de família e dá início a sua aula, natural- mente, mas para o surdo o modo como o professor se posiciona, ao passar a mão pelo rosto demonstrando ansiedade, ao colocar as mãos na cintura, ao manter o rosto com expressão de ira, ao olhar várias vezes para o surdo (pensando em outra situação), o faz subentender que é com ele o problema, ainda que ele não identifique qual é, a resposta poderá ser imediata, com agressivi- dade ou afronta contra o professor, ou seja, defesa. LIBRAS 14. A sociedade, de modo geral, como podemos com- preender, contribuir e desenvolver relações justas: ao encontrar com um grupo surdo, mante- x nha-se atento aos sinais. Se não compreen- der, eles minimizam sua sinalização (modo e intensidade de comunicação), a fim de que o ouvinte o compreenda; sair sem despedir-se é tomado como desprezo, x tanto quanto dar as costas ao surdo. Portanto, as despedidas são sempre muito demoradas, mas, culturalmente, necessárias; iluminação é essencial, onde há surdos, há luzes x acesas, jamais os convide para um jantar a luz de velas, por exemplo, ou para um bate papo às escuras em ambiente pouco iluminado; quando não entender o que foi dito, não balance x a cabeça em sinal de compreensão. Seu corpo e sua expressão falam por si. Portanto, diga pron- tamente que não entendeu, peça para repetir ou escrever, essa atitude é considerada normal; ao conversar com um ouvinte, é normal rir de x diversas coisas, olhando para qualquer lugar, se fizer isso e olhar para um surdo, poderá gerar con- flitos de comunicação, ele poderá concluir que o ouvinte ri dele, o que o fará demonstrar chateação e até irritação. Se há surdos no ambiente, escla- reça tudo o que é dito e motivos de graça. 2.3 A tecnologia na vida social do surdo e na do deficiente auditivo Os surdos costumam participar de eventos cultu- rais, sociais e esportivos. Eles são capazes de interagir e dar-se bem em qualquer ambiente, embora exis- tam barreiras comunicativas, ou seja, dificuldades dos não-surdos em compreendê-los. Observe fragmentos de entrevistas com depoimen- tos de surdos: Pesquisadora: Como é a sua comunicação e o seu relacionamento com surdos e ou- vintes? AJ.22 “Tenho poucos amigos ouvintes, me relacio- no melhor com os surdos, porque me compreen- dem.” (2012) A.16 “Junto com os surdos eu sempre uso Libras, com os ouvintes eu falo quando eles têm dificulda- des em me entender, acho normal ter que falar com os ouvintes.” (2012) JZ.25 “Com surdos é ótimo, natural, conversamos em Libras, somos iguais, compartilhamos ideias e senti- mentos. Com os ouvintes há muitos bloqueios, preci- samos usar a escrita. Mas, até as dificuldades, já consi- deramos como normais na sociedade [...].”.(2012) Ao perguntar aos surdos sobre seus relacionamentos, a maior parte dos entrevistados, preferem estar com surdos, no entanto, não se intimidam quando têm que se comunicar com não-surdos, pois estão habituados a lidar com as difi- culdades de interação e de comunicação dos ouvintes. Falar do uso das tecnologias, recursos materiais da cultura surda, sendo que, muitas delas estão ligadas, também, asdemais culturas, eles destacam algumas tecnologias que utilizam e consideram parte de sua cul- tura, por respeitarem suas características e por atende- rem necessidades na comunicação. Vejamos algumas: Celular para enviar torpedos os surdos esta- belecem conversas, combinam coisas, por meio do celular tais como, os ouvintes; a única diferença é que não atendem a chamadas. Estão sendo testados celulares que fazem a tradu- ção simultânea dos sinais da Libras para a fala oral e da oralização dos ouvintes para a língua de sinais, gra- vando sinais na memória do telefone celular, como um dicionário de Libras, no entanto, compreende-se que como se trata de recurso tecnológico, a comunicação se daria em uma estrutura alicerçada na língua portu- guesa limitando à compreensão. O Dispositivo de telecomunicação para Sur- dos (TDD) é o termo em inglês para telecommunications device for the deaf ou, simplesmente, Telefone para Sur- dos (TS). TDD é um aparelho telefônico que possibilita aos surdos e aos deficientes auditivos se comunicarem uti- lizando o telefone público, é também conhecido como telefone público para surdos, ele possui teclado e visor, envia e recebe as mensagens por intermédio de uma linha telefônica comum. CULTURA SURDA 15. Em vez de falar ao telefone, o usuário coloca o aparelho telefônico, público comum, em conexão com o teclado do TDD e escreve usando o teclado do apa- relho, como faz-se no teclado de um computador; para utilizá-lo, os surdos necessitarão de cartão telefônico. Por intermédio do TDD os surdos podem comunicar-se com qualquer pessoa em qualquer espaço. Os TDDs10 devem estar instalados em rodovi- árias, escolas, aeroportos, postos de saúde, metrô e outros locais, pois é garantido pela Lei do Plano Geral de Metas e Universalização (PGMU), aprovado pelo Decreto n. 4.769, de 27 de junho de 2003, a qual solicita que as operadoras de telefonia, de cada estado, instalem os telefones públicos adaptados. É direito da comunidade surda. Infelizmente o TDD, nunca foi uma realidade obser- vada nos espaços públicos do país, e com o uso dos celulares, o número de TDDs é cada vez menor, há surdos que nunca viram um. Ao usar o TDD o surdo pode enfrentar algumas barreiras, pois ao ligar para uma central, ele necessita ter boa escrita em língua portu- guesa, pois nem sempre o ouvinte do outro lado da linha compreende ou conhece características da escrita surda; do mesmo modo ao receber uma mensagem, se o intermediador não utilizar uma escrita compreensível, o surdo não compreenderá a mensagem. Em uma escola, na qual havia um TDD, os surdos solicitavam que interpretássemos algumas das mensa- gens, que chegavam sem espaçamento adequado, com simplificações e erros de língua portuguesa, dificultando a compreensão até mesmo para os que são falantes nativos da língua, ou seja, um aparelho que foi criado para facilitar a comunicação da pessoa surda e dos deficientes auditivos tornou-se uma barreira e não um apoio. Observe a imagem do TDD: O aparelho tecnológico que está em destaque no pre- sente momento chama-se Viável Brasil11, é uma tecnologia moderna, que tem o mesmo formato de um computador. Para o uso do Viável, é preciso que o usuário adquira o equipamento, além de pagar uma mensalidade, como 10 Maiores informações disponíveis em: <http://www.portalli- bras.com.br/noticias/telefone-publico-para-surdos.html>;<http:// www.brasiltelecom.com.br/static/inst/portadornecessidadesespeciais/ comofunciona.pdf>. 11 Mais informações sobre o equipamento e como funciona o sistema, disponível em: <http://viavelbrasil.com.br/services/>. se fosse uma assinatura pelos serviços prestados na central de intérpretes, e pelos serviços de telefonia. Por meio de ligações, assim como fazem no TDD, há um intérprete que fará a intermediação, a vantagem desse aparelho é a webcan, a qual o surdo pode visu- alizar o intérprete, sinalizando, e o interlocutor, no outro lado da linha ouvirá a interpretação oral e, quando o contato é feito com outro surdo, o intérprete é dispen- sado, e a comunicação torna-se direta. No entanto, o uso da tecnologia requer a língua de sinais e um intermediador, ou mediador, conhecido pelo nome de http://www.portallibras.com.br/noticias/telefone-publico-para-surdos.html http://www.portallibras.com.br/noticias/telefone-publico-para-surdos.html http://www.brasiltelecom.com.br/static/inst/portadornecessidadesespeciais/comofunciona.pdf http://www.brasiltelecom.com.br/static/inst/portadornecessidadesespeciais/comofunciona.pdf http://www.brasiltelecom.com.br/static/inst/portadornecessidadesespeciais/comofunciona.pdf http://viavelbrasil.com.br/services/ LIBRAS 16. intérprete, ou tradutor intérprete de Libras12, o qual trataremos mais adiante. tecnologias com sinalização e vibração a campainha luminosa, babás sinalizadores e desperta- dores, para acordar, que vibram, são recursos muito utilizados pelos surdos. A campainha aparentemente não tem nada de diferente, você aperta do mesmo modo que a sonora, o que a diferencia é que dentro da casa em vez de fazer barulho (tocar), há luzes, que piscam, indicando que alguém está à porta13. A babá eletrônica faz parte da cultura surda, mas não apenas com sonorização. Quando o bebê chora, o som emitido pela criança resultará em sinal luminoso, alertando os pais surdos que o bebê acordou e/ou está chorando.12 Uma curiosidade é quando o casal surdo tem filho recém-nascido, normalmente, o bebê dorme na cama 12 Tratarei esse profissional apenas de intérprete, visto que não separo a interpretação oral ou a sinalizada de seu trabalho e, por considerar que todo tradutor é um intérprete, por excelência, e todo intérprete tornar-se um tradutor do discurso de outro, assim utilizarei um único termo: Intérprete de Libras. 13 Assista ao vídeo: campainha luminosa, disponível em: <http://youtu.be/BWt6ZpkOO6o>. Acesso em: 25 ago. 2012. dos pais, o bebê quer seja surdo ou ouvinte, vai acos- tumando com as características dos pais surdos e ao desenvolver-se aprende que não adianta choros con- tínuos, pois seus pais não correspondem bem a eles, então mexem-se de modos diferentes: puxa, empurra, ou seja, busca meios para chamar-lhes à atenção. Algo muito interessante citado pelos pais surdos é que os bebês, nos primeiros meses de vida, acordam os pais empurrando-os com os pés. É normal que quando pais surdos têm em casa um recém-nascido, familiares ouvintes, acor- dam os pais a noite até que eles se habituem aos horários do bebê. Observemos as imagens da babá eletrônica: http://youtu.be/BWt6ZpkOO6o CULTURA SURDA 17. A função luminosa e/ou vibratória está de acordo com características dos surdos; ao dormir, eles colocam sob o travesseiro o telefone celular, ou o desper- tador que vibra para que acordem no horário predefinido. Ao assistir tevê, contam com o apoio da legenda na televisão ou closed caption, a legenda já faz parte dos aparelhos mais modernos, ao acioná-lo passa a fazer a tradução simultânea e literal em forma de legenda, recurso que facilita a compreensão de pro- gramas e jornais falados é um apoio comunicativo aos surdos. Para programas do governo, contam com seu direito, ou seja, uma janela no canto da tela com intérprete de LIBRAS 18. Libras, conforme regulamentado na Lei n. 10.098/00 (Cap. VII, Artigo 19) e no Decreto n. 5.296/04 (Art. 53, § 2), em norma complementar à utilização, dos seguintes sistemas de reprodução das mensagens para os surdos e para os deficientes auditivos: “I - a subtitulação por meio de legenda oculta; II - a janela com intérprete de LIBRAS”. Vejamos a imagem abaixo: Outros recursos como: bate papo no MSN, facebook e o uso da internet possibilitam o uso da lín- gua de sinais, são muito utilizados pelos surdos, assim como, pelos ouvintes. 2.4 Implante coclear e aparelho auditivo fazem parte da cultura surda? Então, o que destacar a respeito das tecnologias de amplificação de sons? Aparelhosauditivos e implantes cocleares, não fazem parte da cultura surda. Podemos verificar isso por meio de fragmentos das entrevistas com o povo surdo: Pesquisadora: Você usa aparelho auditivo? Considera importante o uso de aparelho? AG.17: “Ah, quando eu era pequena, usava sempre o aparelho auditivo, mas a medida em que fui cres- cendo, deixei de usar, não gosto e não quero! Então não uso mais. Me causava muitas dores na cabeça, era ruim e desconfortável.” (2012) AM.20: “As vezes eu uso aparelho, mas na maior parte do tempo, não. O barulho, os sons, tudo isso me irrita, me incomoda.” (2012) J.28: “[...] fiz uso de aparelho auditivo, nos dois ouvi- dos, mas o som me irritava, eram muitos ruídos, muito barulho vindo de todo lado, me causava dores intensas na cabeça, além de eu não compreender bem o que falavam. Minha família passou a me observar e resol- veram fazer uma experiência comigo, decidiram que eu deveria parar de usar o aparelho por um tempo. Perceberam que fiquei mais calma, acabaram os mo- mentos de irritação, nervosismo e dores, fiquei bem. Então, nunca mais usei, sou totalmente contra o uso deles, tanto quanto o de implante coclear.” (2012) JZ.25: “[...] Eu nunca usei aparelho auditivo e tam- bém discordo do implante coclear, eu tenho identi- dade surda, me aceito como sou.” (2012) Os depoimentos nas entrevistas reforçam que a cultura surda não reserva espaço para tecnologias de CULTURA SURDA 19. normalização e de amplificação de sons. Para a maior parte dos sujeitos surdos, a presença dos sons não é referencial qualitativo e sim um incômodo, pois cau- sam desgaste para atingir audição seletiva (quando tem algum resíduo auditivo), visto que suas características são, essencialmente, visuais. Quando o som entra no ouvido surdo, por meio de um recurso eletrônico, a intensidade sonora pode ser medida, no entanto, não podemos medir ganhos ou perdas em níveis culturais, ou melhor; nossas vivências sonoras jamais dariam conta de explicar com clareza como o som chega e a diferença que faz para a vida, a identidade e a cultura surda. Se a emissão sonora, para o que chamamos de som, causa tanta irritação e incômodo capaz de mudar o comportamento de seus usuários, conforme obser- vado nos fragmentos das entrevistas, como, então, é percebido, por estudiosos e pelos surdos, a importância da tecnologia, como o implante coclear, e os aparelhos auditivos e os acompanhamentos clínicos?; Será que podemos afirmar que o acompanhamento do fonoau- diológico faz parte da cultura surda? Segundo Lane (1992, p. 19-21), o implante coclear, também conhecido como ouvido biônico (ou prótese coclear), estimula o nervo auditivo através dos eletrodos em substituição da cóclea, é um procedi- mento cirúrgico, invasivo, que transforma ondas de som em correntes elétricas, foi considerado um milagre da biotecnologia, segundo os referenciais ouvintes, em 27 de junho de 1990, pela mídia nos E.U.A., portanto, foi aprovado pela United States Food and Drug Administra- tion (FDA)14 e liberado os implantes em crianças surdas com idade acima de dois anos. No entanto, o autor ressalta que a Associação de Surdos, qualificou a aprovação do ouvido biônico pela FDA, como ética, operacional e cientificamente inviável do ponto de vista auditivo, para os surdos. Isso porque, mesmo com o implante, além dos ris- cos cirúrgicos, os surdos não terão uma audição normal, necessitarão de acompanhamento clínico constante e treinamentos de audição e de fala, no entanto, esse não é o principal problema do implante coclear. 14 Organismo oficial, norte americano, que afere qualidade a pro- dutos alimentares, farmacológicos e químicos para lançar no mercado. O principal problema dá-se em termos cultu- rais e identitários, visto que, mesmo implantados, os surdos confiarão mais nas suas capacidades visuais naturais, do que nas auditivas mecânicas e artificiais. Correndo o risco de desenvolver-se sem qualquer tipo de comunicação concreta ou eficiente, seja falada ou sinalizada (gestual), podendo apresentar ou desenvolver problemas de identidade, emocionais e até mesmo de saúde mental. Vejamos, agora, o que pensam os surdos: Pesquisadora: Qual é a sua opinião sobre o implante Coclear e sobre as tecnologias? J.28: “[...] eu faço uso de celular, do VIÁVEL, da internet, campainha luminosa, intérprete, coisas que existem hoje, mas antigamente, não tinha nada disso apenas podíamos escrever e enviar cartas entre amigos, mas hoje... batemos papo pelo MSN, pelo facebook, trocamos mensagens pelo celular, e outros. [...] quanto ao implante coclear, sou contra mesmo! Não considero importante amplificar sons, essa é a minha opinião.” (2012) JZ.25 “[...] faço uso do celular para mandar mensa- gens, do TDD que é o telefone próprio para surdos, uso a internet, MSN, e outros. As tecnologias nos ajudam na comunicação, em geral, nos bate papos combina- mos passeios, pizzas, entre outras coisas.” (2012) F.39: “As tecnologias valem a pena [...] o aparelho não é perigoso... implante é muito complicado15.” (2012) AM.20: “Não considero bom o implante coclear, os implantados que eu conheço sentem muitas dores na cabeça, precisam de cuidados o tempo todo e correm riscos na cirurgia.” (2012) AG.17: “Me causa medo, jamais colocaria implante coclear, são estímulos eu não quero, porque imagi- no eletricidade, descargas elétricas dentro de mim [...]. Conheço alguns colegas com implante cocle- ar, não quero pra mim!” (2012) Entre tantos depoimentos, acrescentamos a história de T.14, estudante do sexto ano do ensino fundamental, escola pública da região metropolitana de Curitiba, para que possamos refletir, sobre como pensa a criança surda. T.14 é considerada deficiente auditiva, recebeu implante coclear na infância, há dois anos vem par- LIBRAS 20. ticipando de um grupo usuário da Libras no Centro de Atendimento Educacional Especializado ao Surdo (CAEE-S) e passou a desenvolver-se melhor na apren- dizagem, convivendo com pessoas surdas. A estudante fez, para a autora, as ilustrações abaixo, na qual foram omitidos o nome das instituições e o da estudante: A escola E. trata-se de uma escola oralista, a mãe sempre lhe dizia, que iria à escola e brincaria de bola, por ser algo que ela gostava. Na primeira parte da produção observa-se a questão cultural dos surdos, normalmente, eles sentem-se parte de uma patologia, suas histórias são contadas tendo como primeira base, uma causa, ou seja, uma doença, um fator que justifi- que sua surdez. 15 Manteve-se a estrutura da escrita da pessoa surda, optou por responder por meio da escrita, em forma de questionário, apenas ques- tionando quando não compreendia algo. CULTURA SURDA 21. Observamos o investimento da família na cura da patologia da surdez, por meio do implante coclear. No entanto, o incomodo não era da T.14 (da criança), mas, sim, dos pais e dos clínicos, resultado da perspectiva clínico terapêutica que vigorou até, aproximadamente, a década de 1960, (deixando resquícios até os dias atuais), a qual preocupa-se em curar e/ou tratar a pato- logia, a anormalidade. Tal perspectiva veio sendo, paula- tinamente, substituída pela perspectiva socioantropoló- gica a partir da compreensão do sujeito como um todo, respeitando sua cultura e sua identidade, e, a língua, a partir dos estudos linguísticos sobre as línguas de sinais, os quais envolvem as características, a cultura e a iden- tidade dos surdos. É possível identificar o sentimento da estudante T.14 nas diferentes fases de sua vida, ela expressa o incômodo da amplificação sonora, a tristeza e a insatis- fação daquilo que, socialmente, se considera um mila- gre da biotecnologia. Inserida em uma escola oralista, surgem os conflitos de identidade, entre oralizar e usar língua de sinais e, posteriormente, a satisfação devido a inserção de um intérprete. Ainda que, a estudante esteja em fase de desenvolvimento da primeira língua, o último desenho demonstra
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