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NOÇÕES DE DIREITO PENAL, PROCESSUAL PENAL 1. Princípios básicos ................................................................................................................................................................................ 01 2. Aplicação da lei penal. A lei penal no tempo e no espaço. Tempo e lugar do crime. Territorialidade e extraterritorialidade da lei penal 05 3. Crimes. Classificação. O fato típico e seus elementos. Crime consumado e tentado. Desistência voluntária e arrependimento eficaz. Crimes impossíveis. Dolo e culpa. Erro. Ilicitude e causas de exclusão. Excesso punível. Culpabilidade .................................................................................06 4. Concurso de pessoas .......................................................................................................................................................................... 13 5. Concurso de crimes ............................................................................................................................................................................ 15 6. Pena: espécies e aplicação .................................................................................................................................................................. 15 7. Extinção da punibilidade ................................................................................................................................................................................ 18 8. Crimes em Espécie: Crimes contra a pessoa ...................................................................................................................................................... 18 9. Crimes contra o patrimônio ................................................................................................................................................................ 25 10. Crimes contra a Propriedade Imaterial............................................................................................................................................................ 29 11. Crimes contra a Dignidade Sexual .................................................................................................................................................................... 30 12. Crimes contra a Incolumidade Pública ............................................................................................................................................................. 31 13. Crimes contra a Paz Pública ............................................................................................................................................................................. 34 14. Crimes contra a Fé Pública ............................................................................................................................................................................... 34 15. Crimes contra a Administração Pública. .......................................................................................................................................................... 35 16. Inquérito policial. Histórico, natureza, conceito, finalidade, características, fundamento, titularidade, grau de cognição, valor probatório, formas de instauração, notitia criminis, delatio criminis, procedimentos investigativos, indiciamento, garantias do investigado; conclusão. .................................................................................................................................................................................. 37 17. Prova. Preservação de local de crime. Requisitos e ônus da prova. Nulidade da prova. Documentos de prova. Reconhecimento de pessoas e coisas. Acareação. Indícios. Busca e apreensão. ..........................................................................................................................................................39 18. Restrição de liberdade. Prisão em flagrante. Prisão preventiva. Liberdade Provisória. Cautelares diversas ..............................................................40 NOÇÕES DE DIREITO PENAL, PROCESSUAL PENAL 1 O Direito Penal é o segmento do Direito Público que regula o poder punitivo do Estado. Ele detém a competência de selecionar as condutas humanas que são consideradas indesejadas, possuidoras de certa gravidade e reprovação social, e capazes de colocar em risco a convivência em sociedade. Cabe ao Direito Penal, também, estabelecer as penas que serão cominadas aos agentes infratores, respeitando sempre os princípios constitucionais. De acordo com a doutrina, o direito penal ou direito criminal é a parte do ordenamento jurídico que define as infrações penais (crimes e contravenções) e comina as respectivas sanções (penas e medidas de segurança). A definição é correta, mas incompleta, visto que, além de definir crimes e cominar penas, o direito criminal estabelece os princípios e regras que regulam a atividade penal do Estado, fixando os fundamentos e os limites ao exercício do poder punitivo, a exemplo dos princípios de legalidade, irretroatividade, humanidade das penas etc. As normas penais, notadamente as constitucionais-penais, estabelecem ainda a respectiva conformação político-jurídica estatal: liberal, democrática, autoritária, teocrática etc. E os limites do direito penal são os limites do próprio Estado. O conceito dado inicialmente parece também confundir direito penal com legislação penal, isto é, confunde lei e direito, embora sejam coisas distintas, como ainda veremos. Num sentido lato, o direito penal é, portanto, um sistema de princípios e regras que estabelece as condições de legitimação e deslegitimação da jurisdição penal, que é o poder de dizer o direito. Diz-se lato porque esta definição também compreende, em última análise, o processo e a execução penal. E num sentido estrito, é a parte do ordenamento jurídico que define as infrações penais e comina as sanções, bem como institui os fundamentos e as garantias que regulam o poder punitivo estatal. Cabe também conceituá-lo, como faz García-Pablos, sob o enfoque dinâmico e sociológico, como um dos instrumentos do controle social formal por cujo meio o Estado, mediante determinado sistema normativo (as leis penais), castiga com sanções negativas de particular gravidade (penas e outras consequências afins) as condutas desviadas mais nocivas para a convivência, assegurando a necessária disciplina social e a correta socialização dos membros do grupo. É certo ainda que, por meio da expressão direito penal, é designada a ciência do direito penal. Nesse sentido, o saber ou a ciência penal tem por objeto o conhecimento, a interpretação, a sistematização e a crítica do direito positivo. Convém notar, por fim, que o direito penal é, ele mesmo, uma forma de violência (penas etc.) que se pressupõe justa e necessária relativamente às violências que regula e combate (os crimes), de modo que o direito penal é violência – nem sempre legítima – a serviço do controle da violência – nem sempre ilegítima. O direito penal é, pois, uma espada de duplo fio, porque é lesão de bens jurídicos para proteção de bens jurídicos (Franz von Liszt). Afinal, pretende combater crimes (homicídio etc.) por meio de graves constrangimentos à pessoa humana, os quais podem variar de uma simples multa à pena de morte, que é uma espécie de assassinato legal. A violência não é, portanto, estranha ou extrínseca ao direito, mas inerente à ideia e à realidade mesma do direito. O direito penal é violência a serviço do controle da violência. E tão importante quanto o controle da violência é a violência do controle penal (Vera Andrade). PRINCÍPIOS BÁSICOS NOÇÕES DE DIREITO PENAL, PROCESSUAL PENAL 2 O Direito Penal é utilizado numa dupla acepção: como conjunto de “normas” queconstituem o ordenamento punitivo e como disciplina científica que tem por objeto o estudo sistemático do referido ordenamento. Talvez não houvessem equívocos se a locução “Direito penal” fosse utilizada para o primeiro caso e a de “Ciência do Direito penal” para o segundo. Maior clareza ainda se alcançaria (como ensina Zaffaroni) se porventura o Direito penal não fosse confundido com o (bruto) “poder punitivo estatal”, que nada mais significa que enfocar o Direito penal como mero instrumento de controle social (como poder punitivo), sem a observância dos limites ao ius puniendi comtemplados no próprio ordenamento jurídico. Direito penal, portanto, é um conjunto de normas, mais precisamente de normas constitucionais, internacionais e infraconstitucionais. É, de outro lado, a área do Direito público que reúne todas as normas que cuidam do ius puniendi estatal. Sempre que a norma venha a disciplinar algum aspecto do ius puniendi, será de Direito penal. Ela pode ser primária ou secundária. Norma primária é a que cuida do âmbito do proibido (quais condutas são proibidas, quais são determinadas); norma secundária é a que norteia o castigo (a sanção). A norma primária, por seu turno, possui dois aspectos muito relevantes: (a) o valorativo e o (b) imperativo. Toda norma penal primária existe para a tutela de um bem jurídico (de um valor) e, ao mesmo tempo, exige um determinado comportamento de todos (comportamento de respeito ao bem protegido). Ciência do Direito penal é a disciplina que tem por objeto o estudo do ordenamento penal positivo (leia-se: das normas penais). A Ciência do Direito penal tem como função clássica conhecer, interpretar, sistematizar e criticar o Direito positivo, contemplando as normas já não do ponto de vista de sua estrutura formal externa, senão especialmente do seu conteúdo e fins que pretendem alcançar. Poder punitivo estatal (bruto), por fim, é uma espécie de Direito penal paralelo. O verdadeiro Direito penal está regido por princípios e regras limitadores do direito de punir do Estado, que vêm sendo desenvolvidos desde o Iluminismo. Ele tem como missão a tutela exclusiva de bens jurídicos (princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos), que deve acontecer de forma fragmentária e subsidiária (princípio da intervenção mínima). Exige a exteriorização de um fato (Direito penal do fato), que esteja previsto em lei (princípio da legalidade) e que seja concretamente ofensivo ao bem jurídico protegido (princípio da ofensividade). Por esse fato o agente responde pessoalmente (princípio da responsabilidade pessoal), quando atua com dolo ou culpa (princípio da responsabilidade subjetiva) e, mesmo assim, quando podia agir de modo diverso, conforme o Direito (princípio da culpabilidade). De outro lado, esse agente nunca pode sofrer tratamento discriminatório (princípio da igualdade). O castigo cabível não pode ofender a dignidade humana, ou seja, não pode ser degradante (princípio da proibição de pena indigna), não pode ser cruel, denumano ou torturante (princípio da humanização) e deve ser proporcional (princípio da proporcionalidade, que se exprime por meio dos subprincípios da individualização da pena, personalidade da pena, necessidade da pena, suficiência da pena alternativa e proporcionalidade em sentido estrito). Direito penal é o que está regido rigorosamente por todos esses princípios, que se complementam. Poder punitivo estatal é o poder exercido por agentes públicos que se desvia desses princípios, aplicando-se a norma na sua forma bruta ou equivocada, ou seja, não lapidada. O Poder punitivo estatal faz do Direito penal um mero instrumento de controle social, desvestido de limites constitucionais. NOÇÕES DE DIREITO PENAL, PROCESSUAL PENAL 3 O legislador é o sujeito do Direito penal (é o que produz as normas). O penalista é o responsável pela Ciência do Direito penal (é o que estuda e sistematiza o Direito penal normativo). Operador ou aplicador do direito é o agente do poder público que aplica o Direito penal, ora de forma constitucionalizada, equilibrando-se o ius puniendi com o ius libertatis, ora de modo bruto, fazendo imperar o “poder punitivo estatal”. A Ciência do Direito penal, para além de cumprir sua clássica função de estudar e sistematizar as normas penais, deve também assumir definitivamente seu papel crítico frente ao (paralelo) “poder punitivo estatal”, que diariamente vai se alternando com a escorreita aplicação do Direito penal. Disposições Constituicionais Aplicáveis O Direito Penal está interligado a todos os ramos do Direito, especialmente Direito Constitucional. A Constituição Federal, é a Carta Magna brasileira, estatuto máximo de uma sociedade que viva de forma politicamente organizada. Todos os ramos do direito positivo só adquiri a plena eficácia quando compatível com os Princípios e Normas descritos na Constituição Federal abstraindo-a como um todo. Os princípios são o alicerce de todo sistema normativo, fundamentam todo o sistema de direito e estabelecem os direitos fundamentais do homem. São eles que determinam a unicidade do texto constitucional, definindo as diretrizes básicas do estado de forma harmoniosa com a garantia dos direitos fundamentais. O Direito Penal, como todo e qualquer outro ramo do direito, submete-se diretamente às normas e princípios constitucionais. Princípios O Direito Penal moderno se assenta em determinados princípios fundamentais, próprios do Estado de Direito democrático, entre os quais sobreleva o da legalidade dos delitos e das penas, da reserva legal ou da intervenção legalizada, que tem base constitucional expressa. A sua dicção legal tem sentido amplo: não há crime (infração penal), nem pena ou medida de segurança (sanção penal) sem prévia lei (stricto sensu). Assim, o princípio da legalidade tem quatro funções fundamentais: a) Proibir a retroatividade da lei penal (nullum crimen nulla poena sine lege praevia); b) Proibir a criação de crimes e penas pelo costume (nullum crimen nulla poena sine lege scripta); c) Proibir o emprego da analogia para criar crimes, fundamentar ou agravar penas (nullum crimen nulla poena sine lege stricta); d) Proibir incriminações vagas e indeterminadas (nullum crimen nulla poena sine lege certa); Irretroatividade da lei penal Consagra-se aqui o princípio da irretroatividade da lei penal, ressalvada a retroatividade favorável ao acusado. Fundamentam- se a regra geral nos princípios da reserva legal, da taxatividade e da segurança jurídica - princípio do favor libertatis -, e a hipótese excepcional em razões de política criminal (justiça). Trata-se de restringir o arbítrio legislativo e judicial na elaboração e aplicação de lei retroativa prejudicial. A regra constitucional (art. 5°, XL) é no sentido da irretroatividade da lei penal; a exceção é a retroatividade, desde que seja para beneficiar o réu. Com essa vertente do princípio da legalidade tem-se a certeza de que ninguém será punido por um fato que, ao tempo da ação ou omissão, era tido como um indiferente penal, haja vista a inexistência de qualquer lei penal incriminando-o. NOÇÕES DE DIREITO PENAL, PROCESSUAL PENAL 4 Taxatividade ou da determinação (nullum crimen sine lege scripta et stricta) Diz respeito à técnica de elaboração da lei penal, que deve ser suficientemente clara e precisa na formulação do conteúdo do tipo legal e no estabelecimento da sanção para que exista real segurança jurídica. Tal assertiva constitui postulado indeclinável do Estado de direito material - democrático e social. O princípio da reserva legal implica a máxima determinação e taxatividade dos tipos penais, impondo-se ao Poder Legislativo, na elaboração das leis, que redija tipo penais com a máxima precisão de seus elementos, bem como ao Judiciário que as interprete restritivamente, de modo a preservar a efetividade do princípio. Princípio da culpabilidadeO princípio da culpabilidade possui três sentidos fundamentais: • Culpabilidade como elemento integrante da teoria analítica do crime – a culpabilidade é a terceira característica ou elemento integrante do conceito analítico de crime, sendo estudada, sendo Welzel, após a análise do fato típico e da ilicitude, ou seja, após concluir que o agente praticou um injusto penal; • Culpabilidade como princípio medidor da pena – uma vez concluído que o fato praticado pelo agente é típico, ilícito e culpável, podemos afirmar a existência da infração penal. Deverá o julgador, após condenar o agente, encontrar a pena correspondente à infração praticada, tendo sua atenção voltada para a culpabilidade do agente como critério regulador; • Culpabilidade como princípio impedidor da responsabilidade penal objetiva, ou seja, da responsabilidade penal sem culpa – o princípio da culpabilidade impõe a subjetividade da responsabilidade penal. Isso significa que a imputação subjetiva de um resultado sempre depende de dolo, ou quando previsto, de culpa, evitando a responsabilização por caso fortuito ou força maior. Princípio da exclusiva proteção dos bens jurídicos O pensamento jurídico moderno reconhece que o escopo imediato e primordial do Direito Penal reside na proteção de bens jurídicos - essenciais ao individuo e à comunidade -, dentro do quadro axiológico constitucional ou decorrente da concepção de Estado de Direito democrático (teoria constitucional eclética). Princípio da intervenção mínima (ou da subsidiariedade) Estabelece que o Direito Penal só deve atuar na defesa dos bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica das pessoas e que não podem ser eficazmente protegidos de forma menos gravosa. Desse modo, a lei penal só deverá intervir quando for absolutamente necessário para a sobrevivência da comunidade, como ultima ratio. O princípio da intervenção mínima é o responsável não só pelos bens de maior relevo que merecem a especial proteção do Direito Penal, mas se presta, também, a fazer com que ocorra a chamada descriminalização. Se é com base neste princípio que os bens são selecionados para permanecer sob a tutela do Direito Penal, porque considerados como de maior importância, também será com fundamento nele que o legislador, atento às mutações da sociedade, que com sua evolução deixa de dar importância a bens que, no passado, eram da maior relevância, fará retirar do ordenamento jurídico-penal certos tipos incriminadores. Fragmentariedade A função maior de proteção dos bens jurídicos atribuída à lei penal não é absoluta. O que faz com que só devem eles ser defendidos penalmente frente a certas formas de agressão, consideradas socialmente intoleráveis. Isto quer dizer que apenas as ações ou omissões mais graves endereçadas contra bens valiosos podem ser objeto de criminalização. NOÇÕES DE DIREITO PENAL, PROCESSUAL PENAL 5 O caráter fragmentário do Direito Penal aparece sob uma tríplice forma nas atuais legislações penais: a) defendendo o bem jurídico somente contra ataques de especial gravidade, exigindo determinadas intenções e tendências, excluindo a punibilidade da ação culposa em alguns casos etc; b) tipificando somente uma parte do que nos demais ramos do ordenamento jurídico se estima como antijurídico; Princípio da pessoalidade da pena (da responsabilidade pessoal ou da intranscendência da pena) Impede-se a punição por fato alheio, vale dizer, só o autor da infração penal pode ser apenado (CF, art. 5°, XLV). Havendo falecimento do condenado, a pena que lhe fora infligida, mesmo que seja de natureza pecuniária, não poderá ser estendida a ninguém, tendo em vista seu caráter personalíssimo, quer dizer, somente o autor do delito é que pode submeter-se às sanções penais a ele aplicadas. Todavia, se estivermos diante de uma responsabilidade não penal, como a obrigação de reparar o dano, nada impede que, no caso de morte do condenado e tendo havido bens para transmitir aos seus sucessores, estes respondem até as forças da herança. A pena de multa, apesar de ser considerada agora dívida de valor, não deixou de ter caráter penal e, por isso, continua obedecendo a este princípio. Individualização da pena A individualização da pena ocorre em três momentos: a) Cominação – a primeira fase de individualização da pena se inicia com a seleção feita pelo legislador, quando escolhe para fazer parte do pequeno âmbito de abrangência do Direito Penal aquelas condutas, positivas ou negativas, que atacam nossos bens mais importantes. Uma vez feita essa seleção, o legislador valora as condutas, cominando-lhe penas de acordo com a importância do bem a ser tutelado. b) Aplicação – tendo o julgador chegado à conclusão de que o fato praticado é típico, ilícito e culpável, dirá qual a infração praticada e começará, agora, a individualizar a pena a ele correspondente, observando as determinações contidas no art. 59 do Código Penal (método trifásico). c) Execução penal – a execução não pode igual para todos os presos, justamente porque as pessoas não são iguais, mas sumamente diferentes, e tampouco a execução pode ser homogênea durante todo período de seu cumprimento. Individualizar a pena, na execução consiste em dar a cada preso as oportunidades para lograr a sua reinserção social, posto que é pessoa, ser distinto. Proporcionalidade da pena Deve existir sempre uma medida de justo equilíbrio entre a gravidade do fato praticado e a sanção imposta. A pena deve ser proporcionada ou adequada à magnitude da lesão ao bem jurídico representada pelo delito e a medida de segurança à periculosidade criminal do agente. O princípio da proporcionalidade rechaça, portanto, o estabelecimento de cominações legais (proporcionalidade em abstrato) e a imposição de penas (proporcionalidade em concreto) que careçam de relação valorativa com o fato cometido considerado em seu significado global. Tem assim duplo destinatário: o poder legislativo (que tem de estabelecer penas proporcionadas, em abstrato,à gravidade do delito) e o juiz (as penas que os juizes impõem ao autor do delito tem de ser proporcionais à sua concreta gravidade). Princípio da humanidade (ou da limitação das penas) Em um Estado de Direito democrático veda-se a criação, a aplicação ou a execução de pena, bem como de qualquer outra medida que atentar contra a dignidade humana. Apresenta-se como uma diretriz garantidora de ordem material e restritiva da lei penal, verdadeira salvaguarda da dignidade pessoal, relaciona-se de forma estreita com os princípios da culpabilidade e da igualdade. Está previsto no art. 5°, XLVII, que proíbe as seguintes penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis. “Um Estado que mata, que tortura, que humilha o cidadão não só perde qualquer legitimidade, senão que contradiz sua razão de ser, colocando- se ao nível dos mesmos delinqüentes” (Ferrajoli). Princípio da adequação social Apesar de uma conduta se subsumir ao modelo legal não será tida como típica se for socialmente adequada ou reconhecida, isto é, se estiver de acordo da ordem social da vida historicamente condicionada. Outro aspecto é o de conformidade ao Direito, que prevê uma concordância com determinações jurídicas de comportamentos já estabelecidos. O princípio da adequação social possui dupla função. Uma delas é a de restringir o âmbito de abrangência do tipo penal, limitando a sua interpretação, e dele excluindo as condutas consideradas socialmente adequadas e aceitas pela sociedade. A segunda função é dirigida ao legislador em duas vertentes. A primeira delas o orienta quando da seleção das condutas que deseja proibir ou impor, com a finalidade de proteger os bens considerados mais importantes. Se a conduta que está na mira do legislador for considerada socialmente adequada, não poderá ele reprimi-lavalendo-se do Direito Penal. A segunda vertente destina-se a fazer com que o legislador repense os tipos penais e retire do ordenamento jurídico a proteção sobre aqueles bens cujas condutas já se adaptaram perfeitamente à evolução da sociedade. Princípio da insignificância (ou da bagatela) Relacionado o axioma minima non cura praeter, enquanto manifestação contrária ao uso excessivo da sanção penal, postula que devem ser tidas como atípicas as ações ou omissões que afetam muito infimamente a um bem jurídico-penal. A irrelevante lesão do bem jurídico protegido não justifica a imposição de uma pena, devendo-se excluir a tipicidade em caso de danos de pouca importância. “A insignificância da afetação [do bem jurídico] exclui a tipicidade, mas só pode ser estabelecida através da consideração conglobada da norma: toda ordem normativa persegue uma finalidade, tem um sentido, que é a garantia jurídica para possibilitar uma coexistência que evite a guerra civil (a guerra de todos contra todos). A insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa, e, portanto, à norma em particular, e que nos indica que essas hipóteses estão excluídas de seu âmbito de proibição, o que não pode ser estabelecido à luz de sua consideração isolada”. (Zaffaroni e Pierangeli) Princípio da lesividade Os princípios da intervenção mínima e da lesividade são como duas faces da mesma moeda. Se, de um lado, a intervenção mínima somente permite a interferência do Direito Penal quando estivermos diante de ataques a bens jurídicos importantes, o princípio da lesividade nos esclarecerá, limitando ainda mais o poder do legislador, quais são as condutas que deverão ser incriminadas pela lei penal. Na verdade, nos esclarecerá sobre quais são as condutas que não poderão sofrer os rigores da lei penal. O mencionado princípio proíbe a incriminação de: a) uma atitude interna (pensamentos ou sentimentos pessoais); b) uma conduta que não exceda o âmbito do próprio autor NOÇÕES DE DIREITO PENAL, PROCESSUAL PENAL 6 (condutas não lesivas a bens de terceiros); NOÇÕES DE DIREITO PENAL, PROCESSUAL PENAL 7 c) simples estados ou condições existenciais (aquilo que se é, não o que se fez); d) condutas desviadas (reprovadas moralmente pela sociedade) que não afetem qualquer bem jurídico. Princípio da extra-atividade da lei penal A lei penal, mesmo depois de revogada, pode continuar a regular fatos ocorridos durante a vigência ou retroagir para alcançar aqueles que aconteceram anteriormente à sua entrada em vigor. Essa possibilidade que é dada á lei penal de se movimentar no tempo é chamada de extra-atividade. A regra geral é a da irretroatividade in pejus; a exceção é a retroatividade in melius. Princípio da territorialidade O CP determina a aplicação da lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional. O Brasil não adotou uma teoria absoluta da territorialidade, mas sim uma teoria conhecida como temperada, haja vista que o Estado, mesmo sendo soberano, em determinadas situações, pode abrir mão da aplicação de sua legislação, em virtude de convenções, tratados e regras de direito internacional. Princípio da extraterritorialidade Ao contrário do princípio da territorialidade, cuja regra geral é a aplicação da lei brasileira àqueles que praticarem infrações dentro do território nacional, incluídos aqui os casos considerados fictamente como sua extensão, o princípio da extraterritorialidade se preocupa com a aplicação da lei brasileira além de nossas fronteiras, em países estrangeiros. Princípios que solucionam o conflito aparente de normas Especialidade Especial é a norma que possui todos os elementos da geral e mais alguns, denominados especializantes, que trazem um minus ou um plus de severidade. A lei especial prevalece sobre a geral. Afasta- se, dessa forma, o bis in idem, pois o comportamento do sujeito só é enquadrado na norma incriminadora especial, embora também estivesse descrito na geral. Subsidiariedade Subsidiária é aquela norma que descreve um graus menor de violação do mesmo bem jurídico, isto é, um fato menos amplo e menos grave, o qual, embora definido como delito autônomo, encontra-se também compreendido em outro tipo como fase normal de execução do crime mais grave. Define, portanto, como delito independente, conduta que funciona como parte de um crime maior. Consunção É o princípio segundo o qual um fato mais grave e mais amplo consome, isto é, absorve, outros fatos menos amplos e graves, que funcionam como fase normal de preparação ou execução ou como mero exaurimento. Hipóteses em que se verifica a consunção: crime progressivo (ocorre quando o agente, objetivando desde o início, produzir o resultado mais grave, pratica, por meio de atos sucessivos, crescentes violações ao bem jurídico); crime complexo (resulta da fusão de dois ou mais delitos autônomos, que passam a funcionar como elementares ou circunstâncias no tipo complexo). Alternatividade Ocorre quando a norma descreve várias formas de realização da figura típica, em que a realização de uma ou de todas configura um único crime. São os chamados tipos mistos alternativos, os quais NOÇÕES DE DIREITO PENAL, PROCESSUAL PENAL 8 descrevem crimes de ação múltipla ou de conteúdo variado. Não há propriamente conflito entre normas, mas conflito interno na própria norma. Princípio da mera legalidade ou da lata legalidade Exige a lei como condição necessária da pena e do delito. A lei é condicionante. A simples legalidade da forma e da fonte é condição da vigência ou da existência das normas que prevêem penas e delitos, qualquer que seja seu conteúdo. O princípio convencionalista da mera legalidade é norma dirigida aos juízes, aos quais prescreve que considera delito qualquer fenômeno livremente qualificado como tal na lei. Princípio da legalidade estrita Exige todas as demais garantias como condições necessárias da legalidade penal. A lei é condicionada. A legalidade estrita ou taxatividade dos conteúdos resulta de sua conformidade com as demais garantias e, por hipótese de hierarquia constitucional, é condição de validade ou legitimidade das leis vigentes. O pressuposto necessário da verificabilidade ou da falseabilidade jurídica é que as definições legais que estabeleçam as conotações das figuras abstratas de delito e, mais em geral, dos conceitos penais sejam suficientemente precisas para permitir, no âmbito de aplicação da lei, a denotação jurídica (ou qualificação, classificação ou subsunção judicial) de fatos empíricos exatamente determinados. Princípio da necessidade ou da economia do Direito Penal Nulla lex (poenalis) sine necessitate. Justamente porque a intervenção punitiva é a técnica de controle social mais gravosamente lesiva da dignidade e da dignidade dos cidadãos , o princípio da necessidade exige que se recorra a ela apenas como remédio extremo. Se o Direito Penal responde somente ao objetivo de tutelar os cidadãos e minimizar a violência, as únicas proibições penais justificadas por sua “absoluta necessidade” são, por sua vez, as proibições mínimas necessárias. Princípio da lesividade ou da ofensividade do evento Nulla necessitas sine injuria. A lei penal tem o dever de prevenir os mais altos custos individuais representados pelos efeitos lesivos das ações reprováveis e somente eles podem justificar o custo das penas e das proibições. O princípio axiológico da separação entre direito e moral veta, por sua vez, a proibição de condutas meramente imorais ou de estados de ânimo pervertidos, hostis, ou, inclusive, perigosos. Princípio da materialidade ou da exterioridade da ação Nulla injuria sine actione. Nenhum dano, por mais grave que seja, pode-se estimar penalmente relevante, senão comoefeito de uma ação. Em conseqüência, os delitos, como pressupostos da pena não podem consistir em atitudes ou estados de ânimo interiores, nem sequer, genericamente, em fatos, senão que devem se concretizar em ações humanas – materiais, físicas ou externas, quer dizer, empiricamente observáveis – passíveis de serem descritas, enquanto tais, pelas leis penais. Princípio da culpabilidade ou da responsabilidade pessoal Nulla actio sine culpa. Princípio de utilidade As proibições não devem só ser dirigidas à tutela de bens jurídicos como, também, devem ser idôneas. Obriga a considerar injustificada toda proibição da qual, previsivelmente, não derive a NOÇÕES DE DIREITO PENAL, PROCESSUAL PENAL 9 desejada eficácia intimidatória, em razão dos profundos motivos – individuais, econômicos e sociais – de sua violação; e isso à margem do que se pense sobre a moralidade e, inclusive, sobre a lesividade da ação proibida. Princípio axiológico de separação entre direito e moral A valorização da interiorização da moral e da autonomia da consciência é traço distintivo da ética laica moderna, a reivindicação da absoluta licitude jurídica dos atos internos e, mais ainda, de um direito natural à imoralidade é o princípio mais autenticamente revolucionário do liberalismo moderno. Características e Fontes do Direito Penal Conforme lecionam André Estefam e Victor Eduardo Rios Gonçalves as Fontes do direito são a origem das normas jurídicas. As Dividem-se em: fontes materiais, substanciais ou de produção, as quais indicam o órgão encarregado da produção do Direito Penal; e fontes formais, de conhecimento ou de cognição, correspondem às espécies normativas (em sentido lato) que podem conter normas penais. Fontes materiais, substanciais ou de produção No ordenamento jurídico brasileiro , somente a União possui competência legislativa para criar normas penais (CF, art. 22, I). A Carta Magna, em seu parágrafo único, ao dispor que “lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo” trouxe uma inovação ao nosso ordenamento jurídico. Trata-se de competência legislativa suplementar, de ordem facultativa, que poderá ser instituída a critério da União. Conforme já destacamos nesta obra, desde a promulgação da Carta Política vigente não se fez uso dessa prerrogativa. Se isto vier a ocorrer, diversos limites deverão ser observados, não só formais, como a necessidade de edição de lei complementar autorizadora, fixando as questões específicas a serem abordadas, senão também materiais. Aos Estados (e ao Distrito Federal, a quem igualmente socorre a competência suplementar), será vedado disciplinar temas fundamentais de Direito Penal, notadamente aqueles ligados à Parte Geral. A lei local, ainda, deverá manter-se em harmonia com a federal, estabelecendo-se entre ambas uma relação de regra e exceção, cumprindo que esta seja plenamente justificada diante de peculiaridades regionais. Os Estados e o Distrito Federal poderão, para regular temas específicos, definir condutas como infrações penais e impor-lhes a respectiva pena, sem jamais afrontar a lei federal, inovando apenas no que se refere às suas particularidades. Fontes formais, de conhecimento ou de cognição As fontes formais referem-se às espécies normativas (em sentido lato) que podem conter normas penais (incriminadoras ou não incriminadoras). Subdividem-se em imediatas (ou primárias) e mediatas (ou secundárias). Somente a lei (em sentido estrito) pode servir como fonte primária e imediata do direito penal, em face do princípio constitucional da reserva legal, embutido no art. 5º, XXXIX, da CF e reiterado no art. 1º do CP. Frise-se, que normas incriminadoras deverão obrigatoriamente estar previstas em leis ordinárias ou complementares. Admitem-se, no entanto, fontes secundárias ou mediatas: são os costumes, ou seja um conjunto de regras sociais a que pessoas obedecem de maneira uniforme e constante pela convicção de sua obrigatoriedade, de acordo com cada sociedade e cultura específica, os princípios gerais de direito premissas NOÇÕES DE DIREITO PENAL, PROCESSUAL PENAL 10 do direito, e a analogia in bonam partem. Estas fontes somente podem servir como base para normas penais permissivas; jamais como fundamento de criação ou agravamento de normas penais incriminadoras (CF, art. 5º, XXXIX, e CP, art. 1º). Os princípios gerais do direito e os costumes, portanto, somente incidem na seara da licitude penal, ampliando-a. Os costumes, além disso, representam importante recurso interpretativo, sobretudo no tocante aos elementos normativos presentes em alguns tipos penais. Anote-se, por derradeiro, que os costumes não revogam lei penal (art. 2º, § 1º, da LINDB[5] — Decreto-lei n. 4.657/42). Lei Penal em Branco ▪ Interpretação e Analogia As normas penais em branco são normas que dependem do complemento de outra norma. Norma Penal em branco Homogênea Norma Penal em branco Heterogênea A norma complementar possui o mesmo nível hierárquico da norma penal. Quando homovitelina, corresponde ao mesmo ramo do Direito, ex. Penal e Penal. Quando heterovitenila, abrange ramos diferentes do Direito, ex. Penal e Civil. A norma complementar não possui o mesmo nível hierárquico da norma penal. Ex. o complemento da lei de drogas está em decreto que define substâncias consideradas drogas. Outro ponto fundamental é a diferenciação entre analogia e interpretação analógica: A lei penal admite interpretação analógica Já a analogia só pode para incluir hipóteses ser utilizada em normas análogas às elencadas pelo legislador, ainda que não incriminadoras, para beneficiar o réu. prejudiciais ao agente. Lei Penal no Tempo ▪ Conflito Aparente de Leis Penais e Tempo do Crime A lei penal é regida pelo princípio da anterioridade, em consonância com a legalidade: Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. Primeiro o fato tem que ser criminalizado para depois ser punido. Sem a previsão legal não há crime e punição estatal. No mesmo sentido, existe o princípio da abolitio criminis: Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. APLICAÇÃO DA LEI PENAL. A LEI PENAL NO TEMPO E NO ESPAÇO. TEMPO E LUGAR DO CRIME. TERRITORIALIDADE E EXTRATERRITORIALIDADE DA LEI PENAL NOÇÕES DE DIREITO PENAL, PROCESSUAL PENAL 11 Assim, caso a lei ocorra a descriminação de uma conduta criminosa, ela retroage para apagar os efeitos penais do passado, ex. o condenado para de cumprir a pena. A exceção fica por conta da lei excepcional e temporária: Art. 3º - A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência. Mesmo com a revogação da lei excepcional ou temporário o agente responde pelos atos praticados no período de sua vigência, com o escopo de evitar a impunidade do agente. Sobre o tempo do crime, é importante saber que a teoria da atividade é adotada pelo Código Penal, de maneira que, considera- se praticado o crime no momento da ação ou omissão (data da conduta): Art. 4º - Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado. Nos crimes permanentes e continuados aplica-se a lei em vigor ao final da prática criminosa, ainda que mais gravosa. Não é caso de retroatividade, pois na verdade, a lei mais grave está sendo aplicada aum crime que ainda está sendo praticado. Sobre o conflito aparente de leis penais, a doutrina resolve essa aparente antinomia através dos seguintes princípios: • Princípio da especialidade = norma especial prevalece sobre a geral, ex. infanticídio. • Princípio da subsidiariedade = primeiro tentar aplicar o crime mais grave, se não for o caso, aplicar a norma subsidiária, menos grave. • Consunção = ao punir o todo pune a parte. Ex. crime progressivo (o agente necessariamente precisa passar pelo crime menos grave), progressão criminosa (o agente queria praticar um crime menos grave, mas em seguida pratica crime mais grave), atos impuníveis (prévios, simultâneos ou subsequentes). Lei Penal no Espaço ▪ Lugar do Crime, Territorialidade e Extraterritorialidade Quanto à aplicação da lei penal no espaço, a regra adotada no Brasil é a utilização do princípio da territorialidade, ou seja, aplica- se a lei penal aos crimes cometidos no território nacional. Art. 5º - Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional. § 1º - Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto- mar. § 2º - É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil. Como o CP admite algumas exceções, podemos dizer que foi adotado o princípio da territorialidade mitigada/temperada. Fique atento, pois são considerados como território brasileiro por extensão: • Navios e aeronaves públicos; • Navios e aeronaves particulares, desde que se encontrem em alto mar ou no espaço aéreo. Ou seja, não estando no território de nenhum outro país. NOÇÕES DE DIREITO PENAL, PROCESSUAL PENAL 12 Por outro lado, a extraterritorialidade é a aplicação da lei penal brasileira a um fato criminoso que não ocorreu no território nacional. Extraterritorialidade Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: I - os crimes (EXTRATERRITORIALIDADE INCONDICIONADA): a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público; c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço; d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil; II - os crimes (EXTRATERRITORIALIDADE CONDICIONADA): a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; b) praticados por brasileiro; c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados. § 1º - Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro. § 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições: a) entrar o agente no território nacional; b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. § 3º - A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior: a) não foi pedida ou foi negada a extradição; b) houve requisição do Ministro da Justiça. Quanto ao lugar do crime, a teoria adotada é a da ubiquidade: Art. 6º - Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. Portanto, o lugar do crime é tanto o local da ação/omissão, quanto o local da ocorrência do resultado, ex. o local do disparo da arma e o local da morte. Conceito O crime, para a teoria tripartida, é fato típico, ilícito e culpável. Alguns, entendem que a culpabilidade não é elemento do crime (teoria bipartida). CRIMES. CLASSIFICAÇÃO. O FATO TÍPICO E SEUS ELEMENTOS. CRIME CONSUMADO E TENTADO. DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA E ARREPENDIMENTO EFICAZ. CRIMES IMPOSSÍVEIS. DOLO E CULPA. ERRO. ILICITUDE E CAUSAS DE EXCLUSÃO. EXCESSO PUNÍVEL. CULPABILIDADE NOÇÕES DE DIREITO PENAL, PROCESSUAL PENAL 13 Classificações • Crime comum: qualquer pessoa pode cometê-lo. • Crime próprio: exige determinadas qualidades do sujeito. • Crime de mão própria: só pode ser praticado pela pessoa. Não cabe coautoria. • Crime material: se consuma com o resultado. • Crime formal: se consuma independente da ocorrência do resultado. • Crime de mera conduta: não há previsão de resultado naturalístico. Fato Típico e Teoria do Tipo O fato típico divide-se em elementos: • Conduta humana; • Resultado naturalístico; • Nexo de causalidade; • Tipicidade. ▪ Teorias que explicam a conduta Teoria Causal- Naturalística Teoria Finalista (Hans Welzel) Teoria Social Conduta como movimento corporal. Conduta é ação voluntária (dolosa ou culposa) destinada a uma finalidade. Ação humana voluntária com relevância social. A teoria finalista da conduta foi adotada pelo Código Penal, pois como veremos adiante o erro constitutivo do tipo penal exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. Isso demonstra que o dolo e a culpa se inserem na conduta. A conduta humana pode ser uma ação ou omissão. Há também o crime omissivo impróprio, no qual a ele é imputado o resultado, em razão do descumprimento do dever de vigilância, de acordo com a TEORIA NATURALÍSTICO-NORMATIVA. Perceba a diferença: • Crime comissivo = relação de causalidade física ou natural que enseja resultado naturalístico, ex. eu mato alguém. • Crime comissivo por omissão (omissivo impróprio) = relação de causalidade normativa, o descumprimento de um dever leva ao resultado naturalístico, ex. uma babá fica no Instagram e não vê a criança engolir produtos de limpeza – se tivesse agido teria evitado o resultado. O dever de agir incumbe a quem? A quem tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância, ex. os pais. A quem tenha assumido a responsabilidade de impedir o resultado, ex. por contrato. A quem com o seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado (norma de ingerência), ex. trote de faculdade. Quanto ao resultado naturalístico, é considerado como mudança do mundo real provocado pela conduta do agente. Nos crimes materiais exige-se um resultado naturalístico para a consumação, ex. o homicídio tem como resultado naturalístico um corpo sem vida. Nos crimes formais, o resultado naturalístico pode ocorrer, mas a sua ocorrência é irrelevante para o Direito Penal, ex. auferir de fato vantagem no crime de corrupção passiva é mero exaurimento. Já os crimes de mera conduta são crimes em que não há um resultado naturalístico, ex. invasão de domicílio – nada muda no mundo exterior. Mas não confunda! O resultado normativo/jurídico ocorre em todo e qualquer crime, isto é, lesão ao bem jurídico tutelado pela norma penal. O nexo de causalidade consiste no vínculo que une a conduta do agente ao resultado naturalístico ocorridono mundo exterior. No Brasil adotamos a Teoria da Equivalência dos Antecedentes (conditio sine qua non), que considera causa do crime toda conduta sem a qual o resultado não teria ocorrido. Por algum tempo a teoria da equivalência dos antecedentes foi criticada, no sentido de até onde vai a sua extensão?! Em resposta a isso, ficou definido que como filtro o dolo. Ou seja, só será considerada causa a conduta que é indispensável ao resultado e que foi querida pelo agente. Assim, toda conduta que leva ao resultado do crime deve ser punida, desde que haja dolo ou culpa. Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. Em contraposição a essa teoria, existe a Teoria da Causalidade Adequada, adotada parcialmente pelo sistema brasileiro. Trata-se de hipótese de concausa superveniente relativamente independente que, por si só, produz o resultado. Mas pera... O que é uma concausa? Circunstância que atua paralelamente à conduta do agente em relação ao resultado. As concausas absolutamente independentes são aquelas que não se juntam à conduta do agente para produzir o resultado, e podem ser: • Preexistentes: Já tinham colocado veneno no chá do meu desafeto quando eu vou matá-lo. • Concomitantes: Atiro no meu desafeto, mas o teto cai e mata ele. • Supervenientes: Dou veneno ao meu desafeto, mas antes de fazer efeito alguém o mata. Consequência em todas as hipóteses de concausa absolutamente independente: O agente só responde por tentativa, porque o resultado se deu por causa absolutamente independente. Se subtrair a conduta do agente, o resultado teria ocorrido de qualquer jeito (teoria da equivalência dos antecedentes). Até aí fácil né? Mas agora vem o pulo do gato! Existem as concausas relativamente independentes, que se unem a outras circunstâncias para produzir o resultado. • Preexistente: O agente provoca hemofilia no seu desafeto, já sabendo de sua doença, que vem a óbito por perda excessiva de sangue. Sem sua conduta o resultado não teria ocorrido e ele teve dolo, logo, o agente responde pelo resultado (homicídio consumado), conforme a teoria da equivalência dos antecedentes. • Concomitante: Doses de veneno se unem e levam a óbito a vítima. Sem sua conduta o resultado não teria ocorrido e existe dolo, logo, o agente responde pelo resultado (homicídio consumado), conforme a teoria da equivalência dos antecedentes. • Superveniente: Aqui tudo muda, pois é utilizada a teoria da causalidade adequada. Se a concausa não é um desdobramento natural da conduta, o agente só responde por tentativa, ex. eu dou um tiro no agente, mas ele morre em um acidente fatal dentro da ambulância. Todavia, se a concausa é um desdobramento da conduta do agente, ele responde pelo resultado, ex. infecção generalizada gerada pelo ferimento do tiro (homicídio consumado). 8 NOÇÕES DE DIREITO PE Agora vem a cereja do bolo, com a Teoria da Imputação Objetiva (Roxin). Em linhas gerais, nessa visão, só ocorre imputação ao agente que criou ou aumentou um risco proibido pelo Direito, desde que esse risco tenha ligação com o resultado. Ex. Eu causo um incêndio na casa do meu desafeto, serei imputada pelo incêndio, não pela morte de alguém que entrou na casa para salvar bens. Explicando melhor, para a teoria da imputação objetiva, a imputação só pode ocorrer quando o agente tiver dado causa ao fato (causalidade física), mas, ao mesmo tempo, haja uma relação de causalidade normativa, isto é, criação de um risco não permitido para o bem jurídico que se pretende tutelar. Criar ou aumentar um risco + O risco deve ser proibido pelo Direito + O risco deve ser criado no resultado Por fim, a tipicidade consiste na subsunção – adequação da conduta do agente a uma previsão típica. Algumas vezes é necessário usar mais de um tipo penal para fazer a subsunção (conjugação de artigos). Ainda dentro do fato típico, vamos analisar dolo e culpa. Com o finalismo (Hans Welzel), o dolo e a culpa, que são elementos subjetivos, foram transportados da culpabilidade para o fato típico (conduta). Assim, a conduta passou a ser definida como ação humana dirigida a um fim. Crime Doloso • Dolo direto = vontade livre e consciente de praticar o crime. • Dolo eventual = assunção do risco produzido pela conduta. Perceba que no dolo eventual existe consciência de que a conduta pode gerar um resultado criminoso, e mesmo diante da probabilidade de dar algo errado, o agente assume esse risco. Dolo genérico Vontade de praticar a conduta descrita no tipo penal sem nenhuma outra finalidade Dolo específico (especial fim de agir) O agente pratica a conduta típica por alguma razão especial. Dolo direto de primeiro grau A vontade é direcionada para a produção do resultado. Dolo direto de segundo grau (dolo de consequências necessárias) O agente possui uma vontade, mas sabe que para atingir sua finalidade existem efeitos colaterais que irão necessariamente lesar outros bens jurídicos. Ex. dolo direto de primeiro grau é atingir o Presidente, dolo direto de segundo grau é atingir o motorista do Presidente, ao colocar uma bomba no carro. Dolo geral, por erro sucessivo, aberratio causae (erro de relação de causalidade) Ocorre quando o agente, acreditando ter alcançado seu objetivo, pratica nova conduta, com finalidade diversa, mas depois se constata que esta última foi a que efetivamente causou o resultado. Ex. enforco e depois atiro no lago, e a vítima morre de afogamento. NAL , PROCESSUAL PENAL Dolo antecedente, atual e subsequente O dolo antecedente é o que se dá antes do início da execução. O dolo atual é o que está presente durante a execução. O dolo subsequente ocorre quando o agente inicia a conduta com finalidade lícita, mas altera o seu ânimo e passa a agir de forma ilícita. Crime Culposo No crime culposo, a conduta do agente viola um dever de cuidado: • Negligência: o agente deixa de fazer algo que deveria. • Imprudência: o agente se excede no que faz. • Imperícia: O agente desconhece uma regra técnica profissional, ex. o médico dá um diagnóstico errado ao paciente que vem a receber alta e falecer. ▪ Requisitos do crime culposo a) Conduta Voluntária: o fim da conduta pode ser lícito ou ilícito, mas quando ilícito não é o mesmo que se produziu (a finalidade não é do resultado). b) Violação de um dever objetivo de cuidado: negligência, imprudência, imperícia. c) Resultado naturalístico involuntário (não querido). d) Nexo causal. e) Tipicidade: o fato deve estar previsto como crime culposo expressamente. f) Previsibilidade objetiva: o homem médio seria capaz de prever o resultado. Culpa Consciente Culpa Inconsciente O agente prevê o resultado como possível, mas acredita sinceramente que este não irá ocorrer. O agente não prevê que o resultado possa ocorrer. Só tem a previsibilidade objetiva, mas não subjetiva. Culpa Própria Culpa Imprópria O agente não quer o resultado criminoso. O agente quer o resultado, mas acha que está amparado por uma excludente de ilicitude ou culpabilidade. Consequência: exclui o dolo, mas imputa culpa. Não existe no Direito Penal brasileiro compensação de culpas, de maneira que cada um deve responder pelo o que fez. Outro ponto interessante é que o crime preterdoloso é uma espécie de crime qualificado pelo resultado. No delito preterdoloso, o resultado que qualifica o crime é culposo: Dolo na conduta inicial e culpa no resultado que ocorreu. O crime material consumado exige conduta + resultado naturalístico + nexo de causalidade + tipicidade. Nos crimes tentados, por não haver consumação (resultado naturalístico), não estarão presentes resultado e nexo de causalidade. Eventualmente, a tentativapode provocar resultado naturalístico e nexo causal, mas diverso do pretendido pelo agente no momento da prática criminosa. Na adequação típica mediata, o agente não pratica exatamente a conduta descrita no tipo penal, mas em razão de uma outra norma 9 que estende subjetiva ou objetivamente o alcance do tipo NOÇÕES DE DIREITO PENAL, PROCESSUAL PENAL 9 penal, ele deve responder pelo crime. Ex. O agente inicia a execução penal, mas em razão a circunstâncias alheias à vontade do agente o resultado pretendido (consumação) não ocorre – o agente é punido pelo crime, mas de forma tentada. Crime Preterdoloso O crime preterdoloso é uma espécie de crime qualificado pelo resultado. No delito preterdoloso, o resultado que qualifica o crime é culposo: Dolo na conduta inicial e culpa no resultado que ocorreu. Como consequência, o crime preterdoloso não admite tentativa, já que o resultado é involuntário. Erro de Tipo ▪ Erro de tipo essencial O agente desconhece algum dos elementos do tipo penal. Ou seja, há uma representação errônea da realidade, na qual o agente acredita não se verificar a presença de um dos elementos essenciais que compõe o tipo penal. Quem nunca pegou a coisa de alguém pensando que era sua?! Cometeu furto? Não, pois faltou você saber que a coisa era alheia. O erro de tipo exclui o dolo e a culpa (se foi um erro perdoável/escusável) ou exclui o dolo e o agente só responde por culpa, se prevista (no caso de erro inescusável). Outros exemplos: não sabe que o agente é funcionário público, em desacato; não sabe que é garantidor em crime comissivo por omissão; erro sobre o elemento normativo, ex. justa causa. Não restam mais dúvidas, certo? Erro de tipo é erro sobre a existência fática de um dos elementos que compõe o tipo penal. ▪ Erro de tipo acidental Aqui o erro ocorre na execução ou há um desvio no nexo causal da conduta com o resultado. • Erro sobre a pessoa: O agente pratica o ato contra pessoa diversa da pessoa visada, por confundi-la com o seu alvo, que nem está no local dos fatos. Consequência: o agente responde como se tivesse praticado o crime contra a pessoa visada (teoria da equivalência). • Erro sobre o nexo causal: o resultado é alcançado mediante um nexo causal diferente daquele que planejou. a) Erro sobre o nexo causal em sentido estrito: com um ato o agente produz o resultado, apesar do nexo causal ser diferente, ex. eu disparo contra o meu desafeto, mas ele morre afogado ao cair na piscina. Consequência: o agente responde pelo o que efetivamente ocorreu (morte por afogamento). b) Dolo geral/aberratio causae/dolo geral ou sucessivo: O agente acredita que já ocorreu o resultado pretendido, então, pratica outro ato (+ de 1 ato). Ao final verifica-se que o último ato foi o que provocou o resultado. Consequência: o agente responde pelo nexo causal efetivamente ocorrido, não pelo pretendido. • Erro na execução (aberratio ictus): é o famoso erro de pontaria, no qual a pessoa visada e a de fato acertada estão no mesmo local. a) Erro sobre a execução com unidade simples (aberratio ictus de resultado único): O agente somente atinge a pessoa diversa da pretendida. Consequência: responde como se tivesse atingido a pessoa visada. b) Erro sobre a execução com unidade complexa (aberratio ictus de resultado duplo): O agente atinge a vítima pretendida, e, também, a vítima não pretendida. Consequência: responde pelos dois crimes em concurso formal. NOÇÕES DE DIREITO PENAL, PROCESSUAL PENAL 10 • Erro sobre o crime ou resultado diverso do pretendido (aberratio delicti ou aberratio criminis): o agente pretendia cometer um crime, mas por acidente ou erro na execução acaba cometendo outro (relação pessoa x coisa ou coisa x pessoa). a) Com unidade simples: O agente atinge apenas o resultado não pretendido. Ex. uma pessoa é visada, mas uma coisa é atingida – responde pelo dolo em relação a pessoa, na forma tentada (tentativa de homicídio, tentativa de lesão corporal). Ex. Uma coisa é visada, mas a pessoa é atingida – responde apenas pelo resultado ocorrido em relação à pessoa, de forma culposa (homicídio culposo, lesão corporal culposa). b) Com unidade complexa: O agente atinge tanto a pessoa quanto a coisa. Consequência: responde pelos dois crimes em concurso formal. • Erro sobre o objeto (Error in objecto): imagine que o agente deseja furtar uma valiosa obra de arte, mas acaba subtraindo um quadro de pequeno valor, por confundir-se. Consequência: o agente responde pelo o que efetivamente fez. ▪ Erro determinado por terceiro O agente erra porque alguém o induz a isso, de maneira que o autor mediato (quem provocou o erro) será punido. O autor imediato (quem realiza) é mero instrumento, e só responderá caso ficar demonstrada alguma forma de culpa. Iter Criminis Iter Criminis significa caminho percorrido pelo crime. A cogitação (fase interna) não é punida – ninguém pode ser punido pelos seus pensamentos. Os atos preparatórios, em regra, também, não são punidos. A partir do início da execução do crime, o agente sofre punição. Caso complete o que é dito pelo tipo penal, o crime estará consumado; caso não se consume por circunstâncias alheias à vontade do agente, pune-se a tentativa. Tentativa O crime material consumado exige conduta + resultado naturalístico + nexo de causalidade + tipicidade. Nos crimes tentados, por não haver consumação (resultado naturalístico), não estarão presentes resultado e nexo de causalidade. Eventualmente, a tentativa pode provocar resultado naturalístico e nexo causal, mas diverso do pretendido pelo agente no momento da prática criminosa. Na adequação típica mediata, o agente não pratica exatamente a conduta descrita no tipo penal, mas em razão de uma outra norma que estende subjetiva ou objetivamente o alcance do tipo penal, ele deve responder pelo crime. Ex. O agente inicia a execução penal, mas em razão a circunstâncias alheias à vontade do agente o resultado pretendido (consumação) não ocorre – o agente é punido pelo crime, mas de forma tentada. O CP adotou a teoria dualística/realista/objetiva da punibilidade da tentativa. Assim, a pena do crime tentado é a pena do crime consumado com diminuição de 1/3 a 2/3 (varia de acordo o quanto chegou perto do resultado). Isso ocorre porque o desvalor do resultado para a sociedade é menor. — Tentativa branca ou incruenta = o agente não atinge o bem que pretendia lesar; — Tentativa vermelha ou cruenta = o agente atinge o bem que pretendia lesar; — Tentativa perfeita = o agente completa os atos de execução; — Tentativa imperfeita = o agente não esgota os meios de execução. NOÇÕES DE DIREITO PENAL, PROCESSUAL PENAL 11 ▪ Crimes que não admitem tentativa • Culposo (é involuntário); • Preterdoloso (o resultado é involuntário); • Unissubsistente (um ato só); • Omissivo puro (não dá para tentar se omitir); • Perigo abstrato (só de gerar o perigo o crime se consuma); • Contravenção (a lei quis assim); • De atentado/empreendimento (a tentativa já gera consumação); • Habitual (atos isolados são indiferentes penais). Desistência Voluntária e Arrependimento Eficaz Ambas afastam a tipicidade do dolo inicial e o agente só responde pelo o que fez (danos que efetivamente causou). • Na desistência voluntária, o agente voluntariamente desiste de dar sequência aos atos executórios iniciados, mesmo podendo fazê-lo (fórmula de Frank). O resultado não se consuma por desistência do agente. • No arrependimento eficaz, o agente pratica todos os atos de execução, mas após isto se arrepende e adota medidas que impedem a consumação. Atenção: se o resultado, ainda assim, vier a ocorrer, o agente responde pelo crime com uma atenuante genérica. Atenção: se o crime for cometido em concurso de pessoas e somente um deles realiza a conduta de desistência voluntária ou arrependimentoeficaz, esta circunstância se comunica aos demais. Motivo: Trata-se de exclusão da tipicidade, o crime não foi cometido, respondendo todos apenas pelos atos praticados até então. Arrependimento Posterior É uma causa de diminuição de pena para o crime já consumado, desde que: 1. Crime praticado sem violência ou grave ameaça à pessoa, ou culposo; 2. O juiz ainda não recebeu a denúncia ou queixa; 3. O agente reparou o dano ou restituiu a coisa voluntariamente. — A diminuição é de 1/3 a 2/3, a depender da celeridade e voluntariedade do ato. — O arrependimento posterior se comunica aos demais agentes. — Se a vítima se recusar a receber a reparação mesmo assim o agente terá a diminuição de pena. Crime Impossível (tentativa inidônea) Embora o agente inicie a execução do delito, jamais o crime se consumará. Por quê? O meio utilizado é completamente ineficaz ou o objeto material do crime é impróprio para aquele crime. Ex. Ineficácia absoluta do meio = arma que não dispara. Ex. Absoluta impropriedade do objeto = atirar em corpo sem vida. O CP adotou a teoria objetiva da punibilidade do crime impossível, ou seja, não é punido (atipicidade). Câmeras e dispositivos de segurança em estabelecimentos comerciais não tornam o crime impossível. Ilicitude Estado de Necessidade, Legítima Defesa, Estrito Cumprimento de Dever Legal, Exercício Regular de Direito. A ilicitude, também conhecida como antijuridicidade, nos traz a ideia de que a conduta está em desacordo com o Direito. Presente o fato típico, presume-se que o fato é ilícito. Assim, o ônus da prova passa a ser do acusado, ou seja, o acusado é quem vai precisar comprovar a existência de uma excludente de ilicitude. NOÇÕES DE DIREITO PENAL, PROCESSUAL PENAL 12 As excludentes da ilicitude podem ser genéricas (incidem em todos os crimes) ou específicas (próprias de alguns crimes). Causas genéricas = estado de necessidade; legítima defesa; exercício regular de direito; estrito cumprimento do dever legal. Causa supralegal de exclusão da ilicitude = consentimento do ofendido nos crimes contra bens disponíveis. a) Estado de Necessidade: Art. 24 – Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. § 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo. § 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços. De acordo com a TEORIA UNITÁRIA, o bem jurídico protegido deve ser de valor igual ou superior ao sacrificado. Ex. vida x vida. Se compromete um bem de maior valor para salvar um bem de menor valor incide uma causa de diminuição de pena (-1/3 a 2/3). Requisitos: — Perigo a um bem jurídico próprio ou de terceiro; — Conduta do agente na qual ele sacrifica o bem alheio para salvar o próprio ou do terceiro; — A situação de perigo não pode ter sido criada voluntariamente pelo agente; — O perigo tem que estar ocorrendo (atual); — O agente não pode ter o dever jurídico de impedir o resultado, ex. bombeiro; — A conduta do agente precisa ser inevitável (o bem jurídico só pode ser salvo se ele agir); — A conduta do agente precisa ser proporcional (salvar bem de valor igual ou maior). Estado de necessidade agressivo Estado de necessidade defensivo Estado de necessidade real Estado de necessidade putativo O agente prejudica o bem jurídico de terceiro que não produziu o perigo. Obs. o agente precisa indenizar. O agente sacrifica o bem jurídico de quem provocou o perigo. O perigo existe. Quando a situação de perigo não existe de fato, apenas na imaginação do agente. Consequência: se o erro é escusável, exclui dolo e culpa; se o erro é inescusável, exclui o dolo, mas responde por culpa, se prevista. • Estado de necessidade recíproco é possível, se nenhum deles provocou o perigo. • O estado de necessidade se comunica a todos os agentes. b) Legítima Defesa: Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. NOÇÕES DE DIREITO PENAL, PROCESSUAL PENAL 13 Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes. O agente pratica um fato para repelir uma agressão injusta, atual ou iminente (prestes a ocorrer), contra direito próprio ou alheio. Ex. o dono de um animal bravo utiliza o animal como instrumento de agressão contra outrem – o agente poderá se defender. • Cabe LD contra agressão de inimputável; • Ainda que possa fugir, o agente pode escolher ficar e repelir a agressão (no estado de necessidade não); • Os meios utilizados devem ser suficientes e necessários para repelir a injusta agressão (proporcionalidade); • Na LD putativa, o agente pensa que está sendo agredido. Consequência: se o erro é escusável, exclui dolo e culpa; se o erro é inescusável, exclui o dolo, mas responde por culpa, se prevista. • É possível que ocorra LD sucessiva, ex. A agride B, B repele a agressão de forma excessiva, A passa ter o direito de agir em LD em razão do excesso (agressão injusta). • Se o bem é indisponível, a vontade do dono (consentimento) é indiferente para a atuação da LD de terceiro. • Não cabe LD real em face de LD real, porque falta injusta agressão. Por outro lado, pode ter LD putativa (agressão injusta) sucedida por LD real (repelir agressão injusta). c) Estrito Cumprimento do Dever Legal: O agente comete um fato típico, em razão de um dever legal. Mas não confunda! Quando um policial numa troca de tiros mata um bandido não age em estrito cumprimento de dever legal, mas em LD, pois não existe o dever legal de matar, mas sim injusta agressão. • O estrito cumprimento do dever legal se comunica aos demais agentes. • Particular também pode estar amparado pelo estrito cumprimento do dever legal. d) Exercício Regular de Direito: O agente age no legítimo exercício de um direito seu (previsto em lei). Ex. lutas desportivas. EXCESSO PÚNIVEL: EM TODAS AS EXCLUDENTES DE ILICUTDE, EVENTUAL EXCESSO SERÁ PUNIDO, SEJA ELE DOLOSO OU CULPOSO! Culpabilidade: Imputabilidade Penal, Potencial Consciência da Ilicitude, Exigibilidade de Conduta Diversa O último elemento da análise analítica do crime é a culpabilidade. Lembre-se, para a teoria tripartida o crime é fato típico, antijurídico e culpável. Para a teoria bipartida a culpabilidade é pressuposto para a aplicação da pena. A culpabilidade é o juízo de reprovabilidade, e divide-se nas seguintes teorias: • Teoria Psicológica: Os causalistas acreditavam que o agente era culpável se imputável no momento do crime e se havia agido com dolo ou culpa. • Teoria normativa (psicológico-normativa): Além de imputável e com dolo ou culpa o agente tinha que estar consciente da ilicitude e ser exigível conduta diversa. • Teoria extremada da culpabilidade (normativa pura): Se coaduna com a teoria finalista, pois dolo e culpa transportaram-se para a tipicidade (dolo subjetivo). Para essa teoria, os elementos da culpabilidade são: imputabilidade + potencial consciência da ilicitude (dolo normativo) + exigibilidade de conduta diversa. NOÇÕES DE DIREITO PENAL, PROCESSUAL PENAL 14 • Teoria limitada da culpabilidade: A teoria normativa pura se divide em teoria extremada e teoria limitada. O que as diferencia é o tratamento dado ao erro sobre as causas de justificação (exclusão da ilicitude), isto é, descriminantesputativas. A teoria extremada defende que todo erro que recaia sobre uma causa de justificação seja equiparado ao ERRO DE PROIBIÇÃO. A teoria limitada divide o erro sobre pressuposto fático da causa de justificação e o erro sobre a existência ou limites jurídicos de uma causa de justificação. No primeiro caso (erro de fato) aplicam-se as regras do erro de tipo, que aqui passa a se chamar erro de tipo permissivo. No segundo caso (erro sobre a ilicitude da conduta) aplicam-se as regras do erro de proibição. Obs.: O CP adota a teoria normativa pura limitada, ou seja, separa o erro de tipo do erro de proibição. ▪ Elementos da culpabilidade: 1. Imputabilidade Penal: Capacidade de entender o caráter ilícito da conduta e autodeterminar-se conforme o Direito. Na ausência de qualquer desses elementos será inimputável, de acordo com o critério biopsicológico. O CP também adota o critério biológico, pois os menores de 18 anos são inimputáveis. Lembre-se que a imputabilidade penal deve ser aferida no momento que ocorreu o fato criminoso. Lembre-se, também, que em crime permanente só cessa a conduta quando a vítima é liberada (ex. sequestro), logo, a idade do agente vai ser analisada até que realmente cesse a conduta, com a libertação da vítima/apreensão do agente. O ordenamento jurídico prevê a completa inimputabilidade, que exclui a culpabilidade e impõe medida de segurança (sentença absolutória imprópria); bem como, prevê a semi-imputabilidade, que enseja medida de segurança (sentença absolutória imprópria) ou sentença condenatória com causa de diminuição de pena (-1/3 a 2/3). Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Redução de pena Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Atenção — Os índios podem ser imputáveis (integrados à sociedade), semi-imputáveis (parcialmente integrados à sociedade) ou inimputáveis (não integrados). — A conduta do sonâmbulo é atípica, pois falta conduta (dolo/ culpa). — A embriaguez acidental gera inimputabilidade (isenção de pena), desde que decorrente de caso fortuito ou força maior + completa + retirar totalmente a capacidade de discernimento do agente. Obs. se for parcial (retirar parcialmente a capacidade de discernimento do agente) a pena será reduzida. •Nos casos de embriaguez não se aplica medida de segurança, pois o agente não é doente mental. • A embriaguez voluntária e culposa não exclui a imputabilidade! • A lei de drogas exclui a imputabilidade do inebriado patológico. NOÇÕES DE DIREITO PENAL, PROCESSUAL PENAL 15 — A embriaguez preordenada (se embriaga para cometer crime) não retira a imputabilidade do agente, pelo contrário, trata- se de circunstância agravante da pena. 2. Potencial consciência da ilicitude: neste elemento da imputabilidade, é verificado se a pessoa tinha a possibilidade de conhecer o caráter ilícito do fato, de acordo com as suas características (não como parâmetro o homem médio). Quando o agente age acreditando que sua conduta não é penalmente ilícita comete erro de proibição. 3. Exigibilidade de conduta diversa: É verificado se o agente podia agir de outro modo. Caso comprovado que não dava para agir de outra maneira, no caso concreto, a culpabilidade é excluída (isenção de pena). Ex. coação moral irresistível – uma pessoa coage outra a praticar determinado crime, sob ameaça de lhe fazer algum mal grave. Obs. se a coação é física exclui a tipicidade pela falta de conduta. Obs. se podia resistir a coação, recebe apenas uma atenuante genérica. Ex. obediência hierárquica – funcionário público cumpre ordem não manifestamente ilegal emanada pelo seu superior (isenção de pena). Obs. se a ordem é manifestamente ilegal comete crime. Concurso de Pessoas O concurso de pessoas consiste na colaboração de dois ou mais agentes para a prática de um delito ou contravenção penal. De acordo com a teoria monista (unitária), todos respondem pelo mesmo crime, na medida de sua culpabilidade. Ex. 3 amigos furtam uma casa, todos respondem pelo crime de furto, mas o juiz vai valorar a conduta de cada um de acordo com a individualidade dos agentes. Concurso de pessoas eventual Concurso de pessoas necessário O tipo penal não exige a presença de mais de uma pessoa. O tipo penal exige que a conduta seja praticada por mais de uma pessoa. ▪ Requisitos do concurso de pessoas: — Pluralidade de agentes: Se um imputável determina que um inimputável realize um crime não existe concurso de pessoas, mas sim autoria mediata (o mandante é o autor do crime e o inimputável instrumento). Nos crimes plurissubjetivos (concurso de pessoas necessário), se um dos colaboradores não é culpável, mesmo assim haverá crime. Nos crimes eventualmente plurissubjetivos (concurso de pessoas eventual) não é necessário que todos os agentes sejam culpáveis, basta um deles para qualificar o crime, ex. o concurso de pessoas qualifica o furto, logo, se um é imputável, não importa se os demais são inimputáveis, pois o furto estará qualificado. Nesses casos que tem inimputáveis, mas eu considero o concurso para tipificar ou qualificar o crime a doutrina os denomina de concurso impróprio/aparente. — Relevância da colaboração: A participação do agente deve ser relevante para a produção do resultado. Ou seja, a colaboração que em nada contribui para o resultado é um indiferente penal. Além disso, a colaboração deve ser prévia ou concomitante à execução. A colaboração posterior à execução enseja crime autônomo, salvo o ajuste tenha ocorrido previamente. — Vínculo subjetivo (concurso de vontades): Ajuste ou adesão de um à conduta do outro. Caso não haja vínculo subjetivo entre os agentes haverá autoria colateral, e não coautoria. — Unidade de crime (identidade de infração): todos respondem pelo mesmo crime. — Existência de fato punível: a colaboração só é punível se o crime for, pelo menos, tentado (princípio da exterioridade – exige o início da execução). • Na autoria mediata por inimputabilidade do agente não basta que o executor seja inimputável, ele deve ser um instrumento do mandante (não ter o mínimo discernimento). • Na autoria mediata por erro do executor, quem pratica a conduta é induzido a erro pelo mandante (erro de tipo ou erro de proibição), ex. médico determina que enfermeira aplique uma injeção tóxica no paciente alegando que é um medicamento normal. • Na autoria mediata por coação do executor existe coação moral irresistível, a culpabilidade é apenas do coator, não do coagido (inexigibilidade de conduta diversa). • Para ter autoria mediata em crime próprio, o autor mediato (mandante) precisa reunir as condições especiais exigidas pelo tipo penal. Se o mandante não reúne as condições do crime próprio há autoria por determinação, punindo quem exerce sobre a conduta domínio equiparado à figura da autoria (autor da determinação da conduta/responsável pela sua ocorrência). • Nos crimes de mão própria não se admite autoria mediata, porque o crime não pode ser realizado por interposta pessoa. Todavia, pode ter a figura do autor por determinação (pune quem determinou o crime). Autor é quem pratica a conduta descrita no núcleo do tipo penal, todos os demais que de alguma forma prestarem colaboração serão partícipes. Essa teoria foi adotada pelo Código Penal e é denominada de teoria objetivo- formal. No entanto, atente-se para a teoria do domínio do fato (nos crimes dolosos), criada por Hans Welzel e desenvolvida por Claus
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