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1 O texto que se segue tem por objetivo analisar como os filmes A história oficial e No contribuem para a compreensão das ditaduras argentina e chilena e a construção das memórias acerca desse período. Introdução As ditaduras militares que assolaram o cone sul da América Latina durante as décadas de 1960 a 1980, foram marcadas por forte repressão aos que se colocavam contra os regimes instituídos, novas constituições que representavam as suas institucionalizações, além de alianças entre os governos. As ditaduras da Argentina e do Chile, foco deste texto, se iniciaram durante a década de 1970, se estendo até a seguinte. A ditadura militar na Argentina teve início em 1976, após o golpe contra a Presidente María Estela Martínez de Perón. Apesar de, se comparada, por exemplo, a brasileira, ter durado “pouco” tempo1, o número de desaparecidos foi na casa de milhares2. No Chile, a junta militar, encabeçada pelo general Augusto Pinochet, chegou ao poder em finais de 1973, após derrubar o presidente Salvador Allende, eleito democraticamente. Durante o período que estiveram no poder, a violência foi marca registrada dos militares, censuravam os que ousavam se opor, perseguiam todo tipo de gente que se colocava contra o poder instituído, estabeleciam inúmeros centros de tortura em diversos locais nos seus respectivos países, além de outras práticas. A disputa no que diz respeito ao campo do simbólico se deu de maneira acirrada entre os apoiadores e os opositores das ditaduras. De acordo com Ricardo A.S Mendes (2013), para Michel Foucault, o discurso é um meio pelo qual também se luta. Segundo o autor, argumentando sob a luz de Foucault, existe uma “disputa pelo predomínio de uma narrativa e de uma dada perspectiva sobre o passado. ” (MENDES, 2013. p. 174). Conforme Mendes (2013), para Bourdieu, nos momentos de polarização política e social, a luta pelo controle do simbólico se desenvolve se configurando como um fator de suma importância do confronto político. Nesse sentido, 1 A ditadura militar brasileira, dentre as do cone sul da América latina, foi a que durou mais tempo, se estendendo de 1964 a 1985, enquanto que na Argentino se iniciou em 1976 e se findou em 1983. 2 Segundo Emilio Crenzel (2010), com base no informe Nunca Más, o número de desaparecidos é de 8.960, contudo essa cifra tem um caráter aberto. 2 apoiadores e opositores travam uma intensa disputa em torno da memória a respeito do período. Para tanto, são feitos programas televisivos, livros, filmes, dentre outras coisas. Na Argentina, de acordo com Emilio Crenzel (2010), os militares, objetivando evitar que o passado fosse revisado, lançaram em abril de 1983, ano final da ditadura, o “Documento final de la junta militar sobre la guerra contra la subversión y el terrorismo” 3 no qual assumiam a responsabilidade frente a guerra contra os subversivos, relegando seu julgamento a Deus e apontando que responderam a um chamado constitucional para combater os subversivos. O programa e o livro Nunca Más, baseado no relatório da CONADEP (Comisión Nacional sobre la Desaparición de Personas), todos feitos no governo de Raúl Alfonsín, confrontaram diretamente com a narrativa dos militares, dando voz aos familiares e aos sobreviventes da violência perpetrada pelo Estado. Já no Chile, segundo Ricardo A. S Mendes (2013), o governo de Pinochet buscou impedir, obtendo um sucesso relativo, a disseminação de qualquer relato negativo sobre o golpe, ocorrido em setembro de 1973, e o período posterior, pois havia percebido o peso que tinha a dimensão simbólica. A seguir, será analisado como filmes podem nos auxiliar a compreender a história e a construção de memórias a respeito de determinados períodos, apontando como os filmes A história oficial e No contribuem para a compreensão sobre as ditaduras e a construção das memórias sobre este período nestes países. O cinema na análise histórica e na construção da memória: A história oficial e No O cinema possui diversas potencialidades como fonte para a análise histórica, contribuindo não só para a compreensão do período que retrata, mas também 3 CRENZEL, 2010. p. 6 3 ajudando na apreensão das preocupações do contexto em que é feito, expondo as contradições da sociedade, intencionalmente ou não. Nesse sentido, Marc Ferro tem uma contribuição significativa. De acordo com Eduardo Victorio Morettin (2003), Ferro entende que o cinema se constitui como um testemunho de caráter singular a respeito do seu tempo, estando a parte do controle de qualquer esfera de produção, sobretudo, o Estado. Para Ferro, segundo Morettin (2003), o filme traz à tona elementos que tem a capacidade de viabilizar uma análise da sociedade que é díspar das feitas por diferentes setores que a compõe, apresentando uma tensão própria. Com isso, o filme tem a capacidade de atingir as estruturas da sociedade, podendo expressar uma ideologia independente, se manifestando até mesmo em regimes de caráter totalitário, possibilitando uma contra história da sociedade. Conforme Morettin (2003), para Marc Ferro, o cinema traz informações que, sem o intuito, vão de encontro as intenções do autor, deixa lapsos, novos caminhos. Dessa forma, a realidade que é apresentada no filme não oculta uma outra que se manifesta de maneira independente. Nesse sentido, segundo Morettin (2003), o filme tem um caráter polissêmico, abrigando leituras diversas a respeito de determinado fato, sendo isso uma característica intrínseca a própria estrutura interna da obra. De acordo com Morettin (2003), Ferro entende que o filme produzido por setores marginalizados pela sociedade apresenta a forma mais clara da contra história via cinema. Nesse sentido, obras fílmicas como A história oficial, produção argentina do ano de 1985, e o No, produção chilena de 2012, nos permitem analisar não só o conteúdo que retratam, mas também o contexto em que foram feitas, auxiliando, assim, na compreensão sobre as ditaduras e a construção das memórias acerca deste período nestes países. No ano de 1985, um ano após a publicação da primeira edição do livro Nunca Más, foi lançado o filme A história oficial, sendo exibido em inúmeros países, ganhando o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1986. O filme retrata a história de um casal de classe média que adota uma criança e posteriormente a esposa descobre que a menina era filha biológica de desaparecidos políticos da ditadura militar 4 argentina, contudo, seu marido além de saber desse fato, colaborava com o poder instituído. O contexto em que foi lançado correspondia ao período de transição e consolidação da democracia. Nesse momento, o governo de Raúl Alfonsín, por meio do relatório CONADEP, grupos defensores dos direitos humanos e organizações ligadas a familiares de desaparecidos políticos, como as Madres de la Plaza de Mayo, buscaram elaborar uma história da ditadura militar contrária aquela posta pelos militares, constituindo uma nova verdade publica a respeito dos fatos (CRENZEL, 2003). O programa televisivo Nunca Más, assistido por milhões de pessoas4, e o livro de mesmo nome surgiram nesse sentido, objetivando construir uma imagem negativa da ditadura, expondo e denunciando os crimes cometidos pelos militares, dando voz aos familiares e os sobreviventes do terrorismo de estado5. O filme levanta questões acerca do período, tais como a colaboração de setores da sociedade civil com a ditadura, o desaparecimento, o sequestro e tortura de pessoas, a apropriação de crianças, um dos principais temas abordados na película, a alienação e o desconhecimento (proposital ou não) de determinados setores da sociedade chilena em relação as práticas da ditadura. A obra leva para as telas, de acordo com Gilberto M. A. Rodrigues (2015), o debate a respeito das imensas mazelas e perdashumanas da ditadura militar argentina. Contribuindo para a construção de uma memória baseada nos fatos que coloca a ditadura como um período obscuro na história do país, colaborando, querendo ou não, com o lema Nunca Más propagado pelo governo de Raúl Alfonsín, por grupos defensores dos direitos humanos e organizações como as Madres de la Plaza Mayo. O filme No foi lançado em 2012, um ano antes de se completar quarenta anos do golpe militar que derrubou o governo da Unidade Popular. A obra retrata a campanha pelo “não” feita em 1988, visando conseguir derrotar o governo de Pinochet 4 Segundo Emilio Crenzel (2010), o programa foi assistido por 1.600.000 pessoas. 5 A autora Sabrina Steike, em seu artigo A ditadura e a transição para a democracia na Argentina recente: desaparecimento de cidadão e cidadania, afirma que devido à preocupação com o considerável número de militantes no país se estruturou um aparato repressivo sem correspondente historico na Argentina, sendo denominado pela autora Alejandra Leonor Pascual como terrorismo de estado. 5 no plebiscito que ocorreria em breve. A vitória não era certa, na verdade muitos pensavam que não conseguiriam derrotar Pinochet, pensando que o ditador poderia fraudar o plebiscito, mas as fortes pressões internacionais reduziam este risco, ou, pior ainda, que a população pudesse decidir pela permanência de Pinochet no poder por mais oito anos. Para angariar a vitória contra a ditadura, era preciso mobilizar a população em torno do “não”, aproveitando da melhor forma possível os 15 minutos que teriam na televisão durante pouco mais de vinte dias. Para tanto, o personagem René Saavedra, publicitário, filho de exilados, adotou uma forma muito criticada para realizar a campanha. Acreditando que a campanha pelo “não” não deveria ser algo com uma mensagem pesada voltada ao passado, dando destaque a repressão e a violência da ditadura, optou por faze-la de forma alegre, voltada para o futuro, entendendo que essa era a melhor maneira de mobilizar a opinião pública. O contexto em que foi lançado o filme, como já assinalado, foi próximo do golpe contra Salvador Allende completar quarenta anos. Além disso, no ano seguinte ao lançamento do filme, ocorreria a eleição presidencial protagonizada por personagens que, de acordo com Ricardo A. S Mendes (2013), em uma simplificação excessiva, representariam projetos políticos que iriam defender (Evelyn Matthei) ou atacar (Michelle Bachelet) o legado da ditadura. Esses fatores e outros, conforme Mendes (2013), colaboraram para a retomada da disputa em relação a ditadura militar de forma com ainda mais força, sendo esse momento marcado por uma intensa disputa na esfera da memória. Nesse sentido, o filme pode ser visto como uma obra que faz parte dessa disputa, buscando construir uma memória negativa a respeito da ditadura, colocando em tela a campanha pelo “não” que, mesmo desacreditada por muitos, acabou se saindo vitorioso, pondo fim ao governo do ditador Pinochet. Enfim, o cinema é uma importante fonte para o historiador, auxiliando na compreensão não só do passado que visa representar, mas também do contexto no qual foi feito. Os filmes sobres as ditaduras da Argentina e do Chile são ótimos exemplos nesse sentido. Ambos auxiliam na compreensão das ditaduras e da construção das memórias acerca deste período nestes países. 6 Bibliografia CRENZEL, Emilio. Políticas de la memoria. La historia del informe Nunca Más MENDES, Ricardo A. S. 40 anos do 11 de Setembro: o golpe militar no Chile. Revista Estudos Políticos: a publicação eletrônica semestral do Laboratório de Estudos Hum(e)anos (UFF) e do Núcleo de Estudos em Teoria Política (UFRJ). Rio de Janeiro, nº 7, pp. 172-190, dezembro 2013. Disponível em: http://revistaestudospoliticos.com/ MORETTIN, E. V. O cinema como fonte histórica na obra de Marc Ferro. História: Questões e Debates. Curitiba, n. 8, p. 11-42, 2003. Editora UFPR. MARCOS A. RODRIGUES, G. "A História Oficial": Atualidade de um filme sobre ditadura e direitos humanos. Revista Extraprensa, v. 9, n. 1, p. 25-37, 29 dez. 2015. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/extraprensa/article/view/epx17-a03 STEIKE, Sabrina. Ditadura e transição para a democracia na Argentina recente: desaparecimento de cidadãos e cidadania. http://revistaestudospoliticos.com/ http://revistaestudospoliticos.com/ https://www.revistas.usp.br/extraprensa/article/view/epx17-a03 https://www.revistas.usp.br/extraprensa/article/view/epx17-a03 https://www.revistas.usp.br/extraprensa/article/view/epx17-a03 https://www.revistas.usp.br/extraprensa/article/view/epx17-a03 https://www.revistas.usp.br/extraprensa/article/view/epx17-a03 O texto que se segue tem por objetivo analisar como os filmes A história oficial e No contribuem para a compreensão das ditaduras argentina e chilena e a construção das memórias acerca desse período. Introdução O cinema na análise histórica e na construção da memória: A história oficial e No Bibliografia
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